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Editorial

Confraria dos Homens para a Castidade

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A Eutanásia em questão

Dom Bernard Tissier de Mallerais

 

Nota da Permanência: No momento em que a Cultura da Morte se lança sobre mais uma vítima, convém conhecer o que a Igreja nos ensina acerca do problema da Eutanásia.

  

Os motivos invocados: da compaixão ao cinismo

O sentimento de pena por aqueles que não têm cura, no estágio das “dores terminais”, intoleráveis para ele e para mim, obrigam-me a abreviar os seus sofrimentos. Eu vou lhe aplicar uma injeção, como fazemos com os animais. Desse modo, não faço mais do que apressar uma morte absolutamente inevitável (cf. D. C. 1885, 1128).

A dignidade humana funda um “direito a morrer com dignidade”. Ora, os sofrimentos intoleráveis ou o estágio de inconsciência são indignos do homem. Eu tenho portanto o direito de preveni-los ou abreviá-los… (cf. L’Alsace 21.09.1984)

A liberdade, apanágio da pessoa humana, deve estender-se igualmente à “escolha da vida”, à “escolha da morte” (tema do Congresso de Nice, 21-23.09.1984 — organizado pela ADMD: Associação pelo Direito de uma Morte Digna). Eu afirmo minha liberdade ao não me deixar impôr pela natureza uma morte contrária ao meu alvitre. O suicídio de Henri de Montherlant, condenado pelo seus médicos, foi a morte de um homem livre! (Continue a ler)

Gustavo Corção, animal-professor, escritor genial

Dom Lourenço Fleichman, OSB

O texto sobre Gustavo Corção que publicamos aqui foi escrito para a Revista citada no artigo em 2010. Vale notar que as publicações da Permanência sobre Gustavo Corção, seus artigos publicados no site e depois em livros de coletâneas, atraíram a atenção de alguns poucos estudiosos e pensadores. Foi assim que algumas teses acadêmicas foram escritas, e livros publicados. Hoje já é mais fácil encontrar Gustavo Corção nas livrarias do que na época em que escrevi esse artigo.

Se a Revista Conhecimento Prático de Literatura fizesse uma pesquisa junto a seus leitores com as seguintes perguntas:

- qual o autor brasileiro que foi considerado sucessor de Machado de Assis?
- qual o autor brasileiro que teve seu primeiro livro esgotado em menos de um mês?
- qual o escritor nacional que foi indicado por Manuel Bandeira para o Premio Nobel de Literatura?

Quem pensaria em Gustavo Corção? Pode-se dizer que Corção é um ilustre desconhecido, tendo sido esquecido e abandonado pelo mundo dos intelectuais. Hoje dificilmente se imagina a importância desse escritor nos vinte e cinco anos de sua carreira literária. Seu pensamento é de tal personalidade e profundidade que atraiu a atenção e a amizade dos grandes que o precederam. Vejam o que dizia dele o grande crítico Oswaldo de Andrade:

“Não me lembro de em toda a minha vida ter conhecido, entre artistas e literatos, uma figura tão impressionante como a de Gustavo Corção. Privei com Inglês de Souza, que era meu tio, conheci de perto João Ribeiro, Alberto de Oliveira e o nobre Emílio de Menezes. Fui íntimo de Villa-Lobos e Mário de Andrade. Na Europa me liguei a Picasso e Leger, Cocteau e Cendras, a esse original e magnífico Valéry Larbaud, a Supervielle e Romains, enfim, a toda uma geração revolucionária do começo do século. E apenas, com outro tom, mas a mesma doçura sarcástica, alguém me lembra o autor excelso de Lições de Abismo. Era um velho de 70 anos e tinha sido cruelmente abandonado por todos os seus amigos, quando o encontrei, no Quartier Latin. Chamou-se Eric Satie. E talvez venha a ser um dia considerado o maior gênio musical do século XX.

O que caracteriza essas naturezas que vão do doce ao amargo sem contraste é o que nelas há de inquebrável. Gustavo Corção é um inquebrável — faca de dois gumes. E isso muito se liga às virtudes intelectuais que o fazem, sem dúvida, o nosso maior romancista vivo. Nas Lições de Abismo como também na Descoberta do Outro não vejo concessões.
O que vejo é uma extraordinária e lúcida natureza de criador, ou melhor, de restituidor, pois que arte é restituição. Depois de Machado de Assis aparece agora um mestre do romance brasileiro.”
Correio da Manhã
, Rio de Janeiro, 5-4-1952 (Continue a ler)

Cantores hoje, católicos amanhã

Irmãs da FSSPX

 

 

Tantas mães católicas hoje choram por crianças que se perderam nesse pobre mundo! Quando o filho pródigo voltou para casa, foi porque pensou na incomparável alegria que sentia no local. Há uma maneira muito simples que os pais podem utilizar para desenvolver e fomentar essa alegria: através das canções. A Educação é, acima de tudo, um respiro, e as canções lançam o perfume do bom humor que tanto favorece a saúde física e moral, ajudando a despertar a inteligência, remover os perigos do vício e da corrupção e contribuindo com o crescimento da virtude. É uma inclinação tão natural aos seres humanos que dificilmente se recusam a participar. O que nossas crianças cantarão no futuro, quando seus corações estiverem cheios de entusiasmo, se ninguém se ocupar de sua formação através de boa música? Provavelmente terão prazer em ouvir as canções modernas – esses agentes facilitadores de depravação moral. Sim, a música tem poder sobre o coração dos homens – para o bem ou para o mal. Devemos acrescentar que as canções estimulam nossa capacidade de ouvir, o que pode vir a poupar os jovens de problemas na escola. Além disso, o estudo do ritmo influencia o cérebro, desenvolvendo a lógica e a razão.

Caridade e bem-aventuranças

 

Garrigou-Lagrange, OP

 

 

Introdução

A perfeição cristã, segundo o testemunho do Evangelho e das Epístolas, consiste especialmente na caridade que nos une a Deus1. Essa virtude corresponde ao maior dos Mandamentos, que é o do amor de Deus. Também foi dito: “quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele2. E ainda: “sobretudo, porém, tende caridade, que é o vínculo da perfeição3.

Os teólogos perguntaram-se sobre se, para alcançar a perfeição propriamente dita, não a dos iniciantes, ou a das almas em progresso, mas a que caracteriza a via unitiva, seria preciso grande caridade, ou se poderia obtê-la sem grau elevado dessa virtude.

Alguns autores4 sustentaram que não seria preciso alto grau de caridade para a perfeição propriamente dita, visto que, segundo Santo Tomás “a caridade, mesmo em grau inferior, é capaz de vencer todas as tentações”5.  (Continue a ler)

  1. 1. Cf. S. Tomás, IIa IIae, q. 184, a. 1.
  2. 2. 1Jo 4, 16.
  3. 3. Cl 3, 14.
  4. 4. Entre eles, é preciso citar Suarez, de Statu perfectionis, 1. 1, c. 4, nº. 11, 12, 20. Essa opinião invocaram alguns que não queriam admitir que a perfeição cristã requer grande caridade e os dons do Espírito Santo em grau proporcional; em outras palavras, que a contemplação infusa procedente da fé viva iluminada pelos dons está na via normal da santidade e é como que o prelúdio normal da visão beatífica.
  5. 5. Cf. III Sent., d. 31, q. 1, a. 3; IIIa q. 62, a. 6, ad 3.

Ensinando aos pequeninos a devoção à Maria

 

Irmãs da FSSPX

 

 

“Ah, mamãe! Te amo tanto que nem sei dizer!”. Que mãe não se sentiria tocada com essas palavras ditas por sua filha de quatro anos? São a forma que uma criança usa para expressar sua gratidão. É claro que a grandeza do sacrifício feito pelas mães e seu grande amor permanecem sempre parcialmente invisíveis. Porém uma criança, mesmo em seus primeiros anos, sente o amor que advém do coração de sua mãe. Ela vê – ou melhor, sabe – que a mãe estará sempre por perto. Se ela cai enquanto brinca, corre para a mamãe. Se tem pesadelos, chora chamando por ela. Se está com sede ou fome sabe, sem pestanejar, que a mãe resolverá.  

Sim, até mesmo pelos olhos de uma criança pequena, o coração de uma mãe é algo indispensável e sem limites. E, à sua maneira, ela tenta retribuir esse amor. Flores sem caules cuidadosa e amorosamente colhidas para a mamãe, enquanto pensa: “O papai faz isso por ela, então vou fazer também!”. Quando a mãe está doente ou cansada, o filho leva até ela um copo d’água e dá-lhe um beijinho: “Mamãe faz assim quando estou doente; vou fazer também!”.

Vocês sabem muito bem, queridas mães, que seus filhos têm uma outra mãe, a Mãe do próprio Deus. Seu maior desejo deve ser que eles aprendam a conhecer essa mãe tão maravilhosa que, mesmo não sendo visivelmente presente em seus lares, derrama sua afeição maternal em cada uma das crianças. Durante as separações inevitáveis que ocorrem entre mães e filhos, quão grande é nosso consolo em saber que essa Mãe cuidará de nossos rebentos!

Como praticar essa verdade e ensinar nossos filhos a conhecer e amar nossa Mãe Celeste? Será que são capazes de compreender mesmo sendo tão jovens? (Continue a ler)

A atual perseguição religiosa no mundo islâmico

Nota da Permanência:

Siri Lanka, 21 de abril de 2019. Um grupo de muçulmanos se lançou contra três igrejas deixando um saldo de mais de 200 mortos.

Não se tratou de um caso isolado, no entanto, e sim de apenas um capítulo a mais na longuíssima lista dos crimes do islamismo.

Todos se lembram do massacre do Bataclan ou do assassinato do Padre Hamel, na França; ou ainda, dos atentados do Domingo de Ramos de 2017, no Egito, que deixaram 47 mortos, ou dos ataques em Barcelona no mesmo ano, deixando muitos mortos e mais de cem feridos. Os atentados de 11 de setembro permanecem nas memórias de todos.

No entanto, é pouco conhecida a real extensão da perseguição religiosa atual no mundo islâmico. Afeganistão, Iraque, Egito, Nigéria e Paquistão são alguns dos países em que ela se mostra sistemática, geral e sangrenta. É criminosa a omissão da imprensa em noticiar esses fatos.

O mérito do texto que apresentamos em seguida, tirado do artigo Muslim Persecution of Christians, é precisamente o de revelar a extensão dos horrores que ocorrem nas terras de Alah.

Advertimos o leitor, contudo, contra o uso do termo “cristãos” – adotado pelo autor para designar comumente católicos, protestantes e ortodoxos. Se aos olhos dos algozes islâmicos não há diferença entre eles, tal como a água e o azeite, não se misturam a Verdade e o erro.  

Soa o dobre por Notre Dame

Dom Lourenço Fleichman OSB

Acompanhei um pouco a situação em Paris pelos jornais franceses, e me parece importante escrever para os meus fiéis e leitores do site, para lhes falar um pouco sobre esse acontecimento estranho do incêndio de Notre Dame de Paris.

Muitas catedrais, igrejas, mosteiros queimaram em incêndios antes desse. Muitos terremotos derrubaram suas flechas monumentais, como vimos hoje cair a de Paris. 

Mas não posso deixar de considerar que essa destruição tem um caráter diferente. Antes do fogo destruir esta Citadela da Fé católica, há muito tempo já desaparecera o fogo que a levantara há cerca de 1.000 anos atrás.

Quando leio nos jornais os políticos falando de cultura, de Europa, de arte, não posso deixar de pensar na culpa que esses senhores têm por tudo o que foi jogado fora de civilização católica, dos mil anos da Cristandade, da Idade Média. Não posso impedir que brote no coração o ódio por essa Revolução que há 250 anos destrói o que nossos heróis construíram, para pasmo do mundo moderno, pelo simples amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a sua Mãe Maria, e a sua Esposa, a Santa Igreja  Católica Apostólica Romana.

Não posso deixar de odiar com todas as forças da alma esse Modernismo de Vaticano II, que ainda hoje derruba as simbólicas cruzes da fé nos corações.

Na verdade o mundo moderno e a Igreja modernista não merecem esses monumentos da fé antiga, pois que a repudiaram com desprezo e violência.

Era normal que, na Apostasia Geral em que vivemos, os marcos da fé de outrora fossem desaparecendo, como destruídos foram os Sacramentos, as Orações, o Sacerdócio, as igrejas e tudo o mais que ocupava pela vida interior esses mesmos monumentos.

Mas a vida continua.

Já estão arrecadando o dinheiro da reconstrução. Muito dinheiro. Já anunciaram que reunirão os melhores artífices do mundo para refazer o que foi destruído pelas chamas. De que serve? Levantarão uma Catedral do Pluralismo revolucionário. Cantarão loas à Fraternidade universal. Incensarão a deusa Liberdade no altar da nova Notre Dame. E todos, unidos pela Igualdade sem Jesus crucificado, soltarão fogos no dia da inauguração. 

No limiar da nossa Semana Santa, quando nos preparamos para o luto litúrgico pela Paixão e Morte de Cristo, soa o dobre por Notre Dame.

E mais uma vez choramos a destruição da fé.

Domingo que vem nos alegraremos com Cristo Ressuscitado, e poderemos tratar da nossa salvação eterna, nos nossos esconderijos, nas nossas catacumbas da Tradição.

A verdade do Evangelho no filme "A Paixão de Cristo"

Pe. Bertrand Labouche - FSSPX

 

[Nota da Permanência: o texto seguinte é a transcrição de uma conferência dada pelo autor em um evento da Permanência ocorrido muitos anos atrás, sobre o filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson]

“‘Quem a ti me entregou tem maior pecado’ (Jo 19, 11). Essa frase, em que Jesus relativiza a culpa de Pilatos, só aparece no Evangelho de João, o mais místico e peculiar dos quatro. Para os historiadores, as fontes mais fidedignas são os escritos de Mateus, Marcos e Lucas”, afirma Isabela Boscov na revista “Veja" de 03/03/04.

Dois outros versículos do Evangelho são postos em dúvida, senão negados, especialmente pelos judeus que até exigiram que fossem tiradas por serem anti-semitas: 

“Os seus não O receberam” (Jo 1, 11).

“Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos” (Mt 27,25). Aliás, Mel Gibson teve de aceitar, para acalmar os espíritos, que este versículo não aparecesse traduzido na tela, embora seja pronunciado em hebreu.

Estas objeções, dúvidas, críticas sobre um texto evangélico não dizem respeito diretamente ao realizador do filme “A Paixão de Cristo”, mas bem ao santo Evangelho. A polêmica não é cinematográfica mas exegética, quer dizer, trata da interpretação da Sagrada Escritura. 

Portanto, é oportuno reafirmar a autenticidade e a veracidade dos Evangelhos: 

• pela razão, por meio da apologética, que é a defesa racional da fé. 

• pela fé, que nos obriga a acreditar firmemente que o Autor da Sagrada Escritura é o próprio Deus, que não se pode enganar, nem enganar-nos. 

Estudaremos especialmente o evangelho de S. João, por ser o alvo principal de vários ataques a propósito do filme de Mel Gibson, “A Paixão de Cristo”. Mas é claro que a nosso argumentação valeria também para os sinópticos (Mt., Mc., Lc.)  (Continue a ler)

O número dos eleitos

 

Pe. Bernard Marechaux

 

 

 

Domine, si pauci sunt qui salvantur?

Senhor, são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23.)

 

 

Primeira Parte: A Tradição

I – A fé e a razão

A fé em nada se assemelha às opiniões humanas: ela prescinde da concepção subjetiva do espírito – que variaria segundo os indivíduos – e corresponde à substância duma verdade firme e imutável.

A fé se fez a si mesma; por isso, a razão humana tem de aceitá-la como Deus a apresentou e não julgá-la, pois não é capaz disso; ademais, deduzir e coordenar as conseqüências que decorrem dela é um ministério belíssimo.

Em suma, a fé não é objeto submisso à razão, mas tem princípios que ultrapassam a razão, sem com isso contradizê-la. A fé tem regras e elementos de tal amplitude que deixam a razão (o termo, acreditamos, é de Bossuet) desconcertada, como as parábolas cuja imensa abertura escapa a qualquer medida. Por isso, a razão não se deve retirar ou isentar, menos ainda se insurgir, se na fé existem elementos que excedem a compreensão e a deixam escandalizada, por causa duma como incompatibilidade que a razão acredita haver encontrado. Nestes lances é obrigatório que a razão se imponha silêncio a si, humilhe-se e adore. Tão logo se humilhe e adore, decerto descobrirá, na obscuridade do mistério, as luzes que lhe hão de saciar a legítima necessidade de conhecimento, pacificar a inquietação – e quiçá deliciá-la.

Essas reflexões nos vêm ao espírito, no momento em que tratamos da temível questão do número – do reduzido número – dos eleitos, pois é este um dos problemas que mais incomodam as susceptibilidades e causam repugnância à razão humana.

Pois bem!, exclama a razão, poucos serão os eleitos? Perder-se-á eternamente a multidão do gênero humano? Seria frustra para a maioria da humanidade a redenção que o sangue de Jesus Cristo operou? Seria a misericórdia de Deus dalgum modo vencida pela justiça divina? Recolheria ela apenas poucos eleitos e deixaria cair no abismo eterno a avalancha dos condenados?

Assim fala a razão, seguindo o impulso da sensibilidade natural. Ora essa linguagem não é sóbria nem judiciosa. O número dos eleitos é uma questão de fato, sobre que o raciocínio perde todos os direitos. Dá-nos a Sagrada Escritura – expressão do pensamento divino – algum esclarecimento sobre o problema dos destinos humanos? Eis o que se deve buscar com espírito submisso, e uma vez exposta à luz meridiana a resposta da Sagrada Escritura, à razão só lhe cabe inclinar-se e adorar.

Na Sagrada Escritura se encontram a respeito do problema dos eleitos textos concordantes que sempre nos pareceram peremptórios.

Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela. Que estreira é a porta, e que apertado o caminho que conduz à vida, e quão poucos são os que acertam com ele. (Mt 7, 13-14).

São muitos os chamados, e poucos os escolhidos (Mt 20, 16 e 22, 14).

E alguém lhe perguntou: “Senhor, são poucos os que se salvam?” E ele disse-lhes: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita (da penitência); porque vos digo que muitos procurarão entrar, e não o poderão”. (Lc 13, 23-25).

Ao nosso ver, as declarações do Salvador são duma clareza indubitável. Como negar que não se está falando da salvação das almas? Estão abertos os dois caminhos: o largo que conduz à perdição, e o apertado que conduz à vida. E é com dor que Nosso Senhor atesta, numa concepção abrangente, que muitos caminham no primeiro e poucos seguem o segundo.

E se alguém alegar que a misericórdia divina há de impedir à beira do abismo a maioria dos homens que nele se precipita? Nosso Senhor destroçou essa ilusão, quando à pergunta dos discípulos: “São poucos os homens que se salvam?”, respondeu ele: “Procurai entrar pela porta estreita; porque, digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão.” Assim quem não se esforça a fim de entrar pela porta estreita, não há de ser um esforço tardio que lhe vai permitir a entrada, ficando deste modo do lado de fora.

Esses textos se nos apresentam – nunca é demais repetir – com tal clareza que nenhuma agudeza os poderia obscurecer.

Mas é preciso interpretar a Sagrada Escritura de acordo com o ensinamento da Igreja que, revigorando-se a cada época, constitui a chamada Tradição. Em qualquer ponto em que haja ambigüidade, a Tradição em último caso fixa a doutrina que os fiéis devem considerar de fato como a palavra de Deus.

Se o problema é o número dos eleitos – consultemos a Tradição.

Se a voz dos primeiros padres, dos doutores da Igreja, dos escolásticos da Idade Média, dos teólogos e dos célebres pregadores modernos nos declara que os eleitos, i. e. os salvos, são poucos em relação aos condenados, é evidente que o problema está resolvido. A Sagrada Escritura de per si já era bem clara; por seu lado, a Tradição não permite que nos desviemos do sentido óbvio dos textos, por isso estabelece duma vez para sempre a interpretação e a impõe como regra para os cristãos.

Eis como o Concílio de Trento estabelece a autoridade da Igreja e dos Padres, em relação à interpretação da Sagrada Escritura:

Para reprimir a petulância de certos espíritos, o Santo Concílio não permite que ninguém – apoiando-se sobre a prudência pessoal, nas coisas relativas à fé e aos costumes – ouse amoldar a Sagrada Escritura aos próprios sentimentos, e interpretá-la de encontro ao sentido que apregoou e apregoa a Nossa Madre Igreja, à qual pertence julgar o verdadeiro sentido e a verdadeira interpretação das Sagradas Escrituras, ou ainda contra o unânime e concordante ensinamento dos Padres.

Assim o espírito humano não está livre para seguir os próprios sentimentos em questões escriturárias: deve ele consultar a Tradição da Igreja e também o ensinamento dos Padres, que constitui uma parte importantíssima da Tradição. No momento em que se reconheça que a Tradição fixou o sentido dum texto, não é mais lícito buscar e abraçar outra interpretação.

Ora, já se pronunciou a Tradição sobre o problema do número dos eleitos? Têm os Padres um ensinamento unânime? É o que vamos estudar e relevar. Após analisarmos os Padres da Igreja, seguiremos o influxo da Tradição nos grandes teólogos da Idade Média, e depois nos autores mais santos e reputados da modernidade, que estão de pleno acordo com os Padres acerca do ensinamento do pequeno número dos eleitos, como iremos constatar. (Continue a ler)

Edição Hors Série

Março 30, 2019 escrito por admin

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