Category: Santo Tomás de Aquino
O quarto discute–se assim. – Parece que a paciência não faz parte da coragem.
1. – Pois, uma coisa não pode ser parte de si mesma. Ora, a paciência parece ser o mesmo que a coragem, porque, como se disse, o ato próprio da coragem é suportar; o que também o faz a paciência, pois, como ensina um autor, a paciência consiste em suportarmos os males alheios. Logo, a paciência não faz parte da coragem.
2. Demais. – A coragem versa sobre os temores e as audácias, como se estabeleceu; ora, eles tem a sua sede no irascível. Mas, parece serem as tristezas o objeto da paciência que, portanto, tem a sua sede no concupiscível. Logo, a paciência não faz parte da coragem mas, antes da temperança.
3. Demais. – O todo não pode existir sem a parte. Se, pois, a paciência faz parte da coragem, esta nunca pode existir sem aquela; contudo, às vezes o forte longe de tolerar pacientemente o mal ataca ao que o faz. Logo, a paciência não faz parte da coragem.
Mas, em contrário, Túlio a considera parte da coragem.
SOLUÇÃO. – A paciência é uma como parte potencial da coragem, porque se anexa a esta como a virtude secundária, à principal. Pois, à paciência é próprio suportar com equanimidade os males alheios, como diz Gregório. Ora, dos males que os outros nos causam, os piores e mais difíceis de suportarmos são os que nos põem em perigo de morte, objeto da coragem. Por onde é claro que, nesta matéria, o papel principal é o da coragem, como a que vindica para si o que é, no assunto, o mais importante. Portanto, a paciência lhe está anexa, como virtude secundária à principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É próprio da coragem suportar, não quaisquer males, mas, os mais difíceis de se tolerarem; e tais os que nos fazem correr perigo de morte. Ao passo que é próprio da paciência tolerar quaisquer males.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O ato da coragem não consiste somente em perseverarmos no bem, resistindo ao temor de perigos futuros, mas também em não desanimarmos por tristeza ou dor causadas pelos males presentes; e por ai a paciência tem afinidades com a coragem. E contudo a coragem versa principalmente sobre os temores, que por natureza nos levam a fugir – o que a coragem impede. Ao passo que a tristeza concerne mais principalmente às tristezas; pois paciente se chama não quem foge, mas quem se comporta como deve, sofrendo o que atualmente o faz sofrer, de maneira a não se entristecer desordenadamente com tais coisas. Por onde, a coragem tem propriamente a sua sede no irascível; a paciência, porém, no concupiscível. O que não impede seja a paciência parte da coragem; porque a adjunção de uma virtude a outra não se funda no sujeito mas, na matéria ou forma. Contudo, a paciência não é considerada parte da temperança, embora ambas tenham a sua sede no concupiscível; porque a temperança concerne só aos sofrimentos opostos às deleitações sensíveis por exemplo, as resultantes da abstinência da comida ou dos prazeres venéreos – ao passo que a paciência principalmente concerne aos sofrimentos que os outros nos causam. Demais à temperança pertence refrear esses sofrimentos, bem como os prazeres contrários. Ao passo que é próprio da paciência fazer com que não abandonemos o bem da virtude, por causa desses sofrimentos, sejam eles quais forem.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A paciência pode, sob um certo dos seus aspectos, ser considerada parte integrante da coragem. Ora, a objeção se funda nisto, a saber, em suportarmos pacientemente os males que nos fazem correr perigo de morte. Nem vai contra a natureza da paciência atacarmos, quando for necessário, quem nos faz mal; porque, como diz Crisóstomo aquilo da Escritura – Vai–te, Satanás – sofrermos com paciência as injúrias, que nos assacam, é digno de louvor; mas, é excesso de impiedade tolerar pacientemente as injúrias feitas contra Deus. E Agostinho acrescenta que os preceitos da paciência não contrariam ao bem público, para conservar o qual lutamos contra os inimigos. – Mas, se a paciência tem como objeto quaisquer outros males, ela se anexa à coragem como virtude secundária à principal.
O terceiro discute–se assim. – Parece que podemos ter a paciência sem a graça.
1. – Pois, aquilo a que a razão mais inclina é mais capaz de satisfazer plenamente à criatura racional. Ora, é mais racional sofrermos o mal por causa do bem, do que por causa do mal. Ora, certos, com a virtude própria e sem auxílio da graça, sofrem o mal por causa do mal; assim, diz Agostinho: Por causa do que amam viciosamente, os homens suportam muitos trabalhos e dores. Logo, com maior razão, o homem pode sofrer o mal por causa do bem, que é ser verdadeiramente paciente, sem o auxílio da graça.
2. Demais. – Os que não estão em estado de graça, mais aborrecem os males do vício do que os do corpo; assim lemos que certos pagãos toleraram muitos males, para não traírem a pátria nem cometerem qualquer outra ação desonesta. Ora, proceder assim é ser verdadeiramente paciente. Logo, podemos ter paciência sem o auxílio da graça.
3. Demais. – Manifesto é que muitos, para recuperarem a saúde do corpo, padecem graves e amargos sofrimentos. Ora, a saúde da alma não é menos desejável que a do corpo. Logo, pela mesma razão, para salvação da alma podemos suportar muitos graves sofrimentos, o que é ser verdadeiramente paciente, sem o auxilio da graça.
Mas, em contrário, a Escritura: Dele, isto é, de Deus, é que vem a minha paciência.
SOLUÇÃO. – Diz Agostinho: A força dos desejos nos jaz suportar os sofrimentos e as dores; e ninguém aceita espontaneamente tolerar o que crucia, senão por causa do prazer. E a razão é porque a nossa alma aborrece a tristeza e a dor em si mesmas; por isso não escolherá nunca sofre–las, em si mesmas consideradas, senão só em vista de um fim. Por onde, o bem por causa do qual preferimos sofrer um mal há de necessariamente ser mais querido e amado do que aquele cuja privação nos causa a dor, que pacientemente toleramos. Ora, só pela caridade, que ama a Deus acima de todas as coisas, é que preferimos o bem da graça a todos os bens naturais, cuja perda possa nos causar dor. Por onde, é manifesto que a paciência, enquanto virtude é causada pela caridade, conforme aquilo do Apóstolo – A caridade é paciente. Ora, é claro que a caridade não a podemos ter senão pela graça, segundo o Apóstolo: A caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Portanto é claro que não podemos ter paciência senão com auxílio de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Em a natureza humana, se fosse integra; prevaleceria a inclinação racional, mas, em a natureza corrupta prevalece a inclinação da concupiscência, que é dominante no homem. Por isso, somos mais inclinados a suportar os males, por causa dos bens, em que, no momento presente, se compraz a concupiscência, do que tolerá–los por causa de bens futuros desejáveis racionalmente, o que, contudo constitui a verdadeira paciência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O bem da virtude política é proporcionado à natureza humana. Portanto, sem o auxílio da graça gratuita, a nossa vontade pode buscá–lo: embora não, sem o auxílio de Deus. Ao passo que o dom da graça, é sobrenatural; e por isso não podemos buscá–lo com as forças da nossa virtude própria. Logo, a comparação não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Suportar certos males para conseguirmos a saúde do corpo procede do amor que naturalmente temos pela nossa carne. Por onde, não é possível compará–lo com a paciência, resultante do amor sobrenatural.
O segundo discute–se assim. – Parece que a paciência e a mais principal das virtudes.
1. – Pois, o que é perfeito é, no seu género, o mais principal. Ora, a paciência é perfeita nas suas obras como diz a Escritura. Logo, é a principalíssima das virtudes.
2. Demais. – Todas as virtudes se nos ordenam ao bem da alma. Ora, isto principalmente é próprio da paciência, segundo o Evangelho: Na vossa paciência possuireis as vossas almas. Logo, a paciência é a máxima das virtudes.
3. Demais. – O que conserva e causa outras coisas é mais principal que elas. Ora, como diz Gregório, a paciência é a raiz e a guarda de todas as virtudes. Logo, a paciência é a máxima das virtudes.
Mas, em contrário, não é enumerada entre as quatro virtudes a que Gregório e Agostinho chamam principais.
SOLUÇÃO. – As virtudes por natureza ordenam–se para o bem. Pois, ela torna bom quem a possui e boas as suas obras. Portanto, tanto mais principal e importante será uma virtude quanto mais diretamente se ordenar para o bem do homem. Ora, as virtudes que levam à prática do bem se lhe ordenam ao bem mais diretamente, do que as que arredam os obstáculos à essa prática. E assim como, dentre as que nos levam a fazer o bem, mais importantes são as que nos confirmam num maior bem – como a fé, a esperança e a caridade, mais importantes que a prudência e a justiça – assim, dentre as que arredam os obstáculos prática do bem, tanto mais importante será a virtude quanto maior for o obstáculo à essa prática, que ela eliminar. Ora, os perigos de morte – objeto da coragem, e os prazeres sensíveis – objeto da temperança, mais nos afastam do bem, do que qualquer adversidade suportada pela paciência. Portanto, a paciência não é a principalíssima das virtudes; mas é inferior, não só às virtudes teologais, à prudência e à justiça, que diretamente nos firmam no bem mas também à fortaleza e à temperança, que nos arredam maiores obstáculos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que a paciência é perfeita nas suas obras, tolerando as adversidades. Das quais resulta: primeiro, a tristeza, moderada pela paciência; segundo, a ira, moderada pela mansidão; terceiro, o ódio, eliminado pela caridade; quarto, o dano injusto, proibido pela justiça. Ora, eliminar o princípio de uma determinada ação é um ato mais perfeito. Mas não se segue que, de ser em tais casos a paciência mais perfeita, o seja, absolutamente considerada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A posse importa num domínio pacífico. Por isso, dissemos que, pela paciência, o homem possui a sua alma, porque elimina pela raiz o sofrimento das adversidades, que lha inquietam.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz–se que a paciência é a raiz e a guarda de todas as virtudes, não por causar e conservar diretamente, mas somente por suprimir os obstáculos.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a paciência não é uma virtude.
1. – Pois, as virtudes serão perfeitíssimas na pátria, como diz Agostinho. Ora, lá não haverá paciência, porque não temos então nenhuns males a suportar, segundo aquilo da Escritura: Não padecerão tome nem terão sede e não os molestará a calma nem o sol. Logo, a paciência não é uma virtude.
2. Demais. – Nenhuma virtude podemos encontrar nos maus, porque é ela a causa da bondade de quem a possui. Ora, às vezes encontra–se a paciência nos maus; talo caso dos avarentos, sofredores de muitos males, para o fim de acumularem dinheiro, segundo aquilo da Escritura: Todos os dias da sua vida comem às escuras e com muitos cuidados, e em miséria e tristeza. Logo, a paciência não é uma virtude.
3. Demais. – Os frutos diferem das virtudes, como se estabeleceu. Ora, a paciência é considerada um fruto, segundo o Apóstolo. Logo, a paciência não é uma virtude.
Mas, em contrário, diz Agostinho: A virtude da alma chamada paciência é tão grande dom de Deus, que proclamamos a paciência mesmo daquele que no–la–dá.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, as virtudes morais se ordenam para o bem, porque conservam o bem da razão contra– o ímpeto das paixões. Ora, dentre as outras paixões, a tristeza tem eficácia para nos privar do bem da razão, segundo o Apóstolo: A tristeza do século produz a morte. E noutro lugar diz a Escritura: A tristeza tem morto a muitos e não há utilidade nela. Por onde, é necessário haver uma virtude conservadora do bem da razão, contra a tristeza, para que aquela não sucumba sob a influência desta. Ora, talo resultado da paciência. Por isso, diz Agostinho, que a paciência humana é a que nos faz tolerar os males com equanimidade, isto é, sem cedermos às perturbações da tristeza, afim de, com mau ânimo, não abandonarmos os bens que nos conduzirão a outros melhores. Por onde é manifesto que a paciência é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As virtudes morais não terão, na pátria, a mesma atualidade que têm nesta vida; isto é, não dirão respeito aos bens da vida presente, que não subsistirão na pátria; mas ao fim próprio desta. – Assim como na pátria, a justiça terá por fim fazer–nos submisso a Deus, e não regular os nossos atos em assunto de compra, venda, e outras matérias próprias desta vida. Semelhantemente, o ato de paciência, na pátria, não consistirá em fazer–nos suportar seja o que for; mas, no gozo dos bens a que queríamos chegar quando sofríamos. Por isso, Agostinho diz: Na pátria, não haverá paciência, em si mesma considerada, a qual só é necessário, quando há males que devemos suportar; pois, eterno será o bem a que nos conduzirá ela.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz Agostinho: Pacientes propriamente se chamam os que preferem. sofrer o mal, sem o cometer, e não os que preferem cometê–los para os não sofrer. Quanto aos que sofrem males. para os fazer, não lhes devemos admirar nem louvar a paciência, que é nenhuma; antes, admirando–lhes a dureza devemos–lhes negar a paciência.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, o fruto importa por natureza um certo prazer. Pois, as obras virtuosas são em si mesmas deleitáveis, como diz Aristóteles. Ora, é habitual designar com o nome de virtude também os atos virtuosos. Por isso a paciência, como hábito, é considerada uma virtude; mas é considerado um fruto se levamos em conta o prazer que lhe acompanha o ato. E, sobretudo se considerarmos que pela paciência a nossa alma se livra de sucumbir à tristeza.
O segundo discute–se assim. Parece que nenhum vício se opõe à parcimónia.
1. – Pois, ao pequeno se Ora, a magnificência não é um virtude. Logo, à parcimónia nenhum vício.
2. Demais. – Sendo a parcimónia um vício, por defeito, como se disse, parece que, se houvesse algum vício a ela oposto, seria o consistente só em consumir com superabundância. Ora, os que consomem muito quando deveriam consumir pouco consomem pouco quando deveriam consumir muito, diz Aristóteles, e portanto praticam de certo modo a parcimónia. Logo, não há nenhum vício oposto à parcimónia.
3. Demais. – Os atos morais se especificam pelo fim, como se disse. Ora, os que consomem superfluamente, o fazem para ostentar as suas riquezas, como diz Aristóteles. Ora, isto é própria da vanglória, que se opõe à magnanimidade, como se disse. Logo, nenhum vício se opõe à parcimônia,
Mas, em contrário, a autoridade do Filósofo, que considera a magnificência como uma mediedade entre dois vícios opostos.
SOLUÇÃO. – Ao pequeno se opõe o grande. Ora, pequeno e grande são termos relativos, como dissemos. Ora, assim como um gasto pode ser pequeno relativamente a urna obra, assim também pode ser grande em relação a outra, de modo a exceder a proporção que deve ter com ela, segundo a regra da razão. Por onde, é manifesto que ao vício da parcimónia, pelo qual faltamos a proporção devida entre as nossas despesas e à obras correspondentes, procurando gastar menos do que o exige a dignidade delas, opõe–se o vício pelo qual excedemos essa proporção, gastando mais do que é a elas proporcionado. E esse vício se chama em grego banausia assim dito por causa da fornalha, porque ao modo do fogo de uma fornalha, tudo consome. Ou se chama apeirokalia isto é, sem bom fogo, porque, ao modo do fogo, tudo consome, mas não para o bem. Por isso, em latim esse vício pode chamar–se consumptio (consunção).
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A magnificência assim se chama porque no leva à prática de grandes obras; e não porque as nossas despesas excedam o que seria proporcionado às nossas obras. O que é próprio do vício oposto à parcimónia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Um mesmo é o vício, contrário à virtude, que está no meio, e ao vício oposto. Assim, pois, o vício da consunção se opõe à parcimónia, por fazer as despesas excederem à dignidade da obra, levando–se a gastar muito quando deveríamos gastar pouco. Opõe–se porém, à magnificência, relativamente às grandes obras que o magnífico procura praticar principalmente, fazendo–nos gastar pouco, ou nada, quando deveríamos gastar muito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O consumidor, pela espécie mesma do seu ato, se opõe ao parcimonioso, por ultrapassar a regra racional, a que o parcimonioso não atinge. Mas nada impede que isso se ordene ao fim de outro vício, por exemplo, da vanglória ou qualquer outro.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a parcimónia não é um vício.
1. – Pois, a virtude é moderadora tanto das grandes como das pequenas coisas; por isso tanto os liberais como os magníficos praticam certos atos, de pequena importância. Ora, a magnificência é uma virtude. Logo, do mesmo modo, a parcimónia é, antes, uma virtude, que um vício.
2. Demais. – O Filósofo diz que a exatidão racional em fazer as contas dos gastos é sinal de parcimónia. Ora, a exatidão do raciocínio parece louvável, porque o bem do homem consiste em estar de acordo com a razão, segundo Dionísio. Logo, a parcimônia não é um vicio.
3. Demais. – O Filósofo diz que o parcimonioso gasta o seu dinheiro com tristeza. Ora, isto é próprio da avareza ou da liberalidade. Logo, a parcimónia não é um vício distinto dos outros.
Mas, em contrário, o Filósofo considera a parcimónia um vicio especial oposto à magnificência.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, os atos morais se especificam pelo seu fim; por isso, no mais das vezes, tiram dele a sua denominação Ora, chama–se parcimonioso quem só pensa em praticar atos de pequena importância. Ora, pequeno e grande, segundo o Filósofo, tem significação relativa. Por onde, quando dizemos que o parcimonioso só visa a prática de atos de pequena importância; isso o entendemos relativamente ao gênero de obras que pratica. Nas quais o pequeno e o grande podem ser considerados a dupla luz: relativamente ao ato a praticar e relativamente à despesa. Ora, o magnífico visa principalmente a grandeza da obra; em segundo lugar, a grandeza dos gastos, que não evita, para praticar atos grandiosos. Donde o dizer o Filósofo, que o magnífico, com despesas iguais, faz obras mais magníficas. O parcimonioso, ao contrário, visa principalmente a parcimónia do gasto; e por isso o Filósofo diz que busca o modo de despender o mínimo. Mas, por consequência, visa a parcimónia da obra que não rejeita, contanto que faça despesas pequenas. Por isso, diz o Filósofo, no mesmo lugar, que o parcimonioso, embora despendendo muito, com a vontade que tem de não fazer grandes despesas, perde o bem que resultaria de uma obra que teria feito com magnificência. Por onde é claro, que o parcimonioso se afasta da proporção exigida pela razão entre as despesas e as obras. Ora, a falta do que a razão exige implica a existência do vício. Portanto, é claro que a parcimónia é um vício.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A virtude modera as coisas pequenas de acordo com a regra da razão, da qual se afasta o parcimonioso, como se disse. Pois, não se chama parcimonioso quem modera as coisas pequenas, mas quem, ao moderar, tanto as grandes como as pequenas, se afasta da regra da razão. E, portanto a parcimónia é por natureza um vício.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz o filósofo, o temor faz os consiliativos. Por isso, o parcimonioso se põe a fazer contas com exatidões: pois teme, sem razão, consumir os seus bens, mesmo em parte mínima. O que não é louvável, mas, vicioso e digno de censura; porque não dirige o seu afeto pela razão, mas, ao contrário, usa dela para desordenar o seu afeto.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como o magnífico convém com o liberal por gastar o seu dinheiro facilmente e com prazer, assim também o parcimonioso convém com o iliberal ou avarento em fazer as suas despesas com tristeza e tardança. Mas, dele difere em que o iliberal assim procede relativamente a despesas comuns; ao passo que o parcimonioso, relativamente aos grandes gastos, mais difíceis de se fazerem. Por onde, menor vício é a parcimônia do que a iliberalidade. Por isso, diz o Filósofo que, embora a parcimónia e o vício oposto constituam malícias, contudo não causam a desonra; pois, não são nocivos ao próximo, nem encerram grande torpeza.
O quarto discute–se assim. – Parece que a magnificência não faz parte da coragem.
1. – Pois, a magnificência tem a mesma matéria que a liberalidade, como se disse. Ora, a liberalidade não faz parte da coragem mas da justiça. Logo, a magnificência não faz parte da coragem.
2. Demais. – A coragem tem como matéria os temores e as audácias. Ora, parece que a magnificência de nenhum modo concerne ao temor, mas só, aos gastos, que são atos determinados. Logo, a magnificência parece pertencer antes à justiça, que regula os nossos atos, que à coragem.
3. Demais. – O Filósofo diz que o magnífico é comparável ao que sabe. Ora, a ciência convém antes com a prudência do que com a coragem. Logo, a magnificência não deve ser considerada parte da coragem.
Mas, em contrário, Túlio, Macróbio e Andrônico consideram a magnificência parte da coragem.
SOLUÇÃO. – A magnificência, como virtude especial, não pode ser considerada parte subjetiva da coragem, porque não tem a matéria idêntica à desta; mas, é considerada parte dela enquanto lhe está anexa, como virtude secundária à principal. Ora, para uma virtude ser anexa a outra como à principal, duas condições se requerem: primeiro, que a secundária convenha com a principal; segundo, que de certo modo seja excedida por ela. Ora, a magnificência convém com a coragem em que, como esta, tende para um bem árduo e difícil; e por isso pertence também, como a coragem, ao irascível. Mas, a magnificência difere da coragem porque, a dificuldade do árduo, que visa a coragem, resulta de um perigo iminente à pessoa; ao passo que a dificuldade do bem árduo, para o qual tende a magnificência, tem a sua dificuldade no dispêndio de bens, o que é muito menos que o perigo pessoal. Logo, a magnificência deve ser considerada parte da coragem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A justiça regula os nossos atos, em si mesmos, enquanto incluem a noção de débito. Ao passo que a liberalidade e a magnificência consideram o ato de gastar relativamente às paixões da alma. Mas, diversamente. Pois, o liberal considera os gastos relativamente ao amor e a cobiça do dinheiro, que são paixões do concupiscível; que porém não o impedem de dar e fazer gastos; e, por isso, a liberalidade pertence ao concupiscível. Ao passo que a magnificência considera os gastos relativamente à esperança, referindo–se a um bem árduo; não em sentido absoluto, como a magnanimidade, mas, na matéria determinada dos gastos. Por onde, a magnificência pertence ao irascível, como a magnanimidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A magnificência, embora não tenha matéria idêntica à coragem, com esta convém entretanto quanto à condição da matéria. Pois, tende a um bem árduo, concernente aos gastos, como a coragem, a um bem árduo, concernente aos temores.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A magnificência se serve da arte em ordem a um grande fim, como se disse. Ora, a arte reside na razão. Portanto, ao magnífico pertence usar bem da sua razão, atendendo à proporção entre as despesas e a obra a realizar. E isto é necessário, sobretudo em razão da grandeza tanto das despesas como da obra a fazer; pois, se não empregar uma consideração diligente, correria o perigo iminente de causar grande dano.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a matéria da magnificência não são os grandes gastos.
1. – Pois, duas virtudes não podem ter idêntica matéria. Ora, os gastos são regulados pela liberalidade como se disse. Logo, a magnificência não versa sobre os gastos.
2. Demais. – Todo magnífico é liberal, como diz Aristóteles. Ora, a liberalidade versa, antes sobre os dons que sobre os gastos. Logo, também a magnificência não versa principalmente sobre os gastos, mas antes, sobre os dons.
3. Demais. – É próprio da magnificência fazer certas obras exteriores. Ora, não é com quaisquer gastos, que se praticam essas obras. ainda que esses gastos sejam grandes; por exemplo. Logo, os gastos não constituem a matéria própria da magnificência.
4. Demais. – Só os ricos podem fazer as grandes despesas. Ora, também os pobres podem praticar todas as virtudes; porque as virtudes não precisam necessariamente da fortuna exterior, mas, a si mesmas se bastam, como diz Séneca. Logo a magnificência não tem por: objeto as grandes despesas.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a magnificência não abrange todos os atos relativos ao dinheiro, como a liberalidade, mas só os grandes gastos, pelos quais excede em grandeza a liberalidade. Logo, tem como sua matéria só as grandes despesas.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, é próprio da magnificência visar a prática de grandes obras. Ora, para as realizarmos convenientemente, temos necessidade de gastos proporcionados; pois, não podemos praticar grandes obras senão com grandes despesas. Por onde, é próprio da magnificência fazer grandes despesas para a conveniente prática de grandes obras. Por isso, o Filósofo diz, que o magnífico, com gastos iguais, isto é, proporcionados, fará obras mais magníficas. Ora, os gastos são de certo modo uma perda de dinheiro, de que nos pode impedir o amor exagerado dele. Por onde matéria de magnificência podem ser considerados: os gastos, em si mesmos, que o magnífico faz para realizar grandes obras; o dinheiro, que emprega para fazer grandes gastos; e o amor do dinheiro, que o magnífico modera para não se privar dos grandes gastos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Como dissemos, as virtudes que tem por objeto as coisas exteriores, implicam uma certa dificuldade, por causa da grandeza mesma do ato a praticar. Por isso, são necessárias duas virtudes reguladoras do dinheiro e do seu uso, a saber: a liberalidade, que regula em comum o uso do dinheiro; e a magnificência, que lhe regula o uso do dinheiro, quando gasto em grandes proporções.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O liberal usa do dinheiro de um modo e, de outro, o magnífico. O uso que dele faz o liberal procede de um afeto ordenado. Por isso, é próprio da liberalidade o uso conveniente dos bens pecuniários, que a afeição moderada que tem por eles não impede, isto é, os dons e os gastos. Ao passo que o magnífico usa do dinheiro para certas grandes obras, que deve fazer. E esse uso não podem ser, senão os gastos ou despesas.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O magnifico também faz donativos e presentes, como diz Aristóteles; não na qualidade de donativos, mas antes, como gastos ordenados à realização de alguma grande obra; por exemplo, para honrar alguém, ou para praticar alguma obra donde provenham honras para toda a cidade; assim, quando realiza aquilo que todo o povo desejava.
RESPOSTA À QUARTA. – O ato principal da virtude é a eleição interior, de que a virtude é capaz, sem os bens exteriores da fortuna. E assim também o pobre pode ser magnífico. Mas, os atos exteriores das virtudes exigem os bens da fortuna como uns instrumentos. E, a esta luz, o pobre não pode praticar o ato externo da magnificência, quanto se trata de atos grandiosos absolutamente falando; mas, talvez, por comparação com alguma grande obra que, embora em si mesma considerada seja pequena, contudo pode ser feita de um modo magnífico, proporcionadamente ao seu género. Pois, pequeno e grande tem sentido relativo, como diz o Filósofo.
O segundo discute–se assim. – Parece que a magnificência não é uma virtude especial.
1. – Pois, parece próprio da magnificência praticar atos grandiosos: Ora, fazer tais atos pode ser próprio de qualquer virtude, desde que seja grande; assim, quem tem grande virtude de temperança pratica grandes obras, nessa virtude. Logo, a magnificência não é uma virtude especial, mas exprime o estado perfeito de cada virtude.
2. Demais. – Parece próprio de um mesmo agente produzir um efeito e tender para ele. Ora, tender para o que é grande é próprio da magnanimidade, como se disse. Logo, também dela é próprio praticar grandes atos. Portanto, a magnificência não é uma virtude distinta da magnanimidade.
3. Demais. – A magnificência parece própria da santidade; assim, diz a Escritura: Magnifico em santidade; e noutro lugar: santidade e grandeza no seu santuário. Ora, a santidade é o mesmo que a religião, como se estabeleceu. Logo, a magnificência, segundo parece, é o mesmo que a religião. Portanto, não é uma virtude especial distinta das outras.
Mas, em contrário, o Filósofo a enumera entre as outras virtudes especiais.
SOLUÇÃO. – Como o próprio nome o indica, é próprio da magnificência fazer atos grandiosos. Ora, fazer é palavra susceptível de duplo sentido: um, próprio; outro, comum. Propriamente, fazer é praticar um ato transitivo para a matéria exterior; assim, fazer uma casa ou coisas semelhantes. Em sentido comum, porém, fazer significar qualquer ação transitiva para a matéria exterior – como queimar e cortar ou imanente no próprio agente, como inteligir e querer. Se, pois, considerarmos a magnificência enquanto implica em fazermos algum ato grandioso, sendo fazer tomado no seu sentido próprio, então é uma virtude especial. Pois, uma obra factível é produzida pela arte. E no uso desta podemos considerar um aspecto especial de bondade, a saber – que seja grandiosa a obra mesma feita pela arte, e isso, quantitativamente ou pela sua preciosidade e dignidade, o que constitui a magnificência. E, a esta luz, a magnificência é uma virtude. – Se, porém o nome de magnificência é usado no sentido de fazer atos grandiosos, tomado o verbo fazer em sentido comum, nesse caso, ela não é uma virtude especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A toda virtude perfeita é próprio fazer grandes atos, no seu género, tomando–se fazer em sentido comum; mas, não em sentido próprio, o que seria próprio da magnificência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Ao magnânimo pertence não só visar a prática de atos grandiosos, mas também fazer grandes obras no atinente a todas as virtudes, produzindo–as ou agindo de qualquer modo, como diz Aristóteles. Contanto que leve em conta, assim procedendo, só a ideia de grandeza; ao passo que pelas outras virtudes, se forem perfeitas, praticamos grandes obras, não dirigindo principalmente a nossa intenção para a grandeza delas, mas ao que é próprio a cada uma delas. Ora, a grandeza resulta da quantidade da virtude. Por onde, ao magnífico pertence não só fazer o que é grande, tomado fazer no seu próprio, mas ainda atender, na sua alma, à prática das grandes obras. Por isso diz Túlio, que magnificência consiste em cogitar nas coisas grandes e elevadas e em dirigi–las com uma certa grandeza de alma, tendo em vista um fim e a realizar; referindo–se cogitar à intenção interior; e a realização à execução exterior. Por onde e necessariamente, assim como a magnanimidade busca o que é grande, em qualquer matéria, a magnificência o busca em relação a uma determinada produção.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A magnificência visa a prática de grandes obras. Ora, as obras feitas pelo homem se ordenam a algum fim determinado. E, nenhum fim das obras humanas é tão grande como a honra de Deus. Por onde, a magnificência faz grandes obras tendo em vista principalmente a honra de Deus. Por isso diz o Filósofo, que as despesas honrosas são as que sobretudo tem por fim os sacrifícios divinos; fim a que principalmente visa o magnífico. Por isso, a magnificência anda ligada com a santidade, ordenando–se precipuamente o seu efeito à religião ou à santidade.
O primeiro discute–se assim. – Parece que magnificência não é uma virtude.
1. – Pois, quem tem uma virtude tem todas, como se estabeleceu. Ora, podemos ter as outras virtudes sem ter a magnificência; pois, no dizer do Filósofo, nem todo liberal é magnífico. Logo, a magnificência não é virtude.
2. Demais. – A virtude moral consiste numa mediedade, como está claro em Aristóteles. Ora, parece que a magnificência não é uma mediedade, pois, sobre excede a liberalidade em grandeza; e como o grande se opõe ao pequeno como a um extremo, cujo meio é a igualdade, conforme Aristóteles resulta que a magnimidade não é um meio, mas, um extremo. Logo, não é uma virtude.
3. Demais. – Toda virtude, longe de contrariar, à inclinação natural, aperfeiçoa, como se demonstrou. Ora, como diz o Filósofo, o magnífico não é sumptuoso para consigo mesmo; o que vai contra a inclinação natural, pela qual provemos sobretudo às nossas necessidades. Logo, a magnificência não é uma virtude.
4. Demais. – Segundo o Filósofo, a arte é a razão reta nas causas que devemos fazer. Ora, a magnificência, como o próprio nome o demonstra, diz respeito à produção. Logo, é mais uma arte do que uma virtude.
Mas, em contrário. – A virtude humana é de certo modo participação da virtude divina. Ora, a magnificência concerne à virtude divina, conforme aquilo da Escritura: A sua magnificência e o seu poder se manifesta nas nuvens. Logo, a magnificência é uma virtude.
SOLUÇÃO. – Como diz Aristóteles, a virtude é assim chamada por comparação com o grau último a que pode chegar a potência. Esse grau não é último, quanto à deficiência, mas, quanto ao excesso, que essencialmente consiste na grandeza. Por onde, fazer grandes obras – donde vem o nome de magnificência, constitui essencialmente uma virtude. Portanto, a magnificência designa uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. Nem todo liberal é magnifico, pelos seus atos; porque lhe faltam aos atos os elementos constitutivos dos atos magníficos. Contudo, todo liberal tem o hábito da magnificência, atualmente ou com disposição próxima, como dissemos, quando tratamos da conexão das virtudes.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A magnificência é um extremo, considerados os seus efeitos quantitativamente. Mas, constitui um meio, considerada a regra da razão, à qual não falta nem excede, como também dissemos a respeito da magnanimidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É próprio da magnificência praticar atos grandiosos. Ora, o concernente à pessoa de cada um é pouco relativamente ao que convém às coisas divinas ou comuns. Por isso, o magnífico não visa principalmente fazer grandes despesas com sua própria pessoa; não por deixar de procurar o seu bem, mas, por esse bem não ser grande. Mas, se o que lhe concerne implicar magnitude, o magnífico buscá–lo–á magnificamente. Assim, as coisas que só uma vez se fazem, como as núpcias ou outras semelhantes; ou ainda as que são permanentes e, assim, ao magnífico pertence preparar uma habitação conveniente, como diz Aristóteles.
RESPOSTA À QUARTA. – Como diz o Filósofo, há necessariamente uma virtude moral, que preside à arte e inclina o apetite a empregá–la retamente, na sua natureza mesma. O que é próprio da magnificência que portanto não é uma arte, mas uma virtude.