Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute–se assim. – Parece que a insensibilidade não é um vício.
1. – Pois, chamam–se insensíveis os incapazes de gozar os prazeres do tato. Ora, tal incapacidade parece, antes, louvável e virtuosa, conforme aquilo da Escritura: Nestes dias, eu, Daniel, chorava, todos os dias por três semanas; não comi neles pão algum agradável ao gosto, e nem carne nem vinho entraram na minha boca, nem ainda me untei de algum óleo. Logo, a insensibilidade não é pecado.
2. . Demais. – O bem do homem é existir de conformidade com a sua natureza, segundo Dionísio. Ora, a abstenção de todos os prazeres do tato é que sobretudo promove em nós o bem racional; pois, como diz a Escritura, aos meninos, que usavam de legumes, Deus deu a ciência e o conhecimento de todos os livros. Logo, a insensibilidade, que universalmente rejeita tais prazeres, não é viciosa.
3. Demais. – Não é vicioso o que, sobretudo nos afasta do pecado. Ora, o meio mais eficaz de nos afastarmos do pecado é evitarmos os prazeres, o que é próprio da insensibilidade; pois, como diz o Filósofo, rejeitando o prazer sensível, livramo–nos do pecado. Logo, a insensibilidade não constitui nenhum vício.
Mas, em contrário. – Só o vício é o que se opõe à virtude. Ora, a insensibilidade se opõe à virtude da temperança, como está claro no Filósofo. Logo, a insensibilidade é um vício.
SOLUÇÃO. – Tudo o que contraria a ordem natural é vicioso. Ora, a natureza acrescentou o prazer aos atos necessários à vida do homem. Por isso, a razão natural exige que gozemos desses prazeres, na medida em que são necessários à nossa subsistência, quer quanto à conservação do indivíduo, quer quanto à da espécie. Por onde, quem evitasse os prazeres sensíveis, a ponto de privar–se do necessário à subsistência da natureza, pecaria, como, contrariando à ordem da natureza. E isto constitui o vício da insensibilidade.
Não devemos, porém esquecer, que, às vezes, é louvável ou mesmo necessário abstermo–nos, em vista de algum fim, dos prazeres consequentes aos referidos atos; assim, quando nos abstemos de certos prazeres do comer, do beber e do sexo, para conservarmos a saúde do corpo. E também para a prática de certos deveres; assim, os atletas e os soldados devem necessariamente abster–se de muitos prazeres sensíveis, para poderem cumprir o seu dever. Do mesmo modo, os penitentes, para recuperarem a saúde da alma, devem praticar a abstinência dos prazeres sensíveis, usando assim de uma como dieta. E os que querem vacar à contemplação e às coisas divinas, é mister que se abstenham sobretudo dos prazeres carnais. Ora, nenhum destes modos de proceder implica o vício da insensibilidade, por estarem de acordo com a razão reta.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Daniel praticava a. referida. abstinência dos prazeres sensíveis, não pelos detestar, como sendo em si mesmo maus, mas, pelo fim louvável, que tinha em vista, de ascender às alturas da contemplação, abstendo–se dessas deleitações corpóreas, Por isso, a Escritura, nesse lugar, logo menciona a revelação que lhe foi feita.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como não podemos usar da razão separadamente das potências sensíveis, que precisam de órgãos corpóreos, segundo estabelecemos na Primeira Parte, necessariamente havemos de sustentar o corpo, para usarmos da razão. Ora, o seu sustento o realizamos recorrendo aos prazeres sensíveis. Por onde, abstendo–nos de todos esses prazeres, não realizamos em nós o bem racional. Mas, na medida em que precisamos, mais ou menos, para o emprego da atividade racional, das potências corpóreas, nessa mesma medida temos, mais ou menos, necessidade de gozar dos prazeres corpóreos. Por isso, aqueles se impuseram o dever de vacar à contemplação e de transmitir aos outros, por uma como propagação espiritual, os bens espirituais, louvavelmente se abstêm de muitos prazeres sensíveis, de que não se absteriam os que têm o dever de vacar às obras e à geração corporal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Devemos evitar o prazer para fugir do pecado – não totalmente, mas para não buscar mais do que o exigido pela necessidade.
O oitavo discute–se assim. – Parece que a temperança ê a máxima das virtudes.
1. – Pois, diz Ambrósio, que a temperança visa e busca sobretudo a honestidade e o decoro. Logo, a temperança é a máxima das virtudes.
2. Demais. – É próprio da virtude maior fazer o que é mais difícil. Ora, é mais difícil refrear as concupiscências e os prazeres do tato, que retificar as ações externas. Ora, refrear aquelas é próprio da temperança; e retificar a estas, da justiça. Logo, a temperança é maior virtude que a justiça.
3. Demais. – Quanto mais uma coisa é comum tanto mais necessária e melhor. Ora, a coragem versa sobre os perigos de morte, que ocorrem mais raramente que os prazeres do tato, que quotidianamente surgem. E assim, o exercício da temperança é mais comum que o da coragem. Logo, a temperança é mais nobre virtude que a coragem.
Mas, em contrário, o Filósofo diz, que as virtudes máximas são as mais úteis aos outros; e por isso é que honramos por excelência os fortes e os justos.
SOLUÇÃO. – Como diz o Filósofo, o bem da multidão é mais divino que o do indivíduo. Por onde, quanto mais uma virtude visa o bem da multidão, tanto melhor é. Ora, a justiça e a coragem visam, mais que a temperança, o bem da multidão. Pois, a justiça regula as nossas relações com terceiros; a coragem tem por objeto os perigos da guerra, que afrontamos em bem da salvação pública; a temperança, porém, modera só as concupiscências e os prazeres do que respeita apenas ao indivíduo humano. Por onde, é manifesto que a justiça e a coragem são virtude a mais excelentes que a temperança; e, superiores a elas são a prudência e as virtudes teologais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A honestidade e o decoro se atribuem sobretudo à temperança, não pela principalidade do bem próprio dela, mas, pela torpeza do mal contrário, de que nos afasta; isto é, por moderar os prazeres que nos são comuns com os brutos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A virtude, tendo por objeto o bem difícil, a dignidade da virtude mais se funda na ideia do bem, pelo qual a justiça sobrepuja a temperança, do que pela ideia de difícil, pelo que a temperança tem a supremacia.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A comunidade, pela qual alguma coisa pertence à multidão dos homens, contribui mais para a excelência da bondade, que a considerada relativamente à frequência com que alguma coisa ocorre. Ora, pela primeira comunidade, a coragem ocupa o primeiro lugar; pela segunda, a temperança. Por onde, absolutamente falando, a coragem tem a superioridade; embora, de certo modo, possamos dizer que a temperança a tem, não somente sobre a coragem, mas também sobre a justiça.
O sétimo discute–se assim. – Parece que a temperança não é uma virtude cardeal.
1. – Pois, o bem da virtude moral depende da razão. Ora, a temperança versa sobre o que mais dista da razão, a saber, os prazeres que nos são comuns com os brutos, como diz Aristóteles. Logo, a temperança não parece uma virtude principal.
2. Demais. – Tanto maior é um ímpeto e tanto mais difícil é de ser refreado. Ora, a ira, refreada pela mansidão, parece mais impetuosa que a concupiscência, refreada pela temperança. Pois, diz a Escritura: A ira não tem misericórdia, nem o furor, que rompe; mas, quem poderá suportar o ímpeto de um homem concitado? Logo, a mansidão é virtude mais principal que a temperança.
3. Demais. – A esperança é um movimento da alma, mais principal que o desejo e a concupiscência, como se estabeleceu. Ora, a humildade refreia a presunção de uma esperança imoderada. Logo, a humildade parece uma virtude mais principal que a temperança, que refreia a concupiscência.
Mas, em contrário, Gregório coloca a temperança entre as virtudes principais.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, chama–se virtude principal ou cardeal a que é mais principalmente louvada, por alguma das condições que a virtude, por natureza, comumente exige. Ora, a moderação, que rodas as virtudes exigem, é sobretudo louvável quando concerne aos prazeres do tato, regulados pela temperança. Quer por nos serem esses prazeres mais naturais e, portanto, mais difícil de nos abstermos deles é refrear a concupiscência dos mesmos; quer também porque tem por objeto o que nos é mais necessário à vida presente, como do sobredito resulta. Por onde, a temperança é considerada uma virtude principal ou cardeal.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. A virtude de um agente se manifesta tanto maior quanto mais pode atingir o que mais distante está dele. Ora, isto mesmo indica ser maior a virtude da razão, por poder moderar as concupiscências e os prazeres, ainda os mais distantes; O que constitui a principalidade da temperança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O ímpeto da ira é causado por um determinado acidente, por exemplo, por uma ofensa que nos revolta; por isso rapidamente passa, embora seja grande. Ao passo que o ímpeto da concupiscência dos prazeres do tato procede de uma causa natural; por isso, é mais diuturno e mais geral. Por onde, refreá–lo pertence a uma virtude mais principal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os bens que busca a esperança são mais elevados que os buscados pela concupiscência; por isso, a esperança é considerada uma virtude principal do irascível. Mas, o que tem em vista a concupiscência e o prazer do tato move mais veementemente o apetite, por ser mais natural. Por isso a temperança que introduz a moderação nessa matéria, é uma virtude principal.
O sexto discute–se assim. – Parece que a regra da temperança não deve ser tirada das necessidades da vida presente.
1. – Pois, o superior não é regulado pelo inferior. Ora, a temperança, sendo uma virtude da alma, é superior às necessidades corporais. Logo, a regra da temperança não deve ser tirada das necessidades corporais.
2. Demais. – Quem desobedece à regra peca. Se, pois, as necessidades corporais fossem a regra da temperança, todo aquele que buscasse outros prazeres, além das necessidades da natureza, que se contenta com muito pouco, pecaria contra a temperança. O que parece inadmissível.
3. Demais. Quem obedece à regra não peca. Se, pois, a necessidade corporal fosse a regra da temperança, todo aquele que buscasse algum prazer, por necessidade corpórea, por exemplo, por causa da saúde, estaria isento de pecado. Ora, isto é falso. Logo, a necessidade corporal não parece ser a regra da temperança.
Mas, em contrário, diz Agostinho: O varão temperado tem, para as cousas desta vida, a regra seguinte, fundada em ambos os Testamentos: não amar nenhuma delas, não considerar nenhuma como desejável em si mesma; mas, empregá–las no suficiente às necessidades desta vida e aos nossos deveres, com a moderação de quem usa e não com o afeto de quem ama.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, o bem da virtude moral consiste principalmente na obediência à ordem racional. Pois, o bem do homem é viver de acordo com a razão, no dizer de Dionísio. Ora, a ordem principal da razão consiste em dispor certas coisas para um fim: e nessa ordem está por excelência o bem racional. Pois, o bem desempenha a função de fim e este é em si mesmo a regra dos meios que a ele se destinam. Ora, todos os prazeres de que se o homem serve ordenam–se, como ao fim, a alguma necessidade desta vida. Por isso, a temperança toma as necessidades desta vida como a regra dos prazeres de que usa; de modo a usar deles na medida em que o exigem as referidas necessidades.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Como se disse, as necessidades desta vida tem natureza de regra, enquanto fim. Ora, devemos considerar que, às vezes, o fim do agente é diverso do fim da ação; assim, claro é que o fim da edificação é a casa, mas, o do construtor é, às vezes, o lucro. Por onde o fim e a regra da temperança em si mesma é a felicidade; mas, o fim e a regra são as necessidades da vida humana, inferiores à qual são as coisas de que ela usa para satisfazer às suas necessidades.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As necessidades da vida humana podem ser consideradas em duplo sentido. Num, chama–se necessário aquilo sem o que uma coisa de nenhum modo pode existir; assim, a comida é necessária ao animal. Noutro, chama–se necessário aquilo sem o que uma coisa não pode existir convenientemente. Ora, a temperança respeita a necessidade, não só no primeiro, mas também no segundo sentido. Por isso, diz o Filósofo, que o temperado busca o prazer por causa da saúde ou de uma boa disposição. Mas, o mais que para tal não é necessário pode ter dupla aplicação. Assim, as coisas que impedem a saúde ou a boa disposição o temperado de nenhum modo as usa, porque, se o fizesse pecaria contra a temperança. Mas, as que não os impedem ele as usa, conforme o exige o lugar, o tempo e as conveniências daqueles com quem convive: Por isso, o Filósofo diz, no mesmo lugar, que também o temperado deseja os. outros prazeres, a saber, os não necessários à saúde ou à boa disposição que não constituem impedimentos àquela nem a este.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a temperança concerne à necessidade relativa às conveniências da vida. A qual é relativa não só às conveniências do corpo, mas também às das coisas exteriores, como as riquezas e o estado; e, muito mais, às conveniências da honestidade: Por isso, o Filósofo acrescenta, no mesmo lugar, que nos prazeres que busca, o homem temperado leva em conta não somente o não gerem impedimento à saúde e à boa disposição do corpo, mas também o não serem opostos ao bem, isto é, contrários à honestidade; e que não sejam superiores ao seu estado, isto é, aos seus recursos pecuniários. E Agostinho diz, que o homem moderado considera não só as necessidades desta vida, mas também das funções que deve desempenhar.
O quinto discute–se assim. – Parece que a temperança versa sobre os prazeres próprios do gosto.
1. – Pois, os prazeres do gosto tem por objeto a comida e a bebida, mais necessários à vida do homem do que os prazeres venéreos, próprios do tacto. Ora, pelo que já se disse, a temperança regula os prazeres concernentes ao necessário à vida do homem. Logo, a temperança versa antes sobre os prazeres próprios ao gosto, do que sobre os próprios ao tato.
2. Demais. – A temperança versa, antes, sobre as paixões do que sobre a realidade mesma. Ora, como diz Aristóteles, o tato é como que o sentido do alimento, quanto à substância mesma deste; o sabor porém que é propriamente o objeto do gosto, é como que o prazer resultante da alimentação. Logo, a temperança versa, antes, sobre o gosto, que sobre o tato.
3. Demais. – Como diz Aristóteles, a temperança e a intemperança, a continência e a incontinência, a perseverança e a molície, que busca as delícias, têm o mesmo objeto, Ora, parece que nestas se inclui o prazer do sabor, próprio do gosto. Logo, a temperança verga sobre os prazeres próprios do gosto.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a temperança e a intemperança parece que em pouco ou em nada se servem do gosto.
SOLUÇÃO. – Como dissemos a temperança regula os prazeres mais intensos, que por excelência dizem respeito à conservação da vida humana, específica ou individualmente considerada. Ora, nesta matéria, há uma parte principal e outra, secundária. O principal é o uso mesmo da coisa necessária, a saber, da mulher, necessária à conservação da espécie; e da comida e da bebida, necessárias à conservação do indivíduo. Ora, o uso mesmo dessas cousas necessárias é acompanhado de um certo prazer essencial. A parte secundária, em relação a um e outro uso, é o que o torna mais deleitável; como, a beleza e o ornato da mulher, e o sabor deleitável do alimento e também do odor. Por onde, principalmente, a temperança versa sobre os prazeres do tato, por si mesmos resultantes do próprio uso das coisas necessárias, o qual todo consiste em tocar. Secundariamente porém a temperança e a intemperança versam sobre os prazeres do gosto ou do olfato ou da vista; enquanto que os sensíveis desses sentidos contribuem para o uso deleitável das cousas necessárias relativas ao tato. Ora, o gosto, dizendo respeito de mais perto ao tacto, do que os outros sentidos resulta que a temperança versa, antes, sobre o gosto do que sobre os outros sentidos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. Também o uso mesmo dos alimentos e o prazer dele essencialmente resultante pertencem ao tato por isso diz o Filósofo, que o tato é o sentido da alimentação; pois, nós nos nutrimos com coisas quentes e frias, úmidas e secas. Ao gosto porém pertence discernir os sabores, que concernem ao prazer da alimentação, enquanto sinais de nutrição conveniente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O prazer resultante do sabor é como que acrescentado; ao passo que o prazer do tato resulta, em si mesmo, do uso da comida e da bebida.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O serem os alimentos deliciosos está principalmente na substância mesma deles: mas, secundariamente, no terem um sabor esquisito e na preparação.
O quarto discute–se assim. – Parece que a temperança não versa somente sobre as concupiscências e os prazeres do tato.
1. – Pois, diz Agostinho, que o papel da temperança é coibir e acalmar a concupiscência, que nos arrasta a atos contrários à lei de Deus e ao fruto da sua bondade. E logo adiante acrescenta, que a junção da temperança é desprezar todos os atrativos do prazer e os louvores humanos. Ora, nem só as concupiscências dos prazeres do tacto nos afastam das leis de Deus, mas ainda, as dos prazeres dos outros sentidos, que também implicam os atrativos sensíveis. E o mesmo se dá com a cobiça das riquezas ou ainda a glória mundana; e por isso diz o Apóstolo, que a raiz de todos os males é a avareza. Logo, a temperança não versa somente sobre as concupiscências dos prazeres do tato.
2. Demais. – O Filósofo diz que quem é digno das pequenas coisas e com elas se dignifica, é temperado, mas não, magnânimo. Ora, as honras pequenas ou grandes, a que ele se refere, não são os prazeres do tato, mas os resultantes da apreensão da alma. ·Logo, a temperança não versa somente sobre as concupiscências dos prazeres do tato.
3. Demais. – Coisas do mesmo gênero parecem, pela mesma razão, pertencer à matéria de uma mesma virtude. Ora, todos os prazeres dos sentidos parecem pertencer a um mesmo gênero. Logo, pela mesma razão, pertencem à matéria da temperança.
4. Demais. – Os prazeres espirituais são maiores que os corpóreos, como se estabeleceu quando se tratou das paixões. Ora, às vezes, o desejo dos prazeres espirituais faz certos se afastarem das leis de Deus e do estado virtuoso; assim, quando levados pela curiosidade da ciência. Por isso, o diabo prometeu a ciência ao primeiro homem, quando disse: Sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal. Logo, a temperança não versa somente sobre os prazeres do tato.
5. Demais. – Se os prazeres do tato fossem a matéria própria da temperança, ela deveria exercer–se sobre todos esses prazeres. Ora, tal não se dá; por exemplo, ela não tem lugar quando se trata de diversões. Logo, os prazeres do tato não são a matéria própria da temperança.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a temperança versa propriamente sobre as concupiscências e os prazeres do tato.
SOLUÇÃO. – Como dissemos a temperança versa sobre as concupiscências e os prazeres, assim como a fortaleza, sobre os temores e as audácias. Ora, a fortaleza versa sobre os temores e as audácias, relativamente aos males máximos, que nos destroem a própria vida e que são os perigos de morte. Por onde e semelhantemente, a temperança há de versar sobre as concupiscências dos máximos prazeres. E como o prazer resulta de uma atividade que nos é conatural, tanto mais veementes são certos prazeres quanto mais forem resultantes de atividades mais naturais. Ora, as atividades naturais por excelência aos animais são as que, pela comida e pela bebida, conservam a natureza do indivíduo e, pela conjunção do macho e da fêmea, a natureza da espécie. Por onde, a temperança versa propriamente sobre os prazeres da comida e da bebida e sobre os venéreos. Ora, esses prazeres resultam do sentido do tato. Donde se conclui que a temperança regula esses prazeres.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Agostinho, no lugar citado, considera a temperança, não como uma virtude especial com matéria determinada; mas, enquanto introduz a moderação racional, em qualquer matéria; o que é próprio da condição geral da virtude. Embora também se possa dizer que quem pode refrear os mais intensos prazeres, pode, com maior razão, refrear os menores. Por isso, a função própria e principal da temperança é moderar as concupiscências dos prazeres do tato; e o secundário, moderar as outras concupiscências.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar citado, o Filósofo designa, com o nome de temperança, a moderação das coisas externas, isto é, quando buscamos o que nos é proporcionado. Mas, não quer se referir à temperança enquanto moderadora dos afetos da alma, objeto dessa virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os prazeres dos outros sentidos não se apresentam no homem do mesmo modo que nos animais. Pois, nestes, não derivam, dos outros sentidos, senão os prazeres ordenados ao sentido do tacto; assim, o leão se compras, vendo um cervo, ou ouvindolhe a voz, enquanto este lhe serve de alimento . . Ao passo que o homem goza prazeres dos outros sentidos, não só por se referirem à alimentação, mas, pela harmonia existente nas coisas sensíveis. E assim, os prazeres dos outros sentidos, enquanto relativos aos do tato, constituem, não principalmente, mas por consequência, matéria da temperança. Mas, quando os sensíveis dos outros sentidos causam prazer, pela conveniência que implicam: assim, quando nos deleitamos com um som harmonioso, – esse prazer não concerne à conservação da natureza. Por isso, essas paixões não são de tal modo principais que, por antonomásia, possamos chamar temperança à virtude que as rege.
RESPOSTA À QUARTA. – Os prazeres espirituais, embora sejam por natureza maiores que os corporais, contudo, não nos cativam de tal modo os sentidos e, por consequência, não nos atraem o apetite sensitivo de modo tão veemente, que seja necessária uma virtude moral para furtar, ao ímpeto deles, o bem da razão. – Ou devemos dizer que os prazeres espirituais, em si mesmos considerados, são segundo a razão. Por onde, só acidentalmente devem ser refreados, quando, por exemplo, um prazer espiritual nos impede outro mais elevado e mais do nosso estado.
RESPOSTA À QUINTA. – Nem todos os prazeres do tacto visam a conservação da natureza. Por isso, não há de necessariamente a temperança versar sobre todos os prazeres.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a temperança não versa somente sobre as concupiscências e os prazeres.
1. – Pois, como diz Túlio, a temperança é o domínio da razão, firme e moderado, sobre a concupiscência e outros movimentos não retos da alma. Ora, todas as paixões da alma são movimentos dela. Logo, parece que não somente sobre as concupiscências e os prazeres versa a temperança.
2. Demais. – A virtude versa sobre o bem difícil. Ora, parece mais difícil moderar o temor; sobretudo quando o perigo é de morte, do que as concupiscências e os prazeres, que os sofrimentos e os perigos mortais nos levam a desprezar, como diz Agostinho. Logo, parece que a virtude da temperança não versa precipuamente sobre as concupiscências e os prazeres.
3. Demais. – A temperança pertence a graça da moderação, como diz Ambrósio. E Túlio afirma, que à temperança é próprio acalmar todas as perturbações da alma e dar medida às causas. Ora, é necessário estabelecer uma medida não só para as concupiscências e os deleites, mas também para os atos exteriores e tudo o que é exterior. Logo, a temperança não versa somente sobre as concupiscências e os prazeres.
Mas, em contrário, Isidoro diz, pela temperança é retreada a paixão e a concupiscência.
SOLUÇÃO. – Como se disse, pertence à virtude moral conservar o bem da razão contra o ataque das paixões. Ora, as paixões da alma têm um duplo movimento, como já dissemos ao tratar delas. Por um, o apetite sensitivo busca os bens sensíveis e corpóreos; por outro, foge dos males sensíveis e corpóreos.
Ora, o primeiro movimento do apetite sensitivo repugna à razão, pela intemperança.
Pois, os bens sensíveis e corporais, especificamente considerados, não repugnam à razão; mas antes, servem–lhe como de instrumentos de que a razão usa para conseguir o seu fim próprio. Mas, repugnam–lhe sobretudo quando o apetite sensitivo os busca fora da regra racional. Por onde, à virtude moral pertence propriamente moderar essas paixões, que implicam a prossecução do bem.
Quanto ao movimento do apetite sensitivo, pelo qual este foge aos males sensíveis, ele sobretudo contraria à razão, não pela sua falta de moderação, mas principalmente pelo seu efeito; pois, quem foge dos males sensíveis e corpóreos, que às vezes acompanham o bem da razão, abandona–o por isso mesmo a este. Por onde, é próprio à virtude moral, em tal matéria, dar firmeza ao bem racional.
Ora, à virtude da coragem é próprio dar–nos força e respeita principalmente à paixão, que nos faz fugir dos males corpóreos, isto é, o temor; e, por consequência, diz respeito à audácia, que nos leva a atacar o que nos causa terror, pela esperança de obter um certo bem. Assim também a temperança, que importa uma certa moderação, versa principalmente sobre as paixões tendentes aos bens sensíveis, a saber, a concupiscência e a deleitação; e, consequentemente, sobre as tristezas provenientes da ausência desses bens. Pois, assim como a audácia pressupõe males, que nos aterram, assim, a tristeza referida provém da ausência dos referidos prazeres.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como dissemos, quando tratámos das paixões, as que implicam a fuga do mal pressupõem as que importam a busca do bem; e as paixões do irascível pressupõem as do concupíscivel. E assim, a temperança, modificando diretamente as paixões do concupíscível, tendentes para o bem, modificam, por uma certa consequência, todas as outras paixões, porque, da moderação das primeiras resulta a das segundas. Pois, quem não se entrega à concupiscência imoderada há de, consequentemente, esperar com moderação e, com moderação entristecer–se com a ausência dos bens concupiscíveis.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A concupiscência implica uma certa busca impetuosa do prazer, por parte do apetite; essa busca deve ser refreada, e tal é o papel da temperança. Ao passo que o temor implica num certo retrair–se da alma, de certos males; e para isso o homem precisa da firmeza de ânimo, a qual lhe fornece a coragem. Por onde, a temperança versa propriamente sobre as concupiscências e a coragem, sobre os temores.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os atos exteriores procedem das paixões interiores da alma. Por isso, a moderação delas depende da moderação dessas paixões interiores.
O segundo discute–se assim. – Parece que a temperança não é uma virtude especial.
1. – Pois, diz Agostinho, que é próprio da temperança fazer com que nos conservemos íntegros e incorruptos, para Deus. Ora, operar esse resultado é próprio de todas as virtudes. Logo, a temperança é uma virtude geral.
2. Demais. – Ambrósio diz que a tempesrança visa sobretudo e busca a tranquilidade da alma, Ora, este é o fim próprio de todas as virtudes. Logo, a temperança é uma virtude geral.
3. Demais. – Túlio diz, que a decência não pode separar–se do honesto, e que todas as coisas justas são decentes. Ora, a decência sobretudo se manifesta na temperança, como no mesmo lugar o diz. Logo, a temperança não é uma virtude especial.
Mas, em contrário, o Filósofo a considera uma virtude especial.
SOLUÇÃO. – Segundo o uso corrente de falar, certos nomes gerais se restringem ao que contêm de principal; assim, o vocábulo Urbs (cidade) se aplica para designar antonomasticamente a cidade de Roma. Do mesmo modo, a palavra temperança pode ser aplicada em duplo sentido. – Primeiro, na generalidade da sua significação. E então não é uma virtude especial mas geral; porque essa denominação significa um certo temperamento, isto é, uma certa moderação introduzida pela razão nos atos e nas paixões humanas, o que é comum a todas as virtudes morais. Mas, pela sua natureza, a temperança difere da coragem, mesmo consideradas uma e outra como virtudes gerais. Pois, a temperança nos afasta do que nos atrai o apetite contrariamente à razão; ao passo que a coragem nos leva a atacar ou a suportar o que nos afasta do bem da razão. – Se, porém considerarmos a temperança antonomasticamente, enquanto nos refreia o apetite daquilo que sobretudo nos atrai, então é uma virtude especial, por ter, como a coragem, matéria especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O apetite do homem se corrompe por aquilo que o atrai fazendo–o afastar–se da regra da razão e da lei divina. Por onde, assim como o nome mesmo de temperança pode ser tomado em dupla sentido – num sentido geral e num, excelente, assim também a Integridade, que Agostinho atribui à temperança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A matéria sobre que versa a temperança pode nos perturbar a alma, sobretudo, por dizer respeito ao que lhe é essencial, como a seguir se dirá. Por isso, a tranquilidade da alma é considerada, por excelência, como o resultado da temperança, embora, geralmente falando, seja um efeito de todas as virtudes.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora a beleza seja um atributo de todas as virtudes, contudo, é predicada, por duas razões, da temperança. Primeiro, na sua noção geral, que implica uma certa moderada e conveniente proporção, na na qual consiste por essência a beleza, como claramente o diz Dionísio. – Segundo, porque a temperança refreia em nós as tendências ínfimas e próprias da nossa natureza animal, como a seguir se dirá. Por isso são elas sobretudo de natureza a nos corromper. Donde o ser por excelência atribuída à temperança a beleza, que precipuamente nos livra do que é torpe. E pela mesma razão o honesto é sobretudo atribuído à temperança. Assim, como diz Isidoro, chamamos honesto ao que nada tem de torpe; pois, a honestidade (honestas) significa um como estado de honra (lumoris status); o que sobretudo se manifesta na temperança, contrária, aos vícios mais oprobriosos, como mais adiante diremos.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a temperança não é virtude.
1. – Pois, nenhuma virtude repugna à inclinação da natureza, porque nós temos a aptidão natural para a virtude, como diz Aristóteles. Ora, a temperança nos priva de prazeres a que a natureza nos inclina, ainda segundo Aristóteles. Logo, a temperança não é virtude.
2. Demais. – As virtudes são conexas entre si. Ora, certos praticam a temperança sem praticarem as outras virtudes; pois, muitos, apesar de temperantes, são avarentos e tímidos. Logo, a temperança não é virtude.
3. Demais. – A roda virtude corresponde um dom, como do sobredito resulta. Ora, parece não corresponder à temperança nenhum dom, pois, já nas questões anteriores todos os dons foram atribuídos às outras virtudes. Logo, a temperança não é virtude.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É uma virtude a chamada temperança.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, é da essência da virtude inclinar o homem para o bem. Ora, o bem do homem é viver de acordo com a razão, como diz Dionísio. Por onde a virtude humana inclina ao que é racional. Ora, é manifesto que a tal inclina a temperança; mas, o seu próprio nome implica uma certa moderação ou temperamento introduzido pela razão. Logo, a temperança é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A natureza inclina ao conveniente a cada um. Por isso o homem naturalmente deseja o prazer, que lhe é conveniente. Ora, o homem, como tal, sendo racional, é consequente que lhe sejam convenientes os prazeres conforme à razão. E destes não o priva a temperança mas, antes, dos que são contrários à razão. Por onde, é claro que a temperança, longe de contrariar a inclinação da natureza humana, vem corroborá–la. Contraria somente à inclinação da natureza animal não sujeita à razão.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A temperança, enquanto realiza plenamente a essência da virtude, não existe sem a prudência, da qual carecem todos os viciosos. Por onde, os que não têm as outras virtudes, estando sujeitos aos vícios opostos, sem terem a virtude da temperança, praticam–lhe os atos por uma certa disposição natural, no sentido em que certas virtudes imperfeitas são naturais aos homens, como dissemos, ou são adquiridas pelo costume, sem terem a perfeição da razão, que provém da prudência, segundo foi dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A temperança também corresponde determinadamente o dom do temor, que nos refreia os prazeres da carne, conforme aquilo da Escritura: Traspassa com o teu temor as minhas carnes. Ora, o dom do temor concerne principalmente a Deus, a quem evita ofender. E por aí corresponde à virtude da esperança, como dissemos. Mas, secundariamente, pode concernir a tudo o que evitamos, para não ofender a Deus. Sobretudo precisamos do temor divino para evitarmos o que mais nos atrai; sobre o que versa a temperança. Por onde, à temperança também corresponde o dom do temor.
O segundo discute–se assim. – Parece que a lei divina estabeleceu inconvenientemente os preceitos sobre as partes da coragem.
1. – Pois, assim como a paciência e a perseverança são partes da coragem, assim também, a magnificência e a magnanimidade, ou confiança, como do sobre dito resulta. Ora, a lei divina estabeleceu certos preceitos sobre a paciência. E também sobre a perseverança. Logo, pela mesma razão, devia também estabelecer certos outros sobre a magnificência e a magnanimidade.
2. Demais. – A paciência é uma virtude sobremodo necessária, pois, é a guarda das outras virtudes, como diz Gregório. Ora, os preceitos sobre as outras virtudes são absolutos. Logo, não deviam ser dados, sobre a paciência, preceitos considerados como só preparativos da alma, no dizer de Agostinho.
3. Demais. – A paciência e a perseverança são partes da coragem, como se disse. Ora, os preceitos relativos à coragem não são afirmativos mas só, negativos, como se estabeleceu. Logo, também não se deviam dar preceitos afirmativos, mas só negativos, sobre a paciência e a perseverança.
Mas, o contrário se deduz da tradição da Sagrada Escritura.
SOLUÇÃO. – A lei divina informa perfeitamente o homem sobre o necessário para viver retamente. Ora, para viver retamente, o homem não só precisa das virtudes principais, mas ainda das secundárias e anexas. E por isso, assim como a lei divina deu preceitos relativos aos atos das virtudes principais, assim também os deu relativos aos atos das virtudes secundárias e adjuntas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A magnificência e a magnanimidade não pertencem ao gênero da coragem, senão por uma certa grandeza excelente, considerada como a matéria própria delas. Ora, o que concerne à excelência entra antes no conselho de perfeição do que no preceito de necessidade. Por isso, sobre a magnificência e a magnanimidade não se deviam dar preceitos, mas antes, conselhos. Ora, as aflições e os trabalhos da vida presente são relativos à paciência e à perseverança, não em razão e qualquer grandeza nelas consideradas, mas em razão do gênero mesmo. Por isso deviam se estabelecer preceitos sobre a paciência e a perseverança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos os preceitos afirmativos, embora sempre obriguem, não obrigam contudo para sempre, mas, conforme o lugar e o tempo. Por onde, assim como os preceitos afirmativos relativos às outras virtudes devem ser entendidos corno preparativos da alma, isto é, como os que nos preparam para os cumprir, quando for ocasião, assim também os preceitos sobre a paciência devem ser entendidos no mesmo sentido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A coragem, enquanto distinta da paciência e da perseverança, versa sobre os perigos máximos, nos quais devemos proceder mais cautamente; nem é mister determinar o que devemos fazer em particular. Ora, a paciência e a perseverança versam sobre os sofrimentos e os trabalhos de pouca monta. Por onde, é mais possível, sem perigo, determinar o que em tais casos devemos fazer, sobretudo em geral