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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 – Se convenientemente estão estabelecidos, na lei divina, os preceitos relativos à coragem.

O primeiro discute–se assim. – Parece que na lei divina os preceitos relativos à coragem não estão convenientemente estabelecidos.

1. – Pois, a lei nova é mais perfeita que a antiga. Ora, a lei antiga estabelece certos preceitos sobre a coragem. Logo, também a lei nova devia tê–los estabelecido.

2. Demais. – Parece que os preceitos afirmativos tem mais vigor que os negativos; porque os afirmativos incluem os negativos e não, inversamente. Logo, a lei divina estabelece Inconvenientemente só preceitos negativos sobre a coragem, que proíbem o temor.

3. Demais. – A coragem é uma das virtudes principais, como se estabeleceu. Ora, os preceitos ordenam–se para as virtudes como para o fim; por isso devem–lhes ser proporcionados. Logo, os preceitos sobre a coragem deviam ter sido colocados entre os preceitos do Decálogo, que são os principais preceitos da lei. Mas o contrário resulta da tradição da Sagrada Escritura.

SOLUÇÃO. – Os preceitos da lei se ordenam à intenção do legislador. Portanto, segundo os diversos fins, que o legislador intenciona, hão de ser instituídos os preceitos diversos da lei; por isso, nas sociedades humanas, uns são os preceitos democráticos, outros os monárquicos e outros, os tirânicos. Ora, o fim da lei divina é levar o homem à união com Deus. Por isso, os preceitos da lei divina, tanto os relativos à coragem como os relativos às outras virtudes, foram estabelecidos segundo a conveniência que tem com à ordenação estabelecida pela mente divina. Donde o dizer a Escritura: Não os temais, porque o Senhor vosso Deus esta no meio de vós e ele pelejará por vós contra os vossos inimigos para vos livrar do perigo. Pois, as leis humanas se ordenam a determinados bens terrenos, relativamente à condição dos quais essas leis estabelecem preceitos relativos à coragem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O antigo Testamento prometia bens temporais; o novo, espirituais e eternos, como diz Agostinho. Por isso era necessário que a lei antiga instruísse como o povo devia lutar, mesmo fisicamente, para adquirir a posse dos bens terrenos. Ao passo que o novo Testamento o instrui de como deve combater espiritualmente para chegar a posse da vida eterna, segundo aquilo do Evangelho: O reino dos céus padece força e os que fazem violência são os que o arrebatam. Por isso Pedro também ordena: O diabo vosso adversário, anda ao derredor de vós, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar; resisti–lhes fortes na fé. E S. Tiago: Resisti ao diabo e ele fugirá de vós. Mas, como os homens, na busca dos bens espirituais, podem perdê–las por força dos perigos temporais, a lei nova teve também que estabelecer preceitos sobre a coragem, para nos fazerem suportar com firmeza os males temporais, segundo o Evangelho: Não temais aos que matam o corpo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A lei, com os seus preceitos, dá uma instrução geral. Ora, os modos pelos quais devemos proceder nos perigos não podem ser reduzidos a nenhum bem geral, como o podem os males que devemos evitar. Por isso, os preceitos sobre a coragem são formulados, antes negativa, que afirmativamente.

RESPOSTA À TERCEIRA, – Como dissemos, os preceitos do Decálogo a lei os estabeleceu como os princípios primeiros, que devem imediatamente ser conhecidos de todos. Por isso, os preceitos do Decálogo deviam ter principalmente por objeto os atos de justiça, nos quais aparece de modo manifesto a ideia de débito; mas não, sobre os atos da coragem, porque não se manifesta como um dever, que não devamos temer os perigos de morte.

Art. 2 – Se a quarta bem–aventurança, a saber – Bem–aventurados os que tem fome e sede da justiça – corresponde ao dom da fortaleza.

O segundo discute–se assim. – Parece que a quarta bem–aventurança, a saber – Bem–aventurados os que tem fome e sede da justiça não corresponde ao dom da fortaleza.

1. – Pois, o dom da fortaleza não corresponde à virtude da justiça, mas antes, ao dom da piedade. Ora, ter fome e sede da justiça é propriamente um ato de justiça. Logo, esta bem–aventurança mais concerne ao dom da piedade que ao da fortaleza.

2. Demais. – A fome e a sede da justiça implicam o desejo do bem. Ora, isto pertence propriamente à caridade, à qual não corresponde o dom da fortaleza mas, o da sabedoria, como se disse. Logo, essa bem–aventurança não corresponde ao dom da fortaleza, mas, ao da sabedoria.

3. Demais. – Os frutos são consequentes às bem–aventuranças, porque a bem–aventurança implica por essência o prazer, como diz Aristóteles. Ora, não vemos em nenhum dos frutos nada que pertença à fortaleza. Logo, também nenhuma bem–aventurança lhe corresponde.

Mas, em contrário, Agostinho diz: A fortaleza convém aos que tem fome e aos que tem sede: pois, sofrem desejando gozar os verdadeiros bens e suspirando por se desapegarem inteiramente dos bens terrenos e corpóreos.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, Agostinho atribui as bem–aventuranças aos dons segundo a ordem da enumeração, considerada, porém uma certa conveniência. Por isso, atribui a quarta bem–aventurança, a saber, a relativa à fome e à sede da justiça, ao quarto dom, que é o da fortaleza. Há, porém nessa atribuição alguma conveniência, porque, como dissemos, a coragem consiste em praticar ações árduas. Ora, é muito árduo, não somente fazermos obras virtuosas, comumente chamadas obras de justiça, mas ainda as fazermos com um certo desejo insaciável, que pode ser significado pela fome e pela sede da justiça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Crisóstomo, a justiça, no lugar do Evangelho, pode ser tomada não só como a particular mas também como a universal, que concerne às obras de todas as virtudes, no dizer de Aristóteles. Nas quais a fortaleza, que é um dom, visa o árduo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade é a raiz de todos os dons e de todas as virtudes, como se disse. Por onde, tudo o que pertence à fortaleza pode também pertencer à caridade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Entre os frutos colocam–se dois que correspondem suficientemente ao dom da fortaleza: a paciência, que nos faz suportar os males; e a longanimidade, que nos faz esperar diuturnamente e continuar na prática das boas obras.

Art. 1 – Se a fortaleza é um dom.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a fortaleza não é um dom.

1. – Pois, as virtudes diferem dos dons. Ora, a fortaleza é uma virtude. Logo, não deve ser considerado um dom.

2. Demais. – Os atos dos dons subsistem na pátria, como se estabeleceu. Ora, o ato da fortaleza lá não subsiste; pois, diz Gregório, que a fortaleza dá confiança a quem treme diante das adversidades; e estas não existirão na pátria. Logo, a fortaleza não é um dom.

3. Demais. – Agostinho diz, que é próprio da fortaleza preservar–nos dos prazeres envenenados das coisas passageiras. Ora, a temperança, antes que a força, é a que concerne ao gozo ou aos prazeres sensíveis. Logo, parece que a fortaleza não é um dom correspondente à virtude da coragem.

Mas, em contrário, a Escritura conta a fortaleza entre os outros dons do Espírito Santo.

SOLUÇÃO. – A coragem implica uma certa firmeza de alma, como se disse. Firmeza essa necessária tanto para fazermos o bem, como para suportarmos o mal, sobretudo quando este e aquele são difíceis. Ora, o homem pode, pelo seu modo próprio e conatural, ter essa firmeza em ambos os casos, de maneira que não abandone o bem por causa da dificuldade em realizar alguma obra árdua ou em suportar algum mal grave; e, assim sendo, a coragem é considerada uma virtude especial ou geral, como dissemos. Mas, além disso, a nossa alma é movida pelo Espírito Santo para chegar ao fim de qualquer obra começada e evitar quaisquer perigos iminentes. O que certamente excede a natureza humana; pois, às vezes, não está ao alcance do nosso poder atingirmos o fim das nossas ações e evitarmos o mal ou os perigos, quando por vezes nos ameaçam de morte. Mas isto obra em nós o Espírito Santo, quando nos conduz à vida eterna, que é o fim de todas as boas obras, o livramento de todos os perigos. Para o que, o Espírito Santo nos infunde no coração uma certa confiança, que sobrepuja qualquer temor contrário. E assim, a fortaleza é considerada um dom do Espírito Santo. Pois, como já dissemos, os dons implicam a moção da alma pelo Espírito Santo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A coragem como virtude fortalece a alma para sofrer quaisquer perigos; mas não basta para nos dar a confiança afim de os evitarmos. O que pertence à fortaleza, enquanto dom do Espírito Santo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os dons não produzem os mesmos atos nesta vida e na pátria, onde nos darão o gozo perfeito do fim. Por isso, o ato da fortaleza, lá, consistirá em fruirmos um gozo perfeito, plenamente livres de trabalhos e de males;

RESPOSTA À TERCEIRA. – O dom da fortaleza respeita à virtude da coragem, não só quando consiste em afrontarmos os perigos, mas também quando consiste em fazermos qualquer obra árdua. Por onde, o dom da fortaleza é dirigido pela do conselho, que concerne sobretudo aos bens mais perfeitos.

Art. 2 – Se a pertinácia se opõe à perseverança.

O segundo discute–se assim. – Parece que a pertinácia não se opõe à perseverança.

1. – Pois, diz Gregório, que a pertinácia nasce da vanglória, Ora, a vanglória não se opõe à perseverança, mas antes, à magnanimidade, como se disse. Logo, a pertinácia não se opõe à perseverança.

2. Demais. – Se se opõe à perseverança, ou é por excesso ou por defeito. Ora, não se opõe por excesso, porque também o pertinaz cede a algum prazer e a algum sofrimento, pois como diz o Filósofo, alegram–se os vencedores, mas se as suas opiniões aparecem fracas contristam–se. Se, por outro lado, se opusesse por defeito, ela seria o mesmo que a efeminação, o que é falso. Logo, de nenhum modo a pertinácia se opõe à perseverança.

3. Demais. – Assim como o perseverante permanece no bem, não obstante os sofrimentos, assim também, o continente e o temperante nele permanecem, vencendo os prazeres; o forte, vencendo os temores; e o pacífico, as iras. Ora, pertinaz se chama quem persiste diuturnamente em algum ato. Logo, a pertinácia não se opõe mais à perseverança que às outras virtudes.

Mas, em contrário, diz Túlio, que a pertinácia está para a perseverança como a superstição, para a religião. Ora, a superstição se opõe à religião, como se disse. Logo também a pertinácia à perseverança.

SOLUÇÃO. – Como diz Isidoro, chama–se pertinaz quem se apega impudentemente às coisas, como que segurando a todas tenazmente. O qual também se chama pervicaz, porque persevera no seu propósito até a vitória; pois, os antigos chamavam vicia ao que nós chamamos vitória. E a estes o Filósofo chama ischyrognomones, isto é, apegados à sua opinião, ou idiognomones, isto é, de opinião própria, por perseverarem pela mais do ·que o deveram; ao passo que o efeminado se lhe apega menos do que devera; e enfim, o perseverante, tanto quanto deve. Por onde, é claro que a perseverança é digna de louvor por ser um meio termo; ao passo que o pertinaz é digno de censura, por exceder o meio termo; e enfim, o efeminado, por não o atingir.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem persiste excessivamente na sua opinião própria é que quer, assim, manifestar a sua excelência. E por isso essa persistência procede da vanglória como de causa. Pois, como dissemos, a oposição entre os vícios e as virtudes não se lhes funda na causa, mas, na espécie própria.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O pertinaz peca por excesso mantendo uma persistência desordenada, apesar de todas as dificuldades, mas de certo modo se compraz no fim como o forte e também o perseverante. Mas, sendo essa complacência viciosa, pela desejar demasiado e por fugir, mais do que devera, ao sofrimento, é comparável à do incontinente e do efeminado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora as outras virtudes persistam contra o ímpeto das paixões, não são, contudo merecedoras de louvor, propriamente, por persistirem, como se dá com a perseverança. Pois, o mérito da continência está antes em vencer os prazeres. Por onde, a pertinácia se opõe diretamente à perseverança.

Art. 1 – Se a molície se opõe à perseverança.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a efeminação não se opõe à perseverança.

1. – Pois àquilo do Apóstolo – nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomistas, – comenta a Glosa: Efeminados, isto é, páticos, isto é, dados à inversão sexual. Ora, isto se opõe à castidade. Logo, a efeminação não é um vício oposto à perseverança.

2. Demais. – O Filósofo diz, que uma vida de delícias é de certo modo efeminada, Ora, viver uma vida de delícias é ser interperante. Logo, a efeminação não se opõe à perseverança, mas, antes, à temperança.

3. Demais. – O Filósofo, no mesmo lugar, diz, que quem se diverte é efeminado. Ora, divertir–se imoderadamente se opõe à eutrapélia, virtude reguladora dos prazeres provenientes dos divertimentos. Logo, a efeminação não se opõe à perseverança.

Mas, em contrário, diz o Filósofo: Ao inconstante se opõe o perseverante.

SOLUÇÃO. – Como dissemos a perseverança é digna de louvores por nos fazer não abandonar um bem que exige soframos dificuldades e trabalhos diuturnos. Ao que diretamente se opõe quem facilmente abandona um bem por causa das dificuldades sobrevenientes, que não pode arrostar. O que constitui por essência a efeminação; pois, efeminado se chama quem facilmente cede ao obstáculo. Ao contrário, não é julgado tal quem cede ao que fortemente o contraria; pois, até os muros cedem à máquina que os percute. Por isso, não se considera efeminado quem cede a obstáculos que se lhe contrapõem com desusada violência. Donde o dizer o Filósofo: O deixar–se alguém vencer de prazeres intensos e extraordinários ou de grande sofrimento, longe de provocar o nosso espanto, despertará a nossa indulgência, contanto que tenha feito esforços para resistir. Ora, é manifesto que a ameaça dos perigos se nos contrapõe mais gravemente do que o desejo dos prazeres. Por isso, diz Túlio: Não é admissível que quem não foi vencido pelo medo o seja pelo prazer; nem que seja vencido pelo prazer quem não se deixou vencer ao sofrimento. Pois, o prazer, por natureza, nos atrai mais fortemente do que nos afasta da ação o sofrimento resultante da privação do prazer, porque, estar privado do prazer é uma deficiência. Por isso, segundo o Filósofo, efeminado propriamente se chama quem abandona o bem por causa dos sofrimentos causados pela privação dos prazeres, como quem cede a um pequeno impulso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A referida efeminação tem dupla causa. – Uma, o costume; pois, quem está habituado a gozar o prazer pode dificilmente suportar a privação dele. – A outra é a disposição natural, que, por fragilidade de compleição, nos faz ter o ânimo menos constante. E isso funda a diferença entre o sexo feminino e o masculino, como diz o Filósofo. Por Por onde, os que se dão à inversão sexual chamam–se efeminados por se terem como que feito mulheres.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ao prazer do corpo se opõem os trabalhos; por isso, as coisas trabalhosas somente impedem o prazer. Donde o chamarem–se amigos de delícias os que não podem suportar nenhuns trabalhos, nem nada que lhes diminua os prazeres. Donde o dizer a Escritura: A mulher tenra e mimosa, que não podia andar sobre a terra nem firmar nela um pé por causa da sua demasiada brandura. Portanto, amar as delícias é de certo modo ser efeminado. Mas, a efeminação é propriamente relativa à falta de prazeres; ao passo que as delícias o são aos obstáculos do prazer, como os sofrimentos e coisas semelhantes.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Dois elementos devemos considerar nas diversões. – Um, o prazer; e então a diversão desordenada se opõe à eutrapélia. – Outra, a remissão ou descanso, que se opõe ao trabalho. E portanto, assim como é próprio da efeminação não poder suportar os trabalhos, assim também o é desejar demasiado a remissão dos divertimentos, ou qualquer outra forma de repouso.

Art. 4 – Se a perseverança precisa do auxílio da graça.

O quarto discute–se assim. – Parece que a perseverança não precisa do auxílio da graça.

1. – Pois, a perseverança é uma virtude, como se disse. Ora, a virtude, como diz Túlio, age a modo de natureza. Logo, só a inclinação da virtude basta para perseverar. Portanto, para tal, não é· necessário nenhum auxílio da graça.

2. Demais. – O dom da graça de Cristo é maior que o dano causado por Adão, como está claro no Apóstolo. Ora, antes do pecado, o homem era de natureza tal, que podia perseverar pelos dons, que recebera como diz Agostinho. Logo, com maior razão, o homem, fortificado pela graça de Cristo, pode perseverar sem o auxílio de nenhuma nova graça.

3. Demais. – As obras do pecado são às vezes mais difíceis que as da virtude; por isso, da pessoa dos ímpios diz a Escritura: Andamos por uns caminhos ásperos. Ora, muitos perseveram–nas obras do pecado sem o auxílio de outrem. Logo, também nas obras da virtude o homem pode perseverar, sem o auxílio da graça.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Afirmamos que a perseverança, pela qual perseveramos em Cristo até o fim, é um dom de Deus.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, a perseverança se toma em duplo sentido. – Num, significa o hábito mesmo da perseverança, enquanto virtude. E, neste sentido, precisa do dom da graça habitual, como o precisam as outras virtudes infusas. – Noutro sentido, pode ser tomada pelo ato da perseverança, que dura .até a morte. E então precisa não só da graça habitual, mas ainda do auxílio gratuito de Deus, que conserva o homem no bem até ao fim da vida, como dissemos quando tratámos da graça. Porque, o livre arbítrio sendo, por essência, sujeito a mudanças, e como disso não o livra a graça habitual da vida presente, no poder dele não está, mesmo quando fortificado pela graça, permanecer imutavelmente no bem, embora tenha o poder de assim o escolher; pois, muitas vezes, está em nosso poder a eleição, mas não a execução.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A virtude da perseverança, por natureza, inclina a perseverarmos. Mas, sendo um hábito do qual usamos quando queremos, não é necessário que quem tem o hábito da virtude dele use permanentemente até a morte.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, ao primeiro homem foi dado, não o perseverar, mas o ter, podido perseverar, pelo livre arbítrio; porque nenhuma corrupção havia então em a natureza humana, que lhe causasse dificuldades no perseverar. Mas, atualmente, aos predestinados a graça de Cristo confere não só o dom da possibilidade de perseverar, mas, o perseverarem. Por isso, o primeiro homem, sem ninguém o ter desviado, pelo uso do seu livre arbítrio e desprezando as ameaças de Deus, não permaneceu em tão grande felicidade, em tão grande facilidade de não pecar; ao passo que os eleitos, não obstante os esforços do mundo para fazê–los cair, permaneceram na fé.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem, por natureza, pode cair em pecado; mas não pode por si mesmo purificar–se dele, sem o auxílio da graça. Portanto, caindo em pecado, torna–se, com todas as suas forças, perseverante nele, se a graça de Deus não o libertar. Mas, pelo fato de fazer o bem, não se torna perseverante no bem, porque, por si mesmo, pode pecar. Por isso é que, para tal, precisa do auxílio da graça.

Art. 3 - Se a constância está compreendida na perseverança.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a constância não está compreendida na perseverança.

1. – Pois, a constância faz parte da paciência, como se disse. Ora, a paciência difere da perseverança. Logo, a constância não está compreendida na perseverança.

2. Demais. – A virtude versa sobre o difícil e o bem. Ora, nas obras de pequena monta, não parece difícil ser constante, mas só nas de grande importância, que são o objeto da magnificência. Logo, a constância concerne antes à magnificência que à perseverança.

3. Demais. – Se na perseverança estivesse incluída a constância, em nada diferiria dela, pois que ambas implicam uma certa imobilidade. Mas, diferem; assim, Macróbio coloca a constância na mesma divisão que a firmeza, pela qual entende a perseverança, como se disse. Logo, a constância não está incluída na perseverança.

Mas, em contrário, chama–se constante quem está (firme) nalguma coisa. Ora, fazer–nos estar firmes numa coisa é próprio da perseverança, como resulta da definição dada por Andronico. Logo, a constância está incluída na perseverança.

SOLUÇÃO. – A perseverança e a constância têm o mesmo fim, porque ambas nos fazem persistir com firmeza no bem; mas, diferem conforme as dificuldades que nos fazem vencer para persistirmos no bem. Assim, a virtude da perseverança propriamente nos faz persistir no bem, vencendo as dificuldades provenientes da duração prolongada do ato; ao passo que a constância nos faz persistir no bem vencendo as dificuldades procedentes de quaisquer obstáculos externos. Por onde, a parte mais principal da coragem é a perseverança e não, a constância; porque, a dificuldade proveniente da diuturnidade do ato é mais essencial ao ato da virtude, do que a procedente dos obstáculos externos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Os obstáculos externos à nossa persistência no bem são sobretudo os que nos causam sofrimento. Ora, os sofrimentos devemos aturá–los com paciência, como dissemos. Por onde, a constância tem o mesmo fim que a perseverança; mas, convém com a paciência quanto às dificuldades que devemos vencer. Ora, o fim tem prevalência. Portanto, a constância está incluída, antes, na perseverança que na paciência.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É mais difícil persistir nas grandes obras; persistir, porém, diuturnamente, nas pequenas ou medíocres, é difícil, se não pela grandeza delas – grandeza que é visada pela magnificência – ao menos pela duração, que respeita à perseverança. Portanto, a constância pode incluir–se tanto numa corno na outra.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A constância se inclui na perseverança enquanto com ela convém; mas, não é o mesmo que ela, enquanto dela difere, como dissemos.

Art. 2 – Se a perseverança faz parte da coragem.

O segundo discute–se assim. – Parece que a perseverança não faz parte da coragem.

1. – Pois, como diz o Filósofo, a perseverança concerne aos sofrimentos sensíveis. Ora, estes dizem respeito à temperança. Logo, a perseverança faz parte, antes, da temperança que da perseverança.

2. Demais. – As partes de uma virtude moral versam sobre as paixões determinadas, que essa virtude moral modera. Ora, a perseverança não implica moderação de nenhuma paixão; porque, quanto mais veementes forem as paixões tanto mais digno de louvor será quem permanecer fiel à ordem da razão. Logo, parece que a perseverança não faz parte de nenhuma virtude moral, mas antes, da prudência, que aperfeiçoa a razão.

3. Demais. – Agostinho diz, que ninguém pode perder a perseverança; ao contrário, podemos perder as outras virtudes. Logo, a perseverança é mais principal que elas. Ora, uma virtude principal é mais principal que qualquer das suas partes. Logo, a perseverança não faz parte de nenhuma virtude, mas antes, é ela a virtude principal.

Mas, em contrário, Túlio considera a perseverança parte da coragem.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, virtude principal é aquela à qual atribuímos principalmente o que constitui o mérito da virtude, enquanto que ela o exerce na sua matéria própria, relativamente à qual é muito difícil e muito perfeita a prática. E por ser assim é que consideramos a coragem uma virtude principal, porque nos torna firmes em circunstâncias onde é dificílimo persistirmos com firmeza, isto é, nos perigos de morte. Portanto, é necessário acrescentar­se à coragem, como virtude secundária à principal, toda virtude cujo mérito consiste em arrostar com firmeza a dificuldade. Ora, arrostar a dificuldade proveniente da diuturnidade de uma boa obra é o que faz ser digna de louvor a perseverança; embora isso não seja tão difícil como arrostar os perigos de morte. Por onde, a perseverança se anexa à coragem, como a virtude secundária à principal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O anexar–se uma virtude secundária à principal não se funda só na matéria, mas antes, no modo, porque a forma é, em cada ser, mais principal que a matéria. Por onde, embora a perseverança, pela sua matéria, pareça convir mais com a temperança do que com a coragem, contudo, pelo modo, convém, antes, com a coragem, por nos fazer conservar a firmeza contra as dificuldades diuturnas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A perseverança a que se refere o Filósofo não modera nenhumas paixões, mas consiste só numa certa firmeza da razão e da vontade. Mas, a perseverança, como virtude, modera determinadas paixões, a saber o temor da fatiga ou da deficiência prolongados. Por isso, essa virtude tem a sua sede no irascível, como a coragem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Agostinho se refere, nesse lugar, à perseverança, não enquanto designa um hábito virtuoso, mas, um ato virtuoso continuado até ao fim, segundo aquilo da Escritura – O que perseverar até o fim esse será salvo. Por onde, considerada nesse sentido, seria contra a essência mesmo da perseverança, que ela pudesse ser perdida, porque então já deixaria de durar até o fim.

Art. 1 – Se a perseverança é uma virtude.

O primeiro assim se discute. – Parece que a perseverança não é uma virtude.

1. – Pois, como diz o Filósofo, a continência é mais importante que a perseverança. Ora, a continência não é uma virtude, como também ele o diz. Logo, a perseverança não é virtude.

2. Demais. – Pela virtude é que vivemos retamente, como diz Agostinho. Ora, como também ainda ensina, de ninguém podemos dizer que tem a perseverança, enquanto vive, se não perseverar até à morte. Logo, a perseverança é uma virtude.

3. Demais. – Toda virtude exige que persistamos na sua prática, como está claro em Aristóteles. Ora, isto constituí a perseverança; pois, no dizer de Túlio, a perseverança é a persistência perpétua e estável na razão bem examinada. Logo, a perseverança não é uma virtude especial, mas, a condição de toda virtude.

Mas, em contrário, diz Andronico, que a perseverança é o hábito das coisas a que devemos nos ater e não nos ater, e das que não são nem umas nem outras. Ora, o hábito que nos ordena a bem agir ou a omitir é a virtude. Logo, a perseverança é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude versa sobre o difícil e o bem. Por onde, a cada dificuldade ou cada bem de natureza especial corresponde uma virtude especial. Ora, a obra virtuosa pode implicar uma dificuldade ou um bem de dois modos. Primeiro, pelo seu ato especifico, derivado do seu objeto próprio, na sua essência mesma. Segundo, pela diuturnidade do tempo; pois, o fato mesmo de insistirmos diuturnamente num ato difícil constitui uma dificuldade especial. Por onde, persistir longamente num bem até a sua consumação constitui uma virtude especial. Portanto, assim como a temperança e a fortaleza são virtudes especiais, porque uma modera os prazeres do tato, em si mesmos difíceis de serem moderados; e a outra, os temores e as audácias relativamente aos perigos de morte, também em si mesmos difíceis de serem vencidos, assim também a perseverança é uma virtude especial à qual é próprio, nessas ou noutras obras virtuosas, persistir diuturnamente, conforme for necessário.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. –­ O Filósofo considera a perseverança, no lugar citado, como significando o perseverar alguém naquilo que é dificílimo suportar por muito tempo. Ora, não é difícil persistir longamente no bem, mas, no mal. Mas, os males que nos fazem correr perigo de morte frequentemente não os suportamos por muito tempo, porque no mais das vezes passam rapidamente. Por onde, relativamente a eles, não é sobretudo merecedora de louvores a perseverança. Mas, dentre os outros males, os principais são os opostos aos prazeres sensíveis; por dizerem respeito ao necessário à vida; por exemplo , à falta de comida e de coisas semelhantes, que às vezes é necessário sofrer por muito tempo. Ora, não é muito difícil suportá–los longamente a quem não sofre demasiado com tais privações, nem se deleita excessivamente com os bens opostos; e tal o caso do homem temperante, em quem essas paixões não são veementes. Mas, sê–Io–á muito difícil ao que for veementemente tocado dessas paixões, por não ter virtude perfeita para dominá–las. Por onde, tomada nesse sentido a perseverança, não é virtude perfeita, mas é algo de imperfeito no género da virtude. Mas, se considerarmos a perseverança como a virtude que nos faz persistir diuturnamente num bem difícil qualquer, ela pode convir também ao que tem virtude perfeita; o qual, se o persistir no bem lhe for menos difícil, persistirá contudo num bem mais perfeito. Por onde, tal perseverança pode ser virtude, porque a perfeição da virtude mais se funda na ideia de bondade do que na de dificuldade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O mesmo nome serve para designar às vezes a virtude e o ato da virtude; assim, Agostinho diz: A fé nos faz crer o que não vemos. Pode porém se dar que tenhamos o hábito da virtude sem contudo lhe exercermos o ato; assim, pode um pobre ter o hábito da magnificência, sem contudo lhe exercer o ato. Outras vezes, porém pode alguém ter o hábito, começar a exercer o ato mas não acabá–lo; por exemplo um construtor pode começar a construir, sem que chegue a acabar a casa. Por isso, devemos concluir, que às vezes o nome de perseverança é empregado para significar o hábito pelo qual elegemos perseverar; outras vezes, pelo ato pelo qual perseveramos; outras ainda, quem tem o hábito da perseverança escolhe perseverar e começa a agir, persistindo algum tempo, mas, não acaba o ato por não persistir até o fim. Mas, o fim é duplo: o da obra e o da vida humana. Ora, à perseverança em si mesma é próprio fazer–nos persistir até o fim da obra virtuosa; assim o soldado, que persevera até o fim da luta, e o magnifico, até a consumação da obra. Mas, há certas virtudes cujos atos devem durar por todo o decurso da nossa vida, como a fé, a esperança e a caridade, porque concernem ao fim último dela. Por onde, relativamente a essas virtudes, que são principais, o ato da perseverança não se consuma até ao fim da vida. E nesse sentido é que Agostinho toma a perseverança, pelo ato consumado dela.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Uma coisa pode convir à virtude de dois modos. – De um modo, pela intenção própria do fim. E assim, perseverar diuturnamente até ao fim, no bem, é próprio da virtude especial chamada perseverança, que visa esse fim como o seu fim especial. – De outro modo, pela relação do hábito com o sujeito. E então persistir perseverantemente é o resultado de qualquer virtude, enquanto qualidade dificilmente removível.

Art. 5 – Se a paciência é o mesmo que a longanimidade.

O quinto discute–se assim. – Parece que a paciência é o mesmo que a longanimidade.

1.– Pois, como diz Agostinho, a paciência de Deus não se manifesta em sofrer o mal, mas, em esperar que os maus se convertam. Por isso, diz a Escritura: O Altíssimo, ainda que sofrido, é justiceiro. Logo, parece que a paciência é o mesmo que a longanimidade.

2. Demais. – Uma mesma coisa não pode ser oposta a duas. Ora, a impaciência se opõe à longanimidade, que nos faz esperar demoradamente; assim, dizemos que uma pessoa impacienta–se com a demora, como com outros males. Logo, a paciência é o mesmo que a longanimidade.

3. Demais. – Assim como o tempo é uma circunstância dos males que padecemos assim também, o lugar. Ora, o lugar não distingue nenhuma virtude, da paciência. Logo, do mesmo modo, também a Ionganimidade, fundada no tempo, a qual nos faz esperar longamente, não se distingue da paciência.

Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo ­ Acaso desprezas tu as riquezas da sua bondade, e paciência e longanimidade – diz a Glosa: A longanimidade difere da paciência, porque dizemos serem suportados por longanimidade os que pecam antes por fraqueza no que de propósito; mas, dos que exultam com espírito pertinaz nos seus delitos, dizemos que são suportados pacientemente.

SOLUÇÃO. – Assim como a magnanimidade tem esse nome porque nos dá o ânimo de tender para grandes causas, assim também se chama longanimidade a que nos infunde o ânimo de buscar o que de nós está longe. Por onde, assim como a magnanimidade visa, antes, a esperança que tende para o bem, do que a audácia ou o temor ou a tristeza, cujo objeto é o mal, assim também a longanimidade. Portanto a longanimidade tem mais conveniência com a magnanimidade, do que com a paciência.

Mas, pode convir com a paciência por duas razões. – Primeiro, porque pela paciência, como pela coragem, suportamos o mal por causa do bem. E se este for próximo, mais facilmente suportamos aquele: mas, sofreremos mais dificilmente o mal presente, quando o bem só nos for accessível num futuro distante. – Segundo, porque o fato de se protelar o bem esperado causa naturalmente tristeza, conforme aquilo da Escritura: A esperança, que se retarda aflige a alma. Por onde, podemos exercer a nossa paciência sofrendo esse padecimento, como sofremos quaisquer outros.

Assim, pois, como podemos abranger, na mesma ideia do mal, que nos faz sofrer, tanto o amor do bem esperado – objeto da longanimidade, como os padecimentos, que toleramos na prática continuada das boas obras – objeto da constância, tanto a longanimidade como a constância estão compreendidas na paciência.

Por isso, Túlio, definindo a paciência, diz, que a paciência consiste em sofrermos o árduo e o difícil, voluntária e diuturnamente, visando um fim honesto e útil. Ora, a sua expressão ­ árduo – refere–se à constância no bem; a outra – difícil – à gravidade do mal, a que visa propriamente a paciência; e a adição – diuturna – refere–se à longanimidade, enquanto convém com a paciência.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS À PRIMEIRA E À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O que está em lugar longínquo, embora esteja longe de nós, não está, porém, absolutamente falando, remoto da natureza das coisas, como o está o que está longe no tempo. Por isso, não colhe a comparação. E além disso o que está longe, localmente falando, não causa dificuldade senão em razão do tempo; porque, estando em lugar afastado de nós, poderá chegar até nós em tempo mais demorado.

À QUARTA OBJETADA EM CONTRÁRIO, concedemos. Contudo, devemos considerar a razão da diferença assinalada pela Glosa. Pois, nos que pecam por fraqueza, o que só é intolerável é o perseverarem diuturnamente no mal; por isso a Glosa diz, que são suportados com longanimidade. Ao passo que é em si mesmo insuportável quem peca por soberba; por isso, a Glosa diz que são suportados com paciência os que pecam dessa maneira.

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