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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 – Se a presunção é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a presunção não é pecado.

1. – Pois, diz o Apóstolo: Esquecendo–me do que fica para trás e avançando–me ao que resta para o diante. Ora, constitui presunção pretendermos ao que está acima do nosso alcance. Logo, a presunção não é pecado.

2. Demais. – O Filósofo diz: Não devemos aceitar a opinião dos que dizem que o nosso esforço, como homens, deve tender a causas humanas; e, como mortais, a causas mortais; mas devemos, tanto quanto possível, nos esforçar por sermos imortais. E noutro lugar adverte que o homem deve, tanto quanto possível, tender ao divino. Ora, as coisas divinas e imortais são as que mais lhe sobre excedem às faculdades. Ora, como é da essência da presunção fazer–nos pretender ao que está fora, do nosso alcance, parece que, longe de ser pecado, a presunção é coisa digna de louvor.

3. Demais. – O Apóstolo diz: Não somos capazes de nós mesmos de ter algum pensamento to como de nós mesmo. Se, pois, a presunção, que nos leva a buscar aquilo de que não somos capazes, é pecado, parece que não podemos licitamente nem mesmo ter algum pensamento bom. O que é inadmissível. Logo, a presunção não é pecado.

Mas, em contrário, a Escritura: Ó perversíssima presunção! Donde tomaste tu a tua origem? Ao que responde a Glosa: Da má vontade da criatura. Ora, tudo o que procede da raiz da má vontade é pecado. Logo, a presunção é pecado. 

SOLUÇÃO. – A razão humana deve imitar as coisas naturais, ordenadas pela razão divina. Por onde, tudo o que provém da razão humana, em oposição à ordem universal da natureza, é vício e pecado. Ora, todos os seres naturais são universalmente sujeitos ao princípio em virtude do qual toda ação é proporcionada à virtude do agente; nem há agente natural nenhum que tenda a fazer o que lhe excede à capacidade. Portanto, é vicioso e é pecado, quase como contrário à ordem natural, o pretender alguém obrar o que lhe excede à virtude; o que constitui essencialmente a presunção, como o próprio nome o manifesta. Por onde é claro que a presunção é pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede que exceda à potência ativa de um ser o que não lhe excede à potência passiva; assim, tem o ar a potência passiva que o torna capaz de transformar–se de modo a receber a ação e o movimento do fogo, coisas estas que lhe excedem a potência ativa. Assim também seria vicioso e presunçoso quem, tendo uma virtude imperfeita pretendesse imediatamente ascender ao estado da virtude perfeita. Mas, vicioso não será nem presunçoso quem pretenda progredir na virtude de modo a vir a tê–Ia perfeita. E, neste sentido, o Apóstolo avançava para diante, isto é, progredindo continuamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As coisas divinas e imortais estão, por natureza, acima da capacidade humana. Mas, tem o homem uma certa potência natural – a do intelecto, pela qual pode se unir ao imortal e ao divino. E, neste sentido, o Filósofo diz, que ele deve esforçar–se por se alçar ao imortal e ao divino; não, certo, pretendendo o fazer o que só Deus pode, mas, unindo­se–lhe pelo intelecto e pela vontade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz o, Filósofo, o que podemos por meio dos outros, de certo modo por nós mesmo o podemos. Por onde, como podemos pensar e fazer o bem com o auxílio divino, isso não excede de todo a nossa capacidade. E, portanto não será presunçoso quem pretenda praticar obras virtuosas. Sê–Io–ia, porém aquele que o pretendesse sem contar com o auxílio divino.

Art. 8 – Se os bens da fortuna concorrem para a magnanimidade.

O oitavo discute–se assim. – Parece que os bens da fortuna não concorrem para a magnanimidade.

1. – Pois, como diz Séneca, a virtude a si mesma se basta. Ora, a magnanimidade torna todas as virtudes grandes, como se disse. Logo, os bens da fortuna não concorrem para a magnanimidade.

2. – Demais. – Nenhum homem virtuoso despreza o que lhe pode servir. Ora, o magnânimo despreza o que respeita à fortuna exterior; pois, diz Túlio, que a pessoa de alma grande é digna de louvor pelo desprezo dos bens materiais. Logo, a magnanimidade não é servida pelos bens da fortuna.

3. Demais. – O mesmo Túlio acrescenta que é próprio do magnânimo suportar as coisas penosas de modo a não se afastar em nada, do estado de natureza; em nada, da dignidade do sábio. E Aristóteles diz que o infortúnio não entristece o magnânimo. Ora, as coisas penosas e os infortúnios se opõem aos bens da fortuna; pois, todos nos contristamos quando somos privados do que nos presta serviços. Logo, os bens exteriores da fortuna não concorrem para a magnanimidade.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que os bens da fortuna contribuem para a magnanimidade.

SOLUÇÃO. – Como do sobre dito resulta, dois termos visa a magnanimidade: as honras, como a matéria; e a um ato grandioso a praticar, como fim. Ora, para ambos contribuem os bens da fortuna. Pois, como as honras são conferidas aos virtuosos, não só pelos sábios, mas também pela multidão, que considera máximos os referidos bens exteriores da fortuna, daí resulta, por consequência, o prestarem maiores honras aos que têm os bens exteriores da fortuna. Do mesmo modo, esses bens cooperam, como instrumentos, para os atos virtuosos: porque as riquezas, o poder e os amigos proporcionam–nos a faculdade de agir. Por onde, é manifesto que os bens da fortuna concorrem para a magnanimidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que a virtude se basta a si mesma, porque pode existir mesmo sem os bens exteriores. Mas, destes precisa para obrar mais facilmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O magnânimo despreza os bens exteriores pelos não reputar grandes bens, pelos quais deve fazer o que lhe não fica bem. Mas não os despreza a ponto de não os julgar úteis à prática de obras virtuosas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem não considera grande uma causa não muito se alegra quando a obtém, nem muito se contrista se vem a perde–la. Ora, como o magnânimo não considera os bens exteriores da fortuna como grandes bens, por isso não muito se exalta, pelos possuir; nem muito se abate pelos perder.

Art. 7 – Se a segurança faz parte da magnanimidade.

O sétimo discute–se assim. – Parece que a segurança não faz parte da magnanimidade.

1. – Pois, a segurança, como se disse, importa na isenção da perturbação do temor. Ora, esse é sobretudo o efeito da coragem. Logo, parece que a segurança é o mesmo que a coragem. Ora, longe de fazer esta parte da magnanimidade, é o contrário, que se dá. Logo, também não pertence a segurança à magnanimidade.

2. Demais. – Isidoro diz: seguro (securus) é por assim dizer o que não cura (sine cura). Ora, isto parece contrariar à ideia de virtude, que cura das coisas honestas, segundo o Apóstolo: Cuida muito em te apresentares a Deus digno de aprovação. Logo, a segurança não faz parte da magnanimidade, que pratica as grandes obras de toas as virtudes.

3. Demais. – A virtude não se confunde com o seu prémio. Ora, a Escritura considera a segurança como prêmio da virtude: Se lançares fora de ti a iniquidade, que está na tua mão, enterrado. dormirás seguro. Logo, a segurança não faz parte da magnanimidade nem de nenhuma outra virtude.

Mas, em contrário, diz Tulio, que é próprio da magnanimidade não sucumbir nem à perturbação da alma, nem aos ataques dos homens ou da fortuna. Ora, nisto consiste a segurança. Logo, ela pertence à magnanimidade.

SOLUÇÃO. – Como diz o Filósofo, o temor torna os homens consiliativos, fazendo–os descobrir os meios de escaparem ao que temem. Ora, a segurança é assim chamada porque nos livra desses cuidados, que o temor suscita em nós. Por onde, a segurança implica uma certa e perfeita tranquilidade de alma, isenta de temor, assim como a confiança implica uma certa firmeza da esperança. Ora, assim como a esperança diretamente se inclui na magnanimidade, assim, o temor diretamente se incorpora na coragem. E portanto, assim como a confiança imediatamente pertence à magnanimidade. Assim, a segurança se inclui imediatamente na coragem. – Mas, devemos considerar que, assim como a esperança é a causa da audácia, assim, o temor o é do desespero, conforme estabelecemos quando tratámos das paixões. E portanto, assim .como consequentemente a confiança pertence à coragem, por se socorrer da audácia, assim também a segurança., consequentemente, faz parte da magnanimidade, porque exclui o desespero.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO – A coragem não é principalmente louvada por não temer – o que é próprio da segurança; mas, por importar uma certa firmeza, no tocante às paixões. Por onde, a segurança não é o mesmo que a coragem, mas é uma condição dela.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem toda segurança é louvável; mas aquela que nos faz isentos de cuidados, quando o devemos e nos casos em que não devemos temer. E, deste modo, é condição da coragem e da magnanimidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nas virtudes existe uma certa semelhança e participação da futura felicidade, como se estabeleceu. Por onde, nada impede seja uma certa segurança a condição de uma virtude, embora a segurança perfeita constitua o prêmio da virtude.

Art. 6 – Se a confiança pertence à magnanimidade.

O sexto discute–se assim. – Parece que a confiança não pertence à magnanimidade.

1. – Pois, podemos ter confiança não só em nós mesmos, mas também, nos outros, conforme ao Apóstolo: Temos, uma tal confiança em Deus por Cristo; não que sejamos capazes, de nós mesmos, de ter algum pensamento, como de nós mesmos. O que é contra a ideia de magnanimidade. Logo, a confiança não pertence à magnanimidade.

2. Demais. – Parece que a confiança é oposta ao temor, segundo a Escritura: Resolutamente obrarei e não temerei. Ora, não ter temor é antes próprio da coragem. Logo, também a confiança mais pertence à coragem que à magnanimidade.

3. Demais. – Prêmio não é devido senão à virtude. Ora, a confiança merece ser premiada, segundo o Apóstolo: Nós somos a casa de Cristo contanto que tenhamos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim. Logo, a confiança é uma virtude distinta da magnanimidade. O que também se conclui, do fato de Macróbio colocá–la na mesma divisão que a magnanimidade.

Mas, em contrário, Túlio parece que põe a confiança em lugar da magnanimidade, como se disse.

SOLUÇÃO. – A palavra latina fidúcia, confiança, vem de fides, fé; e a fé nos faz crer alguma coisa e em alguém. Ora, a confiança é própria da esperança, conforme á Escritura: E terás confiança na esperança que te propuseste.

Por onde, o nome de confiança significa principalmente o fato de termos esperança, por acreditarmos nas palavras de alguém, que nos promete ajuda. Ora, fé também se chama uma opinião veemente; e podemos opinar com veemência, fundados não somente nas palavras de outrem, mas também, no que nele percebemos. Por isso, pode também chamar–se confiança a esperança, que nutrimos, fundada num determinado fato. O qual, ora, o descobrimos em nós mesmo, como quando, considerando–nos são, confiamos na vida longa que teremos; ora, pelo que vemos em outrem, como quando, tendo alguém como nosso amigo e poderoso, confiamos, que nos ajudará. – Ora, já dissemos que o objeto próprio da magnanimidade é a esperança num bem difícil. E, portanto, como a confiança robustece–nos a esperança, por provocar em nós uma reflexão, que nos leva a opinar com segurança, que conseguiremos um determinado bem, resulta que a confiança faz parte da magnanimidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Filósofo diz, que magnânimo é quem não precisa de nada; o contrário fa–Io–ia um necessitado. Mas, isto deve entender–se num sentido humano; e por isso Aristóteles acrescenta – ou apenas. Pois, sobre excede absolutamente o homem não precisar de nada. Pois, em primeiro lugar precisamos do auxílio divino; segundo, do auxílio humano, porque o homem, não se bastando a si mesmo para viver, é naturalmente um animal social. Ora, na medida em que precisa dos outros é natural que o magnânimo tenha confiança neles; porque também constitui uma excelência o contarmos com quem nos possa ajudar prontamente. Mas também é natural ao magnânimo ter confiança em si mesmo na medida em que tem também a sua capacidade de agir.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, quando tratamos das paixões, a esperança certamente se opõe ao desespero, cujo objeto é o bem, que também o é dela; mas, pela contrariedade dos objetos, opõe–se ao temor, cujo objeto é o mal. Mas, a confiança implica uma certa esperança forte; por isso, ela se opõe, como a esperança, ao temor. Como a coragem, porém, propriamente nos confirma contra o mal; e como a magnanimidade nos dá força para alcançarmos um bem, daí resulta que a confiança mais pertence à magnanimidade, que à coragem. E como a esperança causa a audácia, que faz parte da coragem, daí provém, por consequência, que ela pertence à coragem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A confiança, como dissemos é uma certa modalidade da esperança; pois, é a esperança roborada por uma opinião firme. Ora, a modalidade própria de um afeto pode dar–lhe valor aos atos e torná–los meritórios; mas, não é essa modalidade, senão a matéria própria dele, que o constitui virtude, especificamente. Por onde, a confiança não pode, propriamente falando, designar uma virtude, mas pode designar–lhe a condição. E por isso, é enumerada entre as partes da coragem, não como virtude anexa, mas, segundo dissemos, como parte integrante; salvo se a considerarmos, como Túlio, como magnanimidade.

Art. 5 – Se a magnanimidade faz parte da coragem.

O quinto discute–se assim. – Parece que a magnanimidade não faz parte da coragem.

1. Pois, uma coisa não pode fazer parte de si mesma. Ora, a magnanimidade parece ser o mesmo que a coragem; assim, diz Séneca: Se tiveres na alma a magnanimidade também chamada coragem viverás em grande paz. E Túlio diz: Pretendemos que os varões fortes são também magnânimos, amigos da verdade e nunca enganosos. Logo, a magnanimidade não convém de tal modo com a coragem que possa ser considerada parte dela.

2. Demais. – O Filósofo diz, que o magnânimo não é philokindynos, isto é, amante do perigo. Ora, é próprio do corajoso expor–se aos perigos. Logo, a magnanimidade não convém com a coragem, de modo a podermos considerá­la parte dela.

3. Demais. – À magnanimidade é próprio esperar grandes bens; à coragem, temer ou ousar grandes males. Ora, o bem é mais principal que o mal. Logo, a magnanimidade é mais principal virtude que a coragem: e, portanto, não faz parte dela.

Mas, em contrário, Macróbio e Andronico consideram a magnanimidade parte da coragem.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, virtude principal é aquela à qual pertence imprimir em matéria principal uma geral modalidade de virtude. Ora, nos modos gerais da virtude se inclui a firmeza de alma; pois, todas as virtudes exigem que procedamos com firmeza, como diz Aristóteles. Ora, o que as virtudes tem sobretudo de louvável é fazer–nos arrostar os obstáculos, tornando–nos dificílima a firmeza. Por onde, quanto mais difícil nos for procedermos com firmeza, em circunstâncias difíceis, tanto mais principal será a virtude que nos faz ter essa firmeza de ânimo. Ora é nos mais difícil arrostar com firmeza os perigos de morte – para o que nos dá força de ânimo a coragem, do que esperarmos ou alcançarmos os máximos bens, para o que nos dá firmeza de alma a magnanimidade; pois, assim como o que mais amamos é a nossa vida, assim o que mais procuramos evitar são os perigos da morte. Por onde, é claro que a magnanimidade convém com a coragem, por nos dar a firmeza de alma para arrostar as dificuldades; mas, dela se diferencia por nos confirmar o ânimo em circunstâncias, em que nós é mais fácil conservar a firmeza. Por isso, a magnanimidade é considerada parte da coragem; pois, ela se lhe acrescenta como o secundário ao principal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz o Filósofo, a ausência de mal se inclui em a noção de bem. Por onde, não nos deixarmos vencer por nenhum mal grave, por exemplo, pelos perigos de morte é, de certo modo, o mesmo que alcançarmos um grande bem; mas, no primeiro caso procedemos com coragem, e, no segundo, com magnanimidade. E assim sendo, a coragem e a magnanimidade podem ser consideradas como uma mesma virtude. Mas, como as dificuldades a se vencerem, em ambos os casos, são de natureza diferente, por isso Aristóteles considera a magnanimidade, em sentido próprio, uma virtude diferente da coragem.

RESPOSTÁ À SEGUNDA. – Considera–se amante do perigo quem a ele se expõe indiferentemente e tal é o caso de quem considera tudo indistintamente como grande; o que não condiz com o feitio do magnímo: pois, ninguém se expõe ao perigo pelo que não considera grande. Mas, quando se trata de cousas verdadeiramente grandes, o magnânimo mui prontamente por elas se expõe ao perigo; pois, pratica atos de grande coragem, como os pratica, do mesmo modo os de outras virtudes. Por isso, o Filósofo diz, no mesmo lugar, que o magnânimo não é microkindynos, isto é, que periclite em pequenos perigos, mas, megalokindynos, isto é, que periclite em perigos grandes. E Séneca diz: Magnânimo serás se nem provocares o perigo, como o temerário; nem o temeres, como o tímido; pois, o que faz o ânimo tímido é só a consciência de uma vida repreensível.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O mal, em si mesmo, devemos evita–lo: e só por acidente, isto é, na medida em que devemos suportá–lo, para conservar o bem, é que temos de lhe resistir. Ao contrário, o bem é em si mesmo desejável; e só por acidente o evitamos, quando pensamos que excede a capacidade do nosso desejo. Ora, o essencial é sempre mais importante que o acidental. Por onde, a virtude da coragem é mais principal que a da magnanimidade. Pois, embora o bem seja em si mesmo mais principal que o mal, este, contudo, o é mais, nas circunstâncias de que agora tratamos.

Art. 4 – Se a magnanimidade é uma virtude especial.

O quarto discute–se assim. – Parece que a magnanimidade não é uma virtude especial.

1. – Pois, nenhuma virtude especial pode nos levar à pratica de atos de toda virtude. Ora, o Filósofo diz, que é próprio do magnânimo fazer o que é grande, em cada virtude. Logo, a magnanimidade não é uma virtude especial.

2. Demais. – A nenhuma virtude especial se atribuem os atos próprios de virtudes diversas. Ora, ao magnânimo se atribuem os atos de virtudes diversas; assim, diz Aristóteles, é próprio do magnânimo não fugir com movimentos desordenados, ato de prudência; nem praticar injustiças, ato de justiça; ser pronto em beneficiar os outros, ato de caridade; sempre disposto a prestar serviços aos outros, ato de liberalidade; ser verídico, ato de verdade; e não se lamentar, ato de paciência. Logo, a magnanimidade não é uma virtude especial.

3. Demais. – Toda virtude é um ornamento especial da alma, conforme a Escritura: O Senhor me cobriu com vestiduras de salvação; que logo depois acrescenta: Como a esposa ornada dos seus colares. Ora, o magnânimo está ornado de todas as virtudes, como diz Aristóteles. Logo, a magnanimidade é uma virtude geral.

Mas, em contrário, o Filósofo a distingue, por oposição, das outras virtudes.

SOLUÇÃO. –– Cada virtude especial tem por fim introduzir a medida racional numa determinada matéria. Ora, a magnanimidade introdu–Ia na matéria determinada das honras, como dissemos. Mas, sendo as honras, em si mesmas consideradas, um bem especial, neste sentido a magnimidade, em si mesma, é uma virtude especial. E, como as honras são o prêmio de cada virtude, segundo do sobre dito se colhe, resulta, por consequência, que, em razão da sua matéria, ela mantém relações com todas as virtudes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – A magnanimidade não tem, como sua matéria, honras quaisquer, mas só as grandes. Ora, como a virtude deve ser honrada, assim, grandes honras são devidas às grandes obras virtuosas. Donde vem, que o magnânimo visa praticar as grandes obras, próprias de cada virtude, porque faz só as que são dignas de grandes honras.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como o magnânimo visa as grandes cousas, há de consequentemente visar as que encerram alguma excelência e evitar as que implicam qualquer defeito. Ora, implica uma certa excelência o fato de uma pessoa proceder bem, ser comunicativa e saber recompensar dignamente. Por isso ele pratica prontamente esses atos, por serem, de certo modo, excelentes e não, enquanto próprios de outras virtudes. Mas, quem se afastar e desviar da justiça, ou de qualquer virtude, por ter em grande conta certos bens ou temer certos males exteriores, revela assim uma deficiência. Semelhantemente, a revela, quem de qualquer modo oculta a verdade, porque procede com temor; e também o fato de nos lamentarmos, é sinal de que a nossa alma sucumbe aos males externos. Por isso, o magnânimo evita tais coisas e outras semelhantes, pela razão especial de serem contrárias à excelência ou à grandeza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Cada virtude implica especificamente um certo decoro ou ornato, que lhe é próprio. Mas, a grandeza mesma das obras virtuosas da magnanimidade acrescenta outro ornato, que torna maiores todas as virtudes como diz Aristóteles.

Art. 3 – Se a magnanimidade é uma virtude.

O terceiro discute–se assim. Parece que a magnanimidade não é uma virtude.

1. – Pois, toda virtude moral consiste numa mediedade. Ora, não há tal na magnanimidade, que é um máximo; pois, o magnânimo dignifica–se a si mesmo praticando grandes ações, como diz Aristóteles. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

2. Demais. – Quem tem uma virtude tem todas, como se estabeleceu. Ora, alguém pode ter uma virtude sem ter a magnanimidade; assim, como diz o Filósofo, quem é digno de coisas pequenas e com elas se dignifica é temperante; porém, o magnânimo, não. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

3. Demais. – A virtude é uma boa qualidade da alma, como se estabeleceu. Ora, a magnanimidade implica certas disposições corpóreas; pois, diz o Filósofo que são próprios do magnânimo os movimentos lentos, a voz grave, o falar firme. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

4. Demais. – Nenhuma virtude se opõe a outra. Ora, a magnanimidade se opõe à humildade; pois, o magnânimo reputa–se digno de grandes coisas e despreza os outros, como diz Aristóteles. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

5. Demais. – Toda virtude é louvável nas suas propriedades. Ora, a magnanimidade tem certas propriedades censuráveis. Primeiro, porque o magnânimo não se lembra dos benefícios; segundo, porque é ocioso e lento; terceiro, porque usa de ironia para com muitos dos seus semelhantes; quarto, porque não pode conviver com os outros; quinto, porque possui causas, antes, inúteis que úteis. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

Mas, em contrário, para louvar um personagem, diz a Escritura: Nicanor, ouvindo falar do esforço da gente de Judas, e da grandeza de ânimo com que eles pelejavam pela pátria, temia expor–se a um combate sanguinolento. Ora, só as obras virtuosas são louváveis. Logo, a magnanimidade, que nos faz ter grandeza de alma, é uma virtude.

SOLUÇÃO. – A virtude exige, por essência, que as coisas humanas conservem o bem da razão, que é o bem próprio do homem. Ora, entre as coisas humanas exteriores, as honras têm o lugar mais importante, como dissemos. Por onde, a magnanimidade, que mantém a medida racional quando se trata das grandes honras, é uma virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz o Filósofo, o magnânimo vai ao extremo da magnanimidade, porque visa o máximo; mas, enquanto o faz como deve, ocupa um meio termo, isto é, busca o máximo, mas como o exige a razão; pois, dignifica–se a si mesmo, e conforme a dignidade, como diz no mesmo lugar, porque não procura honras maiores do que aquelas das quais é digno.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A solidariedade das virtudes não se deve entender quanto aos atos delas, de modo que cada qual deva praticá–los todos. Por onde, o ato da magnanimidade não fica bem a qualquer virtuoso, mas só aos capazes de grandes virtudes. Mas, relativamente aos seus princípios, que são a prudência e a graça, todas as virtudes são solidárias pelos hábitos simultaneamente existentes na alma de maneira atual ou por disposição próxima. E assim, aquele a quem não cabe um ato de magnanimidade pode ter o hábito dela que o dispõe à prática de atos magnânimos se lhe convierem ao seu estado.

RESPOSTA À TERCEIRA. –– Os movimentos do nosso corpo se diversificam pelas diversas apreensões e afeições da alma. De modo que podem resultar da magnanimidade certos acidentes determinados relativos aos atos corpóreos. Assim, a rapidez do movimento provém de visarmos realizar com presteza muitas coisas. Ora, o magnânimo só visa praticar atos grandiosos, que são poucos e que, exigindo grande atenção, implicam por isso mesmo um movimento lento. Semelhantemente, a acuidade da voz e a sua rapidez é própria aos que querem discutir a respeito de tudo o que não fica bem aos magnânimos, só preocupados com o que é grande. E assim como as referidas disposições dos movimentos corpóreos convêm aos magnânimos, quanto ao modo da afeição deles, assim também nos naturalmente dispostos à magnanimidade essas condições naturalmente se encontram.

RESPOSTA À QUARTA. – O que há de grande no homem ele o deve a Deus; e os defeitos que tem procedem da sua natureza corrupta. Ora, a magnanimidade leva–o a engrandecer–se pensando nos dons de Deus, que possui; assim, se tem grande virtude de alma, a magnanimidade fá–lo praticar obras virtuosas perfeitas; e o mesmo devemos dizer do uso de qualquer outro bem, por exemplo, da ciência ou da fortuna exterior. Por seu lado, a humildade leva–o a ter–se em pouco, por considerar nos nossos próprios defeitos. Do mesmo modo, a magnanimidade despreza os outros quando malbaratam os dons e Deus; pois, não os aprecia a ponto de fazer por ele o que não deve. Mas, a humildade honra–os e estima os superiores, por descobri neles alguns dons de Deus. Por isso, a Escritura diz do verdadeiro justo: O que nos seus olhos olha o malvado como um nada, no concernente ao desprezo do magnânimo; mas honra aos que temem ao Senhor, no concernente a honrar o humilde. Por onde é claro, que a magnanimidade e a humildade não são contrárias, embora pareçam tender a fins contrários, por terem fundamentos diversos.

RESPOSTA À QUINTA. – As referidas propriedades enquanto atribuíveis ao magnânimo não são repreensíveis mas dignas, por excelência, de louvor. – Assim, quando Aristóteles diz, em primeiro lugar, que o magnânimo não guarda na memória os nomes daqueles de quem recebeu benefício, devemos entendê–lo como significando que não lhe é agradável receber benefícios de outrem sem poder pagá–las com outros ainda maiores. O que implica a perfeição da gratidão, na prática da qual quer ser sobre excelente, como na das outras virtudes. – Quando, em segundo lugar, diz, que é ocioso e lento, não significa que deixe de praticar os atos que deve praticar, mas, que não se põe a fazer quaisquer atos que lhe fiquem bem, mas, só os grande como lhe cabe. – Quando, em terceiro lugar, diz que usa de ironia, não é no sentido em que ela se oponha à verdade, isto é, que se atribua o magnânimo males que não tem, ou negue quaisquer grandes, que tenha; mas no sentido que não mostra toda a sua grandeza, sobretudo e relativamente à multidão inferior; porque, também no dizer do Filósofo, é próprio do magnânimo ser grande com os constituídos em dignidade e, ricos dos bens da fortuna; mas, moderado, com os de situação média. Em quarto lugar, diz, que não pode conviver familiarmente senão com os amigos, porque o magnânimo evita de todo qualquer adulação e simulação, que importam em pequenez de alma. Mas, convive com todos, grandes e pequenos, na medida do necessário, como dissemos. – E por fim, em quinto lugar, diz, que quer ter, antes, coisas inúteis; não, porém, quaisquer, mas, as boas, isto é, honestas. Pois, sempre antepõe o honesto, como um bem maior, ao útil; pois, as coisas úteis são buscadas para obvias às nossas necessidades, o que repugna à magnanimidade.

Art. 2. – Se a magnanimidade tem, por natureza, como objeto as grandes honras.

O segundo discute–se assim. – Parece que a magnanimidade não tem, por natureza, como objeto, as grandes honras.

1. – Pois, a matéria própria da magnanimidade são as grandes honras, como se disse. Ora, o serem grandes ou pequenas são qualidades acidentais das honras.

2. Demais. – Como a magnanimidade tem por objeto as honras, assim, a mansidão é a que domina as nossas cóleras. Ora, a mansidão, por natureza, não tem por objeto as cóleras grandes ou pequenas. Logo, também a magnanimidade, não tem por natureza, como objeto as grandes honras.

3. Demais. – As pequenas honras distam menos das grandes do que da desonra. Ora, a magnanimidade recebe como deve a desonra. Logo, também as pequenas honras. Logo, não versa apenas sobre, as grandes honras.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a magnimidade é relativa às grandes honras.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude é uma perfeição. E entende–se por isso que é uma perfeição da potência até o último grau, como está claro em Aristóteles. Ora, a perfeição de uma potência não se realiza por qualquer operação, mas, pela que implica uma certa grandeza ou dificuldade. Pois, qualquer potência, embora imperfeita, pode produzir uma operação medíocre e fraca. Por onde, a virtude deve, por essência, tender para o fim difícil, como diz Aristóteles. Ora, o grande e o difícil, que pertencem à mesma virtude, num ato virtuoso pode ser considerado a dupla luz. Primeiro, relativamente à razão, por ser difícil encontrar o meio termo racional e determina–la em cada matéria. E esta dificuldade só existe no ato das virtudes intelectuais e também no da justiça. A outra dificuldade se funda na matéria que, por si, pode repugnar ao modo que lhe deve a razão determinar. Dificuldade essa que se manifesta nas outras virtudes morais, relativas às paixões, porque as paixões lutam contra a razão, diz Dionísio.

Delas, porém, devemos notá–lo, há umas que, como tais, opõem à razão uma grande força de resistência; outras o fazem principalmente pelo que lhes constitui o objeto. Mas, as paixões só opõem grande resistência à razão quando veementes; porque o apetite sensitivo, em que se radicam, é naturalmente sujeito a razão. Por onde, as virtudes que visam regular essas paixões, só o fazem por aquilo que estas têm de grande. Assim, a coragem tem por objeto os grandes temores e as grandes audácias; a temperança regula as concupiscências dos máximos prazeres; e semelhantemente, a mansidão, as máximas iras. Outras paixões, porém opõem grande resistência à razão por causa das causas externas, que são o objeto delas, como o amor ou a cobiça do dinheiro ou das honras. E essas são matéria da virtude, necessariamente, não só pelo que têm de grande, mas ainda, pelo que há nelas de medíocre ou mínimo; porque as coisas exteriores, mesmo pequenas, são muito desejáveis, como necessárias à vida humana. Por isso, há duas virtudes reguladoras do desejo da riqueza: umas, das riquezas medíocres e moderadas, e é a liberalidade; outra, das grandes riquezas, e é a magnificência. Do mesmo modo, duas virtudes têm por objeto as honras. Uma regula as pequenas honras e essa não tem nome; mas, recebe a denominação dos seus extremos, que são a filotimia, isto é, o amor das honras e a filotímia, isto é, a falta de amor pelas honras pois umas vezes merece louvores quem ama as honras e outras, quem delas não cura, enquanto que uma e outra cousa pode fazer–se moderadamente. Quanto às grandes honras, elas são o objeto da magnanimidade. Por onde, devemos concluir que a matéria própria da magnanimidade são as grandes honras, e o magnânimo busca as coisas dignas delas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O serem grandes e pequenas é acidental às honras, em si mesmas consideradas; mas, introduzem grande diferença enquanto relativas à razão, cuja medida deve ser observada no uso das honras; o que é mais difícil em relação às grandes que às pequenas honras.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As cóleras e o mesmo se dá, com as outras matérias, só oferecem dificuldades notáveis quando grandes; e só então constituem objeto da virtude. Mas é diferente o que se passa com as riquezas e as honras, coisas exteriores à alma.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem usa bem das coisas grandes pode com maior razão usar bem das pequenas. Ora, o magnânimo busca as grandes honras, por ser digno delas, ou também como menores do que as de que é digno; isto é, porque não pode a virtude ser suficientemente honrada pelo homem, e que Deus mesmo deve honrá–la. Por isso, o magnânimo não se ensoberbece com as grandes honras, pelas não reputar superiores a si; mas, ao contrário, as despreza, e sobretudo as moderadas ou pequenas. E semelhantemente, também não se abate com as desonras, mas as despreza, por considerar que lhes são atribuídas indignamente.

Art. 1. – Se a magnanimidade tem por objeto as honras.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a magnanimidade não tem por objeto as honras.

1. – Pois, a magnanimidade, nome derivado de magnitude de ânimo, pertence como a sua própria denominação o indica, ao irascível: porque ânimo, nessa expressão significa a potência irascível, como é claro pelo lugar onde o Filósofo diz, que o desejo e o ânimo, isto é, o concupiscível e o irascível, pertencem ao apetite sensitivo. Ora, as honras são um bem concupiscível, por serem o prémio da virtude. Logo, parece que a magnanimidade não tem por objeto às honras.

2. Demais. – A magnanimidade, sendo uma virtude moral, há –de ter por função regular as nossas paixões e os nossos atos. Ora, não regula os nossos atos porque então faria parte da justiça. Donde se conclui que regula as nossas paixões. Ora, as honras não são uma paixão. Logo, a magnanimidade não tem por objeto as honras.

3. Demais. – Por natureza, a magnanimidade parece que nos leva a buscarmos um bem, mais do que a evitarmos um mal, pois, chama–se magnânimo quem busca grandes coisas. Ora, os virtuosos não são louvados por buscarem as honras, mas antes, pelas evitarem. Logo, a magnanimidade não tem por objeto às honras.

Mas, em contrário, o Filósofo diz que a magnanimidade é relativa às honras e à desonra.

SOLUÇÃO. – A magnanimidade, como o próprio nome o indica, supõe a aplicação da alma a buscar grandes causas. Ora, a virtude importa uma dupla relação: com a matéria sobre que versa e, com o seu ato próprio, que consiste no emprego devido dessa matéria. E como os atos virtuosos principalmente se determinam pelo seu ato, chama–se principalmente magnânimo, quem, com magnitude de ânimo, pratica atos grandiosos. Ora, um ato pode ser grandioso de dois modos: proporcional e absolutamente. Grandioso, proporcionalmente falando, pode ser mesmo o ato que consiste no emprego de uma coisa pequena ou medíocre; por exemplo, se a empregarmos de maneira ótima. Mas, simples e absolutamente falando, ato grandioso é o que consiste no uso ótimo do que é máximo. Ora, as coisas que servem ao uso do homem são as coisas exteriores, das quais a máxima, em sentido absoluto, são as honras. Quer porque, sendo um testemunho comprobativo da virtude de alguém, estão mui próximos da virtude, como demonstrámos; quer também por serem prestadas a Deus e aos melhores; quer ainda porque, para consegui–las e para evitar a desonra, os homens lhes pospõem tudo o mais. Por isso, chama–se magnânimo quem pratica atos grandiosos, absoluta e simplesmente considerados, assim como chamamos forte quem pratica atos difíceis em sentido absoluto. Por onde e consequentemente, a magnanimidade tem por objeto as honras.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O bem e o mal absolutamente considerados, pertencem ao concupiscível. Mas, enquanto implicam a ideia de dificuldade, pertencem ao irascível. E deste modo o objeto da magnanimidade são as honras, isto é, enquanto estas se apresentam como grandes ou difíceis.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As honras, embora não sejam paixão nem operação, contudo são o objeto da paixão da esperança, relativa ao bem difícil. Por onde, a magnanimidade tem por objeto imediato a paixão da esperança; e mediato, as honras, o objeto da esperança. Assim como já dissemos que o objeto da coragem são os perigos mortais, enquanto concernem ao temor e à audácia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os que desprezam as honras merecem ser louvados se o fazem por não empregarem nenhum meio inconveniente pelas obter, nem as apreciam mais do que o devem. Mas, seria repreensível quem desprezasse as honras por não cuidar de praticar nenhum ato que as mereça. Ora, a magnanimidade tem por objeto as honras porque nos leva a nos esforçar por praticarmos atos delas merecedores; e não no sentido de no–Ias fazer estimar grandemente.

Art. único. – Se estão convenientemente enumeradas as partes da coragem.

O primeiro discute–se assim. – Parecem inconvenientemente enumeradas as partes da coragem.

1. Pois, Túlio enumera quatro partes da coragem: a magnificência, a confiança, a paciência e a perseverança. E parece que inconvenientemente. Porque a magnificência pertence à liberalidade, por terem uma e outra por objeto o dinheiro, e necessariamente o magnifico é liberal, como diz o Filósofo. Ora, a liberalidade faz parte da justiça, como se estabeleceu. Logo, a magnificência não deve ser considerada parte da coragem.

2. Demais. – Parece que a confiança outra coisa não é senão a esperança. Ora, a esperança não pertence à coragem mas antes, é uma virtude especial. Logo, a confiança não deve ser considerada parte da coragem.

3. Demais. – A coragem ensina–nos a resistir eficazmente aos perigos. Ora, a magnificência e a confiança não têm, por natureza, nenhuma relação com o perigo. Logo, não são convenientemente consideradas partes da coragem.

4. Demais. – A paciência, segundo Túlio, leva–nos a sofrer as dificuldades; o que também atribui à coragem. Logo, a paciência é o mesmo que a coragem e não, parte dela.

5. Demais. – O que é condição de toda virtude não deve ser considerado parte de nenhuma em particular. Ora, toda virtude supõe a perseverança; assim, diz o Evangelho: O que perseverar até o fim, esse será salvo. Logo, a perseverança não deve ser considerada parte da coragem.

6. Demais. – Macróbio divide a coragem em sete partes: a magnanimidade, a confiança, a segurança, a magnificência, a constância, a tolerância, a firmeza. E Andronico admite sete virtudes anexas à coragem, que são: a eupsiquia, a lema, a magnanimidade, a virilidade, a perseverança, a magnificência, a andragatia. Logo, é insuficiente a enumeração que Túlio faz das partes da coragem.

7. Demais. – Aristóteles admite cinco modalidades de coragem. A primeira é a política, que nos faz agir com firmeza, por temor da desonra ou da pena; a segunda, a militar, que nos leva a agir com firmeza, por arte ou experiência das coisas da guerra; a terceira, a coragem que nos faz agir com firmeza, por paixão, sobretudo pela ira; a quarta, a fortaleza que nos faz agir com firmeza, por acostumados à vitória; a quinta, a que nos faz agir com firmeza, por ignorância dos perigos. Ora, nenhuma das referidas enumerações contém essas modalidades da coragem. Logo, essas enumerações não são partes convenientes da coragem.

SOLUÇÃO. – Como dissemos toda virtude pode ter três partes: subjetivas, integrantes e potenciais. Mas, à coragem, como virtude especial, não se lhe podem assinalar partes subjetivas, porque não se divide em muitas virtudes especificamente diferentes, por ter matéria muito especial. Mas, atribuem–se–Ihe partes como que integrantes e potenciais. As integrantes compreendem os elementos que devem concorrer para o ato de coragem; e as potenciais, as que contribuem para a coragem praticar em relação às matérias mais difíceis, isto é, aos perigos de morte, o que as outras virtudes o praticam em relação a outras matérias menos difíceis; e essas virtudes se anexam à coragem como secundárias à principal.

Ora, como já dissemos, há dois aspectos num ato de coragem; atacar o perigo e resisti–lo, Ora, o ato de atacar implica duas condições. – A primeira concerne à preparação da alma e consiste em a termos pronta para atacar. E, pensando nisso, é que Túlio enumera a confiança como uma das formas da coragem, e diz: A confiança inspira–nos ao coração uma esperança inabalável, nas empresas importantes e honestas. – A segunda concerne à realização do ato, impedindo–nos de desfalecer na execução do que começamos com confiança. E é o papel que Túlio atribui à magnificência, quando diz: A magnificência  consiste em nos propormos coisas grandes e elevadas e em as dirigirmos e executá–las com determinação poderosa e esplêndida; isto é, consiste numa execução em que, ao projeto amplo vai unida a boa direção. – Ora, essas duas. virtudes, se as adaptarmos à matéria própria da coragem, isto é, o perigo de morte, serão dela umas como partes integrantes, sem as quais não pode existir. Referidas porém a certas outras matérias, onde há menos dificuldades, serão especificamente distintas da coragem; contudo, estão–lhe unidas como o secundário, ao principal. Assim, a magnificência, segundo o Filósofo, tem por objeto, as despesas suntuosas; e a magnanimidade, que é o mesmo que a confiança, as grandes honras.

O outro ato da coragem, que é resistir, encerra duas condições. .A primeira exige que não deixemos a tristeza nos abater a alma e fazer–lhe perder a grandeza, em face do obstáculo de males iminentes. E para isso serve a paciência. Donde o dizer Túlio, que a paciência consiste em sofrermos, voluntária e diuturnamente, por honorabilidade ou utilidade, coisas árduas e difíceis. – A outra é que não nos deixemos fatigar pelo diuturno sofrer dificuldades, até o ponto de desistirmos do empreendido, segundo aquilo do Apóstolo: Não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos. Por isso Túlio acrescenta, na sua enumeração, a perseverança. E diz, que ela consiste em permanecermos firmes no que a razão reconheceu como um bem. – Ora, essas duas condições, se as adaptarmos à matéria própria da coragem, serão dela umas como partes integrantes. Referidas, porém a quaisquer matérias difíceis, serão virtudes distintas da coragem; e contudo se lhe anexam, como a secundária à principal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ A magnificência acrescenta uma certa grandeza à matéria da liberalidade, inclusa na ideia de dificuldade, objeto do irascível, e que sobretudo a coragem aperfeiçoa. E por aí ela pertence à coragem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança pela qual confiamos em Deus é considerada uma virtude teologal como estabelecemos. Ora, a confiança, agora considerada parte da coragem, faz–nos confiar em nós mesmo, embora na dependência de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. – É perigoso atacar quaisquer dificuldades, sejam elas quais forem; porque recuar delas é muito nocivo. Por onde, mesmo se a magnificência e a confiança se considerem como tendo por objeto a prática e o empreendimento de ações grandiosas, contudo têm afinidade com a coragem, em razão do perigo iminente.

RESPOSTA À QUARTA. – A paciência não somente nos faz sofrer os perigos de morte – matéria da coragem – sem excessiva tristeza, mas ainda quaisquer outros perigos ou dificuldades. Por isso é posta como virtude anexa à coragem; mas, é parte integral dela, quando tem por objeto os perigos mortais.

RESPOSTA À QUINTA. – A perseverança, no sentido de continuidade de um ato bom até o fim, pode ser uma circunstância de todas as virtudes. Mas, é considerada como parte da coragem, no sentido já referido.

RESPOSTA À SEXTA. – Macróbio inclui na sua enumeração as quatro virtudes enumeradas por Túlio, a saber: a confiança, a magnificência, a – tolerância que põe em lugar da paciência, e a firmeza – que substitui a perseverança. Mas, acrescenta três, das quais duas – a magnanimidade e a segurança, Túlio as inclui na confiança. Macróbio, porém faz distinções mais minuciosas. Assim, a confiança implica em termos esperança em grandes coisas. Ao passo que a esperança numa coisa pressupõe o apetite, que tende fortemente, pelo desejo, a grandes atos; o que constitui a magnanimidade. Pois, como dissemos, a esperança pressupõe o amor e o desejo da coisa esperada; ou podemos melhor dizer que a confiança concerne à certeza da fé; a magnanimidade, porém, à grandeza da coisa esperada. Mas, a esperança não pode ser firme se não removemos o obstáculo. Pois, às vezes, pelo que depende de nós, bem esperaríamos alguma coisa, mas essa esperança se nos frustra pelo impedimento do temor; porque o temor de certo modo contraria a esperança, como estabelecemos. Por isso Macróbio acrescenta a segurança, que exclui o temor. Em terceiro lugar acrescenta a constância, que pode ser incluída na magnificência. Pois, quando praticamos a magnificência devemos ter a constância de ânimo. Por isso Túlio diz que é próprio à magnificência, não só a execução de obras grandiosas, mas também planejá–las com grandeza de alma. Também pode a constância incluir–se na perseverança, de modo a considerarmos perseverante quem não desiste da empresa, pela sua longa duração; e constante quem dela não desiste, sejam quais forem os obstáculos que se oferecem.

Quanto à classificação de Andronico, ela se inclui nas supra referidas. Assim, enumera a perseverança e a magnificência, com Túlio e Macróbiote a magninimidade, com Macróbio. Quanto á lema, ela é o mesmo que a paciência ou a tolerância; pois, diz que lema é o hábito que nos faz realizar prontamente o que devemos e sofrer o que a razão no–lo persuade. A eupsiquia, isto é, o bom ânimo, é o mesmo que a segurança; pois, ele a define como a força da alma no cumprimento de suas obras. A virilidade é o mesmo que a confiança; assim, diz, que a virilidade é um hábito que se basta a si mesmo e concerne às coisas que têm por objetivo a virtude. A magnificência acrescenta a andragatia, que é, por assim dizer, a bondade viril, a que nós damos o nome de diligência. A magnificência pertence não só perseverarmos na prática de obras grandiosas, o que constitui a constância, mas também em as executarmos com uma certa prudência e solicitude viris, o que constitui a andragatia ou diligência. Por isso diz que a andragatia é uma virtude viril que nos faz descobrir empresas, cujas vantagens podem ser comunicadas aos outros. Por onde é claro que todas essas referidas partes reduzem–se às quatro principais enumeradas por Túlio.

RESPOSTA À SÉTIMA. – Essas cinco modalidades referidas por Aristóteles, não realizam a verdadeira noção da virtude; porque embora convenham com o ato da coragem, diferem porém do seu motivo, como estabelecemos. Por isso não se consideram partes da coragem, mas, uns modos dela.

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