Category: Santo Tomás de Aquino
O sétimo discute–se assim. – Parece que não foi convenientemente determinado aos que jejuam comerem na hora nona.
1. – Pois, o regime da lei do novo Testamento é mais perfeito que o da lei do antigo. Ora, no antigo Testamento se ordenava o jejum até à tarde: É o sábado e afligireis as vossas almas. E, em seguida: Celebrareis os vossos sábados duma tarde até a outra. Logo, com maior razão, a lei do novo Testamento deve ordenar o jejum até a tarde.
2. Demais. – O jejum instituído pela Igreja é imposto a todos. Ora, nem todos podem conhecer determinadamente a hora nona. Logo, parece que a determinação da hora nona não devia entrar na Instituição do jejum.
3. Demais. – O jejum é um ato de virtude da abstinência, como se disse. Ora, a virtude moral não estabelece de igual modo a mesma mediedade para todos, pois, o que é muito para um é pouco para outro, diz Aristóteles. Logo, não deve ser determinada a hora nona para os que jejuam.
Mas, em contrário, o concílio Cabilonense diz: Na quaresma de nenhum modo se consideram como tendo jejuado os que comem antes da celebração do ofício vespertino; e este é rezado, no tempo quaresmal, depois da nona. Logo,. deve–se jejuar até a nona.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o jejum é ordenado para delir e coibir a culpa. Por onde, é necessário faça algum acréscimo ao costume comum, mas de modo que, assim sendo, não grave demasiado a natureza. Ora, o costume existente e comum é que se coma na hora sexta. E isso, por estar já então completa a digestão, por se ter o calor, durante a noite, concentrado interiormente, por causa do frio da noite sobreveniente e da difusão do humor pelos membros, resultante da cooperação do calor do dia, até a suma ascenção do sol. Ou também, porque então e, sobretudo a natureza do corpo humano precisa de ser amparada contra o calor externo do ar para escapar à combustão dos humores internos. Por isso, para que façam os que jejuam alguma mortificação, em satisfação da culpa, foi lhes convenientemente determinada a hora nona como a hora de comer.
E também esta hora combina com o mistério da paixão de Cristo, que se consumou na hora nona quando, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Pois, os que jejuam, mortificando a carne, conformam–se com a paixão de Cristo, segundo o Apóstolo: E os que são de Cristo crucificaram a sua própria carne com os seus vícios e concupiscências.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O regime do antigo Testamento é comparável à noite; e o do novo, ao dia, conforme aquilo do Apóstolo: A noite passou e o dia vem chegando. Por isso, os que viviam na vigência do antigo Testamento jejuavam até a noite; mas assim não procedem os que vivem na vigência do novo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A hora determinada para o jejum não se funda num cômputo rigoroso, mas numa apreciação relativa; isto é, basta que jejuemos mais ou menos pela hora nona. O que todos podem facilmente fazer.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição não podem prejudicar muito. Assim, não é grande espaço de tempo o que medeia entre a hora sexta, quando geralmente todos costumam comer, e a hora nona, determinada para o jejum. Por isso, tal determinação de tempo não nos pode prejudicar muito, seja qual for a nossa condição. Mas, se porventura, por doença, pela idade ou por outro motivo semelhante, o jejum nos viesse a ser gravemente pesado, ficaríamos dele dispensado, ou poderíamos adiantar um pouco a hora.
O sexto discute–se assim. – Parece que o jejum não exige que comamos uma só vez.
1. – Pois, o jejum, como se disse, é um ato da virtude de abstinência, que leva em conta a quantidade do alimento não menos que o número das refeições. Ora, não se determina aos que jejuam a quantidade de alimento. Logo, nem se lhes deve determinar o número das refeições que podem tomar.
2. Demais. – Assim como nos nutrimos, comendo, assim também bebendo. Logo, também a bebida quebra o jejum, sendo por isso que não podemos receber a Eucaristia depois de termos bebido. Ora, não é proibido bebermos, nas diversas horas do dia, várias vezes. Logo, também não deve sê–lo, aos que jejuam, o comerem várias vezes.
3. Demais. – O electuário é uma espécie de alimento; e contudo muitos o tomam, nos dias de jejum, depois de haverem comido. Logo, o jejum não exige, por natureza, que comamos uma só vez.
Mas, em contrário, é o costume geral do povo cristão.
SOLUÇÃO. – O jejum a Igreja o institui para refrear a concupiscência, mas sem prejudicar a natureza. Ora, para tal, basta comamos uma só vez, que é o suficiente para satisfazer à nossa natureza: e contudo, diminuindo o número de refeições, refreamos a concupiscência. Por isso, a Igreja sabiamente estabeleceu, que comam só uma vez no dia os que jejuam.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não pode ser estabelecida a mesma quantidade de alimentos para todos, por causa da diversa compleição dos corpos, que leva uns a precisarem de mais alimentos que outros. Mas, em geral, todos podem satisfazer à natureza comendo uma só vez no dia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Há duas espécies de jejum. – Um, natural, exigido para podermos receber a Eucaristia. E esse o quebramos bebendo qualquer quantidade de água, depois do que não é lícito comungar. – Mas, a Igreja ordena o jejum de outra espécie, chamado o jejum de quem jejua. E este não o quebramos senão quando infringimos o que a Igreja teve a intenção de proibir ao institui–lo. Ora, ela não teve a intenção de impor a abstinência da bebida, que tomamos, antes, para alterar as disposições do nosso corpo e facilitar a digestão dos alimentos ingeridos, do que como nutrição: embora, de certo modo, nutra. – Por isso, é lícito aos que jejuam beber as vezes que quiserem. Mas, quem o fizer Imoderadamente pode pecar e perder o mérito do jejum; como também o perderia se comesse imoderadamente numa mesma refeição.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O electuário, embora de algum modo nutra, contudo, não é principalmente para nos nutrirmos que o tomemos, mas, para ajudarmos a digestão dos alimentos. Por isso, não quebra o jejum, como não o quebram os demais remédios que tomamos; salve se alguém o tomasse, fraudulentamente, em grande quantidade, como alimento.
O quinto discute–se assim. – Parece não estarem convenientemente determinados os tempos do jejum da Igreja.
1. – Pois, como lemos no Evangelho, Cristo, logo depois do batismo, começou a jejuar. Ora, nós devemos imitar a– Cristo, como diz o Apóstolo: Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo. Logo, também nós devemos praticar o jejum em seguida à Epifania, quando se celebra o baptismo de Cristo.
2. Demais. – As cerimónias da lei antiga não devem ser observadas pela lei nova. Ora, observar o jejum em certos e determinados meses pertence às solenidades da lei antiga; pois, diz a Escritura: O jejum do quarto e o jejum do quinto e o jejum do sétimo e o jejum do decimo mês se tornará para a casa de Judá em gozo e alegria e em festivas solenidades. Logo, o jejum especial dos meses chamados das quatro têmporas, inconvenientemente se observam na Igreja.
3. Demais. – Segundo Agostinho, assim como há um jejum de penitência; assim também há outro, de alegria. – Ora, a alegria espiritual é própria sobretudo dos fiéis, por causa da ressurreição de Cristo. Logo, no tempo da Quinquagésima, solenizado pela Igreja por causa do domingo da ressurreição; e nos domingos, que despertam a memória da ressurreição, deve a Igreja ordenar certos jejuns.
Mas, em contrário, o costume geral da Igreja.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o jejum é ordenado por dois motivos: para delir a culpa e para nos elevar a mente às coisas espirituais. Por isso, os jejuns foram ordenados especialmente naqueles tempos, em que sobretudo devemos os fiéis nos purificar dos pecados e elevar a mente a Deus pela devoção. O que sobretudo se dá antes da solenidade Pascal, quando as culpas são delidas pelo batismo, celebrado solenemente na vigília da Páscoa, em memória da sepultura do Senhor; pois, pelo batismo, somos sepultados com Cristo para morrer ao pecado, na frase do Apóstolo. E também na festa Pascal devemos sobretudo, pela devoção, elevar a mente à glória da eternidade, a que Cristo deu começo pela sua ressurreição. Por isso, imediatamente, antes da solenidade Pascal, a Igreja nos manda jejuar; e pela mesma razão nas vigílias das principais festividades, quando devemos nos preparar devotamente para celebrar as festas que se vão celebrar.
Semelhantemente, também o costume eclesiástico determina que quatro vezes por ano se confiram as ordens sacras; para significa–lo, o Senhor saciou quatro mil homens com sete pães, símbolo do ano do novo Testamento, como diz Jerónimo no mesmo lugar; e para receberem essas ordens é necessário se preparem pelo jejum tanto os que ordenam como os ordenados e também todo o povo em cuja utilidade se ordenam. Por isso, lemos no Evangelho, que o Senhor, antes da eleição dos discípulos, sai para o monte a orar; o que assim explica Ambrósio: Que deves fazer, querendo praticar um dever de piedade, quando Cristo, que havia de enviar os Apóstolos, primeiro orou?
Do número quarenta, do jejum quaresmal, Gregório dá uma tríplice razão. – A primeira é que a virtude do Decálogo se manifesta nos quatros livros do santo Evangelho; Ora, quatro vezes dez fazem quarenta – Ou porque dos quatro elementos tira a sua subsistência o nosso corpo mortal, cujos prazeres nos levam a transgredir os dez preceitos do Senhor, por isso é justo que castiguemos a nossa carne quatro vezes dez vezes. – Ou porque, assim como a lei ordenava que pagássemos a Deus o dízimo das causas, assim devemos oferecer–lhe o dízimo dos dias. Ora, o ano tendo trezentos e sessenta e cinco dias, nós nos castigamos durante trinta e seis dias, que são os dias de jejum das seis semanas da quaresma, afim de darmos assim a Deus o dizimo do nosso ano. – Agostinho porém, acrescenta uma quarta razão. Pois, o Criador é a Trindade – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Da criatura invisível é próprio o número ternário; assim, devemos amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todas as forças. À criatura visível é próprio o número quaternário, por causa do quente e do frio, do úmido e do seco. Por onde, o número dez significa todas as coisas; e se o multiplicarmos por quatro, que é o número próprio do corpo, unidos ao qual dirigimos a nossa vida, obtemos o número de quarenta.
Quanto ao jejum das quatro têmporas, ele dura três dias por causa do número dos meses que cabem a cada tempo. Ou por causa do número das ordens sacras conferi das nesses tempos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Cristo, por si mesmo, não precisava de batismo, senão só para no–lo recomendar. Por isso, não lhe cabia jejuar antes do baptismo, mas somente depois dele, para nos exortar a jejuar antes de sermos batizados.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A Igreja observa o jejum nas quatro têmporas, que de nenhum modo coincidem com o mesmo tempo em que os Judeus o observavam, nem o faz pelas mesmas causas que eles. Pois, jejuavam em Julho, o quarto mês a contar de Abril, que para eles era o primeiro; e assim procediam, por corresponder esse tempo ao em que Moisés, descendo do monte Sinai, quebrou as Tábuas da lei; e, segundo Jeremias, porque foram pela primeira vez rotos os muros da cidade (de Jerusalém). E observa o jejum no quinto mês, a que chamamos Agosto, porque, tendo se suscitado uma sedição no povo, por causa dos que tinham ido reconhecer a terra prometida, foram os judeus proibidos de subir ao monte: e, no referido mês é que o templo de Jerusalém foi incendiado, primeiro, por Nabucodonosor e, depois, por Tito. No sétimo mês, chamado outubro, é o em que Godolias foi morto e o resto do povo dissipado. No décimo mês, enfim, a que chamamos Janeiro, o povo, lançado com Ezequiel no cativeiro, soube que o templo foi subvertido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O jejum por alegria é inspirado pelo Espírito Santo, que é o Espírito de liberdade. Por isso, tal jejum não pode constituir objeto de preceito. Por onde, o jejum instituído por preceito da Igreja é, antes, jejum de penitência, impróprio dos dias de alegria. Por isso, a Igreja não obriga a nenhum jejum em todo o tempo Pascal, nem nos dias de domingo. E não estaria isento de pecado quem jejuasse em tais dias, contra o costume do povo cristão, que, como diz Agostinho, deve ser tido corno lei; ou o fizesse por algum erro como o praticam os Maniqueus, que julgam necessário tal jejum. Contudo, o jejum, em si mesmo considerado, é louvável em todo tempo, conforme o diz Jerónimo: Oxalá pudéssemos jejuar sempre!
O quarto discute–se assim. Parece que todos estão obrigados ao jejum da Igreja.
1. – Pois os preceitos da Igreja, como os de Deus, obrigam, segundo o Evangelho: O que a vós ouve a mim ouve. Ora, todos estão obrigados a observar os preceitos de Deus. Logo e semelhantemente todos devem observar o jejum estabelecido pela Igreja.
2. Demais. Parece que sobretudo as crianças estariam, por causa da idade, escusados do jejum. Ora, as crianças não estão, segundo a Escritura: Santificai o jejum. E a seguir: Congregai os pequeninos e os meninos de peito. Logo, com maior razão, os demais estão obrigados ao jejum.
3. Demais. O espiritual deve ser preferido ao temporal; e o necessário, ao não necessário. Ora, as obras corporais se ordenam ao lucro temporal; e também as viagens, mesmo quando ordenadas ao bem espiritual, não são de necessidade. Como, pois, o jejum se ordena à utilidade espiritual e é determinado, com caráter de necessidade, pela Igreja, parece que não deve ser omitido por causa de uma viagem ou de qualquer obra material.
4. Demais. – Devemos agir, antes, por vontade do que por necessidade, como claramente o diz o Apóstolo. Ora, os pobres costumam jejuar por necessidade, por falta de alimentos. Logo e com maior razão, devem jejuar por vontade própria.
Mas, em contrário, parece que nenhum justo está obrigado a jejuar. Pois, os preceitos da igreja não obrigam, contra a dor trina de Cristo. Ora, o Senhor diz, que não podem os amigos do esposo jejuar enquanto o esposo está com eles.
Ora, ele está com todos os justos, habitando neles espiritualmente; por isso, diz o Senhor: Eu estou convosco até a consumação do século. Logo, os justos não estão obrigados a jejuar, por determinação da Igreja.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, as determinações gerais são estabelecidas conforme convêm à multidão. Por isso o legislador, ao estatuí–Ias atende ao que se dá em geral e na maior parte dos casos. Mas, a quem, por uma causa especial, repugna observar uma determinação, não é intenção do legislador obrigá–Ia à obediência. Deve, porém, proceder com discreção. Assim, a causa sendo evidente, podemos por nós mesmo, licitamente, nos eximir à obediência da determinação – sobretudo se podemos recorrer ao costume; – ou se não podemos facilmente recorrer ao superior. Porém, se a causa for duvidosa, devemos recorrer ao superior que tiver poder para nos dispensar, nessa matéria. O que devemos observar quando se trata. do jejum estabelecido pela Igreja, a que todos estamos geralmente obrigados, salvo se houver, nesse caso, algum impedimento especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO – Os preceitos de Deus são preceitos de direito natural, em si mesmos necessários à salvação. Mas, os mandamentos da Igreja regulam matéria que, em si mesma, não é necessária à salvação, senão só por determinação dela. Por isso podem haver certos impedimentos, que levem certos a não estarem obrigados a observar o jejum.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A criança, sobretudo, tem uma causa evidente de não jejuar; quer, pela debilidade da sua natureza, que precisa frequentemente de alimento, tomado não em grande quantidade ao mesmo tempo; quer também, por necessitar de muita alimentação exigida pelo seu crescimento e operado pelo resíduo alimentar. Por onde, enquanto está a crescer, o que geralmente acontece até ao fim do terceiro septênio, não está obrigado a observar o jejum eclesiástico. Mas, é conveniente que mesmo nesse tempo, exerça–se em jejuar, mais ou menos, conforme lho possibilitar a idade.
Contudo, às vezes, estando Iminente uma grande tribulação e em sinal de penitência mais apertada, mesmo as crianças são submetidas ao jejum, como, a respeito das alimárias se lê na Escritura: Os homens e as alimárias não comam nada nem bebam água.
RESPOSTA À TERCEIRA. – No relativo aos viajantes e aos operários, devemos distinguir. Assim, se a viagem e o trabalho manual puderem ser comodamente adiados ou diminuídos, sem detrimento da saúde do corpo ou da situação exterior, necessários à conservação da vida corporal ou espiritual, não há razão para omitir os jejuns da Igreja. Havendo, porém necessidade de empreender prontamente a viagem, de fazer grandes dietas, ou ainda, de trabalhar muito; ou por causa da conservação da vida corporal ou pelo que for necessário à vida espiritual; e de ao mesmo tempo não pudermos observar o jejum da Igreja, não estamos obrigados a jejuar. Porque não era intenção da Igreja, ao estabelecer o jejum, impedir outras obras pias e mais necessárias. Mas, em tal caso devemos recorrer à dispensa do superior, a menos que não vigore costume contrário, pois, o silêncio do superior equivale a um consentimento.
RESPOSTA À QUARTA. – Os pobres, que podem ter suficientemente o que lhes basta para uma refeição, não ficam, pela sua pobreza, dispensados do jejum da Igreja. Mas, dele ficam escusados os que mendigam pequenas esmolas, e não podem ter, de uma vez, o bastante ao sustento da vida.
RESPOSTA À QUINTA – As palavras citadas do Senhor podem ser entendidas em tríplice sentido. – Um é o de Crisóstomo, quando diz, que os discípulos, chamados filhos do Esposo, por serem ainda de ânimo fraco, são comparados a um vestuário velho. Por isso, enquanto Cristo vivia corporalmente no meio deles, deviam ser tratados, antes, com certa doçura, do que exercidos na austeridade do jejum. E esta interpretação nos ensina, que, antes, os imperfeitos e os noviços, que os mais velhos e perfeitos, é que devem ser dispensados do jejum, como o confirma a Glosa ao lugar da Escritura – Como o menino apartado já do peito da mãe. – Num outro sentido, explica Jerónimo, que, no lugar citado, o Senhor se refere ao jejum das antigas observâncias. E quer assim dizer, no lugar citado, que os Apóstolos não deviam continuar apegados às antigas observâncias, que deviam ser transformadas pela lei nova da graça. – Uma terceira explicação é a de Agostinho, que distingue duas espécies de jejum, Um, relativo à humildade da tribulação; e este não convém aos varões perfeitos, chamados filhos do Esposo; por isso, onde Lucas diz – Não podem os filhos do Esposo jejuar – diz Mateus – Não podem os filhos do Esposo chorar. O outro respeita à alegria da alma enlevada na contemplação das causas espirituais. E tal jejum convém aos perfeitos.
O terceiro discute–se assim. – Parece que o jejum não é objeto de preceito.
1. – Pois, não se estabelecem preceitos sobre matéria superrogatória, que é objeto do conselho. Ora, o jejum é uma obra superrogatória; do contrário, deveríamos pratica–Io em toda parte, sempre e igualmente. Logo, o jejum não constitui preceito.
2. Demais. – Todo aquele, que transgride um preceito peca mortalmente. Se, pois, o jejum fosse objeto de preceito, todos os que não jejuam pecariam mortalmente, o que constituiria para os homens mais uma ocasião de ofender a Deus.
3. Demais. – Agostinho diz, que a natureza humana, tendo sido assumida pela sabedoria de Deus, afim de nos conquistar à liberdade, um pequeno número de sacramentos muito salutares foi estabelecido para manter a sociedade do povo cristão, isto é, a multidão livre, sob um só Deus. Ora, a liberdade do povo cristão não fica menos impedida pela multidão das observâncias do que pela dos sacramentos. Pois, diz Agostinho, certos oneram com obras servis a nossa religião, que Deus na sua misericórdia quis tornar livre pela celebração do pouquíssimo e manifestíssimo sacramento. Logo, parece que a Igreja não devia ter feito do jejum, um preceito.
Mas, em contrário, diz Jerónimo, tratando do jejum: Cada província abunde no seu sentido e considere os preceitos dos antepassados como leis apostólicas.
SOLUÇÃO. – Assim como pertence aos príncipes seculares estabelecer determinações sobre os preceitos legais do direito natural, no atinente à utilidade comum, e à ordem natural, assim também aos superiores eclesiásticos pertence estatuir os preceitos relativos à utilida.de comum dos fiéis, na ordem dos bens espirituais. Pois, como dissemos, o jejum é útil para delir e coibir as nossas culpas e elevar–nos a mente para as coisas espirituais. Ora, cada um está obrigado, pela razão natural, a jejuar tanto quanto lhe for necessário para conseguir tal fim. Por onde, o jejum, em geral, constitui um preceito da lei natural. Mas, a determinação do tempo e do modo de jejuar, conforme à conveniência e à utilidade do povo Cristão, constitui um preceito de direito positivo, instituído pelos superiores eclesiásticos. E tal é o jejum da Igreja, diferente do natural.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O jejum em si mesmo considerado, não designa um objeto de nossa eleição mas, uma determinação penal. Mas, torna–se objeto de uma eleição enquanto útil a um determinado fim. Por isso, absolutamente considerado, não é de necessidade preceitual, senão somente para quem necessita desse remédio. E como a maioria dos homens dele precisa, geralmente falando, quer porque todos nós tropeçamos em muitas coisas quer também porque a carne deseja contra o espírito como diz a Escritura, por isso, a Igreja estatuiu certos jejuns a serem geralmente observados por todos. E, assim agindo, não quis transformar em preceito o que é em si mesmo superrogatório, mas somente determinar, em especial, o que é necessário em comum.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os preceitos estabelecidos de modo geral não obrigam Igualmente a todos, senão só relativamente ao fim que o legislador tem em vista. E o transgressor que lhe desprezar a autoridade; transgredindo–lhe a determinação, ou o fizer de modo a impedir o fim visado pelo legislador, esse peca mortalmente. Mas, quem transgredisse o estatuído, por uma causa racional, sobretudo em caso em que se o próprio legislador estivesse presente dispensaria da observância esse não cometeria pecado mortal. Por onde, nem todos os que não observam o jejum da Igreja pecam mortalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Agostinho se refere, no lugar citado, ao que não está contudo nem na autoridade das Sagradas Escrituras, nem se encontra determinado nos conselhos episcopais, nem confirmado pelo costume da Igreja universal. Ora, os jejuns de preceito estão determinados nos conselhos dos bispos e confirmados pelo costume da Igreja universal. Nem vão contra a liberdade do povo fiel; antes, são úteis para impedir a servidão do pecado, que repugna à liberdade espiritual, da qual diz o Apóstolo: Vós, irmãos, haveis sido chamados à liberdade; cuidai só em que não deis a liberdade por ocasião da carne.
O segundo discute–se assim. – Parece que o jejum não é ato de abstinência.
1. – Pois, àquilo do Evangelho. – Esta casta de demônios, etc. – diz a Glosa: O jejum consiste em nos abstermos, não .somente da comida, mas, de todos os prazeres proibidos. Ora, isto o fazem todas as virtudes. Logo, o jejum não é um ato especial de abstinência.
2. Demais. – Gregório diz, que o jejum quaresmal é o dizimo de todo o ano. Ora, pagar o dizimo é ato de religião, como estabelecemos. Logo, o jejum é ato de religião e não, de abstinência.
3. Demais. – A abstinência faz parte da temperança, como se disse. Ora, a temperança se divide, por oposição, da coragem, à qual é próprio sofrer as dificuldades; ora, o jejum é, por excelência, difícil. Logo, não é ato de abstinência.
Mas, em contrário, Isidoro diz, que o jejum é a parcimónia na alimentação e a abstinência de comida.
SOLUÇÃO. O hábito e o ato têm matéria Idêntica. Por onde, todo ato virtuoso, que tem uma determinada matéria, pertence à virtude, que estabelece a mediedade nessa matéria. Ora, o jejum tem por matéria a comida, onde a abstinência estabelece a mediedade. Logo, é manifesto, Que o jejum é ato de abstinência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O jejum propriamente dito consiste em nos abstermos de alimentos. Mas, em sentido metafórico, consiste em nos abstermos de tudo o que é nocivo e sobretudo do pecado. – Ou podemos dizer que também o jejum propriamente dito é a abstinência de todos os prazeres ilícitos; porque cessa de ser um ato de virtude por influência de qualquer vicio superveniente, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede que o ato de uma virtude pertença a outra virtude, desde que se lhe ordena ao fim, como do sobredito resulta. E, assim sendo, nada impede que o jejum pertença à religião, à castidade ou a qualquer outra virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – À fortaleza, como virtude especial, não pertence suportar quaisquer dificuldades, mas só as que nos põem em perigo de morte. Quanto a sofrer as dificuldades resultantes da falta dos prazeres sensíveis, isso pertence à temperança e às suas partes. E tais as dificuldades resultantes do jejum.
O primeiro discute–se assim. – Parece que o jejum não é ato de virtude.
1. – Pois, todo ato de virtude é aceito por Deus. Ora, o jejum nem sempre é aceito de Deus, conforme àquilo da Escritura: Por que jejuamos e tu não olhaste para nós? Logo, não é o jejum ato de virtude.
2. Demais. – Nenhum ato virtuoso pode afastar–se da mediedade da virtude. Ora, o jejum se afasta da mediedade da virtude, a qual existe na virtude da obstinência quando ela obvia às necessidades da natureza, a que o jejum impõe uma privação; do contrário, os que não jejuam não praticariam a virtude da abstinência. Logo, o jejum não é ato de virtude.
3. Demais. – O que comumente convém a todos, tanto aos bons como aos maus, não é ato de virtude. Ora, tal é o jejum; pois, todos antes de comermos, estamos em jejum. Logo, o jejum não é ato de virtude.
Mas, em contrário, é enumerado entre os outros atos de virtude, quando o Apóstolo diz: Nos jejuns, na castidade, na ciência, etc.
SOLUÇÃO. – Um ato é virtuoso quando ordenado pela razão a um bem honesto. Ora, tal se dá.com o jejum. Pois, por três motivos o praticamos. – Primeiro, para reprimir as concupiscências da carne. Donde o dizer o Apóstolo, no lugar citado: Nos jejuns, na necessidade, porque o jejum conserva a castidade. Pois, como diz Jerónimo, sem Ceres e Baco Vênus esfria, isto é, pela abstinência da comida e da bebida a luxúria se amortece. – Segundo, pra ticamos o Jejum para mais livremente se nos elevar a alma na contemplação das sublimes verdades. Por isso, refere a Escritura que Daniel, depois de ter jejuado três semanas, recebeu de Deus a revelação. – Em terceiro lugar para satisfazer pelos nossos pecados. Por isso, diz a Escritura: Converteivos a mim de todo o vosso coração em jejum e em lágrimas e em gemido.
E é o que ensina Agostinho num sermão: O jejum purifica a alma eleva os sentidos, sujeita a carne ao espírito, faz–nos contrito e humilhado o coração, dissipa o nevoeiro da concupiscência, extingue os oradores tia sensualidade acende a verdadeira luz da castidade. Por onde é claro, que o jejum é ato de virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pode acontecer que um ato genericamente virtuoso venha a tornar–se vicioso por certas circunstâncias sobrevenientes. Por isso, no mesmo lugar citado, diz a Escritura: Eis que no dia do vosso jejum se acha a vossa vontade; e pouco adiante acrescenta: Vós jejuais para prosseguirdes demandas a contendas e feris com o punho sem piedade. O que Gregório explica: A vontade exprimia a alegria; o punho, a ira. Por isso, em vão mortificamos a carne pela penitência se, presa de movimentos desordenados, a alma se nos dissipa pelos vícios. E Agostinho, no sermão citado, ensina, que o jejum não ama a verbosidade, julga superfluidade as riquezas, despreza a soberba, recomenda a humildade, faznos descobrir em nós o que temos de enfermo e frágil.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A mediedade da virtude não se funda na sua quantidade, mas, em ser segundo a razão reta, como diz Aristóteles. Ora, a razão julga que, por uma causa especial, a levamos tomar menos alimento do que devíamos, segundo o costume geral; assim, para evitarmos uma doença ou para fazermos mais expeditamente certas obras corporais. E, com muito maior fundamento, a razão assim o ordena, para evitarmos os males espirituais e praticarmos o bem. Mas, a razão reta não nos priva a tal ponto dos alimentos, que a natureza não nos possa subsistir; pois, como diz Jerónimo, não há diferença entre nos matarmos logo ou pouco a pouco; é oferecer um holocausto roubado destruir o nosso corpo, privando–o com excesso de alimento ou de sono. Semelhantemente, a razão reta não manda nos privemos de comida a ponto de nos tornarmos incapazes de cumprir o nosso dever; por isso, diz Jerónimo, que o homem racional perde a dignidade que prefere o jejum à caridade ou as vigílias dos sentidos, à integridade do espírito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O jejum natural, em que estamos, antes de comer, é uma pura negação. Por isso, não pode ser considerado ato de virtude; senão só aquele jejum pelo qual, com propósito racional, de certo modo nos abstemos de comer. Por isso, o primeiro se chama jejum do homem em jejum e o segundo, jejum do jejuador, como praticado por quem age intencionalmente.
O segundo discute–se assim. – Parece que a abstinência não é uma virtude especial.
1. – Pois, toda virtude é em si mesma digna de louvor. Ora, a abstinência não é em si mesma digna de louvor; pois, diz Gregório, que a virtude da abstinência não é recomendada senão pelas outras virtudes. Logo, a abstinência não é uma virtude especial.
2. Demais. – Agostinho diz que os santos se abstêm da comida e da bebida, não por ser má alguma criatura de Deus, mas somente para castigarem o corpo. Ora, isto constitui a castidade, como o próprio nome o indica. Logo, a abstinência não é uma virtude especial distinta da castidade.
3. Demais. – Assim como devemos nos contentar com a comida moderada, assim também, com vestes moderadas, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo com que nos sustentarmos e com que nos cobrimos, contentemo–nos com isto. Ora, a moderação em nos vestirmos não constitui objeto de nenhuma virtude especial. Logo, também não o constitui a abstinência, que nos modera os alimentos.
Mas, em contrário, Macróbio considera a abstinência como parte especial da temperança.
SOLUÇÃO. – Como dissemos a virtude moral conserva o bem da razão contra o ímpeto das paixões. Portanto, sempre que, por uma razão especial, a paixão nos desviar do bem racional, haverá lugar necessariamente para uma virtude especial. Ora, os prazeres da comida são de natureza a nos desviar do bem da razão, quer pela sua intensidade, quer pela necessidade que temos de nos alimentar, condição necessária para conservarmos a vida, o bem que mais desejamos. Logo, a abstinência é uma virtude especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As virtudes são necessariamente conexas, como dissemos. Por isso, uma virtude é auxiliada e sustentada por outra; assim, a justiça, pela fortaleza. E deste modo também a virtude da abstinência é reforçada pelas outras.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Pela abstinência o corpo é castigado, não só contra os atrativos da luxúria, mas também contra os da gula; pois, quem se abstém se torna mais forte para vencer os ataques da gula, tanto mais intensos quanto mais lhes cedemos. E contudo não impede seja a abstinência uma virtude especial o fato de ela auxiliar a castidade, porque uma virtude auxilia a outra.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O uso das vestes foi introduzido pela arte; e o dos alimentos, pela natureza. Portanto, deve ser uma virtude especial a que modera, antes, os alimentos, que a moderadora das vestes.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a abstinência não é uma virtude.
1. – Pois, diz o Apóstolo: O reino de Deus não consiste nas palavras, mas na virtude. Ora, na abstinência não consiste o reino de Deus, pois, ensina o Apóstolo: O reino de Deus não é comida nem bebida; o que comenta a Glosa: A justiça não consiste em comer nem em beber. Logo, a abstinência não é uma virtude.
2. Demais. – Agostinho diz, falando a Deus: Tu me ensinaste a tomar os alimentos como se fossem remédio. Ora, moderar os remédios não é próprio de nenhuma virtude, mas, à arte da medicina. Logo, pela mesma razão, moderar os alimentos, o que é próprio da abstinência, não é ato de virtude, mas, da arte.
3. Demais. – Toda virtude consiste numa mediedade, como diz Aristóteles. Ora, parece que a abstinência não constitui uma mediedade, mas, uma deficiência, pois, tira o seu nome de uma privação. Logo, a abstinência não é uma virtude.
4. Demais. – Nenhuma virtude exclui outra. Ora, a abstinência exclui a paciência; pois, diz Gregório, que a impaciência, às vezes, tira do seio da tranquilidade o espírito dos abstinentes. E no mesmo lugar acrescenta, que o pensamento dos abstinentes é às vezes contaminado pela culpa da soberba; e portanto exclui a humildade. Logo, a abstinência não é uma virtude.
Mas, em contrário, a Escritura: Vós outros, aplicando pois todo o cuidado, ajuntai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência; e à ciência, a abstinência; ora, neste lugar, a abstinência é enumerada junto com as outras virtudes. Logo, a abstinência é uma virtude.
SOLUÇÃO. – A abstinência, como a sua própria denominação o indica, implica a privação da comida. Por onde, pode ser tomada em dupla acepção. Numa, designa a privação absoluta da comida. E, neste sentido, a abstinência não designa nem uma virtude nem um ato de virtude, mas, algo de indiferente. – Noutra, pode ser considerada como regulada pela razão. E então significa o hábito ou o ato da virtude. E neste sentido é que é tomada no lugar citado de Pedro, onde diz que a abstinência deve ser aplicada com ciência; isto é, que devemos nos abster de alimentos, quando necessário, conforme às exigências das pessoas com quem vivemos e às da nossa pessoa e segundo o requer a nossa saúde.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O uso e a abstinência da comida, em si mesmo considerados, não respeitam ao reino de Deus. Pois, diz o Apóstolo: A comida não nos faz agradáveis a Deus, porque nem comendo–a seremos mais ricos, nem seremos mais pobres não na comendo, isto é, espiritualmente. Ora, uma e outra coisa, quando praticadas racionalmente por fé e amor de Deus, levam ao reino de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A moderação no comer, relativamente à quantidade e à qualidade, é regulada pela arte da medicina, quanto à saúde do corpo; mas, quanto aos afetos internos, em relação ao bem da razão, é regulada pela abstinência, Por isso, diz Agostinho: Absolutamente não importa, a saber, à virtude, o que ou o quanto de alimentos tomamos, se procedermos de acordo com as exigências das pessoas com quem convivemos com as da nossa pessoa e com as necessidades de nossa saúde; mas, o meritório é suportar a privação com uma grande facilidade e tranquilidade de alma, quando o for necessário.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A temperança pertence refrear os prazeres, que exercem sobre a alma uma grande atração; assim como à fortaleza, confirmá–Ia contra os temores, que nos desviam do bem racional. Por isso, assim como o mérito da fortaleza consiste num certo excesso, donde derivam as denominações de todas as suas partes, assim, o mérito da temperança está numa certa deficiência, donde derivam os nomes das suas partes todas. Por onde, a abstinência, que faz parte da temperança, é assim denominada por causa de uma deficiência. E contudo constitui uma mediedade, por ser regulada pela razão reta.
RESPOSTA À QUARTA. – Os referidos vícios provêm da abstinência quando esta se desvia da razão reta. Pois, a razão reca manda–nos abster como é necessário, isto é, com alegria de alma; e pelo que é necessário, isto é, pela glória de Deus e não, pela glória própria nossa.
O quarto discute–se assim. – Parece que a honestidade não deve ser considerada parte da temperança.
1. – Pois, não é possível uma coisa ser, ao mesmo respeito, parte e todo. Ora, a temperança é parte da honestidade, como diz Túlio. Logo, a honestidade não faz parte da temperança.
2. Demais. – A Escritura diz, que o vinho torna todos os corações honestos. Ora, o uso do vinho, sobretudo o supérfluo, a que a Escritura se refere, constitui antes intemperança, que temperança. Logo, a honestidade não é parte da temperança.
3. Demais. – Chama–se honesto ao que é digno de honra. Ora, os mais honrados são os justos e fortes, como diz o Filósofo. Logo, a honestidade não faz parte da temperança, mas antes, da justiça ou da coragem. Por isso, diz Eleazar, na Escritura: Sofrerei com ânimo pronto e constante uma honrosa morte em defesa de leis tão graves e tão santas.
Mas, em contrário, Macróbio considera a honestidade como parte da temperança. E Ambrósio também atribui especialmente a honestidade à temperança.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a honestidade é uma certa beleza espiritual. Ora, o belo se opõe ao desonesto. E, os opostos se manifestam, principalmente, pela sua contrariedade. Por onde, a honestidade faz especialmente parte da temperança, que repele o que ao homem é desonestíssimo e inconvenientíssimo, a saber, os prazeres animais. Por isso, na própria denominação de temperança se inclui, sobretudo o bem da razão, do qual .e próprio moderar e temperar as concupiscências depravadas. Portanto, a honestidade, enquanto atribuída à temperança, por uma certa e especial razão, é considerada parte integrante dela; não, certamente, subjetiva. ou como virtude adjunta; mas, como parte integrante, sendo uma condição dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A temperança é considerada parte subjetiva da honestidade, enquanto tomada na sua generalidade. E, nesse sentido, não é considerada parte da temperança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O vinho torna honesto o coração dos ébrios, na reputação deles por lhes parecer que são grandes e merecedores de honras.
RESPOSTA À TERCEIRA. – À justiça e à fortaleza é devida maior honra do que à temperança, por causa da maior excelência do seu bem. Mas, à temperança é devida honra maior, porque é ela a que coíbe os vícios mais censuráveis, como do sobre dito resulta. Por isso, a honestidade é atribuída, antes à temperança, segundo a regra do Apóstolo: Os (membros) que em nós são menos honestos os recatamos com maior decência, isto é, removendo o que é desonesto.