O quarto discute–se assim. – Parece que a paciência não faz parte da coragem.
1. – Pois, uma coisa não pode ser parte de si mesma. Ora, a paciência parece ser o mesmo que a coragem, porque, como se disse, o ato próprio da coragem é suportar; o que também o faz a paciência, pois, como ensina um autor, a paciência consiste em suportarmos os males alheios. Logo, a paciência não faz parte da coragem.
2. Demais. – A coragem versa sobre os temores e as audácias, como se estabeleceu; ora, eles tem a sua sede no irascível. Mas, parece serem as tristezas o objeto da paciência que, portanto, tem a sua sede no concupiscível. Logo, a paciência não faz parte da coragem mas, antes da temperança.
3. Demais. – O todo não pode existir sem a parte. Se, pois, a paciência faz parte da coragem, esta nunca pode existir sem aquela; contudo, às vezes o forte longe de tolerar pacientemente o mal ataca ao que o faz. Logo, a paciência não faz parte da coragem.
Mas, em contrário, Túlio a considera parte da coragem.
SOLUÇÃO. – A paciência é uma como parte potencial da coragem, porque se anexa a esta como a virtude secundária, à principal. Pois, à paciência é próprio suportar com equanimidade os males alheios, como diz Gregório. Ora, dos males que os outros nos causam, os piores e mais difíceis de suportarmos são os que nos põem em perigo de morte, objeto da coragem. Por onde é claro que, nesta matéria, o papel principal é o da coragem, como a que vindica para si o que é, no assunto, o mais importante. Portanto, a paciência lhe está anexa, como virtude secundária à principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É próprio da coragem suportar, não quaisquer males, mas, os mais difíceis de se tolerarem; e tais os que nos fazem correr perigo de morte. Ao passo que é próprio da paciência tolerar quaisquer males.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O ato da coragem não consiste somente em perseverarmos no bem, resistindo ao temor de perigos futuros, mas também em não desanimarmos por tristeza ou dor causadas pelos males presentes; e por ai a paciência tem afinidades com a coragem. E contudo a coragem versa principalmente sobre os temores, que por natureza nos levam a fugir – o que a coragem impede. Ao passo que a tristeza concerne mais principalmente às tristezas; pois paciente se chama não quem foge, mas quem se comporta como deve, sofrendo o que atualmente o faz sofrer, de maneira a não se entristecer desordenadamente com tais coisas. Por onde, a coragem tem propriamente a sua sede no irascível; a paciência, porém, no concupiscível. O que não impede seja a paciência parte da coragem; porque a adjunção de uma virtude a outra não se funda no sujeito mas, na matéria ou forma. Contudo, a paciência não é considerada parte da temperança, embora ambas tenham a sua sede no concupiscível; porque a temperança concerne só aos sofrimentos opostos às deleitações sensíveis por exemplo, as resultantes da abstinência da comida ou dos prazeres venéreos – ao passo que a paciência principalmente concerne aos sofrimentos que os outros nos causam. Demais à temperança pertence refrear esses sofrimentos, bem como os prazeres contrários. Ao passo que é próprio da paciência fazer com que não abandonemos o bem da virtude, por causa desses sofrimentos, sejam eles quais forem.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A paciência pode, sob um certo dos seus aspectos, ser considerada parte integrante da coragem. Ora, a objeção se funda nisto, a saber, em suportarmos pacientemente os males que nos fazem correr perigo de morte. Nem vai contra a natureza da paciência atacarmos, quando for necessário, quem nos faz mal; porque, como diz Crisóstomo aquilo da Escritura – Vai–te, Satanás – sofrermos com paciência as injúrias, que nos assacam, é digno de louvor; mas, é excesso de impiedade tolerar pacientemente as injúrias feitas contra Deus. E Agostinho acrescenta que os preceitos da paciência não contrariam ao bem público, para conservar o qual lutamos contra os inimigos. – Mas, se a paciência tem como objeto quaisquer outros males, ela se anexa à coragem como virtude secundária à principal.