Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute–se assim. – Parece que a pusilanimidade não se opõe à magnanimidade.
1. – Pois, diz o Filósofo, que o pusilânime se ignora a si mesmo; pois, desejaria os bens de que é digno se os conhecesse. Ora, a ignorância de si parece opor–se à prudência. Logo, a pusilanimidade opõe–se à prudência.
2. Demais. – Como se lê no Evangelho, o Senhor, ao servo, que por pusilanimidade se negou a empregar o dinheiro, chama–lhe mau e preguiçoso. E o Filósofo também diz que os pusilânimes são considerados preguiçosos. Ora, a preguiça se opõe à solicitude, que é um ato de prudência, como estabelecemos. Logo, a pusilanimidade não se opõe à magnanimidade.
3. Demais. – A pusilanimidade parece proceder do temor desordenado; donde o dizer a Escritura: Dizei aos pusilânimes: Tomai ânimo e não temais. E parece proceder também da ira desordenada, segundo o Apóstolo: Pois, não provoqueis a indignação a vossos filhos, para que se não façam de ânimo apoucado. Ora, o desordenado do temor se opõe à coragem; e o da ira, à mansidão. Logo, a pusilanimidade não se opõe à magnanimidade.
4. Demais. – Um vício, que se opõe a uma virtude, é tanto mais grave quanto mais for dela dissemelhante. Ora, a pusilanimidade difere, mais que a presunção, da magnanimidade. Logo, se a pusilanimidade se opusesse à magnanimidade, seria por consequência um pecado mais grave que a presunção; o que vai contra aquilo da Escritura: Ó perversíssima presunção! Onde tomaste tu a tua origem? Logo, a pusilanimidade não se opõe a magnanimidade.
Mas, em contrário, a pusilanimidade e a magnanimidade diferem entre si como difere a grandeza do apoucamento de ânimo, conforme os próprios nomes o mostram. Ora, grande e pequeno se opõem. Logo, a pusilanimidade se opõe à magnanimidade.
SOLUÇÃO – A pusilanimidade pode ser considerada a tríplice luz. – Primeiro em si mesma. E então é claro que, na sua essência própria, se opõe à magnanimidade, da qual difere pelas diferenças de grandeza e pequenez, relativamente ao mesmo objeto; pois, assim como o magnânimo, por grandeza de alma, busca o que é grande, assim o pusilânime por apoucamento de alma, retrai–se dessas mesmas grandezas. – Segundo, pode ser ela considerada relativamente à sua causa, que, relativamente ao intelecto, é a ignorância da condição própria; e relativamente ao apetite, é o temor de não poder alcançar o que julga, falsamente, exceder a capacidade Terceiro, pode ser considerada no seu efeito, que consiste na abstenção das coisas grandes, de que é digno. – Mas, como já dissemos, a oposição entre o vício e a virtude se funda mais na espécie própria do que na causa ou no efeito deles. Por onde, a pusilanimidade se opõe diretamente à magnanimidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe quando a pusilanimidade é considerada relativamente à causa que tem no intelecto. E contudo não se pode propriamente dizer que se oponha à prudência, mesmo considerada na sua causa; porque a: referida ignorância não procede da insipiência mas, antes, da preguiça de examinarmos as nossas próprias faculdades, como diz Aristóteles, ou de executarmos o que está em a nossa capacidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objecção colhe se considerarmos a pusilanimidade relativamente ao seu efeito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe, relativamente à causa. Contudo, nem sempre o temor, que causa a pusilanimidade, é temor de um perigo mortal. Por isso, não se opõe, necessariamente à coragem. – Quanto à ira, o seu movimento, que nos leva, por natureza, a exercer a vingança, não causa a pusilanimidade, que nos abate a alma, mas, antes, a exalta. Mas, pelas suas causas, a ira induz à pusilanimidade; essas causas são as injúrias proferidas, que abatem o ânimo de quem as sofre.
RESPOSTA À QUARTA. – A pusilanimidade é, especificamente, mais grave pecado que a presunção; pois, ela arrasta o homem do bem, o que é péssimo, como diz Aristóteles. Mas, dizemos que a presunção é péssima, em razão da soberba, de que procede.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a pusilanimidade não é pecado.
1. – Pois, todo pecado nos torna mau, como toda virtude nos torna bom. Ora, o pusilânime não é mau, no dizer do Filósofo. Logo, a pusilanimidade não é pecado.
2. Demais. – O Filósofo diz pusilânime por excelência é quem, sendo digno de grandes bens, contudo com eles não se dignifica· a si mesmo. Ora, só o virtuoso é digno de grandes bens; porque, como diz ainda o Filósofo, só o bom deve ser verdadeiramente honrado. Logo, o pusilânime é virtuoso. Portanto a pusilanimidade não é pecado.
3. Demais. – A Escritura diz: O princípio de todo pecado é a soberba. Ora, a pusilanimidade não procede da soberba, porque o soberbo se tem em maior conta do que aquilo que é; ao contrário, o pusilânime abdica daquilo de que é digno. Logo, a pusilanimidade não é pecado.
4. Demais. – O Filósofo diz que se chama pusilânime quem se dignifica com causas menores do que as de que é digno. Ora, às vezes os varões santos se dignificam com menos do que aquilo de que são dignos; tal o caso de Moisés e Jeremias que, sendo dignos das funções para as quais Deus os escolheu, contudo ambos as recusaram humildemente, como se lê na Escritura. Logo, a pusilanimidade não é pecado.
Mas, em contrário. – Na ordem dos atos humanos, devemos evitar só o pecado. Ora, devemos evitar a pusilanimidade, segundo aquilo do Apóstolo: Pois, não provoqueis a indignação a vossos filhos, para que se não façam de ânimo apoucado. Logo, a pusilanimidade é pecado.
SOLUÇÃO. – Tudo o que contraria a uma inclinação natural é pecado, porque contraria à lei natural. Ora, todo ser natural é levado a agir de um modo proporcionado à sua potência, como o demonstram todos os seres naturais, tanto animados como inanimados. Ora, assim como pela presunção excedemos à capacidade das nossas potências, pretendendo ao que não está ao nosso alcance, assim também o pusilânime decai da capacidade de sua potência, quando recusa buscar o que lhe é proporcionado. Por onde, assim como a presunção é pecado, assim também o é a pusilanimidade. Por isso, como se lê no Evangelho, o Senhor puniu o servo que enterrou no chão o dinheiro recebido do seu amo, sem o ter aplicado, por temor de pusilanimidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. O Filósofo considera maus os que causam dano ao próximo. E neste sentido, o pusilânime não é considerado mau, pois, a ninguém causa mal senão acidentalmente, quando se deixa ficar inativo sem ajudar aqueles aos quais poderia fazê–lo. Por isso diz Gregório: Todos os que deixam de ser úteis ao próximo, na pregação, se os julgarmos rigorosamente, são, sem dúvida, réus de tantos males quantos são aqueles que vieram à pregação e aos quais poderiam ser úteis.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede pecar quem tem o hábito da virtude: venialmente, quando ainda a conserva em hábito; mortalmente, quanto desaparece o hábito da virtude gratuita. Por isso pode acontecer que uma pessoa, pela virtude que tem, seja digno de praticar certas grandes ações, merecedoras de grandes honras; e, contudo por não querer usar da sua virtude, peque, às vezes, venialmente e, às vezes, mortalmente. – Ou podemos dizer que o pusilânime é digno de grande recompensa, ou por boa disposição da sua natureza, ou peia fortuna exterior que, se recusa empregá–la para a virtude, o torna pusilânime.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Também a pusilanimidade de certo modo pode nascer da soberba, quando apegando–nos demasiado à nossa opinião própria, julgamo–nos incapazes da prática de certos atos para os quais temos capacidade. Por isso diz a Escritura: O preguiçoso parecelhe que é mais sábio do que sete homens que não dizem causa que não seja acertada. Pois, nada impede que, em relação a certas coisas, nos diminuamos e, quanto a outras, nós exaltemos. Donde o dizer Gregório, que Moisés talvez fosse soberbo se, sem trepidar, aceitasse a chefia de povo tão numeroso; e ainda, que seria soberbo, se se recusasse obedecer a ordem de Deus.
RESPOSTA À QUARTA. – Moisés e Jeremias eram dignos das funções para as quais foram divinamente escolhidos pela divina graça. Mas, as recusavam, considerando as incapacidades da fraqueza própria; não porém pertinazmente para não caírem na soberba.
O quinto discute–se assim. – Parece inconveniente dizer que são filhas da vanglória : a desobediência, a jactância, a hipocrisia, a contenção, a pertinácia, a discórdia e o espírito de novidade.
1. – Pois, a jactância, segundo Gregório, é considerada uma espécie de soberba. Ora, a soberba não nasce da vanglória, mas, ao contrário, como diz Gregório. Logo, a jactância não deve ser considerada filha da vangloria.
2. Demais. – Parece que as contenções e as discórdias nascem sobretudo, da ira. Ora, a ira é um pecado capital pertencente à mesma divisão da vanglória. Logo, não é filha da vanglória.
3. Demais. – Crisóstomo diz, que em toda parte a vanglória, é um mal, mas sobretudo em se tratando da filantropia, isto é, da misericórdia: que, contudo não é nenhuma novidade mas se funda no costume humano. Logo, o espírito de novidade não deve ser especialmente considerada filha da vanglória.
Mas, em contrário, a autoridade de Gregório, quando enumera as referidas filhas da Vanglória.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, chamam–se filhos de um pecado capital os que naturalmente para ele se ordenam. Ora, o fim da vanglória é a manifestação da nossa própria excelência, como do sobredito se colhe. O que podemos conseguir de dois modos. Primeiro, diretamente: quer por palavras, no caso da jactância. Quer por atos, os quais, se forem verdadeiros e despertarem nos outros uma certa admiração, dão lugar ao espírito de novidade, a qual os homens sobretudo, costumam admirar; e, se forem falsos, dão lugar à hipocrisia. De outro modo, visamos manifestar a nossa excelência indiretamente, mostrando que não somos inferior a outrem. E isto de quatro maneiras. Primeiro, quanto à inteligência, no caso da pertinácia, que faz nos apegarmos demasiado à nossa opinião, não querendo aderir a uma opinião melhor. Segundo, quanto à vontade, no caso da discórdia, não querendo abandonar a nossa vontade própria para concordarmos com os outros. Terceiro, por palavras, no caso da contenção, quando alguém litiga, clamando, contra outrem. Quarto, quanto às obras, e tal é a desobediência, quando não queremos cumprir a ordem do superior.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos, a jactância é considerada uma espécie da soberba, quanto à sua causa interior, que é arrogância. Quanto à jactância exterior, ela às vezes se ordena como diz Aristóteles, ao ganho; mas, mais frequentemente, à glória e às honras e então nasce da vanglória.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A ira não causa a discórdia e a contenção, senão quando acompanhada da vanglória, no caso de considerarmos glorioso para nós não cedermos à vontade nem às palavras dos outros.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A vanglória é repreensível, no caso da esmola desacompanhada da caridade, que manifesta que se prefere a vanglória à utilidade do próximo, pois, busca–se a esta por causa daquela. Mas não é censurável quem presume, fazendo esmola, praticar um ato inédito.
O quarto discute–se assim. – Parece que a vanglória não é pecado capital.
1. – Pois, um pecado que sempre nasce de outro parece não ser capital. Ora, a vanglória sempre nasce da soberba. Logo, a vanglória não é um vício capital.
2. Demais. – Parece que a honra é mais principal que a glória, pois, é o efeito desta. Ora, a ambição, ou o apetite desordenado da honra, não é um vício capital. Logo, também não o é o desejo da vanglória.
3. Demais. – O vício capital implica alguma principalidade. Ora, parece que a vanglória não implica nenhuma principalidade. Nem quanto à noção de pecado, porque nem sempre é pecado mortal; nem relativamente à apetibilidade do bem, porque a glória humana é um bem frágil e extrínseco ao homem. Logo, a vanglória não é um vício capital.
Mas, em contrário, Gregório enumera a vanglória entre os pecados capitais,
SOLUÇÃO. – Há duas doutrinas a respeito dos pecados capitais. Certos consideram a soberba como um deles; e estes não têm a vanglória como pecado capital. Mas, Gregório considera a soberba a rainha de todos os vícios, e tem como vício capital a vanglória, que imediatamente nasce dela. E o faz com razão. Pois, a soberba, segundo depois diremos, importa o desejo desordenado da excelência. Ora, de todos os bens que desejamos resulta uma certa perfeição e excelência. Por onde, os fins de todos os vícios se ordenam para o fim da soberba. Donde vem o ter ela uma certa causalidade geral, acima dos outros vícios, e não dever ser contada entre os princípios especiais dos vícios, que são os pecados capitais. Ora, dentre os bens pelos quais conseguimos alguma excelência, o primeiro lugar pertence à glória, enquanto implica a manifestação de alguma bondade; pois, o bem é naturalmente amado e honrado por todos. Por onde, assim como pela glória divina conseguimos a excelência na ordem divina, assim, pela glória humana, conseguimos a excelência, na ordem humana. E portanto pela sua afinidade com a excelência, que os homens soberanamente desejam, há de ser necessariamente a glória muito desejável, e de a buscarmos desordenadamente nascerão muitos vícios. Logo, a vanglória é pecado capital.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – O fato de haver algum vício originado da soberba não o impede de ser pecado capital; pois, como dissemos, a soberba é a rainha e a mãe de todos os vícios.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os louvores e as honras estão para a glória, segundo dissemos, como as causas de que ela resulta; por isso também a glória está para eles como fim. Pois, se queremos ser honrados e louvados é por pensarmos que isso nos torna ilustres, no conhecimento dos outros.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Já dissemos porque a vanglória é principalmente desejável; o que basta para a constituir um pecado capital. Pois, um pecado capital não há de ser necessariamente mortal; porque também o pecado mortal pode resultar do venial, enquanto este dispõe para aquele.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a vanglória é pecado mortal.
1. – Pois, só o pecado mortal nos priva do prémio eterno. Ora, a vanglória exclui o prémio eterno, conforme à Escritura: Guardai–vos, não façais as vossas boas obras diante dos homens com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis a recompensa da mão de vosso Pai que está nos céus. Logo, a vanglória é pecado mortal.
2. Demais. – Quem se apropria do que a Deus pertence peca mortalmente. Ora, desejando a vanglória, atribuimo–nos o que pertence a Deus, conforme à Escritura: Eu não darei a outrem a minha glória. E, noutro lugar: A Deus só seja honra e glória. Logo, a vanglória é pecado mortal.
3. Demais. – Pecado mortal parece ser o mais perigoso e nocivo de todos. Ora, tal é o pecado da vanglória. Pois, àquilo do Apóstolo – Deus. que prova os nossos corações – diz a Glosa de Agostinho: O poder de fazer o mal, que tem o amor da glória humana, só o sente quem lhe declara a guerra; porque, embora nos seja fácil não desejar o louvor que nos é denegado, difícil porém nos é não nos comprazermos com o que nos tributam. E Crisóstomo também diz, que a vanglória infiltra–se–nos às ocultas e priva–nos insensivelmente de todos os bens que em nós existem. Logo a vanglória é pecado mortal.
Mas, em contrário, diz Crisóstomo: ao passo que os outros vícios dominam os escravos do diabo, a vanglória invade mesmo os servos de Cristo. Mas, nestes não há nenhum pecado mortal. Logo, a vanglória não é pecado mortal.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, é mortal todo pecado contrário à caridade. Ora, o pecado da vanglória, em si mesmo considerado, não contraria à caridade, quanto ao amor do próximo. Mas, relativamente ao amor de Deus, pode contrariá–la de dois modos. – De um, quanto à matéria de que nos gloriamos. Assim, se nos gloriamos de uma falsidade, contrária ao respeito devido a Deus, conforme aquilo da Escritura: O teu coração se elevou e tu disseste: Eu sou Deus. E noutro lugar: Que tens tu que não recebesses? Se porém, o recebeste, porque te glorias como se o não tivesses recebido? Ou, quando preferimos a Deus, o bem temporal de que nos gloriamos; o que a Escritura o proíbe: Não se glorie o sábio no seu saber, nem se glorie o forte na sua força, nem se glorie o rico nas suas riquezas; porém nisto se glorie aquele que se gloria, em conhecer–me e saber–me. Ou quando preferimos o testemunho humano ao de Deus; assim, contra certos diz a Escritura: Que amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus. – De outro modo, relativamente à pessoa mesmo que se gloria, que põe a sua intenção na glória, como se fosse um fim último, à qual ordenaria, ainda os atos virtuosos, não duvidando, para consegui–la, até mesmo praticar obras contrárias a Deus. – E então é pecado mortal. Por isso, diz Agostinho, que esse vício – o do amor dos louvores humanos – é tão inimigo da fé religiosa – no caso de abrigarmos no coração uma cobiça da glória maior que o temor ou o amor de Deus – que o Senhor disse: Como podeis crer vós–outros, que recebeis a glória uns dos outros e que não buscais a glória que vem só de Deus? – Mas, se o amor da glória humana, embora vã, contudo não repugna à caridade, nem quanto ao objeto da glória, nem quanto à intenção de quem a busca, não é pecado mortal, mas, venial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ninguém merece a vida eterna, pecando. Por onde, as nossas obras virtuosas deixam de merecer a vida eterna, quando praticadas por vanglória, mesmo se esta não for pecado mortal. Mas, a vanglória é pecado mortal quando em si mesma, e não só por um ato isolado, nos faz perder a vida eterna.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem todos os desejosos da vangloria reclamam para si aquela excelência devida só a Deus. Pois, uma é a glória só a Deus devida e outra a devida ao homem virtuoso ou rico.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz–se que a vanglória é um pecado perigoso não só pela sua gravidade mesma, mas também por nos dispor para pecados graves, pois, ela nos torna presunçosos e demasiado confiantes em nós mesmos. E assim, também nos dispõe paulatinamente para sermos privados dos bens interiores.
O segundo assim se discute. – Parece que a vanglória não se opõe à magnanimidade.
1. – Pois, é próprio da vanglória, como se disse, gloriar–se um com coisas que não existem, o que constitui a falsidade, ou com as coisas terrenas e caducas, o que constitui a cobiça; ou com o testemunho dos homens, cujo juízo não é certo, o que constitui a imprudência. Ora, esses vícios não se opõem à magnanimidade. Logo, a vanglória não se opõe à magnanimidade.
2. Demais. – A vanglória não se opõe à magnanimidade por defeito, assim como a pusilanimidade, que parece repugnar à vanglória. Do mesmo modo, nem por excesso; pois, assim, à magnanimidade se opõem a presunção e a ambição, como se disse; e delas difere a vanglória. Logo, a vanglória não se opõe à magnanimidade.
3. Demais. – Aquilo do Apóstolo – Nada façais por porfia nem por vanglória – diz a Glosa: Havia entre eles alguns dissidentes, inquietos, e que disputavam por vanglória. Logo, não se opondo a contenção à magnanimidade, também não se lhe opõe a vanglória.
Mas, em contrário, diz Túlio: Devemos nos abster de cobiçar a glória, porque rouba a liberdade da alma, pela qual sobretudo devem porfiar os varões magnânimos. Logo, opõe–se à magnanimidade.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a glória é um efeito das honras e dos louvores; pois, torna–se ilustre no conhecimento dos outros quem é louvado ou o a quem se tributam quaisquer reverências. E como o objeto da magnanimidade são as honras, como se disse, há de por consequência ter também como objeto a glória; isto é, como o magnânimo aceita moderadamente as honras assim também pode aceitar moderadamente a glória. Por ande, o desejo desordenado da glória opõe–se diretamente à magnanimidade.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Repugna ao homem magnânimo ter em tanto preço as causas pequenas, de modo a gloriar–se com elas. Por isso, Aristóteles diz, que o magnânimo considera um pequeno bem as honras que lhe são tributadas. Do mesmo modo, ele também considera coisas pequenas todas as que, como o poder e as riquezas, se buscam com a mira nas honras. Semelhantemente, repugna ao magnânimo gloriar–se com causas que não existem, por isso, Aristóteles diz que ele mais cuida da verdade que da opinião. E ainda, semelhantemente, repugna ao magnânimo gloriar–se com o testemunho do louvor humano, considerando–o como de grande valor. Por isso, do magnânimo, diz Aristóteles, que não se importa com ser louvado. Por onde, nada impede também se opor à magnanimidade tudo o que se opõe às outras virtudes, na medida em que consideram como grande o que é pequeno.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem deseja a vanglória não é verdadeiramente magnânimo, porque se gloria com causas que o magnânimo considera de pouco valor, segundo dissemos. Mas, considerando a estima que tem por essas causas, opõe–se ao magnânimo por excesso, porque reputa como um bem de grande valor a glória, que deseja, e a busca, embora lhe exceda a dignidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como se disse, a oposição entre os vícios não se funda no efeito deles. E, contudo, opõe–se à magnanimidade o fato de porfiarmos pela obtenção de alguma coisa; pois, ninguém luta senão pelo que considera de grande valor. Donde o dizer o Filósofo, que o magnânimo não é contencioso, porque nada considera grande.
O primeiro discute–se assim. – Parece que o desejo da glória não é pecado.
1. – Pois, ninguém peca por se assemelhar a Deus, o que é, antes, ordenado pela Escritura: Sede pois imitadores de Deus, como filhos muito amados. Ora, buscando a glória, parece que imitamos a Deus, que quer que os homens lha tributem. Donde o dizer a Escritura: Traze meus filhos de climas remotos e minhas filhas das extremidades da terra; e todo aquele que invoca o meu nome, eu para minha glória o criei. Logo, o desejo da glória não é pecado.
2. Demais. – O que nos excita ao bem não é pecado. Ora, o desejo da glória excita os homens à prática do bem; pois, no dizer de Túlio, só a glória inspira a paixão dos estudos. E também a Sagrada Escritura promete a glória às boas obras: Aos que, perseverando em fazer boas obras, buscam glória e honra. Logo, o desejo da glória não é pecado.
3. Demais. – Túlio diz, que a glória consiste na nomeada, acompanhada de louvores, que todos atribuem a alguém; e o mesmo diz Ambrósio quando afirma, que a glória consiste em nomeada e os louvores, que nos tributam os que nos conhecem. Ora, desejar uma nomeada louvável não é pecado; antes, é digno de encómios, segundo a Escritura: Tem cuidado de te adquirires bom nome. E noutro lugar: Procurando bens não só diante de Deus, mas também diante de todos os homens. Logo, o desejo da vanglória não é pecado.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Vê com clareza quem sabe ser vicioso o amor dos elogios.
SOLUÇÃO. – A glória significa uma certa ilustração; por isso, ser glorificado é o mesmo que ser ilustrado, como diz Agostinho. Ora, a ilustração e a honra de certo modo se manifestam. Por onde, como o próprio nome o indica, a glória implica propriamente a manifestação do que parece glorioso aos olhos dos homens, quer se trate de um bem corporal, quer de um bem espiritual. Ora, como o que é ilustre, absolutamente falando, pode ser visto por muitos, mesmo de longe, o nome de glória propriamente supõe que o bem de alguém chegou ao conhecimento e à aprovação de muitos. E por isso é que Tito Lívio diz: Não podemos ser glorificados por urna só pessoa. Mas, tomado em acepção mais ampla, a glória não consiste só em sermos conhecidos por muitos, mas ainda por poucos, ou por um só, ou ainda somente por nós mesmo, quando, considerando o nosso próprio bem, julgamo–Ia digno de louvor.
Ora, conhecermos e aprovarmos o nosso próprio bem não é pecado. Assim, diz o Apóstolo: Ora, nós não recebemos o espírito deste mundo, mas sim o Espírito que vem de Deus, para sabermos as coisas que por Deus foram dadas. Do mesmo modo, não é pecado o querermos dar aprovação às nossas obras; conforme ao Evangelho: Luza a Vossa luz diante dos homens. Por onde, o desejo da glória, em si mesmo, nada implica de vicioso. O da vanglória, sim, implica; pois, é vicioso qualquer desejo vão, conforme à Escritura: Por que amais a verdade e buscais a mentira? Ora, a glória pode ser chamada vã, de dois modos. Relativamente àquilo de que nos gloriamos; assim, quando nos gloriamos com o que não é digno de glória, por exemplo, um bem frágil e caduco. Ou, relativamente à pessoa que queremos que nos glorifique, por exemplo, um homem cujo juízo não é seguro. De terceiro modo, relativamente à pessoa mesma que busca a glória, quando não refere o seu desejo da glória ao fim devido, que é honra de Deus e a salvação do próximo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Aquilo do Evangelho – Vós chamais–me Mestre e Senhor; e dizeis bem – diz Agostinho: É perigoso comprazermo–nos conosco mesmo, porque ficamos exposto a cair na soberba, o que devemos evitar. Mas, quem é superior a tudo não se ensoberbece, por mais que a si mesmo se louve. Ora, a nós é que nos é vantajoso conhecer a Deus e não a ele; e ninguém o conhece se não se revelar aquele que conhece. Por onde, é claro que Deus busca a sua glória, não por causa de si mesmo, mas, por nossa causa. E do mesmo modo, podemos também, e louvavelmente, buscar a nossa própria glória, para utilidade dos outros, segundo o Evangelho: Que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A glória, que temos de Deus, não é vã, mas verdadeira. E essa glória nos é prometida como prémio das nossas boas obras. Dela diz o Apóstolo: Aquele, pois que se gloria glorie–se no Senhor; porque não é o que a si mesmo se recomenda o que é estimável, mas sim aquele a quem Deus recomenda. Mas, em certos o desejo da glória humana desperta a prática de obras virtuosas, como o desperta o desejo de outros bens terrenos. Não é porém verdadeiramente virtuoso quem pratica obras virtuosas por amor da glória humana, como o mostra Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O conhecer–se a si mesmo contribui para a perfeição do homem; mas, para ela não contribui o ser conhecido pelos outros. Logo, isto não é, por si mesmo, desejável. Mas, podemos desejá–Io enquanto encerra alguma utilidade. E essa será que Deus seja glorificado pelos homens; ou que estes progridam no bem que descobrem nos outros; ou que, perseveremos nos bens que em nós mesmos nos reconhecemos e os acrescentemos, levados pelo louvor que nos tributam os outros. E, a esta luz, é louvável cuidarmos em adquirir bom nome e nos esforçarmos por praticar boas obras, perante Deus e os homens; contanto que não nos comprazamos em vão com os louvores dos homens.
O segundo discute–se assim. – Parece que a ambição não se opõe à magnanimidade, por excesso.
1. – Pois, a um meio só se opõe, de um mesmo lado, um extremo. Ora, à magnanimidade se opõe por excesso a presunção, como se disse. Logo, por excesso, não se lhe opõe a ambição.
2. Demais. – A magnanimidade tem por objeto as honras. Ora, parece que a ambição visa as dignidades, conforme àquilo da Escritura: Procurava Jasão usurpar–lhe o sumo sacerdócio. Logo, a ambição não se opõe à magnanimidade.
3. Demais. – Parece que a ambição busca o aparato exterior; assim, diz a Escritura, que Agripa e Berenice com grande pompa entraram no pretório; e, noutro lugar, que, sobre o cadáver de Asa queimaram aromas e unguentos com extraordinária pompa. Logo, a ambição não se opõe à magnanimidade.
Mas, em contrário, Túlio diz que, assim como cada um é superior aos outros pela sua grandeza, assim quer ser só o dominador de todos. Ora, isto constitui ambição. Por onde, é manifesto que a ambição se opõe à magnanimidade como o desordenado, ao ordenado.
SOLUÇÃO. – Como foi dito acima, a ambição importa um desejo desordenado de honra. A magnanimidade, porém, refere–se às honras, usando deles como convém. Por onde é claro que a ambição opõe–se à magnanimidade, como o desordenado, ao ordenado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A magnanimidade visa duas coisas. Uma como o fim intencionado; e é alguma grande obra, que o magnânimo busca, nos limites das suas faculdades. E, por aí, se opõe à magnanimidade, por excesso, a presunção, que pretende praticar grandes obras que lhe excedem a capacidade. – Outra, como a matéria de que usa devidamente, isto é, as honras. E por aqui a ambição se opõe à magnanimidade por excesso. Pois, não há inconveniente em haver, a luzes diversas, vários excessos opostos a um mesmo meio.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Aos constituídos em dignidade são–Ihes devidas as honras, pela excelência do seu estado. E, assim sendo, o apetite desordenado das dignidades é próprio da ambição. Mas, quem desejasse uma dignidade desordenadamente, não por causa das honras, mas para gozar dela devidamente, que contudo lhe excede a capacidade, esse não seria ambicioso mas antes, presunçoso.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A própria solenidade do culto exterior implica determinadas honras que de ordinário se prestam às pessoas como às que se referem. É o que quer dizer a Escritura com as seguintes palavras: Se entrar no vosso congresso algum varão que tenha anel de ouro com vestido precioso e lhe disserdes: Tu assenta–te aqui neste lugar etc. Por onde, a ambição não tem por objeto o culto exterior, senão enquanto este concerne às honras.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a ambição não é pecado.
1. – Pois, a ambição implica a cobiça das honras. Ora, em si mesmas consideradas, as honras são um bem e o maior dos bens exteriores; por isso, são censuráveis os que delas não curam. Logo, longe de ser pecado, a ambição é louvável, porque é louvável o desejo do bem.
2. Demais. – Qualquer pode, sem pecado, desejar o que lhe é devido como prêmio. Ora, as honras são o prêmio da virtude, como diz o Filósofo. Logo, a ambição das honras não é pecado.
3. Demais. – O que nos induz ao bem e afasta do mal não é pecado. Ora, as honras nos levam a fazer o bem e a evitar o mal. Assim, o Filósofo diz, que os homens mais heroicos estão entre os que não honram os tímidos e honram os fortes, e Túlio diz, que as honras alimentam as artes. Logo, a ambição não é pecado.
Mas, em contrário, a Escritura: A caridade não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses. Ora, só o pecado repugna à caridade. Logo, a ambição é pecado.
SOLUÇÃO. – Como dissemos as honras importam uma certa reverência tributada a alguém em testemunho da sua excelência. Ora, relativamente à excelência humana, duas causas devemos considerar. A primeira: as qualidades que tornam um homem excelente, ele não as tem de si mesmo, pois, nele constituem algo de divino. Por onde, não lhe são devidas as honras, principalmente mas, a Deus. A segunda: as excelências de um homem deu–lhas Deus para fazê–las aproveitar aos outros. Portanto, develhe agradar o testemunho da sua excelência, que os outros lhe tributam, na medida em que isso lhe torna possível fazê–la aproveitar aos outros.
De três modos, porém, o desejo das honras pode ser desordenado. – Primeiro, quando desejamos o testemunho de uma excelência que não temos; o que é desejar honras superiores ao nosso merecimento. – Segundo, quando desejamos as honras para nós, sem as referirmos a Deus. – Terceiro, quando o nosso desejo descança nas honras, em si mesmas, sem as aplicarmos à utilidade alheia. – Ora, a ambição implica um desejo desordenado das honras. Por onde, é claro que ela sempre é pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O desejo do bem deve ser regulado pela razão; e será pecado transgredir–lhe a regra. E assim será vicioso desejarmos as honras, fora da regra racional. Ao contrário, são dignos de censura os que desprezam as honras, quando a razão o proíbe; assim, por exemplo, quando não evitam o que é a elas contrário.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As honras não são o prémio da virtude, no concernente ao virtuoso, em si mesmo, de modo que deva exigi–las como prémio; pois, como prémio, ele deseja a felicidade, que é o fim da virtude. Mas, dizemos que elas são o prêmio da virtude relativamente aos outros, que nada de maior que elas têm para atribuir em ao virtuoso; porque, a grandeza delas consiste exatamente em serem testemunho da virtude. Por onde é claro, que não são um prémio suficiente, como diz Aristóteles.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As honras, quando desejadas como o devemos, induzem–nos ao bem e afastam–nos do mal. Mas, desejadas desordenadamente, podem nos dar ocasião de fazer muitos males; quando, por exemplo, não cogitamos nos meios de as podermos conseguir. Por isso, Salústio diz, que o bom e o mau igualmente desejam para si a glória, as honras e o comando; mas, aquele, isto é, o bom, lança mão de meios justos; este porém, isto é, o mau, faltando–lhe as vias legítimas, procede com dolo e falácias. Por onde, os que, só em vista das honras fazem o bem e evitam o mal, não são virtuosos, como claramente o diz o Filósofo, quando ensina não serem verdadeiramente corajosos os que praticam atos de coragem, tendo em mira as honras.
O segundo discute–se assim. – Parece que a presunção não se opõe à magnanimidade, por excesso.
1. – Pois, a presunção é considerada pecado especial contra o Espírito Santo, como se estabeleceu. Ora, o pecado contra o Espírito Santo não se opõe à magnanimidade, mas antes, à caridade. Logo, também a presunção não se opõe à magnanimidade.
2. Demais. – É próprio da magnanimidade fazer com que nos dignifiquemos com a prática de grandes atos. Ora, presunçoso também se chama quem se dignifica com coisas pequenas, contanto que estas lhe excedam a capacidade própria. Logo, a presunção não se opõe diretamente à magnanimidade.
3. Demais. – O magnânimo tem em pouca conta os bens exteriores. Ora, segundo o Filósofo, os presunçosos, por causa dos bens exteriores, desprezam e injuriam os outros, por terem esses bens em grande conta. Logo, a presunção não se opõe à magnanimidade, por excesso, mas, apenas por defeito.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que ao magnânimo se opõe, por excesso, o Chaunos, isto é, o louco ou fátuo, a que nós chamamos presunçoso,
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a magnanimidade consiste numa mediedade; não quantitativa, em relação ao objeto buscado, porque ela tende para o que é máximo; mas, numa mediedade proporcional à faculdade própria, pois, não busca coisas maiores que as que deve buscar. O presunçoso, porém, não excede o magnânimo, quanto ao objeto que pretende; ao contrário, às vezes, fica muito abaixo dele. Mas, o excede proporcionalmente às suas faculdades; pois, o magnânimo não excede às suas. E, deste modo, a presunção se opõe à magnanimidade, por excesso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não é qualquer presunção que é considerada pecado contra o Espírito Banto: mas, a que nos leva a desprezar a justiça de Deus, por confiarmos indebitamente na sua misericórdia. E tal presunção, em razão da sua matéria, por nos levar a desprezar um bem divino, se opõe à caridade, ou antes, ao dom do temor, que nos manda reverenciar a Deus. Mas, enquanto esse desprezo é desproporcionado às nossas faculdades, pode opor–se à magnanimidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como a magnanimidade, assim também a presunção visa a grandes fins. Pois, não é habitual considerar–se presunçoso quem vai pouco além das suas capacidades. Mas, se considerarmos tal homem como presunçoso, ele não se opõe à magnanimidade; mas, à virtude que versa sobre as pequenas honras, como se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Ninguém pretende a mais do que é capaz senão porque julga ter maior capacidade do que realmente tem. E nesse ponto podemos nos enganar de dois modos. Primeiro, quantitativamente; por exemplo, imaginando–nos com maior virtude, ciência ou outra qualidade qualquer que tenhamos. Segundo, em relação a um certo gênero de coisas; assim, quando nos julgamos grande e mais digno, pelo que não o somos, como por exemplo, pelas riquezas ou por quaisquer bens da fortuna. Pois, no dizer do Filósofo, os que possuem esses bens, sem virtude, nem se dignificam justamente a si mesma com causas grandes, nem podem chamar–se, com razão, magnânimos. Do mesmo modo, aquilo que buscamos e que nos excede as forças, é às vezes, verdadeira e absolutamente falando, uma coisa grande. Tal o caso de Pedro, querendo sofrer por Cristo, o que lhe sobrepujava as forças. Mas outras vezes, não é nada de grande, absolutamente falando, mas só na opinião dos estultos; como no caso de quem se veste de roupagens preciosas, despreza injuria os outros. O que constitui excesso de magnanimidade, não na verdade das coisas, mas, segundo a opinião. Donde, o dizer Séneca, que a magnanimidade, quando se exalça mais do que lhe convém, torna o homem minaz, cheio de si, perturbado, inquieto, e pronto a se atribuir todas as excelências nos seus ditos e atos, sem nenhuma atenção à honestidade. Por onde é claro que o presunçoso, na verdade das coisas, não chega a ser magnânimo; e só na aparência tem excesso de magnanimidade.