O segundo discute–se assim. – Parece que a temperança não é uma virtude especial.
1. – Pois, diz Agostinho, que é próprio da temperança fazer com que nos conservemos íntegros e incorruptos, para Deus. Ora, operar esse resultado é próprio de todas as virtudes. Logo, a temperança é uma virtude geral.
2. Demais. – Ambrósio diz que a tempesrança visa sobretudo e busca a tranquilidade da alma, Ora, este é o fim próprio de todas as virtudes. Logo, a temperança é uma virtude geral.
3. Demais. – Túlio diz, que a decência não pode separar–se do honesto, e que todas as coisas justas são decentes. Ora, a decência sobretudo se manifesta na temperança, como no mesmo lugar o diz. Logo, a temperança não é uma virtude especial.
Mas, em contrário, o Filósofo a considera uma virtude especial.
SOLUÇÃO. – Segundo o uso corrente de falar, certos nomes gerais se restringem ao que contêm de principal; assim, o vocábulo Urbs (cidade) se aplica para designar antonomasticamente a cidade de Roma. Do mesmo modo, a palavra temperança pode ser aplicada em duplo sentido. – Primeiro, na generalidade da sua significação. E então não é uma virtude especial mas geral; porque essa denominação significa um certo temperamento, isto é, uma certa moderação introduzida pela razão nos atos e nas paixões humanas, o que é comum a todas as virtudes morais. Mas, pela sua natureza, a temperança difere da coragem, mesmo consideradas uma e outra como virtudes gerais. Pois, a temperança nos afasta do que nos atrai o apetite contrariamente à razão; ao passo que a coragem nos leva a atacar ou a suportar o que nos afasta do bem da razão. – Se, porém considerarmos a temperança antonomasticamente, enquanto nos refreia o apetite daquilo que sobretudo nos atrai, então é uma virtude especial, por ter, como a coragem, matéria especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O apetite do homem se corrompe por aquilo que o atrai fazendo–o afastar–se da regra da razão e da lei divina. Por onde, assim como o nome mesmo de temperança pode ser tomado em dupla sentido – num sentido geral e num, excelente, assim também a Integridade, que Agostinho atribui à temperança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A matéria sobre que versa a temperança pode nos perturbar a alma, sobretudo, por dizer respeito ao que lhe é essencial, como a seguir se dirá. Por isso, a tranquilidade da alma é considerada, por excelência, como o resultado da temperança, embora, geralmente falando, seja um efeito de todas as virtudes.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora a beleza seja um atributo de todas as virtudes, contudo, é predicada, por duas razões, da temperança. Primeiro, na sua noção geral, que implica uma certa moderada e conveniente proporção, na na qual consiste por essência a beleza, como claramente o diz Dionísio. – Segundo, porque a temperança refreia em nós as tendências ínfimas e próprias da nossa natureza animal, como a seguir se dirá. Por isso são elas sobretudo de natureza a nos corromper. Donde o ser por excelência atribuída à temperança a beleza, que precipuamente nos livra do que é torpe. E pela mesma razão o honesto é sobretudo atribuído à temperança. Assim, como diz Isidoro, chamamos honesto ao que nada tem de torpe; pois, a honestidade (honestas) significa um como estado de honra (lumoris status); o que sobretudo se manifesta na temperança, contrária, aos vícios mais oprobriosos, como mais adiante diremos.