O primeiro discute–se assim. – Parece que a temperança não é virtude.
1. – Pois, nenhuma virtude repugna à inclinação da natureza, porque nós temos a aptidão natural para a virtude, como diz Aristóteles. Ora, a temperança nos priva de prazeres a que a natureza nos inclina, ainda segundo Aristóteles. Logo, a temperança não é virtude.
2. Demais. – As virtudes são conexas entre si. Ora, certos praticam a temperança sem praticarem as outras virtudes; pois, muitos, apesar de temperantes, são avarentos e tímidos. Logo, a temperança não é virtude.
3. Demais. – A roda virtude corresponde um dom, como do sobredito resulta. Ora, parece não corresponder à temperança nenhum dom, pois, já nas questões anteriores todos os dons foram atribuídos às outras virtudes. Logo, a temperança não é virtude.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É uma virtude a chamada temperança.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, é da essência da virtude inclinar o homem para o bem. Ora, o bem do homem é viver de acordo com a razão, como diz Dionísio. Por onde a virtude humana inclina ao que é racional. Ora, é manifesto que a tal inclina a temperança; mas, o seu próprio nome implica uma certa moderação ou temperamento introduzido pela razão. Logo, a temperança é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A natureza inclina ao conveniente a cada um. Por isso o homem naturalmente deseja o prazer, que lhe é conveniente. Ora, o homem, como tal, sendo racional, é consequente que lhe sejam convenientes os prazeres conforme à razão. E destes não o priva a temperança mas, antes, dos que são contrários à razão. Por onde, é claro que a temperança, longe de contrariar a inclinação da natureza humana, vem corroborá–la. Contraria somente à inclinação da natureza animal não sujeita à razão.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A temperança, enquanto realiza plenamente a essência da virtude, não existe sem a prudência, da qual carecem todos os viciosos. Por onde, os que não têm as outras virtudes, estando sujeitos aos vícios opostos, sem terem a virtude da temperança, praticam–lhe os atos por uma certa disposição natural, no sentido em que certas virtudes imperfeitas são naturais aos homens, como dissemos, ou são adquiridas pelo costume, sem terem a perfeição da razão, que provém da prudência, segundo foi dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A temperança também corresponde determinadamente o dom do temor, que nos refreia os prazeres da carne, conforme aquilo da Escritura: Traspassa com o teu temor as minhas carnes. Ora, o dom do temor concerne principalmente a Deus, a quem evita ofender. E por aí corresponde à virtude da esperança, como dissemos. Mas, secundariamente, pode concernir a tudo o que evitamos, para não ofender a Deus. Sobretudo precisamos do temor divino para evitarmos o que mais nos atrai; sobre o que versa a temperança. Por onde, à temperança também corresponde o dom do temor.