Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute–se assim. – Parece que a virgindade não consiste na integridade da carne.
1. – Pois, diz Agostinho, que a virgindade é a resolução de nos conservarmos perpetuamente incorruptos, na carne corruptível. Ora, resolver não pertence à carne. Logo, a virgindade não se funda na carne.
2. Demais. – A virgindade implica uma certa pudicícia. Ora, Agostinho diz, que a pudicícia depende da alma. Logo, a virgindade não consiste na incorrupção da carne.
3. Demais. – A integridade da carne parece consistir no sinal do pudor virginal. Ora, às vezes, sem prejuízo da virgindade, rompe–se esse sinal. Assim, diz Agostinho: Esse sinal pode, em diversos casos, ser destruído violentamente, como quando os médicos, em vista da saúde, fazem operações que causam horror à vista; e quando a parteira, como que explorando com as mãos a integridade de uma virgem, rompe–a, nessa operação. E acrescenta: Não julgo, que pense alguém tão estultamente; que sacrificou algo da santidade do seu corpo quem se viu privado da integridade desse sinal. Logo, a virgindade não consiste na incorrupção da carne.
4. Demais. – A corrupção da carne, sobretudo consiste na emissão do sémen, o que pode dar–se fora da cópula, durante o sono ou mesmo no estado de vigília. Ora, fora da cópula carnal não se pode perder a virgindade; pois, como diz Agostinho, a integridade virginal e a abstenção de toda relação carnal, por pia continência, é um estado angélico. Logo, a virgindade não consiste na incorrupção da carne.
Mas, em contrário, diz Agostinho, no mesmo livro, que a virgindade é a continência pela qual a integridade da carne é votada, consagrada e conservada ao Criador mesmo dela e da alma.
SOLUÇÃO. – O nome latino virginitas (virgindade) vem da palavra viror (vívidência). E assim como diz–se viridente e de persistente viridência o que não se tornou adusto, por superabundância de calor, assim também a virgindade está em a pessoa que a tem ser isenta do ardor da concupiscência, consistente na consumação dos máximos prazeres corporais, que são os venéreos. Donde o dizer Ambrósio, que a castidade virginal é a integridade isenta de contágio.
Ora, nos prazeres da carne, três elementos, temos a considerar: O primeiro é o concernente à violação do sinal da virgindade, e diz respeito ao corpo. O outro é a emissão do sémen, causa ao prazer sensível, e pela qual se une o que é da alma com o que é do corpo. O terceiro, que só diz respeito à alma, é o propósito de gozar esse prazer. Ora, desses três elementos, o que vem em primeiro lugar tem uma relação somente acidental com o ato moral, que, em si mesmo considerado, só se refere à alma. O segundo, porém, mantém uma relação material com o ato moral; pois, as paixões sensíveis são a matéria dos atos morais. Ao passo que o terceiro a eles se refere formal e completivamente; pois, os atos morais essencialmente se completam pelo elemento racional.
Ora, como a virgindade é assim chamada porque exclui a referida corrupção, daí resulta por consequência, que a integridade do órgão corpóreo tem com ela relação apenas acidental. Ao passo que a isenção do prazer, o qual consiste na emissão do sémen, com ela se relaciona materialmente. E enfim, o propósito mesmo de perpetuarnente nos abstermos desse prazer mantém uma relação formal e completiva com a virgindade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Essa definição de Agostinho abrange diretamente o que há de formal na virgindade; pois, pela resolução se entende o propósito racional. E o acréscimo que faz de perpétua, não se entende no sentido em que o virgem deva trazer sempre em ato no espírito essa resolução, mas que deve alimentar o propósito de nela perseverar perpetuarmente. Quanto ao elemento material ele o inclui indiretamente, quando diz incorrupção na carne corruptível. O que acrescenta para mostrar a dificuldade da virgindade; pois, se a carne não pudesse corromper–se, não seria difícil observar a resolução perpétua da incorrupção.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A pudicícia está por certo na alma, essencialmente, e na carne, materialmente. E o mesmo se dá com a virgindade. Donde o dizer Agostinho, que embora a virgindade seja conservada na carne, e seja assim corpórea, contudo é espiritual a que votada e conservada pela continência da piedade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a integridade do órgão corpóreo se relaciona acidentalmente com a virgindade, porque quem, por propósito da vontade, se abstém dos prazeres venéreos, conserva a integridade desse órgão. Por onde, se, por outro modo, vier a destruir–se essa integridade, isso não prejudica a virgindade mais do que a amputação de uma das mãos ou de um pé.
RESPOSTA À QUARTA. – O prazer resultante da emissão seminal pode ter lugar de dois modos. – Primeiro, se procede de um propósito da vontade. E então destrói a virgindade, quer se de na cópula carnal, quer fora dela. Agostinho se refere à cópula, porque por meio dela é que geral e naturalmente se produz a emissão. – De outro modo, ela pode dar–se sem o consentimento da alma, ou durante o sono, ou por uma violência feita, em que a vontade não consente, embora a carne experimente o prazer; ou ainda por enfermidade da natureza, como no caso dos que sofrem de fluxo seminal. E então não se perde a virgindade, porque essa polução não resulta da impudicícia, que a excluí.
O quarto discute–se assim. – Parece que a pudicícia não concerne especialmente à castidade.
1. – Pois, diz Agostinho, que a pudicícia é uma virtude da alma. Logo, nada é de concernente à castidade, mas uma virtude dela distinta.
2. Demais. – Pudicícia vem de pudor, que parece idêntico à vergonha. Ora, a vergonha, segundo Damasceno, nasce do ato torpe, o que todo ato vicioso é. Logo, a pudicícia não concerne mais à castidade que as outras virtudes.
3. Demais. – O Filósofo diz que toda intemperança é o que há geralmente de mais digno de exprobação. Ora, é próprio da pudicícia fugir o que é exprobável. Logo, a pudicícia concerne a todas as partes da temperança e não especialmente à castidade.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Deve–se pregar a pudicícia, de modo que quem tem ouvidos para ouvir, não perpetre nenhum ato ilícito com os membros genitais. Ora, é propriamente a castidade quem regula o uso dos membros genitais. Logo, a pudicícia concerne propriamente à castidade.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o nome de pudicícia vem de pudor, que significa a vergonha. Por onde, a pudicícia há de propriamente dizer respeito aos atos de que os homens mais se envergonham. Ora, eles se envergonham sobretudo dos atos venéreos, como diz Agostinho; a ponto que o próprio congresso conjugal, que a honestidade do casamento justifica, não deixa de ser vergonhoso. E isto porque o movimento dos membros genitais não está sujeito ao império da razão, como o está o dos outros membros externos. Pois, o homem se envergonha não só da relação sexual mas também de certos sinais dela, como diz o Filósofo. Por isso a pudicícia tem propriamente como sua matéria o comércio venéreo e todos os sinais dela, como os olhares impudicos, os beijos e os contatos. E como esses sinais são os que mais facilmente se percebem, por isso, a pudicícia versa principalmente sobre eles, ao passo que a castidade tem antes como objeto o congresso sexual. Por onde, a pudicícia se ordena à castidade, não como virtude distinta dela, mas como a expressão de uma circunstância da mesma. Mas, às vezes uma se toma pela outra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado, Agostinho toma a castidade pela pudicícia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora cada vício encerre a sua torpeza própria, especialmente, porém a inclui a intemperança, como do sobredito resulta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Entre os vícios da intemperança são sobretudo dignos de exprobação os pecados da carne, quer pela insubmissão dos membros genitais, quer também serem os que mais suplantam a razão.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a castidade não é uma virtude distinta da abstinência.
1. – Pois, à matéria de um mesmo género basta uma mesma virtude. Ora, tudo o que pertence a um sentido parece ser matéria de um mesmo género. Logo, como os prazeres da mesa, objeto da abstinência, e os venéreos, objeto da castidade pertencem ao tacto, parece que a castidade não é virtude diversa da abstinência.
2. Demais. – O Filósofo assimila todos os vícios da intemperança aos pecados pueris, merecedores de castigo. Ora, o nome da castidade deriva do castigo aos vícios opostos. Logo, como a intemperança coíbe certos vícios de intemperança, parece que a abstinência é a castidade.
3. Demais. – Os prazeres dos outros sentidos são objeto da temperança, enquanto ordenados aos prazeres do tacto, matéria da temperança. Ora, os prazeres da mesa, objeto da abstinência, ordenam–se aos prazeres venéreos, matéria da castidade. Por isso diz Jerónimo: O ventre e os órgãos genitais são vizinhos entre si, para que concluamos, da vizinhança dos membros, a união dos vícios. Logo, a abstinência e a castidade não são virtudes distintas uma da outra.
Mas, em contrário, o Apóstolo enumera a castidade entre os jejuns, concernentes à abstinência.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a temperança versa propriamente sobre as concupiscências dos prazeres da tacto. Portanto e necessariamente, os prazeres de natureza diversa correspondem virtudes diversas compreendidas na temperança. Ora, os prazeres se proporcionam aos atos de que são as perfeições, como diz Aristóteles. Mas, é manifesto, que os atos concernentes ao uso dos alimentos, que conservam a natureza do indivíduo, são de outro género que os concernentes ao uso das coisas venéreas, pelos quais se conserva a natureza da 'espécie. Portanto, a castidade, cujo objeto são os prazeres venéreos, é uma virtude distinta da abstinência, cuja matéria são os prazeres da mesa.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A temperança não consiste principalmente em regular os prazeres do tacto, quanto ao juízo do sentido em relação às coisas tangíveis, que é da mesma natureza em todos, mas, quanta ao uso mesmo das coisas tangíveis, como diz Aristóteles. Ora, uma é a razão de usarmos da comida e dá bebida, e outra a de praticarmos os atos venéreos. Portanto, devem ser diversas as virtudes, embora digam respeito a um mesmo sentido.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os prazeres venéreos são mais veementes e mais perturba dores da razão do que os da mesa. E por isso devem ser mais castigados e refreados; pois, consentirmos neles aumentará a força da concupiscência de diminuirá a força da alma. Donde o dizer Agostinho: Penso que nada expulsa melhor o ânimo viril da sua fortaleza do que às blandícias femininas e aquele contato de corpos sem o qual não podemos ter mulher.
RESPOSTA À TERCEIRA. –Os prazeres das outros sentidos não têm a finalidade de conservar a natureza do homem, senão enquanto ordenados aos prazeres do tacto. Por isso, nenhuma outra virtude há, compreendida na temperança, que tenha por objeto desses prazeres. Os prazeres da mesa, porém, embora de certo modo se ordenem aos venéreos, contudo, em si mesmos, se ordenam a conservar a vida do homem. Par isso se referem em si mesmos, a uma virtude especial, embora essa virtude, chamada abstinência, ordene o seu ato ao fim da castidade.
O segundo discute–se assim. – Parece que a castidade é uma virtude geral.
1. – Pois, diz Agostinho, a castidade é um movimento ordenado da alma, que não submete o maior ao menor. Ora, isto é próprio de qualquer virtude. Logo, a castidade é uma virtude geral.
2. Demais. – O nome de castidade deriva de castiço. Ora, todos os movimentos da parte apetitiva devem ser castigados pela razão. E como todas as virtudes morais refreiam certos movimentos do apetite, parece que qualquer das virtudes morais é a castidade.
3. Demais. – A castidade se opõe à fornicação. Ora, parece que a fornicação pertence a todos os géneros de pecado, conforme à Escritura: Acabaste com todos os que se entregam à fornicação contra ti. Logo, a castidade é uma virtude geral.
Mas, em contrário, Macróbio a considera parte da temperança.
SOLUÇÃO. – O nome de castidade tem dupla acepção. – Uma própria; e então é uma virtude especial, com sua matéria especial, que é a concupiscência dos prazeres venéreos. – A outra é metafórica. Pois, assim como na união dos corpos consiste o prazer venéreo, matéria própria da castidade e do vicio oposto, que é a luxúria, assim também uma certa união espiritual da alma com determinadas cousas produz um certo prazer, matéria da castidade espiritual, assim chamada metaforicamente, como também, semelhantemente, ha uma fornicação espiritual metaforicamente dita. Assim, pois, chama–se castidade espiritual o deleitar–se o homem na união espiritual com o ser com que se deve unir, isto é, com Deus; e o abster–se da união deleitável com o que é proibido pela lei divina, conforme àquilo do Apóstolo: Eu vos tenho desposado com Cristo, para vos apresentar como virgem pura ao único esposo. E fornicação espiritual se chama a união deleitável da alma com tudo o que for proibido pela lei divina, segundo a Escritura: Tu porém te tens prostituído a muitos amadores. E se se entender assim, a castidade é uma virtude geral, pois, todas as virtudes proíbem a união deleitável da alma com cousas ilícitas. Mas principalmente essa castidade consiste por natureza na caridade e nas outras virtudes teologais, pelos quais a nossa alma se une com Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe em relação à castidade metaforicamente dita.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, a concupiscência do prazer é sobretudo comparável a uma criança, porque o apetite do prazer nos é conatural, e sobretudo o do prazeres sensuais, ordenados a conservação da natureza. Por isso, se alimentarmos a concupiscência desses prazeres, consentindo neles, ela mais crescerá, como se dá com a criança abandonada à sua vontade. Por onde, essa concupiscência precisa sobretudo de ser castigada. Daí o constituírem tais concupiscências a matéria da chamada, por antonomásia, castidade; assim como a fortaleza tem como objeto aquilo para o que precisamos sobretudo da firmeza de alma.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objecção colhe relativamente à fornicação espiritual, metafóricamente dita, oposta à castidade espiritual, como se disse.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a castidade não é uma virtude.
1. – Pois, tratamos agora das virtudes da alma. Ora, parece que a castidade diz respeito ao corpo; assim, casto se chama quem usa de certo modo de determinadas partes do corpo. Logo, a castidade não é uma virtude.
2. Demais. – A virtude é um hábito voluntário como diz Aristóteles. Ora, parece não ter a castidade nada de voluntário, pois, às mulheres a violência forçadamente as priva dela. Logo, a castidade parece que não é uma virtude.
3. Demais. – Os infiéis não podem ter nenhuma virtude. Ora, certos infiéis são castos. Logo, a castidade não é virtude.
4. Demais. – Os frutos distinguem–se das virtudes. Ora, a castidade é enumerada entre os frutos, como está claro no Apóstolo. Logo, a castidade não é virtude.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Tendo o dever de dares à tua esposa o exemplo da virtude, pois que a virtude é a castidade, cedes tu ao ímpeto da sensualidade, e queres que tua esposa seja vitoriosa.
SOLUÇÃO. – O nome de castidade vem de ser castigada pela razão, a concupiscência, que deve ser refreada como uma criança, segundo o Filósofo. Ora, a virtude humana consiste essencialmente em imprimir no seu objeto o cunho da razão, como do sobredito resulta. Por onde, é manifesto que a castidade é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A castidade tem certamente a alma como sujeito e como sua matéria o corpo. Pois, tem como função fazer–nos usar moderadamente dos membros corporais segundo o juízo da razão e a eleição da vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, enquanto a alma persevera na vontade de ser casta pela qual o corpo merece ser santificado, a violência da paixão de outrem não priva da santidade o corpo de quem santo se conserva pela perseverança ria sua continência. E no mesmo lugar acrescenta, que a castidade, é uma virtude da alma companheira da fortaleza, que nos ensina tolerarmos, antes, qualquer mal, que consentir nele.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, mio é possível haver verdadeira virtude em quem não é justo; e é impossível ser justo quem não vive de fé. Donde conclui, que nos infiéis não há verdadeira castidade, nem outra virtude qualquer, porque não se referem ao fim devido. E como no mesmo lugar acrescenta, as virtudes se discernem dos vícios, não pelos deveres, i. é, pelos atos, mas, pelos fins.
RESPOSTA À QUARTA. – A castidade, enquanto nos faz obrar de acordo com a razão, é essencialmente uma virtude; mas, enquanto faz–nos deleitarmos com o seu ato, é enumerada entre os frutos.
O quarto discute–se assim. – Parece que a embriaguez não escusa do pecado.
1. – Pois, diz o Filósofo que o ébrio merece maldição dupla. Logo, longe de escusar o pecado, a embriaguez o agrava.
2. Demais. – Um pecado não escusa, mas antes, aumenta outro. Ora, a embriaguez é pecado. Logo, não escusa do pecado.
3. Demais. – O Filósofo diz, que, assim como o homem fica privado da razão pela embriaguez, assim também o fica pela concupiscência. Ora, a concupiscência não escusa do pecado. Logo, nem a embriaguez.
Mas, em contrário, Loth foi escusado do incesto, por causa da embriaguez, como diz Agostinho.
SOLUÇÃO. – Dois elementos devemos considerar na embriaguez: a falta consequente e o ato precedente. Quanto à falta consequente, que priva do uso da razão, a embriaguez escusa do pecado, por causar o involuntário por ignorância. Mas, quanto ao ato precedente, devemos distinguir. Pois, se desse ato precedente resultou a embriaguez sem pecado, então o pecado subsequente fica totalmente escusado da culpa, como talvez se deu com Loth. Se porém o ato precedente foi culposo, então não escusa o seu autor, totalmente do pecado subsequente, o qual se torna voluntário pela vontade precedente ao ato, pois quem se deu à prática de uma cousa ilícita, incide no pecado subsequente. Mas, este pecado subsequente fica diminuído na medida em que diminuído fica o elemento voluntário. Por isso, Agostinho diz que Loth devia ser culpado, não pelo incesto, mas pelo que tinha de culpa a embriaguez.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Filósofo não diz que o ébrio merece mais grave maldição, mas, que merece dupla maldição por causa do seu duplo pecado. – Ou podemos dizer, que ele se exprime segundo a lei de um certo Pitaco, ordenando que os ébrios, se· atendessem a outrem, deviam ser mais punidos que os sóbrios, porque injuriavam mais. Com o que, como diz Aristóteles no mesmo lugar, parece ter levado em conta, antes, a utilidade, isto é, o se Coibirem as injúrias, do que o perdão que devemos ter para com os ébrios, por não serem senhores.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A embriaguez pode escusar do pecado, não por ser ela pecado, mas, pela falta subsequente, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A concupiscência não nos priva totalmente da razão, como a embriaguez, salvo se for tão forte que faça o homem enlouquecer. E contudo a paixão da concupiscência diminui o pecado, pois, é mais leve pecar por fraqueza que por malícia.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a embriaguez é o gravíssimo dos pecados.
1. – Pois, diz Crisóstomo, que nada agrada tanto ao demónio como a embriaguez e a lascívia, mãe de todos os vícios. E uma Decretal dispõe: Antes de tudo os clérigos evitem a embriaguez, instigadora e mãe de todos os vícios.
2. Demais. – Chama–se pecado o que exclui o bem da razão. Ora, isso o faz por excelência a embriaguez. Logo, a embriaguez é o máximo dos pecados.
3. Demais. – A grandeza da culpa se revela pela da pena. Ora, a embriaguez parece punida com a máxima pena; assim, diz Ambrósio, que o homem não sofreria a escravidão se não fosse à embriaguez. Logo, a embriaguez é o máximo dos pecados.
Mas, em contrário, segundo Gregório, os vícios espirituais são maiores que os carnais. Ora, a embriaguez está incluída nos vícios carnais. Logo, não é o máximo dos pecados.
SOLUÇÃO. – Chama–se mal ao que priva do bem. Por onde, quanto maior for o bem de que o mal priva, tanto mais grave será este. Ora, é claro, que o bem divino é maior que o bem humano. Portanto, os pecados que vão diretamente contra Deus são mais graves que o da embriaguez, diretamente oposto ao bem da razão humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem tem a maior inclinação para o pecado da intemperança, porque as concupiscências e os prazeres que a constituem lhe são os mais conaturais, E, por isso, consideram–se esses pecados como os mais agradáveis ao diabo; não por serem mais graves que os outros, mas, por serem mais frequentes entre os homens.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Ao bem da razão opõem–se duas espécies de obstáculos: um o que é contrário à razão; outro, o que priva do uso da razão. Ora, tem mais da natureza do mal o que contraria a razão, do que aquilo que momentaneamente priva do uso dela. Pois, ao passo que o uso da razão de que nos priva a embriaguez, pode ser bom ou mal, os bens das virtudes) eliminados pelo que contraria a razão, são sempre bons.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A escravidão resultou ocasionalmente da embriaguez, quando sobre Ca~ e a sua posterioridade, recaiu maldição da escravidão, por ter ridicularizado o pai embriagado. Mas, não foi diretamente a pena da embriaguez.
O segundo discute–se assim. – Parece que a embriaguez não é pecado mortal.
1. – Pois, Agostinho diz que a embriaguez é um pecado mortal, se for frequente. Ora, a frequência constitui uma circunstância, que não muda a espécie do pecado; e assim, não pode agravar ao infinito, de modo a transformar um pecado venial em mortal, como do sobre dito resulta. Logo, se por outras vias a embriaguez não é pecado mortal, nem por esta o será.
2. Demais. – Agostinho diz: Quem tomar a comida ou a bebida mais do que for necessário, saiba que não fica isento de pequenos pecados. Ora, os pequenos pecados chamam–se veniais. Logo, a embriaguez, causada pela bebida imoderada, é um pecado venial.
3. Demais. – Não devemos cometer nenhum pecado mortal, como remédio. Ora, certos bebem demais, por conselho médico, para depois se purgarem pelo vómito; e dessa bebida excessiva resulta a embriaguez. Logo, a embriaguez não é pecado mortal.
Mas, em contrário, lê–se nos Cânones dos Apóstolos: O bispo, o presbítero ou o diácono, que se entregarem ao jogo ou à embriaguez, corrijam–se ou sejam depostos. O subdiácono, o leitor ou o cantor, que o mesmo fizerem, ou se corrijam ou sejam privados da comunhão. E o mesmo faça o leigo. Ora, tais penas só se infligem ao pecado mortal. Logo, a embriaguez é um pecado mortal.
SOLUÇÃO. – A culpa da embriaguez consiste, como dissemos, no uso imoderado e na concupiscência do vinho. Ora, isto de três modos pode dar–se. – Primeiro, de modo que se ignore ser a bebida imoderada e capaz de embriagar; e assim a embriaguez pode existir sem pecado, como dissemos. – De outro modo, quando se percebe ser a bebida imoderada, mas sem se pensar que seja capaz de embriagar. E então ela pode implicar pecado venial. – Em terceiro lugar, pode acontecer que alguém tenha bem consciência de que a bebida é imoderada e inebriante, e contudo prefira expor–se à embriaguez do que abster–se de beber. E a esse propriamente se chama ébrio; pois, os atos morais se especificam, não pelo que acontece acidentalmente e fora da nossa intenção, mas do que em si mesmo intencionamos. E assim a embriaguez é pecado mortal; porque, então, é voluntária e cientemente, que o homem se priva do uso da razão, que nos faz obrar virtuosamente e evitar o pecado; e portanto, comete pecado mortal, expondo–se ao perigo de pecar. Pois, diz Ambrósio: Sabemos que devemos evitar a embriaguez, que nos faz cometer crimes. Pois, o que cometemos na ignorância da embriaguez, nós o evitaríamos, com a sobriedade. Por onde, em si mesma considerada, a embriaguez é pecado mortal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A frequência torna a embriaguez pecado mortal; não pela só repetição do ato, mas por impossível alguém embriagar–se frequentam ente sem que saiba e queira incorrer na embriaguez, pois, experimentou muitas vezes a força do vinho e a sua capacidade de embriagar.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Comer ou beber mais do que é necessário constitui o vício da gula, que nem sempre é pecado mortal. Mas, beber cientemente, mais do que o necessário, até a embriaguez, é pecado mortal. Donde o dizer Agostinho: Tenho horror da embriaguez; não permitais que ela se aproxime de mim, pois, nunca se infiltrou no teu servo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a comida e a bebida devem ser reguladas pelas exigências da saúde do corpo. Por onde, assim como pode acontecer, que a comida ou a bebida moderada, para o são, seja excessiva para o doente, assim também e ao contrário, pode se dar que o excessivo ao são, seja moderado para o doente. E, destarte, a quem comer ou beber muito, por conselho médico, para provocar vômitos, não se lhe deve julgar excessiva a comida nem a bebida. Contudo, não é necessário, para provocar vómitos, que a bebida seja inebriante, pois, o beber água tépida os provoca. Portanto, a causa referida não escusaria da embriaguez.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a embriaguez não é pecado.
1. – Pois, todo pecado tem outro que lhe é oposto; assim, à timidez se opõe a audácia, e à pusilanimidade a presunção. Ora, à embriaguez não se opõe nenhum pecado. Logo, a embriaguez não é pecado.
2. Demais. – Todo pecado é voluntário. Ora, ninguém quer ser ébrio, porque ninguém quer ser privado do uso da razão. Logo, a embriaguez não é pecado.
3. Demais. – Quem quer que é para outrem causa de pecado peca. Se, pois, a embriaguez fosse pecado, resultaria que os que convidam os outros à bebida, que embriaga, pecariam. O que parece demasiado rigoroso.
4. Demais. – A todos os pecados é devida a correção. Ora, aos ébrios não se lhes impõe a correção, pois, diz Gregório, que devemos lhes perdoar, abandonando–os ao seu natural, afim de não se tornarem piores se lhes arrancarmos esse costume. Logo, a embriaguez não é pecado.
SOLUÇÃO. – A embriaguez é susceptível de dupla acepção. – Numa, significa a falta mesma do homem, resultante do vinho bebido em excesso, que o faz não ser senhor da sua razão. E, neste sentido, a embriaguez não implica uma culpa, mas, uma falta merecedora de pena consequente à culpa. – Noutra acepção, a embriaguez pode designar o ato pelo qual alguém cai na referida falta. O qual pode causar a embriaguez de dois modos. Primeiro, pela nímia virtude do vinho, não obstante a opinião do que o bebe. E assim a embriaguez pode ter lugar mesmo sem pecado, sobretudo se não se der por negligência humana; e nesse sentido se crê que Noé se embriagou, conforme o refere a Escritura. De outro modo, pela concupiscência desordenada e pelo uso do vinho. E, então, a embriaguez se considera pecado. E está contida na gula, como a espécie no género. Pois, a gula se divide em excesso no comer e em embriaguez, que o Apóstolo proíbe no lugar citado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz o Filósofo, a insensibilidade oposta à temperança não é um vício frequente. Por isso, ela como todas as suas espécies, opostas às diversas espécies de temperança, carecem de denominação. Contudo, quem se abstivesse cientemente do vinho, de modo a danificar muito a natureza, não seria imune de culpa.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção procede relativamente à falta consequente, que é involuntária. Ora, o uso imoderado do vinho é voluntário, e nisso consiste, por natureza, o pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como quem se embriaga fica escusado de pecado, se ignora a força do vinho, assim também quem convida outro a beber, de pecado fica isento se ignora que a situação de quem bebe é a de embriagar–se com a bebida. Mas, não havendo ignorância não há escusa para nem um nem outro pecado.
RESPOSTA À QUARTA. – Às vezes, devemos omitir a correção do pecador, para que se ele não torne pior, como se disse. Por isso adverte Agostinho, referindo–se ao excesso no comer e à embriaguez: Na minha opinião, não é pela dureza e por ordens imperiosas que estes vícios se corrigem; mas, antes ensinando que mandando, antes advertindo que ameaçando. Assim é preciso agir para com o maior número, devendo a severidade ser exercida contra poucos pecadores.
O quarto discute–se assim. – Parece que as pessoas mais excelentes estão mais obrigadas à sobriedade.
1 – Pois, a velhice confere ao homem uma certa excelência; por isso aos velhos é devida honra e reverência, conforme àquilo da Escritura: Levanta–te diante dos que têm a cabeça cheia de cãs e honra a pessoa do velho. Ora, o Apóstolo diz, que sobretudo os velhos devem ser exortados à sobriedade: Ensina aos velhos que sejam sóbrios. Logo, sobretudo as pessoas mais excelentes estão obrigadas à sobriedade.
2. Demais. – Na igreja ocupa um lugar excelentíssimo o bispo, a. quem o Apóstolo ordena sobriedade, quando diz: Importa que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, sóbrio, prudente, etc.. Logo, as pessoas mais excelentes são sobretudo, obrigadas à sobriedade.
3. Demais. – A sobriedade implica a abstinência do vinho. Ora, o vinho é proibido aos reis, que ocupam o lugar supremo na ordem humana; mas, é permitido aos que estão em estado de desolação, segundo a Escritura: Não dês vinho aos reis; e depois acrescenta: Dá aos que estão aflitos um licor capaz de embriagar e vinho aos que estão em amargura de coração. Logo, à sobriedade estão sobretudo obrigados as pessoas mais excelentes.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Que assim mesmo as mulheres sejam honestas, sóbrias, etc.; e ainda: Exorta também os mancebos a que sejam regrados.
SOLUÇÃO. – A virtude mantém dupla relação: uma, com os vícios contrários, que exclui, e com as concupiscências, que refreia; outra, com o fim a que conduz.
Assim, pois, certos estão sobretudo obrigados a uma virtude, por dupla razão. – Primeiro, por terem maior inclinação para as concupiscências, que devem refrear pela virtude, e aos vícios que a virtude exclui. E, nesse caso, sobretudo os moços e as mulheres estão obrigados à sobriedade; porque, aos jovens os excita a concupiscência do prazer, por causa do ardor da idade; e as mulheres não têm robustez suficiente de espírito para resistirem à concupiscência. Por isso, segundo Valério Máximo, entre os romanos antigos as mulheres não bebiam.
De outro modo, certos estão, sobretudo obrigados à sobriedade, como mais necessária à atividade própria deles. Ora, o vinho tomado imoderadamente impede, sobretudo o uso da razão. Por isso, os velhos, que devem ter vigor racional, para ensinar aos outros; e os bispos, ou quaisquer ministros da Igreja, que devem vacar com espírito devoto aos seus exercícios espirituais; e os reis, que devam governar com sabedoria o povo que lhes está sujeito, todos esses estão especialmente obrigados à sobriedade.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.