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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 7 - Se, na correção fraterna, deve por força de preceito, a advertência secreta preceder à pública.

O sétimo discute-se assim. – Parece que, na correção fraterna, não deve, por força de preceito, a advertência secreta preceder à pública.

1. – Pois, nas obras de caridade devemos sobretudo imitar a Deus, conforme aquilo da Escritura. Sede imitadora de Deus, como filhos muito amados, e andai em caridade. Ora, Deus às vezes nos pune publicamente o pecado, sem ter precedido nenhuma advertência secreta. Logo, parece não ser necessário a advertência secreta preceder à pública.

2. Demais. – Como diz Agostinho pelos atos dos Santos podemos conjecturar como devemos compreender os preceitos da Sagrada Escritura. Ora, esses atos nos mostram a repreensão pública do pecado oculto, não precedida de nenhuma advertência secreta. Assim, lemos na Escritura que José acusou seus irmãos perante seu pai de um enorme crime; e noutro lugar, que Pedro acusou publicamente a Ananias e Safira, por defraudarem ocultamente o preço de um campo, sem lhes ter feito antes nenhuma advertência secreta. E do próprio Senhor não se lê que tivesse admoestado secretamente ajudas, antes de tê-lo acusado publicamente. Logo, não é de necessidade de preceito a advertência secreta preceder à pública.

3. Demais. – Acusar é mais grave que repreender. Ora, podemos acusar a outrem publicamente sem haver precedido nenhuma advertência secreta. Pois, as Decretais determinam que à acusação só deve preceder o depoimento. Logo, parece não ser de necessidade de preceito a advertência secreta preceder à pública.

4. Demais. – Não parece provável que as práticas costumeiras gerais dos religiosos sejam contra os preceitos de Cristo. Ora, é costume, nas religiões, que, nos capítulos, certos religiosos façam a proclamação das culpas, sem ter precedido nenhuma advertência secreta. Logo, parece que tal não é de necessidade de preceito.

5. Demais. – Os religiosos são obrigados a obedecer aos seus prelados. Ora, às vezes os prelados mandam, em geral, a todos, ou a algum em particular, que lhes digam quando houver alguma coisa a corrigir. Logo, parece que estão obrigados a fazê-lo, mesmo antes da advertência secreta. Portanto, não é de necessidade de preceito a advertência secreta preceder à pública.

Mas, em contrário, Agostinho, explica aquilo do Evangelho. - Corrige-o entre ti e ele só ­ assim: Esforça-te pelo corrigir, poupando o pudor. Pois talvez, por vergonha, começará o pecador a defender o seu pecado; de modo que tornarás pior quem querias fazer melhor. Ora, estamos obrigados, por preceito de caridade, a tornar cuidado de não tornarmos pior a nosso irmão. Logo, a ordem da correção fraterna constitui objeto de preceito.

SOLUÇÃO. – Sobre a acusação pública dos pecadores é preciso distinguir. Pois, ou os pecados são públicos, ou ocultos. - Se públicos, não devemos somente corrigir o pecador, para que se torne melhor, mas também dar satisfação aos outros, que o conheceram, para não se escandalizarem. Por isso, tais pecados devem ser repreendidos publicamente, conforme aquilo do Apóstolo aos que pecarem repreende-os diante de todos para que também os outros tenham medo; o que se entende dos pecados públicos, diz Agostinho. Se porém os pecados forem ocultos, então se aplicará o dito do Senhor: - Se teu irmão pecar contra ti; pois, quando te ofender publicamente, em presença dos outros, já não pecará só contra ti, mas também contra os outros, que também ofende. Mas, como os pecados mesmo ocultos podem causar ofensa aos próximos, é necessário ainda, neste ponto, distinguir. - Certos pecados ocultos há que causam dano ao próximo, corporal ou espiritualmente; por exemplo, se alguém trata ocultamente de entregar a cidade aos inimigos; ou se um herético desviar privadamente os outros da fé. E como quem assim peca ocultamente não só peca contra uma determinada pessoa, mas também contra as outras, é necessário se proceda logo à repreensão pública para o referido dano ser reparado; salvo se houver razões sérias de pensar que os males em questão possam ser conjurados de pronto por uma advertência secreta.

Há outros pecados, porém, que redundam só no mal do pecador e daquele contra o qual ele peca, ou porque este é somente o prejudicado por ele, seja embora só pelo conhecimento. E então, devemos somente ir em auxílio do irmão pecador. E assim como o médico do corpo deve restituir a saúde ao doente, se puder, sem amputar nenhum membro; mas, se o não puder, cortará o membro menos necessário, para conservar a vida do todo, assim também, quem se esforça por emendar o próximo deve, se puder, emendá-lo na sua consciência, para se lhe conservar a boa reputação. - O que é útil, primeiro, ao próprio pecador, não só na ordem temporal, na qual, sob múltiplas relações, o homem fica prejudicado, por ter perdido a boa reputação, mas também na espiritual, pois, por temor da infâmia muitos se retraem do pecado, e por isso, quando se vem infamados, Pecam irrefreadamente, Donde o dizer Jerônimo: Devemos corrigir o nosso irmão em particular, afim de não permanecer no pecado, uma vez perdido o pudor e a vergonha. - Em segundo lugar devemos conservar a boa fama do nosso irmão pecador. Porque a infâmia de um provoca a de outros, conforme aquilo de Agostinho: Quando soa falsamente ou se manifesta verdadeira a notícia do crime de certos, que desfrutam reputação de santidade, eles instam, apressuram­se, intrigam para se vir a crer que todos praticaram o mesmo, Ou também porque, publicado o pecado de um, os outros são induzidos a pecar. Mas como a consciência deve ser preferida à fama, o Senhor quis que, até com a perda do boa fama, a consciência do irmão seja livrada do pecado pela admoestação pública. Por onde é claro que, por força de preceito, a advertência secreta há de preceder à pública.

DONDE Â RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Deus conhece todas as coisas ocultas, Por isso, os pecados ocultos estão para o juízo divino, como os públicos, para o humano. E contudo, muitas vezes Deus repreende os pecadores por uma como secreta advertência, inspirando-os interiormente, quando acordados ou adormecidos, conforme aquilo de Jó: Por sonho de visão noturna, quando cai sopôr sobre os homens, então abre os ouvidos aos homens e, admoestando-os, lhes adverte o que devem fazer, para apartar o homem daquilo que faz.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Senhor, como Deus, tinha por público o pecado de Judas; e por isso podia logo torná-lo tal. Contudo não o fez, mas com palavras veladas increpou-lho. - Pedro, porém, publicou o pecado oculto de Ananias e de Safira, como executor de Deus, pela revelação de quem conheceu o pecado. - Quanto a José, devemos crer, embora o não esteja escrito, que, por vezes, admoestou os irmãos. Ou podemos dizer que o pecado era público entre eles; por isso, a Escritura diz, no plural: acusou seus irmãos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando há perigo de serem ofendidos muitos, não se aplicam essas palavras do Senhor, porque, então, o nosso irmão pecador não peca só contra nós.

RESPOSTA À QUARTA. – Essas proclamações feitas nos capítulos dos religiosos são de certos pecados leves, que não prejudicam à boa fama. Por isso, são antes, umas como rememorações das culpas esquecidas, do que acusações ou denúncias. Se fossem tais, porém, que infamassem o irmão, procederia contra o preceito do Senhor quem, desse modo, lhe publicasse o pecado.

RESPOSTA À QUINTA. – Não se deve obedecer ao prelado, contrariando ao preceito divino, conforme aquilo da Escritura: Importa obedecer mais a Deus do que aos homens, Por onde, quando o prelado manda que se lhe diga o que alguém sabe que deve ser corrigido, há de entender-se essa injunção retamente, salva a ordem da correção fraterna; quer a injunção seja feita comumente a todos, quer a alguém especialmente. Mas se o prelado mandar expressamente, contra essa ordem instituída pois Deus, tanto pecaria mandando, como quem lhe obedecesse, quase procedendo ambos contra o preceito do Senhor; e portanto não se lhe deve obedecer. Porque não o prelado, mas só Deus é o juiz das coisas ocultas. Por isso não tem nenhum poder de mandar sobre o que é oculto, senão enquanto isso se manifesta por certos indícios, como pela má fama ou por determinadas suspeitas. E nesses casos o prelado pode mandar do mesmo modo que o juiz secular ou o eclesiástico pode exigir o juramento de se dizer a verdade.

Artigo 6 - Se devemos cessar a correção fraterna, por temermos que o pecador fique pior.

O sexto discute-se assim. Parece que não devemos cessar a correção fraterna, por temermos que o pecador se torne pior.

1. Pois, o pecado é uma doença da alma, conforme aquilo do salmista Tem misericórdia de mim, Senhor, porque sou enfermo. Ora, quem tem obrigação de tratar do doente não deve cessar de fazê-lo, mesmo que este o contrarie e despreze; porque então aumentará o perigo, como claramente o mostram os loucos. Logo e com maior razão, devemos corrigir o pecador, por mais dificilmente que ele o suporte.

2. Demais. Segundo Jerônimo, não devemos abandonar a verdade da vida, por causa do escândalo. Ora, os preceitos de Deus dizem respeito à verdade da vida. Logo, sendo a correção fraterna objeto de preceito, como se disse não devemos omiti-la por não escandalizar o corrigido.

3. Demais. Segundo o Apóstolo, não devemos fazer males para que venham bens, Logo, pela mesma razão, não devemos omitir bens para não virem males. Ora, a correção fraterna é um bem. Logo, não devemos omiti-la por temermos, que o corrigido venha a ficar pior.

Mas, em contrário, a Escritura: Não repreendas ao mofador, para que ele te não aborreça. Ao que diz a Glosa: Não deve temer que o mofado te assaque injúrias, quando o repreenderes; mas deva antes cuidar que, levado do ódio, não fique pior. Logo, devemos omitir a correção fraterna, quando temermos que o pecador fique pior.

SOLUÇÃO. Como já dissemos, há duas formas de se corrigir o delinquente - A ordenada ao bem comum e com força coativa pertence aos prelados. E essa não deve ser omitida por vir ofender o corrigido, quer porque, se não quiser emendar-se por vontade própria, deve ser coagido, penalmente, a deixar de pecar; quer porque, se for incorrigível, a correção zela pelo bem comum, mantendo a ordem da justiça e infundindo medo nos outros, pelo exemplo de um. Por isso o juiz não deixa de dar sentença de condenação contra o pecador, por temer ofendê-lo a ele ou aos seus amigos. - Outra é a correção fraterna, cujo fim é a emenda do delinquente, desprovida de força coativa e só recorrendo à simples advertência. Por onde, quando conjeturamos, com probabilidade que o pecador não receberá a advertência, mas derivará para coisas piores, devemos desistir da correção: pois os meios devem ser empregados conforme o exige o fim proposto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O médico usa de uma certa coação contra o desvairado que não lhe quer aceitar o tratamento. E a isso se assimila a correção dos prelados, munida de força coativa; não porém, a simples correção fraterna.

RESPOSTA À SEGUNDA. A correção fraterna constitui objeto de preceito, como ato de virtude que é. Ora, isto o é enquanto proporcionada ao fim. Por onde, quando impede o fim, por exemplo, quando o pecador se torna pior, então já não pertence à verdade da vida e não é objeto de preceito.

RESPOSTA À TERCEIRA. O que se ordena para um fim tem natureza boa, em dependência do fim. Por onde, a correção fraterna, quando impede o fim, que é a emenda do irmão, já não é de natureza boa. Quando omitimos, pois esta correção não omitimos o bem para não suceder o mal.

Artigo 5 - Se o pecador deve corrigir o delinquente.

O quinto discute-se assim. Parece que o pecador deve corrigir o delinquente.

1. Pois, ninguém, por causa do pecado que cometeu, fica escusado de cumprir o preceito. Ora, a correção fraterna é objeto de preceito, como se disse Logo, por causa do pecado cometido não se deve preterir essa correção.

2. Demais. A esmola espiritual vale mais que a corporal. Ora, quem está em pecado não deve por isso deixar de dar esmola corporal. Logo e com maior razão, não deve deixar, por um pecado precedente, de corrigir o delinquente.

3. Demais. A Escritura diz: Se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos. Se pois por causa do pecado, ficamos impedidos da correção fraterna, não haverá ninguém que possa corrigir o delinquente. Ora, isto é inconveniente. Logo, também o é a primeira suposição.

Mas, em contrário, Isidoro diz. Não deve corrigir os vícios dos outros o que esta sujeito a vícios; e o Apóstolo. No mesmo em que julgar a outro, a ti mesmo te condenas, porque fazer essas mesmas coisas que julgas.

SOLUÇÃO. Como já dissemos, a correção do delinquente incumbe a quem está no juízo reto da razão. Ora, o pecado, conforme ficou demonstrado, não priva do bem da natureza, de modo tal que o pecador perca o bom uso desse juízo. E sendo assim, pode-lhe caber a repreensão de outrem.

Contudo o pecado precedente põe um obstáculo a essa correção por três razões. - A primeira: o pecado precedente torna o pecador indigno de corrigir a outrem. E sobretudo, se cometeu um pecado maior, não é digno de corrigir a quem o cometeu menor. Por isso, aquilo do Evangelho: - Porque vês tu a aresta, etc. ­ diz Jerônimo: Refere-se aqueles que, tendo incorrido em crime mortal, não permitem pecados menores nos irmãos. Segundo, torna-se indevida a correção por causa do escândalo dela resultante, se o pecado do corredor for manifesto; porque é claro, então, que quem corrige não o faz com caridade, mas antes, por ostentação. Por isso, àquilo do Evangelho Como dizes a teu irmão, etc, - explica Crisóstomo. Com que propósito? Por ventura para salvares o teu próximo, com caridade? Não, porque antes te salvarias a ti. Logo queres, não salvar os outros, mas, com a boa doutrina, ocultar os teus maus atos e receber dos homens o elogio da tua ciência.

Terceiro, por causa da soberba de quem corrige que, tendo em pouco os pecados próprios, se prefere, no seu coração, a si mesmo, como se fosse justo, ao próximo, julgando-lhe o pecado com austera severidade. Por isso, diz Agostinho: Acusar os vícios é dever dos varões bons e benévolos; pois, quando os maus o praticam, fazem o papel daqueles, E por isso, ele próprio ainda o diz, no mesmo lugar: Quando a necessidade nos obrigar a repreender alguém, reflitamos, se se trata de um vício tal que nunca tivemos, que somos homem e poderíamos tê-lo tido. Ou que é um vicio tal que já tivemos e, de presente, não temos; e então, não percamos a memória da comum fragilidade, para fazermos a correção, não com ádio, mas com misericórdia. Se porém, nos encontrarmos no mesmo vício, não repreendamos, mas gemamos  juntamente e convidemos o pecador à penitência comum.

Ora, daqui se conclui claramente, que se o pecador corrigir com humildade o delinquente, não peca, nem se expõe à nova condenação; salvo se, agindo assim, pareça condenável à consciência do irmão, ou pelo menos, à sua, quanto a pecado passado.

Donde se conclui clara a RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES.

Artigo 4 - Se alguém está obrigado a corrigir o seu prelado.

O quarto discute-se assim. Parece que ninguém está obrigado a corrigir o seu prelado.

1 Pois, diz a Escritura: Toda bula de serviço que tocar o monte será lapidada que noutro lugar, que Oza foi ferido pelo Senhor porque tocou a arca. Ora, o monte e a arca significam o prelado. Logo, este não deve ser corrigido pelos súditos.

2. Demais. Aquilo do Apóstolo. - Eu lhe resisti na Cara - diz a Glosa: como igual. Logo, não sendo o súbito igual ao prelado, não deve corrigi-lo.

3. Demais. Gregório diz: Não presuma corrigir a vida dos santos senão quem puder julgar­se a si mesmo melhor. Ora, ninguém pode julgar melhor de si do que do seu prelado. Logo, os prelados não devem ser corrigidos.

Mas, em contrário, Agostinho: Compadecei­vos, não só de vós mesmos, mas também dele, isto é, do prelado, que quanto mais está, dentre vós, num lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto. Ora, a correção fraterna é obra de misericórdia. Logo, também os prelados devem ser corrigidos.

SOLUÇÃO. – A correção, ato de justiça, aplica a coerção da pena, não cabe ao súbdito em relação ao prelado. Mas a correção fraterna, ato de caridade, incumbe a todos, relativamente a qualquer pessoa para com quem se deve ter caridade, se nela se encontrar o que deva ser corrigido. Pois, o ato procedente de um hábito ou potência abrange tudo o que está contido no objeto dessas potência ou hábito; assim como a visão abrange tudo o que está contido no objeto da vista. Mas, havendo o ato virtuoso de adaptar-se às circunstâncias devidas, a correção que os súditos aplicarem aos prelados deve ser feita de modo congruente, não o corrigindo com protérvia e dureza, mas com mansidão e reverência. Donde o dizer o Apóstolo: Não repreendas com aspereza ao velho, mas adverte-o como o pai. Por isso, Dionísio repreendeu ao monge Demófilo, por ter corrigido um sacerdote irreverentemente, maltratando-o e expulsando-o da igreja.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Toca-se indebitamente no prelado, quando ele é repreendido com irreverência ou mesmo quando deprimido. E isso é significado pelo contato do monte e da arca, proibido por Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Resistir na cara, em presença de todos, excede o modo da correção fraterna; e por isso, Paulo não teria assim repreendido a Pedro, se não lhe fosse igual, de certa maneira, na defesa da fé. Mas advertir oculta e reverentemente, também pode fazê-lo quem não é igual. Por isso o Apóstolo escreve que os súbditos advirtam o seu prelado, quando diz: Dizei a Arquipo: cumpre o teu Ministério. Devemos porém saber, que correndo iminente perigo a fé, os súbitos devem advertir os prelados mesmo publicamente. Por isso Paulo, súbito de Pedro, repreendeu-o em público, por causa de perigo iminente de escândalo, para a fé. E assim, diz a Glosa de Agostinho: O próprio Pedro deu aos maiores o exemplo de se porventura se desviarem do caminho reto, não se dedignem ser repreendidos mesmo pelos inferiores.

RESPOSTA À TERCEIRA. Presumir-se de melhor, absolutamente, que o seu prelado, é soberba presunçosa. Mas julgar-se melhor, em algum ponto, não é presunção, porque não há ninguém nesta vida que não tenha algum defeito. Donde devemos concluir que quem admoesta caridosamente o seu prelado, não se considera por isso maior que ele; mas lhe vai em auxílio a ele que, quanto mais ocupa um lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto, como diz Agostinho.

Artigo 3 - Se a correção fraterna pertence só aos prelados.

O terceiro discute-se assim.  Parece que a correção fraterna pertence só aos prelados.

1 Pois, diz Jerônimo: Os sacerdotes se esforcem por cumprir aquilo do Evangelho - Se teu irmão pecar contra ti, etc. Ora, com o nome de sacerdotes de ordinário designavam os prelados que tem cura de outrem. Logo, só aos prelados pertence a correção.

2. Demais. A correção fraterna é uma esmola espiritual. Ora, dar esmola corporal é próprio dos superiores na ordem temporal, isto é, dos mais ricos. Logo, também a correção fraterna pertence aos superiores na ordem espiritual, isto é, aos prelados.

3. Demais. Quem corrige outrem leva-o, advertindo-o, a ser melhor. Ora, na ordem natural, o inferior é movido pelo superior. Logo, também na ordem da virtude, que segue a da natureza, só aos prelados pertence corrigir os inferiores.

Mas, em contrário, está dito: Tanto os sacerdotes como todos os demais fiéis devem ter o máximo cuidado dos que perecem; até, estes, pela advertência deles, se corrigirem dos seus pecados ou, tornando-se incorrigíveis, serem separados da Igreja.

SOLUÇÃO. Como já dissemos, há dupla forma de correção. - Uma é ato de caridade e tende à emenda do nosso irmão delinquente, por simples advertência. E essa correção pertence a todos que tem caridade, quer seja súdito, quer prelado. - Há, porém, outra correção, que é ato de justiça, e visa o bem comum. E este é realizado, não só pela advertência fraternal, mas também, às vezes pela punição, para o temor levar os outros a abandonarem o pecado. E essa correção pertence somente aos prelados, que não só tem que advertir, mas ainda corrigir, punindo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Mesmo na correção fraterna que incumbe a todos, é mais grave o dever dos prelados, como diz Agostinho. Pois, assim como devemos fazer benefícios temporais, de preferência, aqueles por quem devemos zelar temporalmente, assim também devemos fazer benefícios espirituais, como a correção, a doutrina e semelhantes, de preferência aos que foram confiados aos nossos cuidados espirituais. Por isso, Jerônimo não quer dizer se aplique só aos sacerdotes o preceito da correção fraterna; mas, que a eles lhes concerne especialmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. Assim como quem tem com que socorrer aos outros corporalmente é, por esse lado, rico; assim, quem tem o bom uso da razão, com o qual pode corrigir o delito de outrem, deve, por aí, ser considerado superior.

RESPOSTA À TERCEIRA. Mesmo na ordem natural certos seres agem uns sobre os outros, por de certo modo, serem uns aos outros superiores; a saber, enquanto cada um esta de um modo em potência e, de certo modo, em ato, relativamente ao outro. E, semelhantemente, quem tem o juízo racional reto relativamente à matéria em que outrem delinque, pode corrigi-lo, embora não lhe seja superior, absolutamente falando.

Artigo 2 - Se a correção fraterna é de preceito.

O segundo discute-se assim. Parece que não é de preceito a correção fraterna.

1. Pois, o impossível não pode ser objeto de preceito, conforme aquilo de Jerônimo: Maldito quem diz ter Deus mandado algo de impossível. E a Escritura diz: Considera as obras de Deus, porque ninguém pode corrigir a quem ele desprezou, Logo, não é de preceito a correção fraterna.

2. Demais. Todos os preceitos da lei divina se reduzem aos do Decálogo. Ora, a correção fraterna não se inclui em nenhum dos preceitos do Decálogo. Logo, não é de preceito.

3. Demais. A omissão de um preceito divino é pecado mortal, que os varões santos não cometem. Ora, na vida dos santos e dos varões espirituais encontra-se a omissão da correção fraterna. Assim, Agostinho diz: não só os inferiores, mas também os que vivem num grau superior de vida, abstêm-se de repreender os outros, por causa de certos vínculos da cobiça e não por um dever de caridade. Logo, não é de preceito a correção fraterna.

4. Demais. O que é de preceito é, por natureza, um dever. Se pois a correção fraterna fosse objeto de preceito, teríamos para com nossos irmãos o dever de corrigi-los quando pecassem. Ora, quem tem para com outro um débito material, por exemplo, de dinheiro, não deve esperar que o credor venha cobrá-lo, mas deve procurá-lo, e lhe pagar o devido. Donde resultaria devessemos buscar os que precisassem de correção para corrigi-los. O que é inadmissível quer por causa da multidão dos pecadores, para a correção dos quais um só homem não bastaria; quer também porque então seria forçoso saíssem os religiosos dos seus claustros para corrigir os homens, o que é inconveniente. Logo, não é de preceito a correção fraterna.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Se deixares de corrigir, tornar-se-á pior quem pecar. Ora, isto não se daria se não omitissimos o preceito, por essa negligência. Logo, a correção fraterna é de preceito.

SOLUÇÃO. A correção fraterna constitui objeto de preceito. Mas devemos considerar que, assim como os preceitos negativos da lei proibem os atos pecaminosos, assim os afirmativos induzem aos atos virtuosos. Ora, os atos pecaminosos são em si mesmos maus e de nenhum modo podem vir a ser bons, em nenhum tempo ou lugar, pois em si mesmos, estão conexos com um mau fim, como diz Aristóteles. Por isso os preceitos negativos obrigam sempre e para sempre. Os atos virtuosos, porém, não devem ser feitos de qualquer modo, mas observadas as circunstâncias devidas, exigidas para que sejam tais; isto é, o precisamos praticá-los onde, quando e como devemos. Ora, dependendo a disposição dos meios, da ideia do fim, nessas circunstâncias dos atos virtuosos devemos levar em conta principalmente a referida ideia, que é o bem da virtude: Havendo portanto, no ato virtuoso, ausência tal de uma dessas circunstâncias que elimine totalmente o bem da virtude, essa omissão contraria o preceito. Se houver, porém, falta de uma delas, que não a elimine totalmente a virtude, essa falta, embora prive a virtude da sua perfeição, contudo, não é contra o preceito. Por isso, diz o Filósofo que o afastarmo-nos pouco do meio, não é contra a virtude; mas, se nos afastarmos muito, o ato mesmo virtuoso se corrompe. - Ora, a correção fraterna se ordena à emenda do nosso irmão. Logo, é de preceito na medida em que é necessária para tal fim; não porém, que em qualquer lugar ou tempo o irmão delinquente deva ser corrigido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Sem o auxílio divino o homem não é capaz de praticar nenhuma boa obra; e contudo, deve fazer tudo o que está ao seu alcance. Donde o dizer Agostinho: Não sabendo quem pertence e quem não pertence ao número dos predestinados, devemos nos deixar penetrar do afeto da caridade de modo a querermos a salvação de todos. Logo, devemos praticar para com todo o dever da correção fraterna, confiados no auxílio divino.

RESPOSTA À SEGUNDA. Como já dissemos todos os preceitos, que nos ordenam beneficiar ao próximo, reduzem-se ao mandamento de honrar os pais.

RESPOSTA À TERCEIRA. A correção fraterna pode ser omitida de três modos. - De um modo, meritoriamente, quando a omitimos, por caridade. Pois, diz Agostinho. Se deixarmos a repreensão e a correção dos pecadores para um tempo mais oportuno, ou por temermos não venham a ficar, com a correção, piores, ou a impedir a iniciação dos fracos na prática da piedade e a Virtude, oprimindo-os e desviando-os da fé, - não há ai ocasião de cobiças mas conselho da caridade. - De outro modo, a omissão da correção fraterna implica pecado mortal; isto é, quando tememos, como no mesmo lugar se diz, o juízo do vulgo, a tortura ou a morte da carne; de modo que esses temores nos dominem a alma a ponto de os antepormos à correção fraterna. E isto se dá quando presumimos como provável que poderíamos livrar um delinquente do pecado, e contudo, deixamos de fazê-lo por temor ou cobiça, - De terceiro modo, essa omissão constitui pecado venial; quando o temor ou a cobiça nos fazem tardar em corrigir o delito do nosso irmão. Não, porém, a ponto de o omitirmos, mesmo sabendo que poderíamos livrá-lo do pecado, Pois um temor e uma cobiça que anteporiarnos, em nosso coração, à caridade fraterna. E deste modo os varões santos deixam de corrigir os delinquentes.

RESPOSTA À QUARTA. O que devemos a uma pessoa determinada e certa, seja débito material ou espiritual, devemos pagá-lo, sem esperar que venha nos cobrar, mas indo procurá-la com a solicitude devida. Por onde, assim como quem deve dinheiro a um credor, está obrigado a procurá-lo, quando for tempo para lhe pagar o devido; assim, também quem está obrigado a cuidar espiritualmente de outrem deve procurá-lo para corrigir-lhe o pecado. Quando porém, devemos benefícios materiais ou espirituais, não a pessoa certa, mas em geral, a todos os próximos, não estamos obrigados a procurá-los para lhos pagar; mas basta os pagarmos aos que nos ocorrerem. Pois, isto, devemos considerar uma como sorte, no dizer de Agostinho. E, por isso, diz ainda ele, Deus nosso Senhor nos adverte não negligenciarmos os pecados uns dos outros; não procurando o que repreender, mas vendo o que corrigir; do contrário, nos tornaríamos esmerilhadores da vida alheia, contra o que diz a Escritura: Não andes buscando a impiedade na casa do justo, nem perturbes o seu repouso. Por onde é claro, que nem os religiosos devem sair do claustro para corrigir os delinquentes.

Artigo 1 - Se a correção fraterna é ato de caridade.

O primeiro discute-se assim. Parece que a correção fraterna não é ato de caridade.

1. Pois, aquilo do Evangelho - Se teu irmão pecar contra ti - comenta a Glosa, que o irmão deve ser advertido por zelo da justiça. Ora, a justiça é uma virtude distinta da caridade. Logo, a correção fraterna não é um ato de caridade, mas de justiça.

2. Demais. A correção fraterna se faz por advertência secreta. Ora, a advertência é um conselho, e este é próprio da prudência; pois, ao prudente pertence deliberar acertadamente, como diz Aristóteles. Logo, a correção fraterna não é um ato de caridade, mas de prudência.

3. Demais. Uma mesma virtude não pode levar a atos contrários. Ora, suportar o pecador é ato de caridade, conforme aquilo da Escritura: Levai as cargas uns dos outros, e desta maneira cumprireis a lei de Cristo, que é a lei da caridade. Logo, parece que corrigir o nosso irmão pecador, que exclui o suportá-lo, não é ato de caridade.

Mas, em contrário. Corrigir o delinquente é esmola espiritual. Ora, a esmola é ato de caridade, como já se disse. Logo, a correção fraterna é ato de caridade.

SOLUÇÃO. A correção do delinquente é um remédio que devemos aplicar contra o pecado cometido. - Ora, o pecado cometido pode ser considerado à dupla luz: como nocivo ao pecador e como contribuindo para o mal de outros, que são lesados ou escandalizados pelo pecado; ou ainda enquanto nocivo ao bem comum, cuja justiça perturba. Logo, dupla há de ser a correção do delinquente. - Uma que remedeie do pecado enquanto mal do próprio pecador. E essa é propriamente a correção fraterna, ordenada à emenda do delinquente. Ora, livrar alguém de um mal é ato da mesma natureza que lhe buscar o bem. Mas buscar o bem do próximo é próprio da caridade, que nos leva a querer e a fazer bem ao nosso amigo. Por onde, também a correção fraterna é um ato de caridade, pois nos leva a repelir o mal do nosso irmão, que é o pecado. E essa repulsa pertence mais à caridade que à remoção do dano exterior ou mesmo do corpóreo, tanto quanto o bem contrário da virtude tem mais afinidades com a caridade do que o bem do corpo ou o das coisas exteriores. Portanto, a correção fraterna é mais um ato de caridade do que a cura de uma doença corpórea ou a esmola, que livra da pobreza material. - Outra correção é a que remedeia ao pecado do delinquente, enquanto causa o mal dos outros, e, sobretudo enquanto danifica o bem comum. E tal correção é ato de justiça, da qual é próprio conservar a retidão justa entre um e outro indivíduo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O lugar citado da Glosa refere-se à segunda forma da correção, que é um ato de justiça. - Ou, se se refere também à primeira, então a justiça é considerada virtude universal, como a seguir se dirá; enquanto que todo pecado é iniquidade, no dizer da Escritura porque contraria, por assim dizer, a justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. Como ensina o Filósofo a prudência leva à retidão dos meios, objeto do conselho e da eleição. Embora porém a prudência nos faça agir retamente em relação ao fim de todas as virtudes morais, por exemplo, da temperança ou da fortaleza, um ato pertence principalmente à virtude a cujo fim se ordena. Ora, a advertência feita visando a correção fraterna, ordenando-se a remover o pecado do nosso irmão, o que é próprio da caridade, é manifesto que essa advertência é principalmente um ato de caridade, como imperado, e, secundariamente, de prudência, como a que executa e dirige o ato.

RESPOSTA À TERCEIRA. A correção fraterna não se opõe a suportarmos os pecadores, antes, daí resulta. Pois, suportamos um pecador na medida em que não nos irritamos contra ele, mas exercemos para com ele a benevolência. Donde resulta nos esforçarmos por emendá-la.

Artigo 10 - Se devemos dar esmola abundantemente.

O décimo discute-se assim. Parece que não devemos dar esmola abundantemente.

1. Pois, devemos dar esmola de preferência aos que nos são mais chegados. Ora, não lha devemos dar de modo que, com ela, se tornem mais ricos, como diz Ambrósio. Logo, também não devemos dá-la abundantemente aos outros.

2. Demais. No mesmo lugar diz Ambrósio: As riquezas não devem ser distribuídas ao mesmo tempo, mas dispensadas, Ora, dar esmolas em abundância é distribuí-las. Logo, não devemos dá-la abundantemente.

3. Demais. Diz o Apóstolo: Não para que os outros hajam de ter alívio, isto é, os outros vivam ociosamente do que é vosso, e vós fiqueis em aperto, isto é, em pobreza. Ora, tal aconteceria se se desse esmola abundantemente. Logo, não devemos distribuí-la com abundância.

Mas, em contrário, a Escritura. Se tiveres muito, dá muito.

SOLUÇÃO. A abundância da esmola pode ser considerada relativamente a quem dá e a quem a recebe. - Relativamente a quem dá, quando damos muito em proporção às nossas posses. E então, é louvável dar abundantemente. Por isso o Senhor louvou a viúva, que deu da sua mesma indigência tudo o que lhe restava para o seu sustento. Devemos contudo observar o que dissemos acima sobre a esmola, que devemos dar, do necessário. - Relativamente a quem é dada, a esmola pode ser abundante de dois modos. De um modo, satisfazendo-lhe suficientemente a necessidade; e, então é louvável dá-la em abundância. De outro modo, superabundando, com superfluidade, e isto não é louvável; mas é melhor dar mais aos mais necessitados. Donde o dizer o Apóstolo: Se eu distribuir em o sustento dos pobres; o que comenta a Glosa! Por aqui ensina que a esmola deve ser cautelosa, de maneira a darmos não a um só, mas a muitos, de modo que aproveite ao maior número.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.  ­ A objeção colhe, relativamente ao que sobre-excede à necessidade de quem recebe a esmola.

RESPOSTA À SEGUNDA.  O lugar citado se refere à abundância da esmola relativamente a quem a dá. Ora, como devemos compreender Deus não quer que distribuamos ao mesmo tempo todas as nossas riquezas, senão quando mudemos de estado. Por isso acrescenta aí mesmo: Senão, talvez, como Eliseu, que matou os seus bois e deu de comer aos pobres com o que tinha, para não se preocupar com nenhum cuidado doméstico.

RESPOSTA À TERCEIRA. O lugar aduzido, quando diz - Não para que os outros hajam de ter alívio ou refrigério - refere-se à abundância da esmola sobreexcedente à necessidade daquele que a recebe, a quem não devemos dá-la para viver luxuriosamente, mas para sustentar­se com ela. No que, entretanto, deve haver discernimento da razão, levando em conta as diversas condições dos homens; dos quais, os criados com maior delicadeza precisam de alimentos e roupas mais delicados. Por isso diz Ambrósio: do dar esmolas devemos considerar a idade e a fraqueza; às vezes também a vergonha, que manifesta os de nascimento nobre; ou ainda se quem a recebe caiu da riqueza na pobreza, sem culpa sua. E quando acrescenta - e vós fiqueis em aperto - refere-se à abundância relativamente a quem a dá. Mas, como explica a Glosa a esse mesmo lugar não quer com isso dizer que não seja melhor dar abundantemente; mas teme pelos fracos. aos quais exorta deem, de modo a não padecerem pobreza. 

Artigo 9 - Se devemos dar esmola de preferência aos que nos são mais chegados

O nono discute-se assim. Parece que não devemos dar esmola de preferência aos que nos são mais chegados.

1. Pois, diz a Escritura. Dá ao compassivo e não protejas o pecador; dá ao que é bom e não remedeies o pecador. Ora, como às vezes se dá, os que nos são chegados são pecadores e ímpios. Logo, não lhes devemos fazer esmolas, de preferência.

2. Demais.  Devemos fazer esmolas tendo em vista a retribuição da recompensa eterna, conforme aquilo da Escritura: E teu Pai, que vê o que se passa em secreto, te dará o paga. Ora, a retribuição eterna nós a adquirimos sobretudo, pelas esmolas dadas aos santos, segundo o Evangelho: Grangeai amigos com as, riquezas da iniquidade, para que, quando vós vierdes a faltar, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. O que expondo, Agostinho diz. Quem habitará os tabernáculos eternos, senão os santos de Deus? E quem são os que receberão nos tabernáculos eternos, senão os que lhes socorreram as necessidades? Logo, devemos dar esmolas de preferência aos santos que aos chegados a nós.

3. Demais. Ninguém é mais nosso próximo que nós mesmos. Ora, ninguém pode dar esmola a si próprio. Logo, parece que não devemos dar esmola de preferência à pessoa que nos é mais chegada.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: E se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos de sua casa, esse negou a fé e é pior que um infiel.

SOLUÇÃO. Como diz Agostinho, é por uma quase sorte, que devemos prover às necessidades dos que nos são mais chegados. E mister porém nos guiemos nesta matéria com discernimento racional, considerando as diferenças de proximidade, santidade e utilidade. Assim, a quem é muito mais santo, sofre mais necessidades e é mais útil ao bem comum, devemos dar esmola de preferência, do que à pessoa mais chegada, sobretudo se não nô-lo for muito, de quem não devamos ter cuidados especiais, e se não estiver padecendo grande necessidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Não devemos socorrer ao pecador como tal, isto é, para favorecer-lhe o pecado; mas, como homem, para sustentar-lhe a vida.

RESPOSTA À SEGUNDA. A obra da esmola vale duplamente para conseguirmos a retribuição eterna. - Primeiro, pela raiz da caridade; pois, a esmola é meritória por conservar-se nela a ordem da caridade, em virtude da qual devemos, em igualdade de situações, socorrer de preferência aos mais chegados. Por isso, diz Ambrósio: Deves aprovar aquela liberalidade que te faz não desprezares os próximos consanguíneos, se os vires em necessidade: melhor é porém socorras aos teus, que tem vergonha de pedir esmolas aos outros, - De outro modo, a esmola vale, para a retribuição eterna pelo mérito daquele a quem damos, que ora por nós. E é neste sentido que escreve Agostinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. A esmola é uma obra de misericórdia. Ora, esta não concerne propriamente a nós mesmos, senão por uma certa semelhança, como já se disse. Por onde, propriamente falando, ninguém pode dar esmolas a si próprio, senão por intermédio de outrem. Por exemplo, quando alguém, feito distribuidor de esmolas, pode também tomá-las para si, precisando, pelo mesmo motivo que a distribui aos outros.

Artigo 8 - Se quem está sob o poder de outrem pode dar esmola.

O oitavo discute-se assim. Parece que quem está sob o poder de outrem pode dar esmola.

1. Pois, os religiosos dependem dos seus prelados, a quem fizeram voto de obediência. Ora, se não lhes fosse lícito fazer esmolas, o estado de religião lhes causaria dano, porque, como diz Ambrósio a perfeição da religião cristã consiste na piedade, que se manifesta, sobretudo em dar esmolas. Logo, quem está sob o poder de outrem pode dar esmolas.

2. Demais. A esposa está sob o poder do marido, diz a Escritura. Ora, ela pode dar esmola, pois, foi tomada para viver na sociedade do marido. Assim, de santa Lúcia se conta que fazia esmolas sem o marido saber. Logo, quem está posto sob o poder de outrem não fica impedido de fazer esmolas.

3. Demais. É natural a sujeição dos filhos aos pais; donde o dizer o Apóstolo: Filhos, obedecei à vossos pais no Senhor. Ora, segundo parece, os filhos podem dar esmolas com os bens dos pais, pois como herdeiros são de algum modo partes deles; e assim, desde que podem empregar esses bens para o uso do corpo, parece, com muito maior razão, que podem empregá-los em bem da alma, fazendo esmolas. Logo, os que estão sob o poder de outrem podem dar esmolas.

4. Demais. Os escravos estão sob o dos senhores, conforme aquilo da Escritura: Os servos estão sujeitos aos seus senhores. Ora é-lhes permitido fazer certas coisas em proveito destes; o que sobretudo se dá se distribuírem esmolas, por eles. Logo, os que estão sob o poder de outrem podem dar esmolas.

Mas, em contrário, não devemos dar esmola com o bem alheio, mas cada um deve fazê-la com o produto do trabalho próprio e lícito, como diz Agostinho. Ora, se os que estão sujeitos a outrem fizessem esmola, fá-la-iam com o bem alheio. Logo, os que estão sob o poder de outrem não podem fazer esmola.

SOLUÇÃO. Os que estão sob o poder de outrem devem se regular, como tais, pelo poder do superior. Pois a ordem natural é ser o inferior regulado pelo superior. Portanto, coisas relativamente às quais o inferior depende do superior, não pode aquele empregá-las de modo diverso do permitido por este. Por onde, quem está sob o poder de outrem não deve fazer esmola com aquilo em relação ao que depende do superior, senão quando este o cometer. Mas quem tiver alguma coisa relativamente à qual não dependa do superior, então já não lhe estará nesse ponto sujeito do poder, dependendo nisso da sua própria vontade. E com tal coisa pode fazer esmola.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O monge que tiver dispensa dada pelo prelado pode fazer esmola com os bens do mosteiro, na medida em que lhe for cometido. Se porém, não tiver dispensa, sem a qual não pode ter nada de próprio, então não pode dar esmola sem licença do abade, expressamente obtida ou provavelmente presumida; salvo em artigo de extrema necessidade, em que lhe seria lícito furtar para dar esmola. Mas nem por essa sujeição fica em condição pior; pois, como diz um autor, é bom gastar os seus bens distribuindo aos pobres; mas é melhor, com a intenção de seguir o Senhor, doar ao mesmo tempo tudo e, livre de cuidados, ser pobre com Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. Se a esposa tiver outros bens além do dote ordenado a prover às necessidades do matrimônio, obtidos com ganho próprio, ou de qualquer outro modo lícito, pode dar esmolas, mesmo sem pedir o assentimento do marido; mas, moderadas, afim de que não venha o marido sofrer detrimento pela superfluidade delas. Em outras condições, não deve dar esmolas sem o consentimento do marido, expressa, ou presuntivamerrte, salvo em artigo de necessidade, como já dissemos a propósito do monge. Pois embora a mulher seja igual ao marido no ato do matrimônio, contudo, no atinente à disposição do lar, é o varão a cabeça da mulher, como diz o Apóstolo. Quanto à santa Lúcia, ela tinha noivo e não marido, e portanto, podia dar esmola, com o consentimento de sua mãe.

RESPOSTA À TERCEIRA. Os bens do filho­famílias também pertencem ao pai e portanto não pode dar esmola, senão pequena, com o que, segundo pode presumir, agrada a este: salvo se o pai lhe encarregasse de dar alguma coisa, E o mesmo se deve dizer dos escravos.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À QUARTA OBJEÇÃO.

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