O nono discute-se assim. – Parece que não devemos dar esmola de preferência aos que nos são mais chegados.
1. – Pois, diz a Escritura. Dá ao compassivo e não protejas o pecador; dá ao que é bom e não remedeies o pecador. Ora, como às vezes se dá, os que nos são chegados são pecadores e ímpios. Logo, não lhes devemos fazer esmolas, de preferência.
2. Demais. – Devemos fazer esmolas tendo em vista a retribuição da recompensa eterna, conforme aquilo da Escritura: E teu Pai, que vê o que se passa em secreto, te dará o paga. Ora, a retribuição eterna nós a adquirimos sobretudo, pelas esmolas dadas aos santos, segundo o Evangelho: Grangeai amigos com as, riquezas da iniquidade, para que, quando vós vierdes a faltar, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. O que expondo, Agostinho diz. Quem habitará os tabernáculos eternos, senão os santos de Deus? E quem são os que receberão nos tabernáculos eternos, senão os que lhes socorreram as necessidades? Logo, devemos dar esmolas de preferência aos santos que aos chegados a nós.
3. Demais. – Ninguém é mais nosso próximo que nós mesmos. Ora, ninguém pode dar esmola a si próprio. Logo, parece que não devemos dar esmola de preferência à pessoa que nos é mais chegada.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: E se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos de sua casa, esse negou a fé e é pior que um infiel.
SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, é por uma quase sorte, que devemos prover às necessidades dos que nos são mais chegados. E mister porém nos guiemos nesta matéria com discernimento racional, considerando as diferenças de proximidade, santidade e utilidade. Assim, a quem é muito mais santo, sofre mais necessidades e é mais útil ao bem comum, devemos dar esmola de preferência, do que à pessoa mais chegada, sobretudo se não nô-lo for muito, de quem não devamos ter cuidados especiais, e se não estiver padecendo grande necessidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não devemos socorrer ao pecador como tal, isto é, para favorecer-lhe o pecado; mas, como homem, para sustentar-lhe a vida.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A obra da esmola vale duplamente para conseguirmos a retribuição eterna. - Primeiro, pela raiz da caridade; pois, a esmola é meritória por conservar-se nela a ordem da caridade, em virtude da qual devemos, em igualdade de situações, socorrer de preferência aos mais chegados. Por isso, diz Ambrósio: Deves aprovar aquela liberalidade que te faz não desprezares os próximos consanguíneos, se os vires em necessidade: melhor é porém socorras aos teus, que tem vergonha de pedir esmolas aos outros, - De outro modo, a esmola vale, para a retribuição eterna pelo mérito daquele a quem damos, que ora por nós. E é neste sentido que escreve Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A esmola é uma obra de misericórdia. Ora, esta não concerne propriamente a nós mesmos, senão por uma certa semelhança, como já se disse. Por onde, propriamente falando, ninguém pode dar esmolas a si próprio, senão por intermédio de outrem. Por exemplo, quando alguém, feito distribuidor de esmolas, pode também tomá-las para si, precisando, pelo mesmo motivo que a distribui aos outros.