Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. – Parece que é mais próprio da caridade ser amado que amar.
1. – Pois, os melhores tem maior caridade. Ora, os melhores devem ser mais amados. Logo, mais próprio da caridade é o ser amado.
2. Demais. – O que existe mais frequentemente parece ser mais conveniente à natureza e, por consequência, melhor. Ora, como diz o Filósofo, são muito mais os que querem ser amados do que os que querem amar, sendo por isso muitos os amantes da adulação. Logo, melhor é ser amado que amar e, por conseguinte, mais conveniente à caridade.
3. Demais. – Uma causa tem maior plenitude de ser do que o efeito. Ora, por serem amados os homens amam; pois, no dizer de Agostinho, nenhum estimulo para amar é maior do que prevenir, amando. Logo, a caridade consiste mais em ser amado do que amar.
Mas, em contrário, diz o Filósofo; a amizade consiste mais em amar do que em ser amado. Ora, a caridade é uma espécie de amizade. Logo, insiste mais em amar que ser amado.
SOLUÇÃO. – Amar é próprio da caridade, como tal. Pois, sendo uma virtude, essencialmente se inclina para o seu ato próprio. Ora, o ato próprio de caridade do amado é amar e não ser amado; pois, ser amado lhe cabe segundo uma ideia geral do bem, enquanto outrem é movido pelo ato da caridade, ao bem que naquele descobre. Por onde é claro, que à caridade é mais próprio amar que ser amado. Porque a um ser lhe convém mais o que lhe convém: essencial e substancialmente, do que o que lhe convém mediante outro ser. E disto há dupla prova. A primeira esta em os amigos serem mais louvados por amarem que por serem amados; e por isso, não amando e sendo amados, são objeto de vitupério. Segundo, por as mães mais amantes preferirem amar a serem amadas; pois, como diz o Filosofo, certas confiam os filhos a uma ama, e amam, seguramente sem buscarem retribuição do amor, não sendo possível.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os melhores, como tais, são mais dignos de amor. Mas por terem caridade mais perfeita, sao mais amantes; proporcionalmente, porém, ao amado. Pois, o melhor não ama, ao que lhe é inferior, menos do que este o merece; ao contrário, o menos bom, não chega a amar ao melhor o quanto ele merece.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz o Filósofo no mesmo lugar, os homens querem ser amados na medida mesma em que querem ser honrados. Ora, assim como a honra é prestada a alguém como testemunho do bem que nele é honrado, assim o amarmos a outrem é prova de que há nele algum bem, pois só o bem é amável. Assim, pois, os homens buscam ser amados e honrados por uma causa ulterior, isto é, para manifestar o bem existente no amado. Os que tem caridade, porém, querem o amar, em si mesmo, quase sendo este o bem da caridade, assim como qualquer ato de virtude é o bem dessa virtude. Por onde, é mais pertinente à caridade querer amar que querer ser amado.
RESPOSTAS À TERCEIRA. – Certos amam por serem amados, não que o ser amado seja o fim do amar, mas a via conducente a amar.
O décimo terceiro discute-se assim. – Parece que a ordem da caridade não subsiste na pátria.
1. – Pois, diz Agostinho: A caridade perfeita consiste em amarmos mais os bens maiores e, menos, os menores, Ora, na pátria, a caridade será perfeita. Logo, amaremos lá, mais, ao melhor que nós ou ao que nos for chegado.
2. Demais. – Amamos mais aquele a quem maior bem queremos. Ora, quem está na pátria quer maior bem ao que já o tem mais; do contrário a sua vontade não se conformaria em tudo com a vontade divina. Porque, na pátria, goza ele maior bem quem for melhor. Logo, nela, cada um amará o que for melhor e, portanto, mais a outrem, que a si mesmo, e mais a um estranho que a um parente.
3. Demais. – Na pátria, Deus será a razão total de amar, pois, então, se cumprirá aquilo da Escritura: Para que Deus seja tudo em todos. Logo, mais amado será quem estiver mais próximo de Deus. E portanto, cada um amará mais o que for melhor e ao estranho mais que o parente.
Mas, em contrário, a glória não destrói, mas aperfeiçoa a natureza. Ora, a ordem da caridade, supra-estabelecida, procede da natureza mesma; pois, todos os seres se amam a si mesmos mais que aos outros. Logo, a referida ordem da caridade subsistirá na pátria.
SOLUÇÃO. – A ordem da caridade, no concernente ao amor de Deus sobre todas as coisas, há de necessariamente subsistir na pátria. E isto se dará, de modo perfeito, quando o homem gozar perfeitamente de Deus. Mas, quanto a ordem que regula a cada um, mas suas relações, com os outros, é necessário distinguir. Porque, como já dissemos, podemos distinguir os graus do amor, ou pelos diferentes bens que desejamos, ou pela intensidade dele. Pelo primeiro modo, amamos mais os melhores que nós e menos, os menos bons. Pois, cada bemaventurado quer que os outros tenham o que lhes é devido pela divina justiça, por causa da perfeita conformidade da vontade humana com a divina. E nem, então, será tempo de ganhar, pelo mérito, maior prêmio, como se dá nesta vida, em que podemos desejar melhor virtude e melhor prêmio; pois, na pátria, a nossa vontade se fixará no determinado por Deus. Do segundo modo, porém, nós nos amaremos a nós mesmos mais que o próximo, ainda o melhor que nós; pois a intensidade do ato de amor provém do sujeito amante, como já dissemos. E por isso, Deus também confere a cada um de nós o dom da caridade, para, primeiro, ordenarmos para ele a nossa mente, o que constitui o amor de nós mesmos; e segundo, para querermos que os outros se ordenem para Deus, ou, que essa ordem opere conforme o seu modo devido.
Quanto à ordem dos próximos, um para com os outros, amaremos, absolutamente falando, com amor de caridade, o melhor que nós. Pois, toda a vida da bem-aventurança consiste no ordenar-se da mente para Deus. Por onde, toda a ordem do amor dos bem-aventurados será observada relativamente a Deus, de modo a cada um amar mais e ter como lhe sendo mais chegado o que estiver mais próximo de Deus. Cessará, então, a Providência, imprescindível nesta vida, e que nos obriga a prover, mais que a outro, ao que nos for mais chegado em virtude de alguma necessidade. Por cuja razão, nesta vida, pela inclinação mesma da caridade mais o que nos é mais chegado, e quem devemos consagrar maior afeto da caridade. Poderá dar-se, porém, que, no céu, amemos quem nos for chegado, por muitas razões, pois, da alma do bemaventurado não desaparecerão as causas honestas do amor. Contudo, a todas essas razões sobrelevará incomparavelmente a razão de amar fundada na proximidade de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quanto aos que nos são chegados, a objeção deve ser concedida. Mas, quanto a nós mesmos, havemos de nos amar mais que aos outros, e tanto mais quanto mais perfeita for a caridade. Porque a perfeição desta ordena o homem perfeitamente para Deus, o que implica o amor de si próprio, como já se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe relativamente à ordem do amor, quanto ao grau do bem que queremos ao amado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Cada um terá em Deus a razão total de amar, por ser ele o bem total do homem. Dado porém por impossível que Deus não fosse o bem do homem, não teríamos razão de amá-lo. E, portanto na ordem do amor, é necessário que, depois de Deus, o homem se ame sobretudo a si mesmo.
O duodécimo discute-se assim. – Parece que o homem deve amar mais o benfeitor que o beneficiado.
1. – Pois, diz Agostinho: Não há nenhum estimulo maior ao amor do que prevenir em amar; e é muito dura a alma que, além de não querer dedicar amor, não quer retribuí-lo. Ora, os benfeitores nos previnem pelo benefício da caridade. Logo, devemos amá-los por excelência.
2. Demais. – Tanto mais devemos amar a outrem, quanto mais gravemente pecarmos se deixarmos de o amar ou agirmos contra ele. Ora, peca mais gravemente quem não ama o benfeitor, ou age contra ele, do que se deixar de amar quem até então lhe foi benfeitor. Logo, devemos amar mais aos benfeitores do que aqueles a quem fizemos benefícios.
3. Demais. – Entre todos os objetos do nosso amor, Deus é o que mais devemos amar; e depois dele, o pai, como diz Jerônimo: Ora, esses dois seres são os nossos maiores benfeitores. Logo, ao benfeitor é que devemos mais amar.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: parece que os benfeitores amam mais aos beneficiados do que inversamente.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, podemos amar uma coisa mais que outra, de dois modos: ou por ser, por natureza, um bem mais excelente; ou, em razão de maior união.
Do primeiro modo, amamos mais o benfeitor, porque, sendo ele o princípio do bem do beneficiado, é por natureza um bem mais excelente, como acima se disse do pai.
Ora, do segundo modo, amamos mais aos beneficiados, como o Filósofo prova, por quatro razões. - Primeiro, porque o beneficiado é como que obra do benfeitor, donde o costume de dizer-se de um indivíduo: Este é feitura daquele. Ora, naturalmente cada um ama a sua obra; assim, vemos que os poetas amam os seus poemas. E isto porque cada qual ama o seu ser e a sua vida, que se manifestam sobretudo, pelo agir. - Segundo, porque cada qual naturalmente ama aquilo em que descobre o seu bem. Ora, o benfeitor tem algum bem seu no beneficiado, e inversamente; mas, o benfeitor considera no beneficiado o seu em honesto; e o beneficiado, no benfeitor, o seu bem útil. Ora, o bem honesto é considerado mais deleitável do que o bem útil, quer por ser mais estável, pois, a utilidade desaparece rapidamente, e o prazer da memória não é como o que temos com a coisa presente: quer também pelos conservarmos os bens honestos, com maior prazer, o que as utilidades provenientes dos outros. - Terceiro, porque ao amante pertence agir, pois, quer e faz o bem para o amado; ao amado, porém, pertence receber o bem. Logo, amar é próprio de quem é mais excelente. E por isso, é próprio do benfeitor amar mais. - Quarto, porque é mais difícil fazer benefícios do que recebê-los. Ora, mais amamos aquilo em que mais trabalhamos; ao contrário, o que obtemos com facilidade de certo modo desprezamos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O benfeitor é quem estimula o beneficiado a amá-lo. Ao passo que o benfeitor, para amar ao beneficiado, não precisa ser estimulado por este, pois é movido por si mesmo. Ora, o existente por si mesmo tem prioridade sobre o existente por outro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O beneficiado é que deve, sobretudo, amar ao benfeitor; e portanto, o que a isso contraria tem natureza de maior pecado. Mas o amor do benfeitor para com o beneficiado é mais espontâneo, e, portanto, tem maior presteza.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Também Deus nos ama a nós mais que nós a ele; e os pais amam aos filhos mais do que são deles amados. Mas isso não importa que amemos a quaisquer beneficiados mais que a quaisquer benfeitores. Pois, os benfeitores de quem recebemos os máximos benefícios, isto é, Deus e os pais, nós os preferimos aqueles a que fizemos menores benefícios.
O undécimo discute-se assim. – Parece que devemos amar mais a mulher que o pai e a mãe.
1. - Pois, ninguém troca uma coisa senão por outra que mais ama. Ora, a Escritura diz que, por causa da mulher, deixará o homem a seu pai e a sua mãe. Logo, devemos amar mais à mulher que ao pai e à mãe.
2. Demais. – O Apóstolo diz os maridos devem amar às suas mulheres como a si mesmos. Ora, devemos amar a nós mesmos mais que aos pais. Logo, também, mais que aos pais, devemos amar à mulher.
3. Demais. – É maior o amor fundado em várias razões de amar. Ora, a amizade pela mulher se funda em várias razões; pois, como diz o Filósofo, essa amizade é considerada como útil deleitável e virtuosa, se os cônjuges forem virtuosos. Logo, o amor pela mulher deve ser maior que o pelos pais.
Mas, em contrário, o homem deve amar à sua mulher como à sua própria carne. Ora, devemos amar menos o nosso corpo do que o próximo, como já se disse. E dentre os próximos, devemos amar mais os pais. Logo, devemos amálos mais que à mulher.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, o grau do amor pode ser considerado relativamente à ideia do bem e à união com o amante. - Assim, quanto à ideia do bem, objeto do amor, devemos amar mais aos pais que à mulher porque são amados pela razão de serem princípio e um bem mais eminente. - Quanto porém, à ideia de união, devemos amar mais à mulher, porque ela se une ao homem de modo a formar com ele uma só carne, conforme aquilo da Escritura. Assim, já não são dous, mas uma sócarne. Por isso, a mulher é amada mais intensamente, mas devemos manifestar maior reverência aos pais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não é de todos os modos que deixamos o pai e a mãe por causa da mulher; pois, em certos casos, devemos prestar maior assistência aos pais do que à mulher. Mas, quanto à união da cópula carnal e da coabitação, unimo-nos à mulher, deixando de parte os pais.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Pelas palavras do Apóstolo não devemos entender deva o homem amar a mulher do mesmo modo que a si próprio; mas, que, o amor por nós mesmos é a razão do que temos de amar a mulher que conosco está unida.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Também a amizade paterna se funda em muitas razões de amor. E a certos respeitos, isto é, quanto à ideia do bem, preponderam sobre as razões em que se funda o amor pela mulher; embora estas preponderem quanto à ideia da união.
RESPOSTA À QUARTA. – Também nesse lugar citado não se deve entender o como de modo a implicar igualdade, mas a razão do amor. Pois, o homem ama à sua mulher, principalmente, pela razão da união carnal.
O décimo discute-se assim. – Parece que devemos amar mais à mãe que ao pai.
1. – Pois como diz o Filósofo, a fêmea é a que dá o corpo, na geração. Ora a alma não a recebemos do pai, mas de Deus, por criação, conforme já se estabeleceu, na primeira parte. Logo, recebemos mais da mãe, que do pai e portanto, devemos amar mais aquela que a este.
2. Demais. – Devemos amar mais a quem é mais amante. Ora, a mãe ama ao filho, mais que o pai; pois, como diz o Filósofo as mães são mais amantes dos filhos, por ser a geração mais laboriosa para as mães e elas saberem, mais que os pais, que os filhos são delas, Logo, devemos amar mais à mãe que ao pai.
3. Demais. – Devemos devotar maior afeto de amor a quem trabalhou mais por nós, conforme aquilo da Escritura: Saudai a Maria, a qual trabalhou muito entre vós. Ora, a mãe trabalha, na geração e na educação, mais que o pai; donde o dizer a Escritura: Não te esqueças dos gemidos de tua mãe. Logo, devemos amar mais à mãe que ao pai.
Mas, em contrário, Jerónimo diz: Depois de Deus, Pai de todos, devemos amar o pai; e a seguir, refere-se à mãe.
SOLUÇÃO. – O sentido implicado nessas comparações deve ser interpretado, em si mesmo, de modo a entendermos ser pergunta: se o pai, como tal deve ser mais amado do que a mãe, como tal. Pois, em todos os casos como esses, pode haver tanta diferença de virtude e de malícia, a ponto de a amizade desaparecer ou diminuir, no dizer do Filósofo. E portanto, como diz Ambrósio, os bons criados devem ser preferidas aos maus filhos, Mas, considerada a questão em si mesma, devemos amar mais ao pai que à mãe. Pois, a esta e aquele amamos como os princípios da nossa origem natural. Pois o pai realiza a noção de princípio de maneira mais excelente que a mãe, por ser principio ao modo de agente ao passo que a mãe o é, a modo de paciente e matéria. Logo, absolutamente falando, devemos amar mais ao pai.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na geração humana a mãe ministra a matéria informe do corpo, que se forma pela virtude formativa existente no sémen paterno. E embora esta virtude não possa criar a alma racional, contudo, dispõe a matéria corpórea para receber essa forma.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O amor pelo qual se ama ao amante tem fundamento diverso; pois, a amizade com que o amamos é diversa da com que amamos os progenitores. Ora, agora tratamos da amizade devida ao pai e à mãe, como progenitores.
Donde se deduz claramente a RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.
O nono discute-se assim. – Parece que devemos amar, com caridade, mais aos filhos que os pais.
1. – Pois, devemos amar mais a quem mais devemos beneficiar. Ora, devemos beneficiar mais aos filhos que aos pais, conforme a Escritura: Não são os filhos os que devem entesourar para os pais, mas os pais, para os filhos. Logo, devemos amar mais os filhos que os pais.
2. Demais. – A graça aperfeiçoa a natureza. Ora, naturalmente os pais, amam mais aos filhos do que são amados por eles, como diz o Filósofo. Logo, devemos amar mais aos filhos que aos pais.
3. Demais. – Pela caridade o nosso afeto. Mais se assemelha ao de Deus. Ora, Deus ama seus filhos, mais do que é amado por eles. Logo, também nós devemos amar aos filhos mais que aos pais.
Mas, em contrário, Ambrósio diz: Em primeiro lugar devemos amar a Deus; em segundo, aos pais; em terceiro, aos filhos e, depois, aos criados.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, os graus do amor podem ser considerados à dupla luz. Primeiro, relativamente ao objeto. E por aqui, devemos amar mais o que é mais essencialmente bom e mais semelhante a Deus. E assim, devemos amar mais ao pais do que aos filhos, por amarmos aqueles como sendo o nosso princípio e, portanto, bom, de maneira mais eminente e mais semelhante a Deus. De outro modo, considerase o grau do amor relativamente ao amante. E então, amamos mais ao que nos é mais chegado. Por onde, devemos amar mais aos filhos, que aos pais, como diz o Filósofo. Primeiro, pelos amarem os pais aos filhos como parte deles; ao passo que o pai não é parte do filho. Portanto, o amor paterno para com o filho é mais semelhante ao amor para conosco mesmos. Segundo, por conhecerem os pais melhor os filhos, que inversamente. Terceiro, por o filho, sendo parte do pai, ser-lhe mais chegado, do que o pai ao filho, em relação ao qual exerce a função de princípio. Quarto, por os pais amarem mais longamente; pois, o pai ama ao filho desde que ele existe; ao passo que o filho começa a amar ao pai só depois de decorrido algum tempo. Ora, o amor, quanto mais longo mais forte é, conforme aquilo da Escritura. Não deixes o amigo antigo, porque o novo não será semelhante a ele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ao princípio é devida a sujeição, a reverência e a honra; ao efeito, porém, cabe receber, proporcionalmente, a influência e a providência do princípio. Por isso, os filhos devem, sobretudo, honrar aos pais; e dos filhos devem os pais cuidar, sobretudo, em velar sobre eles.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O pai ama naturalmente mais ao filho, por causa da afinidade com ele; mas o filho ama naturalmente mais ao pai por ser este um bem mais eminente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, Deus nos ama para nossa utilidade e para a sua honra. Ora, como o pai mantém com o filho a relação de princípio, como Deus, é pertinente que os filhos lhe tributem maior honra; e que os pais cuidem em lhes prover às necessidades. Embora, em artigo de necessidade, o filho tenha a suma obrigação de prover às necessidade paternas, por causa dos benefícios recebidos.
O oitavo discute-se assim. – Parece que não devemos amar mais aquele que nos é mais chegado pela origem carnal.
1. – Pois, diz a Escritura: O homem amável no trato será mais amigo do que um irmão. E Valério Máximo diz, que o vínculo da amizade é fortíssimo e de nenhum modo inferior aos laços do sangue. Pois, é mui certo e sabido de todos que estes são obra fortuita da sorte do nascimento; aquele é contraído pela vontade livre, fundado no juízo sólido de cada um. Logo, não devemos amar os que nos são chegados pelo sangue mais que os outros.
2. Demais. – Diz Ambrósio: Não vos amo, a vós que gerei para o Evangelho, menos do que se os tivesse como filhos carnais: pois, a natureza, no amar, não é mais diligente que a graça. Certamente devemos amar mais aos que consideramos como havendo de existir perpetuamente conosco, do que aqueles que só nesta vida conosco conviverão. Logo, os que nos são chegados pelo sangue não devemos amá-los mais do que os que nô-lo são de qualquer outro modo.
3. Demais. – O amor se prova por obras, diz Gregório. Ora, há certos para com os quais devemos provar, por obras, o nosso amor, mais do que para com os chegados pelo sangue; assim como, num exército, devemos amar mais ao chefe que ao pai. Logo, os que nos são chegados pelo sangue não são os que mais devemos amar.
Mas, em contrário, um dos preceitos do Decálogo ordena especialmente que honremos os pais, como se vê na Escritura. Logo, os que nos são chegados por origem carnal devemos amá-los mais especialmente.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, devemos amar mais, com caridade, os que nos são mais chegados, quer por serem mais intensamente amados, quer por serem amados por maior número de razões. Ora, a intensidade do amor depende da união entre amante e amado. Portanto, o amor que devotamos a pessoas diversas deve ser medido pelas razões diversas da união; de modo que cada um seja amado mais pela razão que funda a união por causa da qual é amado. E ulteriormente, um amor tem para com outro a mesma relação que uma, com outra união.
Por onde, devemos dizer que a amizade aos que nos são chegados pelo sangue se funda na união da origem natural; a dos concidadãos, na comunhão civil; a amizade dos companheiros de armas, na comunhão bélica. Portanto, no que pertence à natureza, devemos amar mais os que nos são consanguíneos; no pertencente à convivência social, os concidadãos: e, no concernente à guerra, os companheiros de armas. Por isso, o Filósofo diz, que a cada relação devemos atribuir o que lhe é próprio e conveniente. E é assim que se faz ordinariamente: convidamos os parentes as solenidades do casamento, e ainda somos obrigados, acima de tudo, a garantir a subsistência dos pais e a honrálos. E o mesmo se dá em outros casos.
E assim também, se compararmos as uniões umas com as outras, vemos que a união fundada na origem natural é a principal e a mais estável, por se fundar no pertencente à substância mesmo dela. Ao passo que as outras uniões são supervenientes e podem desvanecerse. Por onde, a amizade pelos nossos consanguíneos é mais estável; mas as outras amizades podem ser mais fortes conforme ao que cada uma tem de próprio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A amizade pelos companheiros é contraída por eleição própria nossa. Por isso, nos atos dependentes da nossa eleição, essa amizade prepondera sobre a dos consanguíneos, de modo que combinamos mais com eles pelos nossos atos. Mas a amizade pelos consanguíneos é mais estável, como tendo existência mais natural e prevalecendo, no atinente à natureza. Por isso, somos mais obrigados a provê-los com o necessário.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Ambrósio se refere ao amor quanto aos benefícios advenientes da participação da graça, isto é, da educação dos costumes. E a esta luz, devemos cuidar, antes, dos nossos filhos espirituais, que geramos espiritualmente, do que dos filhos pelo corpo, que estamos mais obrigados a prover com subsídios materiais.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O ser o chefe do exército mais obedecido, na guerra, que o pai, não prova seja este, absolutamente falando, menos amado. Mas é, relativamente, menos amado, isto é, no referente ao amor fundado na comunhão bélica.
O sétimo discute-se assim. – Parece devamos amar mais os melhores do que os mais chegados a nós.
1. – Pois, parece dever ser mais amado o que não tem nenhuma razão para ser odiado, do que aquilo que, por alguma, deve sê-lo. Assim como é mais branco o que não tem nenhuma mistura de preto. Ora, as pessoas que nos são chegadas devem, por alguma razão, ser odiadas, conforme a Escritura: e alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, etc.; ora, os homens não devem, por nenhuma razão, ser odiados. Logo, parece que os melhores devem ser mais amados que os mais chegados a nós.
2. Demais. – Pela caridade o homem mais se assemelha a Deus. Ora, Deus mais ama quem é melhor. Logo, devemos, com caridade, amar mais quem é melhor do que o mais chegado a nós.
3. Demais. – O que está mais intimamente unido ao fundamento mesmo da amizade deve ser mais amado, conforme as várias espécies dela. Pois, pela amizade natural amamos mais os que nos são mais chegados por natureza, como, os pais ou os filhos. Ora, a amizade de caridade se funda na participação da felicidade, que mais participam os melhores que os mais chegados a nós. Logo, devemos amar, com caridade, mais os melhores que os mais chegados a nós.
Mas, em contrário, diz a Escritura. E se alguém não tem cuidado dos seus e, principalmente, dos de sua casa, esse negou a fé e é pior que um infiel.
SOLUÇÃO. – Todo ato deve ser proporcionado ao objeto e ao agente; mas, do objeto tira a sua espécie e, da virtude do agente, o modo da sua intensidade. Assim também o movimento se especifica pelo termo a que se dirige; mas, a intensidade da sua rapidez provém da disposição do móvel e da virtude do motor. Assim, pois, o amor se especifica pelo seu objeto, sendo-lhe a intensidade proveniente do próprio agente. Ora, o objeto do amor de caridade é Deus, e o homem é o amante. - Logo, a diversidade específica do amor de caridade que devemos ter para com o próximo, há de ser referida a Deus, de modo a querermos, com caridade, maior bem aquele que está mais unido com Deus. Porque, embora o bem que a caridade quer para todos - a felicidade eterna - seja essencialmente único, tem contudo graus diversos, conforme os modos diversos de ser participada a felicidade. E é próprio da caridade querer conservar a justiça de Deus e esta exige que os melhores participem mais da felicidade. E isto especifica o amor, pois, são tantas as diversas espécies de amor quantos os bens diversos que desejamos aos que amamos. - Quanto à intensidade dele, deve ser considerada com referência a quem ama. E assim, aos que nos são mais chegados, amamos com afeto mais intenso, quanto ao bem, relativamente ao qual os amamos, do que aos melhores, relativamente a um maior bem.
Mas há ainda, nesta questão, outra diferença a que devemos atender. Pois, certos próximos nos são chegados por origem natural, da qual não podem divorciar-se, pelos tornar ela o que são. Ora, a bondade da virtude, pela qual nos aproximamos de Deus, pode ter maior ou menor proximidade, pode aumentar e diminuir, como do sobredito se colhe. Portanto posso, com caridade, querer seja a pessoa, que me é chegada, melhor que outra, e assim possa chegar a um maior grau de felicidade.
Mas há, outro modo pelo qual amamos mais, com caridade, os que nos são mais chegados, pois, os amamos de muitos modos. Para com aqueles, porém, que não nos são chegados, só temos a amizade de caridade. Ao contrário, para com aqueles que nô-lo são, dedicamos certas outras amizades, conforme o modo pelo qual nos são chegados. Ora, o bem, no qual se funda qualquer outra amizade honesta, ordenando-se, como para o fim, ao bem no qual se funda a caridade, há de esta, consequentemente, imperar o ato de qualquer outra amizade, assim como a arte cujo objeto é o fim rege a relativa aos meios. Por onde, a caridade pode nos ordenar amemos alguém, por ser nosso consanguíneo ou chegado a nós, por ser concidadão ou por qualquer outro desses motivos lícitos, ordenado ao fim da caridade. E assim, tanto pela caridade lícita como pela imperada, amamos mais, e de muitos modos, os mais chegados a nós.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não se nos ordena que odiemos os nossos próximos pelo fato mesmo de o serem, mas só por nos impedirem de nos unirmos a Deus. E por aí não nos são próximos, mas inimigos, conforme a Escritura: Os inimigos do homem são os seus mesmos domésticos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade faz o homem asemelhar-se a Deus proporcionalmente, de modo que esteja para o que lhe é próprio, como Deus para o que lho é. Pois, podemos, com caridade, querer certas coisas, que nos convêm, que, contudo Deus não quer por não lhe convir querê-la, como já estabelecemos, quando tratamos da bondade da vontade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não somente é elícito o ato de amor da caridade relativamente ao objeto, mas também quanto ao amante, como já se disse. Donde se conclui ser o mais chegado a nós mais amado.
O sexto discute-se assim. – Parece que não devemos amar mais a um próximo que a outro.
1. – Pois, diz Agostinho: Devemos amar igualmente a todos os homens. Mas, como não poder ser útil a todos, deves servir principalmente aqueles que te estão unidos, como que pela sorte, mais estreitamente, e conforme as circunstâncias de lugar, de tempo ou qualquer outra. Logo, não devemos amar a um próximo mais que outro.
2. Demais. – Quando a razão de amar a diversos é a mesma não deve haver desigualdade no amor. Ora, uma mesma razão temos de amar a todos os próximos, e é Deus, como claramente o expõe Agostinho. Logo, devemos amar igualmente a todos os próximos.
3. Demais. – Amar é querer bem a outrem, diz o Filósofo. Ora, devemos querer igualmente a todos os próximos o bem da vida eterna. Logo, devemos amá-los igualmente a todos.
Mas, em contrário. – Um próximo deve ser tanto mais amado, quanto mais gravemente pecar quem contrariar esse amor. Ora, peca mais gravemente quem contraria o amor de certos próximos do que quem contraria o de outros. Por isso a Escritura preceitua: O que amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe morra de morte; o que não é preceituado aos que amaldiçoam os outros homens. Logo, devemos amar certos próximos mais que outros.
SOLUÇÃO. – Duas opiniões se emitiram relativamente a este assunto. Uns disseram que devemos amar igualmente a todos os próximos, com caridade, mas quanto ao afeto e não, quanto ao efeito externo. E consideram a ordem do amor como devendo ser entendida em dependência dos benefícios externos, que devemos fazer, mais, aos próximos que aos estranhos; e não, em dependência do afeto interior, que devemos ter igualmente para com todos, mesmo para com os inimigos.
Mas esta opinião é irracional. Pois, o afeto da caridade, inclinação da graça, não é menos ordenado que o apetite natural, inclinação da natureza; pois uma e outra inclinação precedem da sabedoria divina. Ora, vemos, na ordem da natureza, a inclinação natural proporcionarse ao ato ou ao movimento conveniente à natureza de cada ser. Assim, a terra tem maior inclinação da gravidade que a água, por lhe ser natural estar debaixo da água. Por onde e necessariamente, também a inclinação da graça, que é o afeto da caridade, há de proporcionar-se ao que devemos praticar externamente; de modo a termos mais intenso afeto de caridade para com os credores de maior beneficência nossa.
Portanto, devemos concluir, mesmo quanto ao afeto, devemos amar mais a um próximo que a outro. E a razão é que sendo os princípios do amor, Deus e quem ama, segundo a maior proximidade em relação a um desses princípios, há de necessariamente ser maior o afeto do amor. Pois, como já dissemos, em tudo o relativo a um princípio, a ordem há de depender da referência a esse principio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O amor pode ser desigual de dois modos. Ou relativamente ao bem que desejamos ao amigo e então amamos, com caridade, igualmente a todos os homens, por a todos desejarmos o mesmo bem genérico da felicidade eterna. - De outro modo, dizemos que o amor é maior por ser o seu ato mais intenso. E então não é necessário amemos igualmente a todos. Ou, devemos dizer, diferentemente, que podemos amar com desigualdade a certos, de dois modos. - Primeiro, por amarmos a uns e não, a outros, devendo conservar essa desigualdade nos benefícios, porque não podemos servir a todos. Mas tal desigualdade não deve existir na benevolência do amor. - Outra porém é a desigualdade do amor quando uns são mais amados que outros: Ora, Agostinho não pretende excluir esta desigualdade, mas a primeira, como é claro pelo que diz da beneficência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem todos os próximos mantêm a mesma relação com Deus; mas uns lhe são mais próximos, por terem maior bondade; e a esses devemos amar mais, com caridade, do que outros que lhe são menos chegados.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe quanto à quantidade do amor, relativamente ao bem que desejamos aos amigos.
O quinto discute-se assim. – Parece que o homem não deve amar mais ao próximo que ao próprio corpo.
1. – Pois, por próximo se lhe entende o corpo. Logo, se devemos amar ao próximo mais que ao nosso próprio corpo, devemos amar o corpo do próximo mais que o nosso.
2. Demais. – Devemos amar a nossa alma, mais que o próximo, como já se disse: Ora, o nosso próprio corpo é mais próximo à nossa alma do que o próximo. Logo, devemos amar o nosso próprio corpo mais que o próximo.
3. Demais. – Todos expõem o que menos amam para salvar o que mais amam. Ora, nem todos somos obrigados a expor o nosso próprio corpo, para a salvação do próximo, mas só o fazem os que são perfeitos, conforme aquilo da Escritura. Ninguém tem maior amor do que este de dar um a própria vida por seus amigos. Logo, o homem não é obrigado a amar mais o próximo do que o próprio corpo.
Mas, em contrário, Agostinho diz que devemos amar ao próximo mais que o nosso próprio corpo.
SOLUÇÃO. – Devemos amar mais, com caridade, aquilo que tem mais razão de ser desse modo amado, como já dissemos; Ora, a coassociação na participação plena da felicidade, que é a razão de amarmos ao próximo, é maior razão de amar, do que a participação da felicidade, com redundância, que é a razão de amarmos o nosso próprio corpo. E portanto, ao próximo, quanto à salvação da alma, devemos amar mais que ao nosso próprio corpo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Segundo o Filósofo, cada ente é considerado como sendo o que é nele principal. Por isso, quando dizemos que o próximo deve ser mais amado que o nosso próprio corpo, isso se refere à alma, que é a parte principal dele.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O nosso corpo esta mais unido à nossa alma do que o próximo, no referente à constituição da nossa natureza própria. Mas quanto à participação da felicidade, a alma do próximo está mais co-associada à nossa, do que mesmo o nosso próprio corpo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Todo homem tem a obrigação de cuidar do próprio corpo; não, porém, da salvação do próximo, salvo talvez em caso de necessidade. - Portanto, a caridade não exige exponhamos o nosso próprio corpo pela salvação do próximo, senão em caso em que sejamos obrigados a tratar-lhe da salvação. E só por perfeição da caridade é que alguém se ofereceria para tal espontaneamente.