Category: Santo Tomás de Aquino
O sétimo discute-se assim. – Parece que podemos dar esmola do adquirido ilicitamente.
1. – Pois, diz o Evangelho. Grangeai amigos com as riquezas mammona da iniquidade. Ora, mammona significa riquezas. Logo, podemos grangear amigos espirituais fazendo esmolas com as riquezas iniquamente adquiridas.
2. Demais. – Todo lucro torpe é considerado como adquirido ilicitamente. Ora, torpe é o lucro proveniente do meretrício; por isso com ele não se devia fazer sacrifício nem oferenda a Deus, conforme a Escritura. Não oferecerás na casa do Senhor teu Deus o ganho da prostituta. Do mesmo modo, é torpemente adquirido o que o é no jogo; pois, como diz o Filósofo, os jogadores ganham dos amigos o que lhes deveriam dar. É também torpíssimo o adquirido por simonia, que é uma injúria feita ao Espírito Santo. E, contudo com tais ganhos pode-se fazer esmola. Logo, podemos fazê-la com o mal adquirido.
3. Demais. – Devemos evitar os males maiores, mais que os menores. Ora, conservar o bem alheio é menor pecado que o homicídio, em que incorremos se não prestamos auxílio a quem está em extrema necessidade, como claramente o diz Ambrósio. Dá de comer ao que esta a morrer de fome; se não o fizeres és réu de homicídio. Logo, em certos casos, podemos dar esmola com o mal adquirido.
Mas, em contrário, Agostinho: Dai esmolas com o que ganhaste em trabalhos lícitos. Pois não havereis de corromper a Cristo, vosso juiz, de modo que não vos ouça a vós juntamente com os pobres, que privastes de seus bens, Não queirais fazer esmolas do que ganhastes por onzena e usura; falo aos fiéis, para os quais sacrificamos o corpo de Cristo.
SOLUÇÃO. – De três modos podemos adquirir ilicitamente. - De um modo, quando adquirimos de outrem o que lhe é devido, nem o podemos privar disso; tal o caso do roubo, do furto e da usura. E como estamos obrigados a restituir esses bens, não podemos com eles dar esmolas. - De outro modo quando, embora não possamos conservar o bem adquirido, também não o devemos aquele de quem o adquirimos porque se os tomamos injustamente, também o outro os deu injustamente; tal o caso da simonia, na qual tanto quem dá como quem recebe age contra a justiça a lei divina. Por isso, não deve o adquirente fazer a restituição ao que deu, mas fazer esmolas com esses bens. E o mesmo se dá em casos semelhantes, em que tanto quem deu como quem recebeu procederam contra a lei. - De terceiro modo, quando, embora a aquisição mesma não seja ilícita, o meio pelo qual foi ela feita o é; tal o caso da mulher que ganhou com o meretrício. E a este se chama propriamente lucro torpe. Pois, a mulher que pratica o meretrício age torpemente e contra a lei de Deus; mas, quanto ao que recebe, não age injustamente nem contra a referida lei. Por isso, pode conservar o que assim adquiriu ilicitamente e com isso fazer esmola.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho diz: Certos, entendendo mal as referidas palavras do Senhor roubam as causas alheias e, distribuindo uma parte aos pobres, julgam ter cumprido o preceito. Ora, este modo de entender deve ser corrigido. Pois, todas as riquezas se chamam da iniquidade, por não serem iniquas senão para os iníquos, que nelas põem as suas esperanças, - Ou, segundo Ambrósio desse riqueza iniqua porque ela, com os seus vários atrativos tenta os nossos desejos, - Ou porque, no dizer de Basílio, dentre os muitos antepassados, a cujo patrimônio sucedes, algum houve que usurpou injustamente o alheio, embora tu não o saibas. Ou, todas as riquezas são chamadas da iniquidade, isto é, da desigualdade, porque não são igualmente distribuídas a todos, estando um na necessidade e o outro na superabundância.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Já dissemos como se pode fazer esmola do adquirido pelo meretrício. Mas sacrifício com esse ganho não se pode fazer nem oferenda ao altar, quer por causa do escândalo quer pela reverência para com o sagrado. Mas com o que foi adquirido por simonia pode se fazer esmola, porque os bens assim adquiridos não são devidos a quem os deu, que, antes, merece perdê-los. Quanto enfim ao adquirido no jogo, é parte ilícito por direito divino, quando alguém ganhou de quem não podia alienar os seus bens, como os menores, os loucos e outros tais; e quando arrasta a outrem a jogar por cobiça do lucro; e quando deste ganha fraudulentamente. E em tais casos há dever de restituir; e portanto, com os bens assim adquiridos não pode dar esmola. Por outro lado e ulteriormente tal lucro é ilícito pelo direito civil positivo, que de todo o proíbe. Mas o direito civil não obriga a todos senão só os que estão sujeitos às suas leis; e além disso, pode ser obrigado pelo desuso. Por isso, os que estão adstritos a tais leis são universalmente obrigados a restituir o que ganharam, salvo se prevalecer o costume contrário ou se alguém ganhar de quem o arrastou ao jogo. Neste último caso não está obrigado a restituir, porque quem perdeu não é digno de receber. Mas quem ganhou também não pode conservar o lucro, enquanto vigorar o referido direito positivo e por isso deve com ele, nesse caso, fazer esmola.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Em caso de extrema necessidade todas as coisas são comuns. Por isso é lícito quem padece tal necessidade tomar o bem alheio, para o seu sustento, se não achar ninguém que lhe queira dar. E pela mesma razão, é lícito ao que tem um bem alheio fazer com ele esmola, e mesmo tomá-lo para isso, se não puder de outro modo socorrer ao necessitado. Se contudo puder fazêlo sem perigo, deve socorrer ao que padece extrema necessidade, depois de consultada a vontade do dono.
O sexto discute-se assim. – Parece que ninguém deve dar esmolas do necessário.
1. – Pois, a ordem da caridade não se funda menos no efeito do benefício do que no afeto interior. Ora, peca quem age, contrariando a ordem da caridade, pois essa ordem é estabelecida por um preceito. Ora, como tal ordem exige nos amemos a nós mesmos mais que ao próximo, parece que peca quem tirar do necessário para dar a outrem.
2. Demais. – Quem dá do necessário dissipa à sua própria substância, como é próprio do pródigo, segundo está claro no Filósofo. Ora, não devemos praticar nenhuma obra viciosa. Logo, não devemos dar esmola do necessário.
3. Demais. – O Apóstolo diz: E se algum não tem cuidado dos seus e principalmente dos da sua casa, esse negou até e é pior que um infiel. Ora, quem dá do necessário a si ou aos seus parece deixar de velar por e pelos seus como deve. Logo, parece que quem dá esmola do necessário peca gravemente.
Mas, em contrário, diz o Senhor: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres. Ora, quem dá tudo o que tem aos pobres dá-lhes não só o supérfluo, mas também o necessário. Logo, podemos dar do nosso necessário.
SOLUÇÃO. – O necessário pode ser considerado em duplo sentido. Num primeiro sentido, necessário é aquilo sem o que uma coisa não pode existir. E desse, de nenhum modo podemos dar esmola; tal o caso de quem posto em artigo de necessidade, só tivesse o com o que pudesse sustentar os filhos ou outros de si dependentes. Pois, dar esmola desse necessário seria tirar a vida a si e aos seus. E isso o digo salvo se se apresentasse o caso em que, tirando de si, desse a alguma pessoa de importância de quem se sustentasse a Igreja ou a república; pois, preferindo o bem comum ao particular, seria louvável, pela conservação da referida pessoa, expor-se a si e aos seus ao perigo de morte.
Noutro sentido, considera-se necessário aquilo sem o que não pode uma pessoa viver convenientemente, segundo a condição e o seu estado próprios, seus e dos demais de quem deve cuidar. O limite desse necessário não pode ser fixado de modo absoluto, pois, apresentados muitos bens, ainda não se poderia julgar tenha sido ultrapassado o necessário; e diminuídos muitos, ainda restaria o com o que possa viver convenientemente segundo o estado próprio. Ora, dar esmola desse necessário é bom; constitui porém matéria, não de preceito, mas de conselho. Agiria porém desordenadamente quem tirasse dos seus bens para dar aos outros, de modo que não pudesse, com o remanescente, viver segundo a conveniência do seu próprio estado e as necessidades ocorrentes. Ora, ninguém deve viver inconvenientemente. - Mas essa regra comporta tríplice exceção. - A primeira é quando se muda de estado, por exemplo, entrando em religião. Então, distribuindo todos os seus bens, por amor de Cristo, faz obra de perfeição, desde que se transfere para outro estado. A segunda é quando, sem que resulte grande inconveniente, podemos facilmente ressarcir o que de nós tirarmos, mesmo que seja necessário a condição da nossa vida. A terceira é quando esta alguém em extrema necessidade, ou também há alguma grande necessidade da república. Pois, nesses casos, seria louvável preterirmos o que consideramos necessário à decência do nosso estado, para obviarmos a uma necessidade maior.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
O quinto discute-se assim. – Parece que não é de preceito dar esmolas.
1. – Pois, o conselho difere do preceito. Ora, dar esmola é conselho, conforme a Escritura. Segue, ó rei, o conselho que te dou, e redime os teus pecados com esmolas, Logo, dar esmolas não é de preceito.
2. Demais. – A cada um é lícito usar e conservar o seu. Ora, quem conserva o seu não da esmola. Logo, é lícito não dar esmola, e portanto, não é de preceito.
3. Demais. – Os transgressores de um preceito temporário cometem pecado mortal, porque os preceitos afirmativos obrigam por tempo determinado. Logo, se dar esmola fosse de preceito, poder-se-ia determinar um tempo durante o qual pecaria mortalmente quem não a desse. Ora, tal não acontece; pois sempre poderia considerar provavelmente possível socorrer ao pobre de outro modo; e lhe poderia ser necessário, no presente ou no futuro, o que lhe desse de esmola. Logo, parece que dar esmola não é de preceito.
4. Demais. – Todos os preceitos se reduzem aos do Decálogo. Ora, destes nenhum obriga a dar esmolas. Logo, dar esmolas não é de preceito.
Mas, em contrário. – Ninguém é punido com pena eterna por ter omitido uma obra que não é de preceito. Ora, certos são punidos com pena eterna por terem deixado de dar esmolas. Logo, dar esmolas é de preceito.
SOLUÇÃO. – Sendo de preceito o amor do próximo, necessariamente sê-lo-á tudo aquilo sem o que não podemos amá-lo. Ora, esse amor exige que não só lhe queiramos bem, mas ainda que lho façamos, conforme aquilo da Escritura. Não amemos de palavra nem de língua, mas por obra e em verdade. Ora, para lhe querermos e fazermos bem é necessário lhe socorramos às necessidades, o que realizamos dando-lhe esmolas. Logo, dar esmolas é de preceito.
Ora, prescrevendo os preceitos atos de virtude, forçosamente dar esmola será de preceito na medida em que é ato virtuoso, isto é, enquanto a razão reta o exige. E, fundado esta, devemos considerar a esmola relativamente a quem a dá e a quem deve dá-la.
Quanto a quem a dá, devemos levar em conta que há de gastar em esmolas do seu supérfluo, conforme ao Evangelho. Dai esmola do que é vosso supérfluo. E considero supérfluo o que sobra não só do necessário ao indivíduo em si mesmo considerado, mas também das demais pessoas dele dependentes; e a isto se chama necessário à pessoa, implicando a pessoa uma certa dignidade. Pois antes de tudo, devemos prover ao nosso necessário e ao daqueles que de nós dependem; e depois, com as sobras, obviaremos às necessidades alheias. Assim como a natureza cuida primeiro, por meio da virtude nutritiva, de tomar o necessário ao sustento do nosso próprio corpo; e dispende o supérfluo gerando a outro, pela virtude geratriz.
Quanto a quem recebe a esmola, há de ter necessidade; do contrário, não havia razão de lha fazermos. Mas como uma só pessoa não pode socorrer a todos os necessitados, nem toda necessidade obriga sob preceito mas só aquela sem a qual não pode ser socorrido quem padece necessidade. Pois, nesse caso tem aplicação o dito de Ambrósio: Dá de comer ao que está morrendo de fome; se não o fizeres, mata-lo-ás.
Assim, pois dar esmola do supérfluo e ao que está em extrema necessidade é de preceito. Fora daí é de conselho, assim como conselhos também se dão para buscarmos bens melhores.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Daniel falava a um rei não sujeito à lei de Deus. E por isso o concernente aos preceitos da lei, que ele não professava, devia lhe ser proposto a modo de conselho. - Ou, como podemos dizer, referia-se ao caso em que dar esmola não é de preceito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Dos bens temporais conferidos por Deus, o homem tem a propriedade mas quanto ao uso, esse não lhe pertence só a ele mas, o supérfluo pertence também ao sustento dos outros. Por isso, diz Basílio. Se afirmas que de Deus te provêm tais coisas, isto é, os bens temporais, será por isso Deus injusto distribuindo esses bens desigualmente? Por que abundas tu e o outro mendiga, senão para ganhares tu os méritos de bem dispenderes, e para se ornar ele com os prêmios da paciência? Do faminto é o pão que reténs; do nu a túnica que conservas no quarto; do descalço o calçado que se estraga com os teus guardados; do indigente a praia que possuis enterrada. Por isso, com tantas causas, o injuriar, que lhe poderias dar. E o mesmo diz Ambrósio
RESPOSTA À TERCEIRA. – Há um certo tempo dentro do qual peca mortalmente quem deixa de dar esmolas. Relativamente a quem recebe, quando se acha em necessidade manifesta e urgente, nem aparece de pronto quem lhe socorra. Relativamente ao que dá, quanto tem supérfluo, que lhe não é de presente necessário, tanto quanto pode concluir, com probabilidade. Nem é força levar em conta todos os casos que no futuro poderão ocorrer; seria isso cogitar do dia de amanhã, o que Deus proíbe. Mas deve distinguir o supérfluo, do necessário, baseado no que acontece provavelmente e na maior parte das vezes.
RESPOSTA À QUARTA. – A promessa da Escritura acrescentada à honra deferida aos pais. - Para leres uma dilatada vida sobre a terra - assim a interpreta o Apóstolo. A piedade para tudo é proveitosa; porque tem a promessa da vida que agora é, e da que há de ser. E na piedade de todo está compreendido o dar esmolas.
O quarto discute-se assim. – Parece que as esmolas corporais não produzem efeito espiritual.
1. – Pois, o efeito não tem Superioridade sobre a causa. Ora, os bens espirituais são superiores aos corporais. Logo, as esmolas corporais não têm efeitos espirituais.
2. Demais. – Dar o corporal em troco do espiritual é o pecado de simonia. Ora, esse pecado deve ser absolutamente evitado. Logo, não se devem dar esmolas para se conseguirem efeitos espirituais.
3. Demais. – Multiplicada a causa, multiplicados ficam os efeitos. Se portanto, a esmola corporal causasse efeito espiritual, seguir-se-ia que maior esmola produziria maior efeito espiritual. O que encontra o que se lê no Evangelho da viúva que depôs duas pequenas moedas de bronze no gazofiláceo e, segundo a sentença do Senhor, lançou mais que todos os outros. Logo, a esmola corporal não tem efeito espiritual.
Mas, em contrário, a Escritura. A esmola do homem conservará o bem-fazer do homem como a menina do olho.
SOLUÇÃO. – A esmola corporal pode ser considerada de tríplice modo. - Primeiro, na sua substância, e então só tem efeito corporal, enquanto socorre às necessidades corporais do próximo. - De outro modo, pode ser considerada relativamente à sua causa, isto é, enquanto damos a esmola corporal por amor de Deus e do próximo. E a esta luz, produz fruto espiritual, conforme aquilo da Escritura. Perde o teu dinheiro por amor do teu irmão, põe o teu tesouro nos preceitos do Altíssimo, e isto te aproveitará mais do que o ouro. - De terceiro modo, quanto ao efeito. E então produz também fruto espiritual, levando o próximo, a quem socorremos com a esmola corporal, a orar pelo seu benfeitor. Por isso no mesmo lugar a Escritura acrescenta: Encerra a esmola no coração do pobre, e ela rogará por ti para te livrar de todo o mal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe quanto à esmola corporal, considerada na sua substância.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem dá esmola não pretende comprar o espiritual com o corporal, pois como sabe, os bens espirituais sobrepujam infinitamente os corporais. Mas pretende, pelo afeto da caridade, merecer desde logo o fruto espiritual.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A viúva, que deu menos, quantitativamente, deu mais, em proporção; e isso nela supunha maior afeto da caridade, que faz a esmola corporal ter eficácia espiritual.
O terceiro discute-se assim. – Parece que as esmolas corporais são mais importantes que as espirituais.
1. – Pois, é mais louvável fazer esmola a quem dela mais necessita, porque a esmola merece louvores por socorrer ao necessitado. Ora, o corpo, a que a esmola corporal socorre, padece, por natureza mais necessidades que o espírito, a que socorremos com as esmolas espirituais. Logo, as esmolas corpóreas são mais principais.
2. Demais. – A recompensa do benefício diminui o louvor e o mérito da esmola; por isso, diz o Senhor. Quando dera algum jantar ou alguma ceia não chama teus vizinhos que forem ricos, para que não aconteça que também eles te convidem à sua vez. Ora, a esmola espiritual sempre tem recompensa, pois quem ora por outrem disso tira proveito para si, segundo aquilo da Escritura. A minha oração dava voltas no meu seio; e também quem ensina a outrem progride na ciência. O que não se dá com as esmolas corporais. Logo, estas são mais principais que as outras.
3. Demais. – O louvor da esmola se funda em o pobre se consolar com a que lhe é dada; donde o dizer a Escritura: Se os seus membros não me abendiçoavam; e o Apóstolo: As entranhas dos santos por ti, irmão, foram confortadas. Ora, às vezes é mais grata ao pobre a esmola corpórea, que a espiritual. Logo, a esmola corpórea é mais principal que a espiritual.
Mas, em contrário, Agostinho, aquilo do Evangelho - Dá a quem te pede - diz. Deves dar o que não prejudique nem a ti nem a outrem; e quando negares a quem te pede, deves revelar a justiça de teu ato, para não o despedires vazio; e às vezes darás melhor, quando corrigires a quem te pede injustamente. Ora, a correção é esmola espiritual. Logo, as esmolas espirituais devem ser preferidas à corpóreas.
SOLUÇÃO. – As relações entre essas duas espécies de esmolas podem ser consideradas à dupla luz. - Primeiro absolutamente falando. E neste sentido, as esmolas espirituais tem preeminência por três razões. Primeiro, por ser mais nobre o seu dom, a saber, o espiritual que tem preeminência sobre o corpóreo, conforme aquilo da Escritura Contribuir-vos-ei com um belo dom; não deixeis a minha lei. Segundo, por causa da natureza do ser a quem socorremos, pois, o espírito é mais nobre que o corpo. Por onde, assim como devemos cuidar mais do nosso espírito do que do nosso corpo o mesmo devemos fazer para com o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos. Terceiro, quanto aos atos mesmos por que socorremos ao próximo, por serem os atos espirituais mais nobres que os corpóreos, que são de certo modo, servis. - De outro modo, podem essas esmolas ser comparadas relativamente a um caso particular, em que a esmola corpórea é preferível à espiritual; por exemplo, a quem está morrendo de fome devemos antes dar de comer do que ensinar; assim como para o necessitado é melhor, segundo o Filósofo enriquecer-se do que filosofar, embora, absolutamente falando, isto seja melhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dar a quem precisa mais é, em igualdade de situações, melhor. Mas, se quem precisa menos for melhor e precisar de coisas melhores, melhor será lhe dar a ele. Ora, tal é o que se passa no caso proposto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A recompensa não diminui o mérito nem o louvor da esmola, se não for buscada intencionalmente; assim como a glória humana, se não for intencionalmente buscada, não diminui a virtude na sua essência. Por isso, Salústio diz de Catão que, quanto mais fugia da glória, tanto mais a glória o buscava. Ora, é o que acontece com as esmolas espirituais. E contudo buscar intencionalmente os bens espirituais não diminui o mérito, como o diminui a busca intencional dos bens corpóreos,
RESPOSTA À TERCEIRA. – O mérito de quem dá esmola se funda naquilo com que deve racionalmente aquietar-se a vontade de quem a recebe, e não naquilo com que se acalma a vontade desordenada.
O segundo discute-se assim. – Parece que se distinguem inconvenientemente os gêneros de esmolas.
1. – Pois, consideram-se sete as esmolas corporais, a saber: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, recolher os peregrinos, visitar os enfermos, redimir os cativos e enterrar os mortos; e todas se resumem neste versículo:
Visito, dou de beber, dou de comer, redimo, cubro, recolho, sepulto. Distinguem-se também sete esmolas espirituais, a saber: ensinar os ignorantes, aconselhar aos que duvidam, consolar aos tristes, corrigir os pecadores, perdoar a quem nos ofende, suportar os que nos incomodam e molestam e orar por todos; e todas também se resumem no versículo:
Aconselha, castiga, consola, perdoa, suporta, ora.
Mas de modo que no conselho se inclina o ensino. Ora, parece que tais esmolas se distinguem inconvenientemente. Pois, a esmola se ordena a socorrer ao próximo. Ora, quem sepulta um morto em nada lhe presta socorro; do contrário não seria verdade o que o Senhor diz. Não temais aos que matam o corpo e nada mais que isso podem fazer; e por isso, o Senhor, relembrando as obras de misericórdia, não faz menção de sepultar os mortos. Logo, parece que se distinguem inconvenientemente tais esmolas.
2. Demais. – A esmola é dada para socorrer às necessidades do próximo, como já se disse Ora, há muitas outras necessidades da vida além das enumeradas; assim, os cegos precisam de quem os conduza; o coxo, de quem os arrime; o pobre, das riquezas. Logo, as referidas esmolas estão inconvenientemente enumeradas.
3. Demais. – Dar esmola é ato de misericórdia. Ora, corrigir um delinquente parece ser ato, antes de severidade do que de misericórdia. Logo, não deve ser enumerado entre as esmolas espirituais.
4. Demais. – A esmola se ordena a suprir uma deficiência. Ora, não há ninguém que não padeça, de algum modo, a deficiência da ignorância. Logo, parece, todos devemos ensinar a outrem, se este ignorar o que sabemos.
Mas, em contrário, Gregório diz: O que tem intelecto cuide diligentemente de não calarse; quem possui abundância de bens tome cuidado não vá deixar de ser misericordioso; quem exerce a arte de governar, esforce-se muito em aplicá-la em proveito e utilidade do próximo; a quem se apresenta a ocasião de falar com um rico, tema condenar-se retendo o talento, se, quando puder, não interceder junto dele pelos pobres. Logo, as referidas esmolas se distinguem convenientemente conforme os bens de que os homens têm abundância e falta.
SOLUÇÃO. – A referida distinção entre as esmolas se funda convenientemente nas várias necessidades dos próximos. Das quais, umas dizem respeito à alma, e a essas se ordenam as esmolas espirituais. Outras, porém, ao corpo, e a elas se ordenam as corporais.
Ora, necessidade corporal nós a padecemos nesta vida ou depois dela. - Se nesta vida, será uma necessidade geral, relativa a coisas de que todos precisam: ou especial causada por algum acidente sobrevindo. Do primeiro modo, a necessidade é interior ou exterior. A interior é dupla. - Uma, a que socorremos com alimento seco, e é a fome. E, em relação a ela é que se diz: dar de comer a quem tem fome. - A outra é a que socorremos com alimento líquido, e é a sede. E, em relação a ela é que se diz: dar de beber a quem tem sede. - Por outro lado, a necessidade geral do auxílio exterior é dupla. - Uma diz respeito à coberta. E em relação a ela se diz: vestir os nus. - Outra concerne à habitação. E em relação a ela se diz: recolher os peregrinos. Do mesmo modo, a necessidade especial provém de uma causa intrínseca, como a doença, e em relação a ela se diz: visitar os enfermos. - Ou, de uma causa extrínseca, em relação à qual se diz: redimir os cativos. - E se for depois da vida, a isso concerne o dar sepultura aos mortos.
Semelhantemente, as necessidades espirituais se suprem com atos espirituais, de dois modos. - Primeiro, pedindo auxílio a Deus. E a isso se propõe a oração, que nos faz pedir pelos outros. - Depois, aplicando o auxílio humano. E isto de três modos. Primeiro, contra a necessidade do intelecto. - Se for do intelecto especulativo, dá-se-lhe o remédio da doutrina. - Se porém do intelecto prático, ministra-se-lhe o remédio do conselho, - Outra deficiência é a proveniente da paixão da virtude apetitiva, sendo a maior a tristeza, a que socorremos pela consolação, - A terceira deficiência é a proveniente de um ato desordenado, e pode ser considerada sob tríplice aspecto. Primeiro, relativamente ao próprio pecador, enquanto ela procede da sua vontade desordenada. E, então dá-se-lhe o remédio da correção. Segundo, relativamente à pessoa contra quem peca. - E então, se o pecado for contra nós o remediamos perdoando a ofensa. - Se for porém contra Deus ou o próximo, não está em nosso arbítrio o perdoá-lo, como diz Jerônimo. - Em terceiro lugar relativamente a consequência do ato mesmo desordenado, pela qual o pecador se torna oneroso aos que com ele convivem, embora isso não esteja na sua intenção. E a isso remediamos suportando, sobretudo aos que pecam por fraqueza, conforme a Escritura: Nós que somos mais valentes devemos suportar as fraquezas dos que são débeis. E não só porque os fracos são onerosos pelos seus atos desordenados, mas também por lhes devermos levar todas as cargas, segundo aquilo do Apóstolo. Levai as cargas uns dos outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A sepultura de nada aproveita ao morto, quanto ao sentido, pois este o corpo não o tem depois da morte. E nesta acepção, o Senhor diz, que os que matam o corpo nada mais podem fazer. E por isso também o Senhor não relembra o sepultar como uma das obras de misericórdia; mas só enumera as de mais evidente necessidade. Importa, porém, ao defunto o que se lhe faça do corpo; quer porque vive na memória dos homens, ficando a sua honra diminuída se ficar insepulto; quer também por causa do afeto que, quando vivo, tinha para com o corpo, a cujo afeto deve ser fiel o afeto das pessoas pias, depois da morte do mesmo. E por isso, alguns, como Tobias, mereceram louvores por terem sepultado os mortos, e aqueles que sepultaram o Senhor, como claro está em Agostinho.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Todas as outras necessidades reduzem-se às referidas. Pois, a cegueira e a claudicação são certas enfermidades; por onde, dirigir os cegos e arrimar os coxos se reduzem à visitação dos enfermos. Semelhantemente, socorrer alguém contra qualquer opressão imposta por outrem, reduz-se à redenção dos cativos. Por fim, as riquezas com as quais socorremos à pobreza não as buscamos senão para socorrermos às necessidades referidas; e por isso não se fez menção especial dessa necessidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O ato mesmo da correção dos pecadores parece implicar a severidade da justiça. Mas, levando-se em conta a intenção de quem corrige, que quer livrar a outrem do mal da culpa, implica a misericórdia e o afeto do amor, conforme aquilo da Escritura: Melhora são as feridas feitas pelo que ama do que os ósculos fraudulentos do que quer mal.
RESPOSTA À QUARTA. – Não qualquer nesciência é propriamente deficiência em alguém; mas só aquela que o leva a não saber o que deveria saber; ora, prover a essa deficiência é próprio da esmola. No que porém devem ser observadas as circunstâncias devidas de pessoa, lugar e tempo, como se dá também com os outros atos virtuosos.
O primeiro discute-se assim. – Parece que dar esmola não é ato de caridade.
1. – Pois, um ato de caridade não pode existir sem a caridade. Ora, o ato de dar esmolas pode existir sem ela, conforme a Escritura. Se eu distribuir todos os meus bens em o sustento dos pobres, se todavia não tiver caridade. Logo, dar esmola não é ato de caridade.
2. Demais. – A esmola é considerada obra de satisfação, segundo aquilo da Escritura. Redime os teus pecados com esmola. Ora, a satisfação é ato de justiça. Logo, dar esmola não é ato de caridade, mas de justiça.
3. Demais. – Oferecer sacrifício a Deus é ato de latria. Ora, dar esmola é oferecer sacrifício a Deus, conforme aquilo da Escritura. Não vos esqueçais de fazer bem e de repartir dos vossos bens com os outros: porque com tais oferendas é que Deus se dá por obrigado. Logo, dar esmola não é ato de caridade, mas antes, de latria.
4. Demais. – O Filósofo diz, que dar, visando o bem, é ato de liberalidade Ora, isto se verifica principalmente no ato de dar esmolas. Logo, dar esmola não é ato de caridade.
Mas, em contrário, a Escritura: O que tiver riquezas deste mundo e vir a seu irmão ter necessidade, e lhe fechar as suas entranhas, como está nele a caridade de Deus?
SOLUÇÃO. – Os atos externos dependem da virtude a que pertence a moção conducente à prática deles. Ora, o que nos move a dar esmolas é socorrer a quem sofre necessidade; e por isso, certos definem a esmola dizendo ser a obra pela qual damos alguma coisa a um necessitado, por compaixão e amor de Deus, Ora, esse motivo se funda na misericórdia, como já dissemos. Por onde, é manifesto que dar esmola é propriamente ato de misericórdia. O que resulta da própria denominação; pois, em grego, esmola deriva de misericórdia, como, em latim, a comiseração. E sendo a misericórdia efeito da caridade, como já demonstramos dar esmola é por consequência ato de caridade, mediante a misericórdia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – De dois modos pode um ato ser considerado misericordioso. - Primeiro, materialmente, assim, o ato de justiça consiste em fazer coisas justas. E tal ato de virtude pode existir sem a virtude; assim, muitos que não têm o hábito da justiça, praticam atos justos, quer pela razão natural, quer por temor, ou por esperança de alcançar algum bem. - De outro modo, dizemos que um ato é virtuoso, formalmente; assim, um ato de justiça é uma ação justa do modo pelo qual o justo o pratica, isto é, prontamente e com prazer. E neste sentido, um ato de virtude não pode existir sem virtude. Por onde, o ato de dar esmolas pode, materialmente, existir sem a caridade; formalmente, porém, isto é, dá-las por amor de Deus, com prazer e prontamente, e de todos os modos porque devemos praticá-lo, não vai sem caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede que um ato próprio, como elícito, a uma virtude, seja atribuído à outra como a que o impera e o ordena ao fim devido. E neste sentido, dar esmola é considerado uma das obras satisfatórias, enquanto a comiseração pela necessidade de outrem se ordena à satisfação pela culpa. Enquanto, porém, se ordena a aplacar a Deus, assume a natureza de sacrifício, e então é imperado pela latria.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À QUARTA. – Dar esmola é ato próprio de liberalidade, enquanto eliminadora dos obstáculos a esse ato, que poderiam proceder do amor excessivo pelas riquezas, que nos torna nimiamente apegados a elas.
O quarto discute-se assim. – Parece que a beneficência é uma virtude especial.
1. – Pois, os preceitos se ordenam às virtudes, porque os legisladores visam tornar os homens virtuosos, como diz Aristóteles. Ora, o Evangelho dá um preceito sobre a beneficência e outro sobre o amor; pois, lá diz: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio. Logo, a beneficência é uma virtude distinta da caridade.
2. Demais. – Os vícios se opõem Às virtudes. Ora, à beneficência se opõem certos vícios especiais, causadores de dano ao próximo, como o roubo, o furto e semelhantes. Logo, a beneficência é uma virtude especial.
3. Demais. – A caridade não se divide em muitas espécies. Ora, parece que a beneficência assim se divide, conforme as espécies diversas dos benefícios. Logo, a beneficência é uma virtude diversa da caridade.
Mas, em contrário, o ato interno e o externo não implicam virtudes diversas. Ora, a beneficência e a benevolência não diferem entre si senão como o ato externo, do interno, por ser a beneficência a execução da benevolência. Logo, assim como a benevolência não é virtude diversa da caridade, assim também dela não difere a beneficência.
SOLUÇÃO. – As virtudes se diversificam pela diversa natureza dos seus objetos. Ora, a natureza formal do objeto da caridade e da beneficência é a mesma, pois ambas visam o bem na sua noção geral, como do sobredito resulta. Por onde, a beneficência não é virtude diversa da caridade, mas designa um certo ato desta.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os preceitos não são estabelecidos para os hábitos das virtudes, mas para os atos deles. Logo, a diversidade dos preceitos não significa hábitos diversos das virtudes, mas atos diversos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como todos os benefícios feitos ao próximo, considerados sob a noção geral de bem, reduzem-se ao amor, assim também os danos, considerados sob a noção geral de mal, reduzem-se ao ódio. Mas, considerados sob certas noções especiais do bem ou do mal, reduzem-se a certas virtudes ou vícios especiais. E a esta luz também são espécies diversas de benefícios.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.
O terceiro discute-se assim. – Parece que não devemos beneficiar mais aos que nos são mais chegados.
1. – Pois, diz a Escritura: Quando deres algum jantar ou alguma ceia, não chames nem teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes. Ora, estes nos são os mais chegados. Logo, não devemos beneficiá-los, de preferência, mas antes, aos estranhos que o necessitam, conforme o versículo seguinte do mesmo lugar citado do Evangelho: Mas quando deres algum banquete, convida os pobres e os aleijados, etc.
2. Demais. – O máximo benefício é ajudarmos ao que está na guerra. Ora, um soldado na guerra deve ajudar antes a um companheiro de armas estranho do que a um consanguíneo inimigo. Logo, não é sobretudo aos que nos são chegados que devemos fazer benefícios.
3. Demais. – Antes de fazermos benefícios gratuitos, devemos restituir o devido. Ora, devemos fazer benefícios aquele de, quem o recebemos. Logo, devemos fazê-los antes aos nossos benfeitores do que aos que nos são chegados.
4. Demais. – Devemos amar mais aos pais que aos filhos, como já se disse. Ora, devemos fazer benefícios aos filhos, de preferência, pois, não são os filhos os que devem entesourar para os pais, como diz a Escritura. Logo, não é aos nossos chegados a quem devemos, sobretudo fazer benefícios.
Mas, em contrário, Agostinho: Não podendo servir a todos, deves procurar fazê-lo, sobretudo aqueles que, por circunstâncias de lugar e de tempo, ou quaisquer outras, te são unidas mais estreitamente por um como consorcio.
SOLUÇÃO. – A graça e a virtude imitam a ordem da natureza, instituída pela sabedoria divina. Ora, a ordem da natureza é tal que cada agente natural difunde a sua ação primária e principalmente para com o que lhe é mais chegado; assim, o fogo aquece, sobretudo aquilo que lhe está mais perto. Do mesmo modo, Deus mais principal e abundantemente difunde os dons da sua bondade às substâncias que lhe estão mais próximas, como está claro em Dionísio. Ora, a prestação de benefícios é um ato de caridade para com os outros.
Mas, a proximidade de um relativamente a outro pode ser considerada segundo as diversas afinidades que os homens mantêm entre si; assim, os consanguíneos, pelas afinidades naturais; os concidadãos, pelas civis; os fiéis, pelas espirituais e assim por diante. E, segundo as diversas afinidades, devem ser dispensados diversamente os vários benefícios. Pois, devemos fazer a cada um o benefício mais condizente com a afinidade que no-lo torna mais chegado, absolutamente falando. Mas isso pode variar conforme a diversidade dos lugares, dos tempos e dos negócios; assim, num determinado caso, devemos socorrer de preferência a um estranho, por exemplo, caído em extrema necessidade, do que mesmo ao nosso pai se não estiver sofrendo tal necessidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor não proíbe de modo absoluto convidar os amigos ou os consanguíneos a um banquete; mas, convidá-los com a intenção de, por sua vez, eles te convidarem a ti; o que já não seria caridade, mas, cobiça. Pode, porém, acontecer que devam ser convidados de preferência os estranhos, num determinado caso, por sofrerem maior necessidade. Não se perca porém de vista que devemos, em igualdade de situações, beneficiar sobretudo aos que nos são mais chegados. Se, pois, de dois, um nos é mais chegado e o outro, mais necessitado, não é possível determinar, por uma regra universal, a quem devamos socorrer de preferência, por serem diversos os graus de necessidade e de proximidade; mas, para tal é necessário o juízo de uma pessoa prudente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O bem comum de muitos é mais divino que o de um só. Por onde, para o bem comum espiritual ou temporal da república, é mais virtuoso expor ao perigo até mesmo a nossa própria vida. Por onde, ordenando-se o exercício da guerra à conservação da república, quando um soldado presta auxílio a um companheiro de armas, não lho presta como a pessoa particular, mas para ser útil a toda a república. Donde, não é para admirar se, nesse caso, o estranho é preferido ao que nos é carnalmente chegado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Ha duas espécies de débito. - Um, que não deve ser considerado como bem do devedor, mas antes, como um daquele a quem deve; tal o caso de quem tem dinheiro ou qualquer outro bem alheio, obtido por furto, recebido em mútuo, em depósito ou de qualquer outro modo. E então, estarmos mais obrigados a restituir o débito do que a beneficiar com ele aos que nos são chegados. Salvo se o paciente estivesse premido por tal necessidade, que nos fosse lícito tomarmos o bem alheio para lha socorrer; e contanto que a pessoa a quem devêssemos não se encontrasse em semelhante necessidade. E neste caso, deveríamos pesar a condição de ambos de acordo com outras condições, a juízo de uma pessoa prudente; pois, em tais circunstâncias não é possível estabelecer uma regra universal, por causa da variedade dos casos particulares, como diz Aristóteles. Outra espécie de débito é o considerado como um bem do devedor e não daquele a quem deve; assim, se devêssemos, não por necessidade de justiça, mas por uma certa equidade moral, como no caso de benefícios recebidos a título gratuito. Ora, de nenhum benfeitor o benefício é tão grande como o dos pais. Logo, estes devem ser preferidos a todos os outros quando se trata de recompensarmos os benefícios; salvo se, de outro lado, preponderar a necessidade, ou outra circunstância, como a utilidade comum da Igreja ou da república. Mas nos outros casos, devemos levar em conta tanto o nos ser a pessoa chegada a nós, como o benefício recebido, circunstâncias que, como já dissemos acima, não podem ser determinadas, por uma regra geral.
RESPOSTA À QUARTA. – Os pais são como uns superiores, e por isso o amor os leva a bem fazer; ao passo que o amor dos filhos os leva a honrar os pais. Contudo, em artigo de extrema necessidade, seria lícito, antes abandonar os filhos, que os pais, os quais de nenhum modo nos é lícito abandonar, por causa da obrigação que nos é imposta pelos benefícios recebidos, como está claro no Filósofo.
O segundo discute-se assim. – Parece que não devemos beneficiar a todos.
1. – Pois, como diz Agostinho, não podemos ser útil a todos, Ora, a virtude não obriga a impossíveis. Logo, não devemos beneficiar a todos.
2. Demais. – A Escritura diz: Dá ao que é bom e não remedeies o pecador. Ora, muitos homens são pecadores. Logo, não devemos beneficiar a todos.
3. Demais. – A caridade não obra temerária nem precipitadamente, diz o Apóstolo Ora, beneficiar a certos é agir temerária e precipitadamente; tal o caso de quem beneficiasse aos inimigos da república ou a um excomungado, comunicando assim com ele. Logo, sendo bem fazer ato de caridade, a nem todos devemos beneficiar.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Enquanto temos tempo, façamos bem a todos.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a beneficência resulta do amor, quando este move os seres superiores a proverem às necessidades dos inferiores. Ora, os graus entre os homens não são imutáveis, como entre os anjos; por sofrerem aquelas muitas deficiências; por isso quem é superior, a certos respeitos, é ou pode ser inferior, a certos outros. Logo, estendendo-se a todos o amor de caridade, também a todos deve estender-se a beneficência; contudo, de conformidade com o lugar e o tempo. Pois, todos os atos das virtudes devem ser limitados pelas circunstâncias devidas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Absolutamente falando, não podemos beneficiar a todos em especial; ninguém há, entretanto, que não lhe possa suceder um caso em que devamos lhe prestar benefício, mesmo em especial. Por onde, a caridade exige que, embora não estejamos a beneficiar a alguém atualmente, estejamos contudo de ânimo preparado a fazê-lo quando a ocasião se apresentar. - Mas já é de certo modo um benefício o podermos beneficiar a todos, se não em especial, ao menos em geral; como quando oramos por todos os fiéis e infiéis.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Duas coisas há no pecador - a culpa e a natureza. Logo, devemos socorrê-lo para sustentar-lhe a natureza; não, para fomentar-lhe a culpa, o que não seria beneficiá-lo, mas antes, fazer-lhe mal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Aos excomungados e aos inimigos da república devemos privá-los dos nossos benefícios, por assim ficarem impedidos de caírem em culpa. Se porém houvessem necessidade iminente de socorro, para não lhes perecer a natureza, deveríamos socorrê-los, mas de modo devido; por exemplo, para que não morrerem de fome ou sede, ou não virem a sofrer mal semelhante, salvo por exigência da justiça.