Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 1 - Se se deve estabelecer algum preceito sobre a caridade.

O primeiro discute-se assim. Parece que não se deve estabelecer nenhum preceito sobre a caridade.

1. Pois, a caridade regula o modo de agir de todas as virtudes, que são objetos de preceito, sendo ela como é a forma de todas, conforme já se disse. Ora, o modo não é de preceito, segundo a opinião geral. Logo, não se devem dar preceitos sobre a caridade.

2. Demais. A caridade, difundida em nossos corações pelo Espírito Santo, nos faz livres; pois, onde há o Espírito do Senhor, ai há liberdade, diz o Apóstolo. Ora, a obrigação nascida de preceitos opõe-se à liberdade, por impor necessidade. Logo, não se devem estabelecer preceitos sobre a caridade.

3. Demais. A caridade é a principal entre todas as virtudes, a que se ordenam os preceitos, como do sobredito resulta. Ora, se se estabelecessem preceitos sobre a caridade, esses deveriam estar entre os principais, que são os do Decálogo. Ora, aí não estão. Logo, nenhuns preceitos se devem estabelecer sobre a caridade.

Mas, em contrário. - O que Deus exige de nós constitui objeto de preceito. Ora, Deus exige que o amemos como diz a Escritura. Logo, devem estabelecer-se preceitos sobre o amor de caridade, que é o amor de Deus.

SOLUÇÃO. Como já se disse, preceito implica ideia de dívida. Por onde, uma coisa constitui objeto de preceito na medida em que implica a ideia de dívida. Ora, uma dívida pode existir de duplo modo; absoluta ou relativamente. Dívida, absolutamente considerada, é a que, em cada ordem de coisas, constitui um fim, por ter a natureza essencial de bem. Relativa é a dívida ordenada para um fim. Assim, o médico, em absoluto, deve curar; mas, relativamente, deve dar o remédio, que cura. - Ora, o fim da vida espiritual é unir o homem a Deus, e tal se dá pela caridade. E a isto se ordena, como ao fim, tudo o pertencente à vida espiritual. Por isso, diz o Apóstolo; O fim do preceito é a caridade nascida dum coração puro e duma fé não fingida. Pois, todas as virtudes sobre as quais se estabelecem preceitos, ordenam-se ou a purificar o coração do turbilhão das paixões, como o fazem as virtudes relativas a elas; ou, pelo menos, a nos dar uma boa consciência, como o fazem as virtudes relativas às ações; ou a nos dar uma fé reta, como é o caso das que pertencem ao culto divino. Ora, essas três coisas nos são necessárias para amarmos a Deus. Pois, o coração impuro se afasta do amor de Deus, por causa das paixões que o inclinam para as coisas terrenas. A má consciência, por seu lado, faz-nos ter horror da justiça divina, pelo temor da pena. A fé fingida, enfim, arrasta o afeto para aquilo que é simulado, de Deus, separando-nos da verdade divina. - Ora, em qualquer gênero, o absoluto tem prioridade sobre o relativo. Por isso, o máximo preceito é o da caridade, como diz o Evangelho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Como já dissemos, quando tratamos dos preceitos, o modo do amor não se compreende nos preceitos dados para os outros atos das virtudes. Por exemplo, o preceito - honra teu pai e tua mãe - não implica em isso fazer-se por caridade. Mas o ato do amor está compreendido em preceitos especiais.

RESPOSTA À SEGUNDA. A obrigação do preceito não se opõe à liberdade, senão para o de espírito avesso ao que é preceituado; tal o caso dos que só por temor guardam os preceitos. Ora, o preceito do amor não podemos cumpri-lo, senão de livre vontade. Logo, não repugna à liberdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. Todos os preceitos do Decálogo se ordenam ao amor de Deus e do próximo. Por isso, os preceitos sobre a caridade não foram enumerados entre os do Decálogo, mas se incluem em todos.

Artigo 8 - Se devemos abandonar bens temporais para evitar escândalo.

O oitavo discute-se assim. Parece que devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo.

1.  Pois, devemos querer a salvação espiritual do próximo, que fica impedida pelo escândalo, mais do que quaisquer bens temporais. Ora, o que menos amamos nós abandonamos por aquilo a que mais amamos. Logo, com maior razão, devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo do próximo.

2. Demais. Segundo a regra de Jerônimo, devemos abandonar tudo o que podemos, salva a tríplice verdade, para evitar escândalo. Ora, os bens temporais podem ser abandonados, salva esse tríplice verdade. Logo, devem ser abandonados, para evitar escândalo.

3. Demais. Dentre os bens temporais, nenhum é mais necessário que a comida. Ora esta, devemos deixá-la para evitar escândalo, conforme a Escritura: Não percas tu pelo teu manjar aquele por quem Cristo morreu. Logo, com maior razão, devemos abandonar todos os outros bens temporais para evitar escândalo.

4. Demais. Os bens temporais por nenhum modo mais conveniente, podemos conservá-los ou recuperá-los do que por demanda em juízo. Ora, não devemos recorrer a demandas e, sobretudo, se provocam escândalo, conforme o Evangelho do que quer demandar-te em juízo e tirar-te a tua túnica, larga-lhe também a capa. E o Apóstolo: Já o haver entre vós demandas, duns contra os outros é sem controvérsia um pecado que cometeis, Porque não sofreis vós antes a injúria? Porque não tolerais antes o dano? Logo, parece que devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo.

5. Demais. Dentre todos os bens temporais parece que os que menos devemos abandonar são os ligados aos espirituais. Ora, a estes devemos abandonar para evitar escândalo. Pois, o Apóstolo, semeando os bens espirituais, não aceitou como estipêndio os temporais, por não ocasionarmos algum obstáculo ao Evangelho de Cristo, como ele diz. E por causa semelhante, a Igreja, em certas terras, não exige o dizimo, para evitar escândalo. Logo, com maior razão os outros bens temporais devem ser abandonados, para evitar escândalo.

Mas, em contrário, o bem aventurado Tomás de Cantuária, reclamou os bens da Igreja, com escândalo do rei.

SOLUÇÃO. Relativamente aos bens temporais devemos distinguir. Pois, ou são nossos, ou nos foram confiados para os conservarmos para outrem. Assim, os bens da Igreja são confiados aos prelados; e os bens da comunidade, aos chefes da república, quaisquer que sejam. E essa conservação, como a dos depósitos, incumbe necessariamente aqueles a que tais bens foram confiados. Por onde, não devem ser abandonados, para evitar escândalo, como não o devem os bens necessários à salvação.

Quanto, porém, aos bens temporais de que somos senhores, devemos, para evitar escândalo, ora, abandoná-los, quer dando-os, se os temos em nosso poder, quer não os exigindo, se estão em poder de outrem; e ora, não o devemos. Se, pois, o escândalo provém da ignorância ou da fraqueza de outrem, o que, como dissemos acima, é o escândalo dos fracos, então ou devemos totalmente abandonar os bens temporais, ou devemos obviar de outro modo a ele, isto é, por alguma explicação. Por isso, diz Agostinho: Devemos dar o que não nos prejudica nem a nós nem a outrem, tanto quando podemos julgá-lo. E quando negares o que alguém pede, deves explicar-lhe a justiça do teu proceder; e lhe dareis com mais fruto, por isso mesmo que resististe ao seu injusto pedido.

Outras vezes, porém, o escândalo nasce da malícia, o que é o escândalo dos Fariseus. E por causa dos que provocam tais escândalos, não devemos abandonar os bens temporais, porque isso prejudicaria o bem comum, dando aos maus, ocasião de se apoderarem dos bens de outrem; e além disso, a eles próprios prejudicaria que, retendo o alheio, permaneceriam em pecado. Por isso, diz Gregório: Certos devemos, somente tolerá-los, quando nos privam do que é nosso; outros, porém, devemos impedir de o fazer, em boa justiça, não somente para que não nos privem do que é nosso, mas para não se perderem a si mesmos, apoderando-se do que não lhes pertence.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. Se a cada passo se permitisse aos maus se apoderarem dos bens alheios, isso contribuiria para o detrimento da verdade, da vida e da justiça. Por onde, não devemos, para evitar qualquer escândalo, abandonar os bens temporais.

RESPOSTA À TERCEIRA. Não está na intenção do Apóstolo advertir que devemos renunciar totalmente à comida, para evitar um escândalo, porque tomá-la é necessário à vida. Mas sim, que devemos renunciar a uma determinada comida, para evitar escândalo, conforme as suas palavras: Nunca, jamais comerei carne, por não escandalizar a meu irmão.

RESPOSTA À QUARTA. Segundo Agostinho o referido preceito do Senhor, devemos entendê-lo no sentido de uma preparação da alma, isto é, que estejamos prontos a antes sofrer uma injúria ou fraude, do que passar por uma demanda, se for conveniente tal. Mas, às vezes isso não é conveniente, como dissemos. E é nesse sentido que devemos entender as palavras do Apóstolo.

RESPOSTA À QUINTA. O escândalo que o Apóstolo queria evitar procedia da ignorância dos gentios, que não estavam afeitos a tal costume. Por isso devia abster-se por algum tempo, até que eles ficassem instruídos desse dever. ­ E por causa semelhante, a Igreja se abstém de exigir o dízimo nas terras em que não é costume pagá-lo.

Artigo 7 - Se devemos abandonar os bens espirituais para evitar escândalo.

O sétimo discute-se assim. Parece que devemos abandonar os bens espirituais para evitar o escândalo.

1. Pois, Agostinho ensina que, onde se teme o perigo de cisma, deve-se cessar de punir os pecadores. Ora, a punição dos pecadores, sendo ato de justiça, é um bem espiritual. Logo, devemos abandonar um bem espiritual para evitar o escândalo.

2. Demais. A doutrina sagrada é sobretudo espiritual. Ora, devemos abandoná-la para evitar o escândalo, segundo a Escritura. Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda que, tornando-se contra vós, vos despedacem. Logo, devemos abandonar um bem espiritual para evitar escândalo.

3. Demais. A correção fraterna, sendo ato de caridade, - é um bem espiritual. Ora, às vezes é omitida, por caridade, para evitar escândalo dos outros, como diz Agostinho: Logo, devemos abandonar um bem espiritual para evitar escândalo.

4. Demais. Jerônimo diz, que devemos abandonar, para evitar escândalo, tudo o que pode ser abandonado, salvo a tríplice verdade, a saber, da vida, da justiça, e da doutrina. Ora, o cumprimento dos conselhos e a distribuição de esmolas podem muitas vezes ser omitidos, salvo a tríplice verdade referida; do contrário, sempre pecariam todos os que os omitem. E contudo, essas se contam por excelência entre as obras espirituais. Logo, as obras espirituais devem ser preteridas para evitar escândalo.

5. Demais. Evitar qualquer pecado é um bem espiritual, porque qualquer pecado causa detrimento espiritual para o pecador. Ora, parece que, para evitar escândalo do próximo, devemos às vezes pecar venialmente; por exemplo, quando, pecando venialmente, impedimos o pecado mortal de outrem; pois, devemos na medida do possível para nós, impedir a danação do próximo, sem detrimento da nossa própria salvação, que não fica impedida pelo pecado venial. Logo, devemos preterir algum bem espiritual, para evitar escândalo.

Mas, em contrário, diz Gregório. Se nos escandalizarmos com a verdade, é preferível deixar produzir-se o escândalo do que abandoná-la. Ora, os bens espirituais pertencem eminentemente à verdade. Logo, não devemos preteri-los para evitar o escândalo.

SOLUÇÃO. Havendo duas sortes de escândalo - o ativo e o passivo, a questão presente não se formula a respeito do escândalo ativo. Pois, sendo este um dito ou em ato menos reto, nada devemos fazer que implique tal escândalo.

Mas, a questão se formula se a entendermos do escândalo passivo. Por onde, devemos tratar do que é mister preterir para não escandalizar a outrem. E, para isso, devemos distinguir os bens espirituais. - Assim, deles, uns são de necessidade para a salvação, e não podem ser preteridos sem pecado mortal. Ora, é manifesto que ninguém deve pecar mortalmente para impedir o pecado de outrem, porque, na ordem da caridade, devemos preferir a nossa salvação espiritual a de outrem. Portanto, o que é necessário à salvação não devemos omiti-lo, para evitar escândalo.

Quanto, de outro lado, aos bens que não são de necessidade para a salvação, devemos distinguir. - Pois, o escândalo que deles se origina, às vezes procede da malícia; assim, quando há quem queira impedi-los, provocando escândalos. E este é o escândalo dos Fariseus, que se escandalizavam com a doutrina do Senhor. O que o Senhor nos ensina a desprezar. - Outras vezes, porém, o escândalo procede da fraqueza ou ignorância. E tal é o escândalo dos fracos. E, por isso, os bens espirituais ou devem se ocultar, ou, às vezes, diferir, quando o perigo não é iminente, até que, dada a razão do procedimento, tal escândalo cesse. Se, porém, depois de dada a razão, ele perdura, então já é considerado filho da malícia. E, nesse caso, por causa dele, não devemos preterir as referidas obras espirituais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ A inflicção de penas não se recorre por si mesma; mas se infligem as penas como uns remédios para coibir os pecados. Por isso, têm a natureza da justiça, na medida em que coíbem os pecados. Se porém, da inflicção das penas se tornar manifesto que resultam mais e maiores pecados, então ela não se compreende nos limites da justiça. E tal é o caso a que se refere Agostinho, isto é, quando a excomunhão de certos dá lugar ao perigo iminente de cisma. Pois então, aplicar a excomunhão não constitui a verdadeira justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. Relativamente à doutrina, duas coisas devemos considerar: a verdade ensinada e o ato mesmo de ensinar. A primeira é de necessidade para a salvação, isto é, não se deve ensinar contra a verdade; mas a verdade, conforme a congruência de tempo e de pessoas, que a proponha aquele a quem incumbe a obrigação de ensinar. Por onde, por causa de nenhum escândalo possível devemos, omitindo a verdade, ensinar a falsidade. Mas, ato mesmo de ensinar é contado entre as esmolas espirituais, como dissemos. Por isso, o mesmo se deve dizer do ato de ensinar e das outras obras de misericórdia. Do que depois trataremos.

RESPOSTA À TERCEIRA. A correção fraterna como dissemos se ordena à emenda do nosso irmão. Por isso, devemos contá-la entre os bens espirituais, na medida em que se pode conseguir esse resultado. O que não se dará se, pela correção, o irmão se escandalizar. Por onde, se, para evitar escândalo, a correção for omitida, não fica omitido nenhum bem espiritual.

RESPOSTA À QUARTA. A verdade da vida, da doutrina e da justiça não só compreende o necessário para a salvação, mas também, o meio pelo qual mais perfeitamente chegamos a ela, conforme aquilo da Escritura: aspirai aos dons melhores. Por onde, também, os conselhos não os devemos abandoná-los simplesmente, nem também as obras de misericórdia, para evitar escândalo; mas, às vezes, devemos ocultá-los ou diferi-los, por causa do escândalo dos fracos, como dissemos. - Às vezes, porém, a observância dos conselhos e a prática das obras de misericórdia são de necessidade para a salvação. O que bem o mostram aqueles que já fizeram votos desses conselhos; e aqueles que têm obrigação iminente de socorrer às necessidades dos outros, quer às temporais, como, dando de comer a quem tem fome; quer às espirituais, por exemplo, ensinando o ignorante, quer tais obras sejam obrigatórias, por um dever de estado, como é o caso dos prelados; quer, pela necessidade de quem precisa. E então devemos dizer de tais obras o mesmo que se disse do mais, que é necessário à salvação.

RESPOSTA À QUINTA. Alguns disseram que devemos cometer o pecado venial para evitar escândalo. Ora, esta opinião implica em contrariedade. Se pois, deve ser cometido, já não é mal nem pecado; porque, o pecado não pode ser objeto de eleição. Pode, porém, acontecer que um ato não seja, por alguma circunstância, pecado venial, que, entretanto, sê-le-ia, desaparecida essa circunstância. Assim, uma palavra jocosa é pecado venial quando dita sem utilidade; proferida, porém, por uma causa racional, não é ociosa e nem pecado. - Pois, embora o pecado venial não prive da graça, que opera a salvação do homem, contudo, enquanto dispõe para o pecado mortal, concorre para detrimento da salvação.

Artigo 6 - Se os varões perfeitos são susceptíveis de escândalo ativo.

O sexto discute-se assim. Parece que os varões perfeitos são susceptíveis de escândalo ativo.

1.  Pois, a paixão é efeito da ação. Ora, podemos nos escandalizar com ditos ou atos dos perfeitos, segundo aquilo da Escritura: Sabes que os Fariseus, depois que ouviram o que disseste, ficaram escandalizados? Logo, os varões perfeitos são susceptíveis de escândalo ativo.

2. Demais. Pedro, depois de ter recebido o Espírito Santo, estava no estado dos perfeitos. Mas depois escandalizou os gentios, conforme o diz o Apóstolo: Quando vi que ela não andavam direitamente sequndo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, isto é, a Pedro, diante de todos: Se tu, sendo judeu, viva como os gentios e não, como os Judeus, porque obrigas tu os gentios a judaizar? Logo os varões perfeitos são susceptíveis de escândalo ativo.

3. Demais. O escândalo ativo é às vezes pecado venial. Ora, pode haver pecado venial nos varões perfeitos. Logo, também são eles susceptíveis de escândalo ativo.

Mas, em contrário. Repugna mais à perfeição o escândalo ativo que o passivo. Ora, os varões perfeitos não são capazes de escândalo passivo. Logo, também, com maior razão, não o são do escândalo ativo.

SOLUÇÃO. Há propriamente escândalo ativo quando alguém diz ou faz alguma coisa de natureza a levar outro a cair; e isso só pode ser um ato ou um dito desordenado. Ora, é próprio dos varões perfeitos subordinar o que fazem à regra da razão, conforme a Escritura: Faça-se tudo com decência e com ordem, entre vós. E essa cautela eles a empregam, não somente nas coisas com que pudessem ofender os outros, mas também naquelas com que lhes pudessem dar ocasião de ofender. E certamente, se nos seus ditos ou atos manifestos, faltar algo dessa moderação, isso provém da fraqueza humana que os faz desviarem-se da perfeição. Mas, não se desviam dela, contudo, de modo a afastarem-se muito da ordem da razão, senão pouco e levemente; o que não é coisa tão grande que daí possa racionalmente outrem tirar ocasião de pecar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O escândalo passivo é sempre causado por algum escândalo ativo; mas, nem sempre, por algum escândalo ativo de outrem, senão, daquele mesmo que é escandalizado, pois, a si mesmo se escandaliza.

RESPOSTA À SEGUNDA. Segundo a opinião de Agostinho e a do próprio Paulo, Pedro pecou, por certo, e foi repreensível, por separar-se dos gentios, afim de evitar o escândalo dos Judeus; pois tal o fazia incautamente, de certo modo, porque se escandalizavam com isso os gentios convertidos à fé. Contudo, não era esse ato de Pedro tão grave pecado que desse razão aos outros de se escandalizarem. Por onde, padeciam um escândalo passivo sem por isso ter Pedro cometido nenhum escândalo ativo.

RESPOSTA À TERCEIRA. Os pecados veniais dos perfeitos consistem sobretudo em movimentes súbitos, que, sendo ocultos, não podem escandalizar. Se porém, mesmo em ditos ou atos externos cometerem pecados veniais, são eles tão leves que, por si mesmos, não têm força para escandalizar.

Artigo 5 - Se de escândalo passivo também são susceptíveis os varões perfeitos.

O quinto discute-se assim. Parece que de escândalo passivo também são sucetíveis os varões perfeitos.

1. Pois, Cristo foi perfeito por excelência. Ora, ele disse a Pedro: Tu me serves de escândalo. Logo, com maioria de razão, os varões perfeitos podem padecer escândalo.

2. Demais. O escândalo implica um obstáculo que se nos opõe, na vida espiritual. Ora, também aos varões perfeitos podem se lhes opor obstáculos no caminho da vida espiritual, conforme aquilo da Escritura: quisemos ir ter convosco: eu Paulo na verdade uma e outra vez; mas Satanás nó-la estorvou. Logo, também, os varões perfeitos podem padecer escândalo.

3. Demais. Também nos varões perfeitos podemos encontrar pecados veniais, segundo a Escritura: Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos. Mas o escândalo passivo nem sempre é pecado mortal, pois, às vezes, é venial, conforme ficou dito. Logo, o escândalo passivo pode encontrar-se nos varões perfeitos.

Mas, em contrário, àquilo de Mateus O que escandalizar a um destes pequeninos - diz Jerônimo: Nota que o que se escandaliza é pequenino; pois, os maiores não são susceptíveis de escândalo.

SOLUÇÃO. O escândalo passivo implica numa certa comoção da alma, que afasta do bem aquele que o sofre. Ora, não sofre comoção quem está firmemente unido a uma coisa imóvel. Mas os maiores ou perfeitos estão unidos só a Deus, cuja bondade é imutável, pois, mesmo que estejam unidos aos seus superiores, não o estão senão enquanto eles se acham unidos a Cristo, conforme aquilo do Apóstolo: Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo. Por onde, por mais que vejam os outros se comportarem desordenadamente por palavras ou atos, tais varões não se afastam da sua retidão, conforme aquilo da Escritura: Os que confiam no Senhor estão firmes como o monte de Sião; nunca, jamais será comovido o que mora em Jerusalém. Por isso, aderindo perfeitamente a Deus por amor, não são susceptíveis de escândalo, segundo a Escritura: Gozam muita paz os que amam a tua lei e não há para eles tropeço.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Como já dissemos, o lugar citado toma escândalo em acepção lata, no sentido de qualquer obstáculo. Por onde, o Senhor disse a Pedro - Tu me serves de escândalo - porque este pretendia impedir-lhe os desígnios relativos ao sofrimento da paixão.

RESPOSTA À SEGUNDA. Aos atos externos do varão perfeito podem opor-se obstáculos. Mas os ditos ou os factos dos outros não podem impedi-los de tender para Deus, conforme aquilo da Escritura: Nem a morte, nem a vida nos poderá apartar do amor de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. Os varões perfeitos, por fraqueza da carne, caem às vezes em algum pecado venial. Porém, por palavras ou atos dos outros não se escandalizam, segundo a noção própria do escândalo. Mas podem chegar às proximidades do escândalo, conforme a Escritura: Os meus pés por pouco não vacilaram.

Artigo 4 - Se o escândalo é pecado mortal.

O quarto discute-se assim. Parece que o escândalo é pecado mortal.

1. Pois, todo pecado, que contraria a caridade, é mortal; como já se disse. Ora, o escândalo contraria à caridade, consoante ficou estabelecido. Logo, o escândalo é pecado mortal.

2. Demais. A nenhum pecado, salvo ao mortal, é devida a pena da danação eterna. Ora, ao escândalo é devida a pena da danação eterna, conforme a Escritura: O que escandalizar a um destes pequeninos, que crêm em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de atafona e que o lançassem no fundo do mar. Porque, como diz Jerônimo a este lugar, muito melhor é, pela culpa, receber uma pena passageira, do que ser reservado para sofrimentos eternos. Logo, o escândalo é pecado mortal.

3. Demais. Todo pecado cometido contra Deus é mortal, pois só o pecado mortal afasta o homem de Deus. Ora, o escândalo é um pecado contra Deus, pois diz o Apóstolo: Ferindo a débil consciência dos irmãos, pecais contra Cristo. Logo, o escândalo é sempre pecado mortal.

Mas, em contrário. Induzir alguém a pecar venialmente pode ser pecado venial. Ora, isto está incluído em a natureza do escândalo. Logo, o escândalo pode ser pecado venial.

SOLUÇÃO. Como já dissemos o escândalo implica um tropeço, que dispõe para a queda. Por onde, o escândalo passivo pode certo, ser às vezes, pecado venial, por implicar somente o tropeço. Por exemplo, quando alguém, por ocasião de um dito ou ato desregrados de outrem é levado a cometer um pecado venial. Outras vezes, porém, é pecado mortal, quando implica, por assim dizer, o tropeço e a queda; por exemplo, quando alguém, por um dito ou um ato desordenados de outrem vai até o pecado mortal.

Quanto ao escândalo ativo, se for acidental, pode, certo, ser às vezes pecado venial; por exemplo, quando alguém comete ou um ato de pecado venial, ou um ato que, não sendo em si mesmo pecado, tem contudo alguma aparência de mal e é praticado com leve indiscernimento. As vezes, porém, é pecado mortal, ou porque cometemos um ato de pecado mortal, ou porque menosprezamos a salvação do próximo, não querendo, para não comprometê-la, deixar de praticar um ato que nos aprazo - Se, porém, se trata de um escândalo ativo, propriamente dito, por exemplo, quando alguém tem a intenção de induzir outrem a pecar, se for a pecar mortalmente, o pecado será mortal; e o mesmo se dará se intencionar induzi-lo, por um ato de pecado mortal, a pecar venialmente. Haverá, porém, pecado venial se tentar induzir, por um ato de pecado venial, o próximo o pecar venialmente.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Artigo 3 - Se o escândalo é pecado especial.

O terceiro discute-se assim. – Parece que o escândalo não é pecado especial.

1. Pois, escândalo é um dito ou um ato menos reto, Ora, todo pecado é assim. Logo, todo pecado é escândalo e, portanto, o escândalo não é pecado especial.

2. Demais. Todo pecado especial, ou toda injustiça especial existe separadamente dos outros pecados congéneres, como diz Aristóteles. Ora, o escândalo não existe separadamente dos outros pecados. Logo, não é pecado especial.

3. Demais. Todo pecado especial é constituído por um elemento especificador do ato moral. Ora, a natureza do escândalo está em pecarmos na presença dos outros. Mas embora o pecar manifestamente seja uma circunstância agravante, parece não constituir uma espécie de pecado. Logo, o escândalo não é pecado especial.

Mas, em contrário. A uma virtude especial se opõe um pecado especial. Ora, o escândalo se opõe a uma virtude especial, a saber, à da caridade; pois, diz o Apóstolo: Se por causa da comida entristeces tu a teu irmão, já não andas segundo a caridade. Logo, o escândalo é um pecado especial.

SOLUÇÃO. Como já dissemos há duas sortes de escândalo: o ativo e o passivo. - Ora, o escândalo passivo não pode ser um pecado especial, pois, por qualquer gênero de pecado pode alguém cair, por um dito ou ato de outrem. Nem o mesmo tirar ocasião de pecar, de um dito ou ato de outrem, constitui pecado de natureza especial; porque não implica uma deformidade especial oposta a uma virtude especial.

O escândalo ativo, porém, pode ser considerado à dupla luz, a saber: essencial e acidentalmente. - Acidentalmente, quando está fora da intenção do agente; por exemplo, quando alguém por um ato o dito desordenados não tem a intenção de ser para outrem causa de queda, mas só a de satisfazer a sua vontade. E assim, mesmo o escândalo ativo não é um pecado especial, porque o acidental não constitui espécie. - Essencialmente, porém, existe o escândalo ativo quando alguém, por um dito ou ato desordenado, tem a intenção de arrastar outrem a pecar. E então, um pecado de natureza especial resulta desse fim especial intencionado; pois, o fim é que especifica, na ordem moral, como dissemos. Por onde, assim como o furto é um pecado especial, ou o homicídio, por causa do dano do próximo, especialmente intencionado, assim também o escândalo é um pecado especial por se ter a intenção de causar ao próximo um dano especial. E se opõe diretamente à correção fraterna, que visa preservar de um dano especial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Todo pecado pode se relacionar materialmente com o escândalo ativo. Mas, natureza formal de especial pecado pode tê-la pelo fim intencionado, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. O escândalo ativo pode existir separadamente dos outros pecados; por exemplo, quando alguém escandaliza o próximo por um ato que, não sendo por si mesmo pecado, tem contudo a aparência de mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. - O escândalo não é um pecado de natureza especial, por causa da circunstância referida mas pelo fim intencionado, como dissemos.

Artigo 2 - Se o escândalo é pecado.

O segundo discute-se assim. Parece que o escândalo não é pecado.

1 Pois, os pecados não se praticam necessariamente, porque todo pecado é voluntário, como se estabeleceu. Ora, a Escritura diz: É necessário que sucedam escândalos. Logo, o escândalo não é pecado.

2. Demais. Nenhum pecado procede do afeto da piedade, pois, não pode a árvore boa dar maus frutos. Ora, há um certo escândalo nascido do afeto da piedade; pois, diz o Senhor a Pedro:  tu me serves de escândalo, o que comenta Jerônimo dizendo, que o erro do Apostolo, oriundo do afeto da piedade, nunca parecerá um incentivo do diabo. Logo, nem todo escândalo é pecado.

3. Demais. O escândalo implica tropeço. Ora, nem todos os que tropeçam caem. Logo, o escândalo, queda espiritual, pode existir sem pecado.

Mas, em contrário, o escândalo é um dito ou ato menos reto, Ora, tem natureza de pecado o ato a que falta a retidão. Logo, o escândalo sempre implica o pecado.

SOLUÇÃO. Como dissemos, há duas sortes de escândalo: o passivo, naquele que se escandaliza; e o ativo, naquele que escandaliza, dando ocasião à queda. Ora, o escândalo passivo é sempre pecado do escandalizado; pois, não se escandaliza senão por, de certo modo, sofrer uma queda espiritual, que é pecado. Pode, contudo haver escândalo passivo sem pecado daquele por cujo ato outro se escandaliza; assim, quando alguém se escandaliza com o bem que outro faz. Semelhantemente, o escândalo ativo sempre é pecado naquele que escandaliza, pois, ou a obra que pratica é pecado, ou porque, se tem o aparência de pecado deve ser omitida, por caridade para com o próximo, a qual nos leva a zelar pela salvação dele; e portanto, quem não o omite age contra a caridade. Pode, porém haver escândalo ativo sem pecado de quem se escandaliza como dissemos acima,

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O dito - é necessário que sucedam escândalos - não devemos entendê-lo como sendo de necessidade absoluta; mas de necessidade condicional em virtude da qual aquilo de que Deus tem presciência ou que anunciou, acontece necessariamente, consideradas porém as coisas no seu conjunto, como dissemos no Primeiro Livro. - Ou é necessário que sucedam escândalos por necessidade de fim; por serem úteis para aos que são provados ficarem manifestos. ­ Ou é necessário que sucedam escândalos, conforme a condição dos homens, que não se acautelam contra os pecados. Assim como se um médico, vendo certos seguirem um mau regime, dissesse - é necessário que esses adoeçam - o que devemos entender sob a condição de não mudarem de regime. Semelhantemente, é necessário que sucedam escândalos se os homens não mudarem a má conduta.

RESPOSTA À SEGUNDA. No lugar citado, escândalo é tomado num sentido lato, para significar qualquer impedimento. Porque Pedro queria impedir a paixão de Cristo, por um certo afeto de piedade para com ele.

RESPOSTA À TERCEIRA. Ninguém tropeça espiritualmente se não puser, de certo modo, tardança no seu caminho, na via de Deus; o que se dá, ao menos, pelo pecado venial.

Artigo 1 - Se o escândalo é convenientemente definido como um dito ou um ato menos reto, que dá ocasião à queda.

O primeiro discute-se assim. Parece que se define inconvenientemente o escândalo dizendo: é um dito ou um ato menos reto, que dá ocasião à queda.

1. – Pois, o escândalo é pecado, como depois se dirá. Ora, segundo Agostinho, o pecado é um ato, dito ou um desejo contra a lei de Deus. Logo, a referida definição é insuficiente, por omitir o pensamento ou o desejo.

2. Demais. – Sendo, dentre os atos virtuosos ou retos, um mais virtuoso ou mais reto que outro, só não é considerado menos reto o que é retíssimo. Se, pois, o escândalo é um dito ou ato menos reto, resulta que todo ato virtuoso, menos o ótimo, é escândalo.

3. Demais. – Ocasião significa causa acidental. Ora, o ocasional não deve ser incluído na definição, porque não especifica. Logo, é inconvenientemente incluída a ocasião na definição de escândalo,

4. Demais. – De qualquer ato de outrem podemos tirar ocasião de queda para nós por serem indeterminados as causas acidentais. Se pois o escândalo é o que dá a outrem ocasião de queda, qualquer ato ou dito poderá ser escândalo. O que parece inadmissível.

5. Demais. – Damos ocasião de queda ao próximo quando o ofendemos ou o enfraquecemos. Ora, o escândalo se divide, por contrariedade, da ofensa e da fraqueza, conforme a Escritura: Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem coisa em que teu irmão acha tropeço ou se escandaliza ou se enfraquece. Logo, a referida definição do escândalo não é conveniente.

Mas, em contrário, Jerônimo, explicando aquilo da Escritura - Sabes que os Fariseus, depois que ouviram o que disseste , etc. - comenta: Quando lemos - quem quer que escandalizar - por isso entendemos - quem der, por um dito ou um ato, ocasião de queda.

SOLUÇÃO. – No lugar citado, Jerônimo diz que ao chamado em grego axcxv8cxÀov podemos nós denominar tropeço ou queda ou encontrão do pé. Ora, dá-se às vezes que um óbice, materialmente falando, se nos opõe no caminho, chocando-nos com o qual expomo-nos a cair; e tal óbice se chama escândalo. Semelhantemente, trilhando a via espiritual, podemos nos expor à queda espiritual por um dito ou ato de outrem, a saber, que por seu conselho, indução ou exemplo nos arrasta ao pecado. Ora, por essência própria, só nos dispõe à queda espiritual o que tem alguma falta de retidão; pois, o perfeitamente reto, longe de levar o homem a cair, defende-o contra a queda. Logo, convenientemente se chama escândalo ao dito ou ato menos reto, que dá ocasião de queda.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O pensamento ou a concupiscência do mal fica latente no coração. Por isso, não se propõe a outro como óbice que prepara a queda. Por onde, não pode ter natureza de escândalo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não se chama menos reto ao que é superado por uma outra retidão, mas o que tem alguma falta de retidão; quer seja o mal em si mesmo, como o pecado; quer o que encerra alguma aparência de mal, como quando alguém come num templo de ídolos. Pois, embora isto não seja em si mesmo pecado, se não for feito com má intenção, contudo, como tem certa aparência ou semelhança de veneração de um ídolo, pode dar a outrem ocasião de queda. Por isso, o Apóstolo adverte: Guardai-vos de toda a aparência do mal. Por onde, emprega-se convenientemente a expressão - menos redes, para que abranja tanto o pecado em si mesmo como o que tem aparência de mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como já estabelecemos, nada pode ser causa suficiente de pecado, que é a ruína espiritual do homem, senão a vontade própria dele. Por onde, um dito ou um ato de outrem podem ser somente causa imperfeita que, de certo modo, induz à queda. Por isso, não diz a definição - dá causa de queda, mas - dá ocasião, o que significa uma causa imperfeita e não sempre causa acidental. E contudo, nada impede, que em certas definições se inclua o acidental, pois o que é para um acidental, pode convir essencialmente a outro; assim, a definição da fortuna inclui uma causa acidental, como o mostra Aristóteles.

RESPOSTA À QUARTA. – Um dito ou um ato de uma pessoa pode ser de dois modos causa de pecado para outra: essencial ou acidentalmente. - Essencialmente, quando, com uma palavra má ao um mau ato, intenciona induzir outra a pecar. Ora, mesmo sem ter intenção disso, o ato é tal que, por natureza, induz outra ao pecado; assim quando publicamente comete um pecado ou o que tem deste a semelhança. E então, quem pratica tal ato da propriamente ocasião de queda. Por isso, esse se chama escândalo ativo. – Acidentalmente, porém o dito ou o ato de uma pessoa é para outra ocasião de pecar quando, mesmo fora da intenção do agente e da natureza do seu ato, outra pessoa, mal disposta por tal obra, é induzida a pecar; por exemplo, quando alguém inveja os bens dos outros. E então, quem pratica um ato assim reto não dá, por si mesmo, ocasião; mas, o outro é que tira ocasião dele, conforme aquilo do Apóstolo: E o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, obrou em mim toda a concupiscência. Por isso, este é o escândalo passivo sem ser ativo, porque quem age retamente não é por si mesmo, ocasião da queda sofrida por outro. - Por onde acontece algumas vezes também que o escândalo é simultaneamente ativo para um, e passivo para outro; por exemplo, quando um peca induzido por outro. - Outras vezes, porém, o escândalo é ativo sem ser passivo; por exemplo, quando um induz, por palavras ou obras, outro a pecar, e este não consente. - Outras vezes, ainda, o escândalo é passivo sem ser ativo, como já dissemos.

RESPOSTA À QUINTA. – A fraqueza significa uma disposição para o escândalo; a ofensa significa a indignação contra quem peca, a qual pode às vezes existir sem a queda; o escândalo, porém, o tropeço mesmo que leva à queda.

Artigo 2 - Se a sedição é sempre pecado mortal.

O segundo discute-se assim. – Parece que a sedição nem sempre é pecado mortal.

1. – Pois, a sedição implica um tumultuo que leva à luta, como ficou claro pela glosa supra-referida. Ora, a luta nem sempre é pecado mortal, mas às vezes é justa e lícita, como se demonstrou. Logo, com maior razão, pode haver sedição sem pecado mortal.

2. Demais. – A sedição é uma certa discórdia, como se disse. Ora, pode haver discórdia sem pecado mortal, e mesmo, às vezes, sem qualquer pecado. Logo, também sedição.

3. Demais. – São louvados os que livram a multidão de um poder tirânico. Ora, isso não pode fazer-se facilmente, sem haver alguma dissensão na multidão, enquanto uma parte dela se esforça por conservar o tirano e a outra, por expulsá-lo, Logo, pode haver sedição sem pecado mortal.

Mas, em contrário, o Apóstolo proíbe as sedições, como estando no número dos outros pecados mortais. Logo, a sedição é um pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a sedição se opõe à unidade da multidão, isto é, do povo, da cidade ou do reino. Pois, diz Agostinho, os sábios definem o povo, não como qualquer reunião da multidão, mas como uma associação fundada no consenso jurídico e na utilidade geral. Por onde, é manifesto que a unidade a que se opõe a sedição é a do direito e da utilidade geral. Logo, é manifesto que a sedição se opõe tanto à justiça como ao bem comum. Portanto é, genericamente, pecado mortal; e tanto mais gravemente quanto o bem comum, contrariado pela sedição, é maior que o bem privado, contrariado pela rixa. - Ora, o pecado de sedição é, primária e principalmente, cometido pelos que a provocam, pecando assim gravissimamente. E secundariamente, pelos que os seguem, perturbando o bem comum. Ao contrário, os defensores do bem comum, que lhes resistem, não devem chamar-se sediciosos, como também não se chamam rixosos os que se defendem como já dissemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A luta lícita é a que visa a utilidade comum, como dissemos. Ora, a sedição é feita contra o bem comum da multidão. Por onde, é sempre pecado mortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A discórdia do que não é um bem manifesto pode existir sem pecado. Mas a discórdia do que é um bem manifesto não pode existir sem pecado. Ora, tal discórdia é á sedição, oposta à unidade da multidão, que é um bem manifesto.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O regime tirânico não é justo, por se ordenar, não ao bem comum, mas ao bem particular do que governa como está claro no Filósofo. Por onde, a perturbação desse regime não tem natureza de sedição; salvo talvez quando o regime do tirano é perturbado tão desordenadamente, que a multidão a ele sujeita sofre maior detrimento da perturbação consequente que do regime tirânico, o sedicioso é, antes, o tirano, que nutre, no povo que lhe está sujeito, discórdias e sedições, para poder governar mais seguramente. Pois é da natureza do regime tirânico ordenar-se para o bem próprio do que governa, em prejuízo da multidão.

AdaptiveThemes