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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 1 - Se o cisma é pecado especial.

O primeiro discute-se assim. – Parece que o cisma não é pecado especial.

1. – Pois, cisma, como diz o papa Pelágio significa o mesmo que separação. Ora, todo pecado produz uma certa separação, segundo aquilo da Escritura. As vossas iniquidades são as que fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. Logo, o cisma não é pecado especial.

2. Demais. – São cismáticos os que não obedecem à Igreja. Ora, todo pecado torna o homem desobediente aos preceitos da Igreja, porque o pecado, segundo Ambrósio; é a desobediência aos preceitos celestes. Logo, todo pecado é cisma.

3. Demais. – A heresia também separa o homem da unidade da fé. Se pois, o nome de cisma implica separação, parece não diferir, como pecado especial, do pecado de infidelidade.

Mas, em contrário, Agostinho distingue entre o cisma e a heresia, dizendo: O cisma somente consiste em se comprazer o cismático em separar-se da sociedade dos fiéis, apesar de se professar a mesma opinião e o mesmo culto que eles; a heresia, porém, opina diversamente daquilo que crê a Igreja Católica. Logo, o cisma não é pecado geral.

SOLUÇÃO. – Como diz Isidoro, o nome de cisma é derivado de separação das almas, Ora, separação opõe-se à unidade. Por onde, pecado de cisma se chama ao que direta e essencialmente se opõe à unidade. Ora, assim como na ordem natural o que é acidental não constitui espécie, assim também na ordem moral, em que é essencial o intencional, e por acidente, o que não está na intenção. Por onde, é pecado especial o pecado de cisma propriamente dito, pelo qual o cismático tem a intenção de separar-se da unidade resultante da caridade, a qual, não somente une uma pessoa à outra pelo vínculo espiritual do amor, mas também toda a igreja pela unidade de espírito. Por onde, propriamente se chama cismático quem espontaneamente e intencionalmente se separa da unidade da Igreja, que é a unidade principal. Pois, a unidade particular de certos entre si ordena-se para a da igreja, como a composição de cada membro, no corpo natural, se ordena à unidade de todo o corpo. Ora, a unidade da Igreja tem duplo fundamento: a união mútua dos seus membros ou comunhão, e, além disso, o ordenar-se de todos esses membros para uma só cabeça conforme aquilo do Apóstolo: Inchado vãmente no sentido da sua carne, e sem estar unido com a cabeça, da qual todo o corpo fornido e organizado pelas suas ligaduras e juntas crescem em aumento de Deus. Ora, essa cabeça é o próprio Cristo, cujas vezes, - na Igreja, faz o Sumo Pontífice. Portanto, cismáticos se chamam os que recusam submeter-se ao Sumo Pontífice e viver em comunhão com os membros da Igreja, que lhes estão sujeitos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O separar-se o homem de Deus pelo pecado não está na intenção do pecador; mais isso de dá fora da intenção dele, por buscar desordenadamente um bem mutável. O que, logo, não constitui cisma, propriamente falando.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não obedecer aos preceitos, com uma certa rebelião, constitui a essência do cisma. Digo, porém, com rebelião, porque o cismático despreza os preceitos da Igreja e recusa admitir-lhe as decisões. Ora, isto não o faz qualquer pecador. Por onde, nem todo pecado é cisma.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A heresia e o cisma se distinguem pelas coisas às quais essencial e diretamente se opõem. Ora, a heresia se opõe essencialmente à fé; ao passo que o cisma, à unidade da caridade eclesiástica. Por onde, como a fé e a caridade são virtudes diversas, embora quem não tem fé também não tem caridade, assim, o cisma e a heresia são vícios diversos, embora todo herético também seja cismático, mas não inversamente. E é o que diz Jerônimo: Julgo haver entre o cisma e a heresia a diferença seguinte - a heresia professa dogmas perversos, ao passo que o cisma separa da Igreja. E, contudo, assim como a perda da caridade é caminho para a da fé, conforme aquilo da Escritura. Do que, apartando-se alguns, isto é, da caridade e de virtudes semelhantes, se deram a discursos sãos - assim também o cisma é caminho para a heresia. Por isso, Jerônimo acrescenta no mesmo lugar: o cisma, considerado no seu princípio e de certo modo pode ser compreendido como diverso da heresia; aliás, não há cisma que não venha acompanhado de alguma heresia, para parecer que o cismático se separou, com razão, da Igreja.

Artigo 2 - Se a contenção é filha da vanglória.

O segundo discute-se assim. – Parece que a contenção não é filha da vanglória.

1. – Pois, a contenção tem afinidades com o zelo, donde o dizer o Apóstolo: Porquanto, havendo entre vós zelos e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? Ora, o zelo é próprio da inveja. Logo, com maior razão, a contenção nasce da inveja.

2. Demais. – A contenção é acompanhada de um certo clamor. Ora, o clamor nasce da ira, como está claro em Gregório. Logo, também a contenção nasce da ira.

3. Demais. – A ciência parece ser sobretudo, matéria da soberba e da vanglória, conforme aquilo da Escritura: A ciência incha. Ora, a contenção provém muitas vezes da falta de ciência, que leva a conhecer e não a impugnar a verdade. Logo, a contenção não é filha da vanglória.

Mas, em contrário, a autoridade de Gregório.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos discórdia é filha da vanglória, porque cada um dos que discordam se apega à sua opinião própria e um não cede ao outro. Ora, é próprio da soberba e da vangloria buscar a excelência própria. Mas, assim como são discordantes os que, de coração, se apegam às suas opiniões próprias, assim, contendentes são os que, com palavras, defendem as suas opiniões. Por onde, pela mesma razão, a contenção e a discórdia são consideradas filhas da vanglória.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A contenção, como a discórdia, tem afinidades com a inveja, quanto ao nos afastarmos do que discordamos ou daquele com quem contendemos. Mas, quanto ao que se apega o que contende, tem conveniência com a soberba e a vanglória, isto é, enquanto se apega à sua opinião própria.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O clamor é usado, na contenção de que se trata, para o fim de impugnar a verdade. Por onde, não é o elemento principal da contenção. Portanto, não é forçoso que esta derive da mesma origem que o clamor.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A soberba e a vanglória tomam ocasião sobretudo dos bens, mesmo dos que lhes são contrários, por exemplo, quando alguém se ensoberbece pela sua humildade. Mas esta derivação é acidental e não essencial; pois, desse modo, nada impede um contrário nascer de outro. Por onde, nada impede que o originado essencial e diretamente, da soberba ou da vanglória, seja causado pelo contrário daquilo de que ocasionalmente nasce a soberba.

Artigo 1 - Se a contenção é pecado mortal.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a contenção não é pecado mortal.

1. – Pois, os varões espirituais não caem em pecado mortal; ora, entre eles há, entretanto, contenção, segundo aquilo do Evangelho: Excitou-se entre os discípulos de Jesus a questão sobre qual deles se devia reputar o maior. Logo, a contenção não é pecado mortal.

2. Demais. – Ninguém de boa disposição deve com prazer-se com o pecado mortal do próximo. Ora, diz o Apóstolo: Outros pregam a Cristo por contenção; e em seguida acrescenta: Não só nisto me alegro, mas ainda me alegrarei. Logo, a contenção não é pecado mortal.

3. Demais. – Sucede que certos contendem, em juízo ou em disputa, não com ânimo vulgar de malfazer, mas antes, visando o bem. Tais aqueles que, disputando, contendem com os heréticos; donde, sobre aquilo da Escritura ­ Aconteceu um dia, ele dizer a Glosa: Os católicos não se resolvem a contender contra os heréticos, sem primeiro serem provocados à luta. Logo, a contenção não é pecado mortal.

4. Demais. – Parece que Jó lutou com Deus, conforme aquilo da Escritura: Porventura o que disputa com Deus tão facilmente o deixa? E, contudo, Jó não pecou mortalmente, pois, dele diz o Senhor: Vós não falastes diante de mim o que era reto, como falou o meu servo Jó. Logo, a contenção nem sempre é pecado mortal.

Mas, em contrário, a contenção contraria ao preceito do Apóstolo, que diz: Foge de contendas de palavras; e noutro lugar a contenção enumerada entre as obras da carne, que os que tais coisas cometem não possuirão o reino de Deus, como no mesmo passo se diz: Ora, tudo o que exclui do reino de Deus e contraria a um preceito é pecado mortal. Logo, a contenção é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Contender é tender contra alguém. Por onde, assim como a discórdia implica uma certa contrariedade na vontade, assim a contenção importa uma certa outra nas palavras. E por isso também, ao desenrolar-se de um discurso em antíteses se chama contenção, que Túlio considera figura de retórica, quando diz: A contenção consiste em o discurso tecer-se de coisas contrárias; por exemplo, a adulação parte de princípio agradáveis, mas os seus resultados são muito amargos.

Ora, a contrariedade de palavras podemos considerá-la à dupla luz: quanto à intenção do contendente e quanto ao modo. Na intenção devemos considerar se se contraria à verdade, o que é censurável; ou se à falsidade, o que é louvável. No modo, devemos considerar se um tal modo convém às pessoas e às coisas de que se trata, o que é louvável, e por isso Túlio diz: ser a contenção um discurso veemente para confirmar, e acomodado à refutação. Ou a contenção é contrária a conveniência das pessoas e das coisas e então é censurável.

Se pois considerarmos a contenção que implica a impugnação da verdade e o seu modo desordenado, é pecado mortal. E nesse sentido, Ambrósio define a contenção dizendo: A contenção é a impugnação da verdade confiada no clamor. - Se porém, chamarmos contenção à impugnação de falsidade com conveniente modo de acrimônia, nesse caso é louvável. - Se porém considerarmos a contenção como importando a impugnação de falsidade de modo desordenado, em tal caso pode ser pecado venial, salvo se talvez a desordem for tamanha, no contender, a ponto de produzir escândalo nos outros. Por isso o Apóstolo, depois de ter dito: - Foge de contendas de palavras - acrescenta: que para nada aproveitam, senão para perverter aos que as ouvem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os discípulos de Cristo não promoviam a contenção com a intenção de impugnar a verdade, pois cada qual defendia o que lhe parecia verdadeiro. Havia, porém desordem na contenção deles, por contenderem sobre o que não deviam contender, a saber, primado da honra; pois ainda não eram espirituais, como diz a Glosa a esse lugar. Por isso, o Senhor lhes impôs silêncio, justamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os que pregavam a Cristo por espírito de contenção eram repreensíveis; pois embora não impugnassem a verdade da fé, mas a pregassem, impugnavam, contudo a verdade pensando que assim provocavam a aflição ao Apóstolo, que a pregava. Por isso ele não se alegrava com a contenção deles, mas, do fruto daí proveniente, a saber, a anunciação de Cristo; pois do mal também nasce ocasionalmente o bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Segundo a ideia completa de contenção, enquanto pecado mortal, contende em juízo quem impugna a verdade da justiça; e contende, disputando, quem entende impugnar a verdade da doutrina. E sendo assim, os católicos não contendem contra os heréticos, mas antes, inversamente. Se, porém considerarmos a contenção em juízo ou por disputa, na sua ideia imperfeita, isto é, enquanto implica uma certa acrimónia no falar, então nem sempre é pecado mortal.

RESPOSTA À QUARTA. – A contenção, no lugar citado, é tomada comumente, por disputa. Pois, dissera Jó alarei ao todo poderoso e com Deus desejo disputar, não querendo, porém, com isso, impugnar a verdade, mas indagá-la; nem, nessa indagação, deixar-se levar de qualquer desordem da alma ou de palavras.

Artigo 2 - Se a discórdia é filha da vanglória.

O segundo discute-se assim. – Parece que a discórdia não é filha da vanglória.

1. – Pois, a ira é vício diferente da vanglória. Ora, a discórdia parece ser filha da ira, conforme aquilo da Escritura: O homem iracundo provoca rixas. Logo, não é filha da vanglória.

2. Demais. – Agostinho, expondo aquilo do Evangelho - Ainda o Espírito não fora dado - diz: A inveja separa, a caridade une. Ora, a discórdia não é senão uma certa separação da vontade. Logo, a discórdia procede da inveja, isto é, da inveja, mais que da vanglória.

3. Demais. – Aquilo de que nascem muitos males é vício capital. Ora, tal é a discórdia; pois, ao lugar da Escritura. - Todo reino dividido contra si mesmo será desolado - diz Jerônimo: Assim como, pela concórdia, as coisas pequenas crescem, assim, pela discórdia as maiores caem em ruína. Logo, a discórdia mesma deve ser considerada vício capital, mais que filha da vanglória.

Mas em contrário, é a autoridade de Gregório.

SOLUÇÃO. – A discórdia implica certa separação das vontades, que consiste em se apegar a vontade de um a uma coisa, e a de outro, à outra. O apegar-se a vontade de um ao que lhe é próprio provém de preferirmos o nosso ao bem alheio; o que, se o fazemos desordenadamente, é próprio da soberba e da vanglória. Por onde, a discórdia, que nos leva a buscar o nosso bem próprio e nos afastarmos do que é de outrem, é considerada filha da vanglória.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– A rixa não é o mesmo que a discórdia. Pois, a rixa consiste na obra exterior; por isso é propriamente causada pela ira, que move o ânimo a danificar o próximo. Ao passo que a discórdia consiste na separação dos movimentos da vontade, o que é produzido pela soberba ou pela vanglória, pela razão já dada.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Na discórdia distinguimos, como termo de origem, a separação da vontade, de outrem; e então é causada pela inveja. Como termo final, o apego ao nosso bem próprio, e então é causada pela vanglória. E como, o termo final de qualquer movimento tem prioridade sobre o termo de origem, por ser o fim mais principal que o princípio, a discórdia é considerada, antes, filha da vanglória que da inveja, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela concórdia as coisas pequenas crescem e, pela discórdia, as maiores caem em ruína, porque a virtude, quanto mas unida, tanto mais forte, e diminui pela separação, como diz um autor: Por onde, é claro que isso constitui um efeito próprio da discórdia, que é a divisão das vontades; mas não provém de se originarem da discórdia diversos vícios, o que lhe daria a natureza de vício capital.

Artigo 1 - Se a discórdia é pecado.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a discórdia não é pecado.

1. – Pois, discordar de alguém é separarmo-nos da sua vontade. Ora, parece não ser isto pecado, porque a vontade do próximo não é a regra da nossa, senão só a vontade divina. Logo, a discórdia não é pecado.

2. Demais. – Quem induz outrem a pecar também peca. Ora, despertar a discórdia entre outros não parece ser pecado; pois, diz a Escritura: Sabendo Paulo que uma parte era de Saduceus e outra de Fariseus, disse em alta voz no conselho: Varões irmãos, eu sou Fariseu, filho de Fariseus, acerca da esperança e da ressurreição dos mortos eu sou julgado. E quando isto disse, se moveu uma grande dissenção entre os Fariseus e os Saduceus. Logo, a discórdia não é pecado.

3. Demais. – No pecado, sobretudo o mortal, não caem os varões santos. Mas, entre eles também existe a discórdia, como se lê na Escritura: Houve tal desavença entre Paulo e Barnabé que se separaram um do outro. Logo, a discórdia não é pecado e sobretudo mortal.

Mas, em contrário, o Apóstolo coloca as dissenções, isto é, as discórdias, entre as obras da carne, das quais diz: Os que tais coisas cometem não possuirão o reino de Deus. Ora, ninguém é excluído do reino de Deus senão pelo pecado mortal. Logo, a discórdia é pecado: mortal.

SOLUÇÃO. – A discórdia se opõe à concórdia. Ora, a concórdia como já dissemos é causada pela caridade, enquanto esta reduz muitos corações à unidade que é, principalmente, o bem divino e, secundariamente, o bem do próximo. Por onde, a discórdia é pecado pela razão de contrariar à referida concórdia. Mas devemos saber que essa concórdia pode ser eliminada pela discórdia, de dois modos: essencial ou acidentalmente. - Assim, dizemos ser essencial aos atos e aos movimentos humanos o que é segundo a intenção. Por onde, discordamos essencialmente do próximo, quando, ciente e intencionalmente dissentimos do bem divino e do bem do próximo, com o que devemos consentir. E isto é genericamente pecado mortal por contrariar à caridade; embora os primeiros movimentos dessa discórdia, por causa da imperfeição do ato, sejam pecados veniais. ­ Por outro lado, é acidental nos atos humanos aquilo que está fora da intenção. Por onde, quando certos tem na intenção um determinado bem concernente à honra de Deus ou à utilidade do próximo, mas desses, um pensa ser tal um bem, e outro tem opinião contrária, então a discórdia é acidentalmente contrária ao bem divino ou ao do próximo. E tal discórdia não é pecado nem repugna à caridade; salvo se estiver imbuída de erro sobre o necessário à salvação e ou se se lhe acrescentar indevidamente a pertinácia. Pois, como também já dissemos, a concórdia, efeito da caridade, é a união das vontades e não a das opiniões. Por onde é claro que a discórdia provém, às vezes, do pecado de um só, como, por exemplo, quando um quer o bem, ao qual outro cientemente resiste. Outras vezes porém provém do pecado de ambos, por exemplo, quando dissentem do bem, um do outro, e cada qual ama o seu bem próprio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A vontade de um homem, em si mesmo considerada, não é a regra da vontade de outro. Mas quando a vontade do próximo se une à de Deus, torna-se, por consequência, uma regra regulada pela regra primeira. Logo, discordar de tal vontade é pecado, pois assim discordamos da vontade divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a vontade do homem que se une à de Deus é uma regra reta da qual é pecado discordar; assim também, a vontade humana contrária à de Deus é uma regra perversa da qual é bom discordar. Logo, provocar a discórdia, que elimina a boa concórdia, resultante da caridade, é pecado grave; donde o dizer a Escritura: São seis as coisas que o Senhor aborrece e a sua alma detesta a sétima; e essa sétima coisa diz ser o que semeia discórdia entre seus irmãos. Mas causar discórdia que elimine a má concórdia, isto é, a fundada na vontade má, é louvável. E deste modo, foi louvável que Paulo tivesse provocado dissensão entre o que eram concordes no mal; pois, também o Senhor disse de si não vim trazer paz, mas espada.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A discórdia irrompida entre Paulo e Barnabé foi acidental e não essencial; ambos queriam o bem, mas um o punha numa coisa e o outro, noutra. O que era próprio da imperfeição humana; mas, não havia entre eles controvérsia sobre o necessário à salvação. Embora isso mesmo fosse ordenado pela providência divina, por causa da utilidade daí resultante.

Artigo 4 - Se a inveja é vício capital.

O quarto discute-se assim. – Parece que a inveja não é um vício capital.

1. – Pois, os vícios capitais se distinguem, por oposição, das suas filhas. Ora, a inveja é filha da vanglória, conforme ao que diz o Filósofo: os amantes da honra e da glória são os que mais invejam. Logo, a inveja não é um vício capital.

2. Demais. – Parece que os vícios capitais são mais leves que os outros, que deles nascem. Pois, diz Gregório os primeiros vícios se introduzem na alma enganada por uma aparência de razão; mas as consequências dai resultantes, ao mesmo tempo que a arrastam a toda espécie de loucuras, a confundem por um como clamor bestial. Ora, a inveja parece ser o gravíssimo dos pecados; pois, diz Gregório: Embora, em cada pecado cometido, o veneno do velho inimigo se infunda no coração humano, contudo, por esta nequícia, a serpente, do fundo das suas entranhas vomita a pule da malícia, que se impregna no coração. Logo, a inveja não é um vício capital.

3. Demais. – Parece que Gregório distingue inconvenientemente as filhas da inveja, quando diz da inveja nasce o ódio, a murmuração, a detração, o exultar com as adversidades do próximo e o afligir-se com as prosperidades dele. Ora, a exultação com as adversidades do próximo e a aflição com as suas prosperidades parece ser o mesmo que a inveja, como resulta do que se disse antes. Logo, nem uma nem outra devem ser consideradas filhas da inveja.

Mas, em contrário, a autoridade de Gregório, que considera a inveja um vício capital e lhe atribui as referidas filhas.

SOLUÇÃO. – Assim como a acédia é a tristeza causada pelo bem espiritual divino, assim, a inveja é a que se funda no bem do próximo. Ora, como já dissemos a acédia é um vício capital, por impelir o homem a fazer certas coisas para fugir à tristeza ou satisfazê-la. Por onde, pela mesma razão, a inveja é considerada vício capital.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Como diz Gregório, os vícios capitais estão ligado, por tão estreito parentesco entre si, que um nasce do outro. Afim, a primeira filha da soberba é a vanglória, que, começando por corromper o espirilo que domina, logo gera a inveja; pois, desejando o poder de um nome vão, consome-se pelo temor que outrem o possa obter. Por onde, não é contra a natureza do vício capital, que um nasça de outro; mas que não tenha alguma razão principal de produzir, por si, muitos gêneros de pecados. Talvez, porém, por a inveja manifestamente nascer da vanglória, não é considerada vício capital nem por Isidoro, nem por Cassiano.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Das palavras citadas não se conclui que a inveja seja o máximo dos pecados; mas que, quando o diabo a sugere, induz o homem ao que lhe ocupava principalmente o coração. Pois, como se diz no mesmo lugar, por via de consequência, por inveja do diabo entrou no mundo a morte. Ha porém, uma certa inveja considerada como um dos mais graves pecados, e é a inveja da graça fraterna, que nos leva a nos entristecermos com o aumento mesmo da graça de Deus e não só, com o bem do próximo. Por isso, é considerada como pecado contra o Espírito Santo; porque por ela, o homem de certo modo inveja o Espírito Santo, glorificado nas suas obras.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O número das filhas da inveja pode ser explicado da maneira seguinte, porque, no seu desenvolvimento, há na inveja algo que exerce a função de princípio, algo que tem o papel de meio e algo que desempenha o de fim. O principio consiste em o invejoso diminuir a glória de outro; ocultamente, como é o caso da murmuração; ou manifestamente, como se dá com a detração. O meio consiste em que, visando diminuir a glória de outrem, ou o consegue e, então, tem lugar a exultação com as adversidades alheias, ou, não o consegue e então é o caso da aflição com a prosperidade alheia. Quanto ao termo, ele consiste no ódio; pois assim como o bem que deleita causa o amor, assim a tristeza causa o ódio, conforme dissemos. Quanto à aflição causada pela prosperidade do próximo, ela é de um modo, a inveja mesmo, a saber, quando nos entristecemos com a prosperidade de alguém por ver que tem uma certa glória. De outro modo, é filha da inveja enquanto que a prosperidade do próximo se realiza contra o esforço do invejoso, que se esforça pelas impedir. Enfim, a exultação com as adversidades não é diretamente o mesmo que a inveja, mas resulta desta; pois, da tristeza com o bem do próximo, que é a inveja, resulta a exultação com o mal do mesmo.

Artigo 3 - Se a inveja é pecado mortal.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a inveja não é pecado mortal.

1. – Pois, a inveja, sendo uma espécie de tristeza, é paixão do apetite sensitivo. Ora, na sensualidade não há pecado mortal, mas só na razão, como está claro em Agostinho Logo, a inveja não é pecado mortal.

2. Demais. – As crianças não podem cometer pecado mortal. Mas podem ter inveja, como diz Agostinho: Eu vi e conheci por experiência um menino invejoso; ainda não falava e já pálido, com as feições transtornadas, lançava olhares invejosos para outro menino, no seio da sua ama. Logo, a inveja não é pecado mortal.

3. Demais. – Todo pecado mortal contraria a alguma virtude. Ora, a inveja não contraria a nenhuma virtude, mas à némese, que uma paixão. Logo, a inveja não é pecado mortal.

Mas, em contrário, a Escritura: a inveja mata o pequeno. Ora, nada mata espiritualmente a não ser o pecado mortal. Logo, a inveja é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – A inveja é genericamente pecado mortal; e o gênero de um pecado se deduz do seu objeto. Ora, a inveja, pela natureza do seu objeto, contraria à caridade, donde vem a vida espiritual da alma, conforme aquilo da Escritura. Nós sabemos que nos fomos trasladados da morte para a vida, porque amamos a nossos irmãos. Ora, o objeto, tanto da caridade como da inveja é o bem do próximo, mas por movimentos contrários; pois, a caridade se compraz com esse bem, ao passo que a inveja com ele se entristece, como do sobredito resulta. Por onde, é manifesto que a inveja é, genericamente, pecado mortal.

Mas, como já dissemos cada gênero de pecado mortal encerra certos movimentos imperfeitos da sensualidade, que são pecados veniais. Assim, o gênero do adultério, os primeiros movimentos da concupiscência: e o do homicídio, os primeiros da ira. Assim também no gênero da inveja se encontram certos movimentos primeiros, que são pecados veniais, mesmo, às vezes, nos varões perfeitos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Os movimentos da inveja, enquanto paixão da sensualidade são algo do imperfeito no gênero dos atos humanos, cujo princípio é a razão. Por onde, tal inveja não é pecado mortal. E semelhante é a natureza da inveja das crianças, que não têm uso da razão.

Donde se deduz claramente a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A inveja, segundo o Filósofo, opõe-se tanto à némese como à misericórdia, mas a luzes diversas. Pois, à misericórdia opõe-se diretamente, pela contrariedade do objeto principal; porque o invejoso se entristece com o bem do próximo; ao passo que o misericordioso se entristece com o mal do mesmo. Por onde, os invejosos não são misericordiosos, como no mesmo lugar se diz, nem inversamente. Relativamente aquele, porém, com cujo bem se entristece o invejoso, a inveja se opõe a némese; pois, o nemesético se entristece com o bem dos que agem mal, conforme aquilo da Escritura: Tive zelo sobre os iníquos, pendo a paz dos pecadores; ao passo que o invejoso se entristece com o bem dos que são dignos. Por onde, é claro que a primeira contrariedade é mais direta que a segunda. Ora, a misericórdia é uma virtude e o efeito próprio da caridade. Por isso, a inveja se opõe à misericórdia e à caridade.

Artigo 2 - Se a inveja é pecado

O segundo discute-se assim. – Parece que a inveja não é pecado.

1. – Pois, diz Jerônimo Tenha companheiras com as quais aprenda, a que inveje e cujos ardores as estimulem: Ora, ninguém deve ser solicitado a pecar. Logo, a inveja não é pecado.

2. Demais. – A inveja é a tristeza causada pelos bens alheios, como diz Damasceno: Ora, esta às vezes é louvável; pois, diz a Escritura: quando os ímpios tomarem o governo, gemerá o povo.

3. Demais. – A inveja designa um certo zelo. Ora, há um zelo bom, conforme aquilo da Escritura: O zelo da tua casa me devorou. Logo, a inveja nem sempre é pecado.

4. Demais. – A pena se divide da culpa, por oposição. Ora, a inveja é uma pena, conforme diz Gregório. Quando a gangrena da inveja corrompeu o coração que dela se deixou vencer, o próprio exterior também indica quão gravemente a vesânia excita a alma. Pois, a coloração do rosto degenera em palidez, os olhos se abalem, o espírito se inflama, os membros esfriam, o delírio se apodera da imaginação e os dentes rangem. Logo, a inveja não é pecado.

Mas, em contrário, a Escritura: Não nos façamos cobiçosos da vanglória, provocando-nos uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a inveja é uma certa tristeza causada pelos bens alheios. Ora, esta tristeza pode sobrevir de quatro modos.

De um modo, quando sofremos com o bem alheio, por temermos que nos cause algum dano a nós, ou ainda a outros bens. Ora, tal tristeza não é inveja, como dissemos, e pode existir sem pecado. Por onde, diz Gregório: Costuma acontecer muitas vezes que, sem perdermos a caridade, a ruína do inimigo nos alegre, e também que, sem a culpa da inveja, a sua glória nos contriste; porque, quando ele rui, cremos que certos lerão o bem de se levantar e se se excalça, tememos não sejam muitos oprimidos injustamente.

De outro modo, podemos nos entristecer com o bem alheio, não porque outrem possua um bem, mas por estarmos nós privados dele. O que é propriamente o zelo, como diz o Filósofo E se esse zelo for concernente a bens honestos, é louvável, conforme aquilo do Apostolo: anelai aos dons espirituais. Se, porém disser respeito aos bens temporais, pode implicar ou não, o pecado.

De terceiro modo, entristecemo-nos com o bem de outrem, quando o que o obtém é indigno; e essa tristeza não pode ser produzida pelos bens honestos, ela, que nos torna justos; mas, como diz o Filósofo: é relativa às riquezas e bens semelhantes, que podem ser possuídos tanto por dignos como por indignos deles. E essa tristeza, segundo o Filósofo, se chama némese e tem por objeto os bons costumes. Mas isto ele diz, considerando os bens temporais em si mesmos, enquanto podem parecer grandes aos que não levam em conta os bens eternos. Mas, segundo a doutrina da fé, os bens temporais, que caem em partilha aos indignos, são assim dispostos pela justa ordenação de Deus, quer para a correção, quer para a danação deles. E tais bens são quase nada em comparação com os futuros, dados aos bons. Por isso, tal tristeza é proibida na Sagrada Escritura, conforme aquilo Não queiras invejar aos malignos nem invejes aos que obram iniquidades. E noutro lugar: Por pouco se não transtornaram os meus passos, porque tive zelo sobre os iníquos, vendo a paz dos pecadores.

E de quarto modo, entristecemo-nos com os bens de outrem, quando esses bens excedem aos nossos. E isto é propriamente inveja e é sempre mau, como também o reconhece o Filósofo porque nos condoemos com o que devia nos alegrar, isto é, com o bem do próximo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ No lugar citado a inveja é considerada como o zelo com que devemos nos excitar para progredir com os melhores.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto à tristeza causada pelos bens alheios, conforme ao primeiro modo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A inveja difere do zelo, como se disse. Por onde, há certo zelo que pode ser bom. Mas a inveja é sempre má.

RESPOSTA À QUARTA. – Nada impede seja um pecado também pena em razão de alguma circunstância que se lhe acrescente como já dissemos quando tratamos dos pecados.

Artigo 1 - Se a inveja é tristeza.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a inveja não é tristeza.

1. – Pois, o objeto da tristeza é o mal. Ora, o objeto da inveja é o bem, conforme ao dizer de Gregório falando do invejoso: O coração que a felicidade alheia atormenta e faz consumir-se, traz em si mesmo a sua pena. Logo, a inveja não é a tristeza.

2. Demais. – A semelhança não é a causa da tristeza, mas antes, do prazer. Ora, a semelhança é causa da inveja; pois, diz o Filósofo: Certos invejarão aos que lhes são semelhantes pelo nascimento, ou pelo parentesco, ou pela estatura, ou pelo hábito ou pela reputação. Logo, a inveja não é a tristeza.

3. Demais. – A tristeza é causada por alguma privação; por isso, os que padecem grande privação são inclinados à tristeza, como já se disse quando se tratou das paixões. Ora, aqueles que faltam de pouco, que são amantes da honra e são considerados sábios, são invejosos, como se lê no Filósofo: Logo, a inveja não é tristeza.

4. Demais. – A tristeza se opõe ao prazer. Ora, os contrários não tem a mesma causa. Logo, sendo a recordação dos atos bons a causa do prazer, como se disse antes, não será a causa da tristeza. E, porém a causa da inveja; pois, como diz o Filósofo, certos invejam os que tem ou possuíram o que lhes convinha ou o que eles próprios possuíram. Logo, a inveja não é a tristeza.

Mas, em contrário, Damasceno considera a inveja uma espécie de tristeza, e diz que a inveja é a tristeza causada pelos bens alheios.

SOLUÇÃO. – O objeto ela tristeza é o mal próprio. Ora, pode suceder que o bem alheio seja considerado como nosso mal próprio. E então pode haver tristeza causada pelo bem alheio. O que de dois modos pode dar-se. - De um modo, quando nos entristecemos com o bem de outrem, por nos constituir este perigo iminente de algum mal; por exemplo, quando nos entristecemos com a exaltação de um inimigo, por temermos que nos venha a fazer mal. E tal tristeza não é inveja, mas antes, efeito do temor, como diz o Filósofo: De outro modo, consideramos o bem de outrem como nosso mal próprio, quando vem diminuir a nossa glória ou a nossa excelência. E deste modo a inveja se entristece com o bem alheio. Por isso os homens invejam principalmente os bens que trazem a glória, por causa dos quais gostam de ser honrados e tidos em boa reputação, como diz o Filósofo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Nada impede que o bem de um seja considerado mal para outro. E sendo assim, pode haver uma tristeza por causa do bem, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Visando à inveja a glória de outrem, enquanto diminui a que desejamos, resulta que só temos inveja daqueles, cuja glória queremos igualar ou sobrepujar. Ora, isto não se dá em relação aos que distam muito de nós. Pois, ninguém, a não ser um insensato, pretende igualar ou sobrepujar, em glória, os que lhe são muito maiores; por exemplo, um plebeu, a um rei, ou ainda, um rei, a um plebeu, ao qual muito excede. Por onde, não invejamos aos que dista muito de nós, pelo lugar, pelo tempo ou pelo estado; mas aos que nos são chegados, e aos quais pretendemos igualar ou sobrepujar. Pois, a nossa tristeza é causada por nos excederem eles em glória e ir isso contra a nossa utilidade. E quanto à semelhança ela causa prazer, enquanto concorda com a nossa vontade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Ninguém se esforça por conseguir aquilo que de todo lhe falta. Por isso não invejamos a quem nisso nos excede. Mas quando nos falta pouco, parece-nos podermos alcançá-lo, e então a isso nos esforçamos. Por onde, quando fica frustado o nosso esforço pelo excesso da glória de outrem, nós nos entristecemos. Donde vem que os amantes das honras são mais invejosos. E semelhantemente, os pusilânimes são invejosos, por tudo reputarem grande, e quando alguém alcança qualquer bem, consideram-se sobrepujados grandemente. Por isso, diz a Escritura: A inveja mata o pequeno. E Gregório diz: não podemos invejar senão aos que consideramos melhores que nós em alguma coisa.

RESPOSTA À QUARTA. – A lembrança dos bens passados, enquanto foram possuídos, causa prazer; mas causam tristeza, por terem sido perdidos; e causam inveja quando os vemos possuídos por outrem, pois isto sobretudo parece, privar-nos da nossa glória. Por isso, diz o Filósofo: Os velhos invejam os mais moços; e os que dispenderam muito para conseguir alguma coisa invejam os que a conseguiram com pouco esforço; pois, sofrem com a perda dos seus bens e por ver que outros os possuem.

Artigo 4 - Se a acédia deve ser considerada vício capital.

O quarto discute-se assim. – Parece que a acédia não deve ser considerada vício capital.

1. – Pois, chama-se vício capital ao que provoca aos atos dos outros pecados, como já se estabeleceu. Ora, a acédia não provoca a agir, mas, antes, retrai da ação. Logo, não deve ser considerado vício capital.

2. Demais. – Um vício capital tem, por assim dizer, filhas que lhe são atribuída. Ora, Gregório atribui seis filhas à acédia, que são: a malicia, a rancura, a pusilamimidade, a deresperação, a negligência relativa ao que é de preceito, a divagação da mente relativa ao ilícito; e elas não parece, convenientemente, nascerem da acédia. Pois, a rancura parece ser idêntica ao ódio, nascido- da inveja, como já se estabelece, a malícia, por seu lado, é o gênero de todos os vícios; semelhantemente, a divagação da mente relativa ao ilícito aparece em todos os vícios; quanto à negligência relativa ao que é de preceito, ela parece ser o mesmo que a acédia; e por fim a pusilanimidade e a desesperação podem nascer de quaisquer pecados. Logo, não se diz convenientemente que a acédia é um vício capital.

3. Demais. – Isidoro distingue o vício da acédia do vício da tristez4a, dizendo que a tristeza consiste em abandonarmos o grave e penoso a que estamos obrigados; a acédia, em procurarmos o repouso indevido. E acrescenta que, da tristeza nasce o rancor, a pusilanimidade, a amargura, a desesperação, porém, da acédia, diz nascerem os sete vícios seguintes: a ociosidade, a sonolência, a importunidade de Espírito, a inquietação do corpo, a instabilidade, a verbosidade, a curiosidade. Logo, parece que tanto Gregório como Isidoro, designam mal a acédia como um vício capital com as suas filhas.

Mas, em contrário, o mesmo Gregório diz que a acédia é um vício capital e tem as referidas filhas.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, chama-se vício capital aquele, de que, como de causa final, os outros vícios procedem - naturalmente. Ora, como os homens praticam muitos atos, visando o prazer, quer para consegui-lo, quer levados à ação pelo ímpeto do mesmo; assim também fazem, por tristeza, muitos atos, quer para evitá-la, quer arrastados, pelo peso, dela, a agir. Ora, - sendo a acédia uma espécie de tristeza, como dissemos é justamente considerada vício capital.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A acédia, gravando a alma, impede o homem de praticar as obras que causam a tristeza. Contudo, indú-la a praticar certos atos que, ou são conformes à tristeza, como chorar, ou a certos outros que a evitam.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Gregório assinala convenientemente as filhas da acédia. Pois, como diz o Filósofo, ninguém pode permanecer por muito tempo na tristeza, sem nenhum prazer; por isso, da tristeza há de necessariamente provir uma dupla consequência: primeiro, o afastar-se o homem do que entristece; segundo, buscar o com que se deleite. Assim, os que não podem fruir os prazeres espirituais, buscam os corpóreos, segundo o Filósofo. Ora, na fuga da tristeza opera-se o processo seguinte: primeiro, o homem foge do que entristece; segundo, luta contra o que gera a tristeza. Mas os bens espirituais, com que se entristece a acédia, são o fim e os meios. A fuga do fim é operada pela desesperação, E quanto a dos bens, que são meios, se forem difíceis e objeto de conselho, a fuga deles se opera pela pusilanimidade, e a dos que pertencem à justiça comum, pela negligência relativa aos preceitos. Por seu lado, a impugnação dos bens espirituais, que contristam, ora concerne aos que nos induzem a eles, e essa é a rancura; ora, se estende aos bens espirituais mesmo, a cuja detestação somos levados, e isso é propriamente a malícia. E, enfim, quando, por tristeza, abandonamos os bens espirituais e buscamos os prazeres exteriores, tem lugar a filha da acédia chamada divagação relativa ao ilícito. - Donde se deduzem claras as respostas às objeções feitas concernentes a cada uma das filhas. Pois, a malícia não é considerada, aqui, como gêneros dos vícios, mas no sentido em que dissemos. Nem o rancor é tomado no sentido geral de ódio, mas, no de uma ceda indignação, como dissemos. E o mesmo devemos responder aos demais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Cassiano também distingue a tristeza da acédia, com maior conveniência, Gregório chama à acédia tristeza. Pois, como já dissemos a tristeza não é um vício distinto dos outros, quando nos leva a abandonar uma obra penosa e laboriosa, ou quando oriunda de quaisquer outras causas. Mas só quando nos entristecemos com o bem divino, e isso concerne à essência da acédia, que busca o repouso indébito, na medida em que despreza o bem divino. - Quanto aos efeitos, que Isidoro considera como nascidos da acédia e da tristeza, eles se reduzem aos enumerados por Gregório. Assim, a amargura, que Isidoro considera nascida da tristeza, é um certo efeito do rancor. Por seu lado, a ociosidade e a sonolência reduzem-se à negligência relativa aos preceitos; sendo ocioso o que os abandona de todo, e sonolento o que os cumpre negligentemente. E todos os outros cinco efeitos, que considera nascidos da tristeza pertencem à divagação do espírito relativo ao ilícito. A qual, quando reside na parte superior mesmo do espírito, que quer inoportunamente derramar-se com causas diversas, chama-se importunidade do Espírito; quando concerne ao conhecimento, chama-se curiosidade: quanto à locução, chama-se verbosidade; quanto ao corpo, que não permanece no mesmo lugar, chama-se inquietude do corpo, no caso em que os movimentos desordenados dos membros traem o vago do espírito; e quando consiste no movimento para lugares diversos, chama-se instabilidade, que também podemos considerar como a mutabilidade de propósito.

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