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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 13 - Se os sufrágios feitos por muitos valem tanto para cada um como se fossem feitos a cada um singularmente.

O décimo terceiro discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos por muitos valem tanto para cada um como se fossem feitos a cada um singularmente.

1. ─ Pois, a experiência nos ensina que a leitura feita a um não na perdem os outros, que também a ouvirem. Logo e pela mesma razão, os sufrágios feitos por um morto nada perdem do seu valor se aplicados ao mesmo tempo a outros. E assim, quando feitos por muitos, tanto aproveitam a cada um como se fossem singularmente feito por cada um.

2. Demais. ─ Como vemos pelo uso comum da Igreja, à missa celebrada por um defunto se acrescentam também orações pelos demais. Ora, tal não se faria se daí resultasse algum detrimento ao morto por quem a missa é celebrada. Logo, a mesma conclusão anterior.

3. Demais. ─ Os sufrágios, sobretudo das orações, se fundam no poder divino. Ora, perante Deus, assim como tanto faz sermos socorridos por muitos ou por poucos, assim o mesmo é socorrermos muitos ou poucos. Logo, tanto aproveitaria a oração feita a um só, quanto a muitos, sendo feita em benefício de muitos.
 
Mas, em contrário. ─ É mais meritório socorrermos a vários que a um só. Portanto, se o sufrágio celebrado por muitos vale para cada um como se fosse por cada um singularmente feito, parece que a Igreja não devia instituir que se dissesse missa ou se orasse por ninguém em particular, mas que sempre se celebrassem sufrágios simultaneamente por todos os fiéis defuntos. O que é evidentemente falso.

2. Demais. ─ Um sufrágio tem eficácia finita. Logo, aplicado a muitos, menos aproveita a cada um em particular, que aproveitaria se por cada um singularmente fosse feito.

SOLUÇÃO. ─ Considerado o valor dos sufrágios enquanto fundados na virtude da caridade, que une todos os membros da Igreja, os sufrágios feitos por muitos tanto aproveitam a cada um como se por cada um singularmente fossem feitos. Pois, a caridade não diminui por se aplicar a muitos os seus efeitos; ao contrário, mais aumenta. Semelhantemente, também a alegria torna-se maior quanto mais são os participantes dela, como diz Agostinho. E assim, com uma boa ação não menos se alegram muitas almas do purgatório, que uma só em particular. ─ Considerado porém o valor dos sufrágios enquanto satisfação transferida aos mortos pela intenção de quem os faz, então mais aproveitam a uma alma, quando por ela particularmente feitos, que quando a ela feito juntamente com outras muitas. Pois, o efeito dos sufrágios a divina justiça os divide entre aqueles por quem são celebrados. ─ Por onde é claro que esta questão depende da primeira. Donde também se deduz, porque a Igreja instituiu que se fizessem sufrágios especiais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os sufrágios, como satisfações que são, não agem ao modo por que o faz o ensino, que como qualquer outra atividade, tem o seu efeito dependente da disposição de quem o recebe. Mas valem a modo de solução de uma dívida, como se disse. Por isso não colhe o símile.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os sufrágios feitos por um só de certo modo também aproveitam aos outros, como do sobredito resulta. Por onde, nenhum inconveniente há em se rezarem, na missa celebrada por uma alma, orações também pelas demais almas. Pois, essas orações não são rezadas para que a satisfação do sufrágio se aplique às outras principalmente, mas com a intenção de lhes valer por meio de orações especiais feitas particularmente por elas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A oração pode ser considerada relativamente a quem ora e aquele por quem é feita; e de ambos depende o seu efeito Por onde, embora ao poder divino não seja mais difícil absolver a muitos, que a um só morto, contudo, relativamente a quem ora, a oração é mais satisfatória quando feita por uma só alma, que quando aplicada a muitas.

Art. 12 ─ Se os sufrágios feitos por um defunto mais lhe aproveitam, que aos outros, por quem não o foram.

O duodécimo discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos por um defunto não mais lhe aproveitam, que aos outros, por quem não o foram.

1. ─ Pois, a luz espiritual mais facilmente se comunica que a material. Ora, a luz material, p. ex., de uma candeia, embora acesa para alumiar um só, serve contudo para iluminar igualmente todos os habitantes de um mesmo aposento, embora não fosse acesa para eles. Logo, os sufrágios, que são por assim dizer uma luz espiritual, embora feitos especialmente por uma alma, não mais valem para essa que para todas as demais almas do purgatório.

2. Demais. ─ Como diz o Mestre, os sufrágios aproveitam aos mortos na medida em que mereceram, durante a vida, colher o fruto deles. Ora, certos podiam ter merecido colher esses frutos, mais que aqueles por quem foram feitos. Logo, mais lhes aproveitam; do contrário o mérito lhes ficaria frustrado.

3. Demais. ─ Pelos pobres não se fazem tantos sufrágios como pelos ricos Se, pois, os sufrágios feitos por uns só a eles aproveitassem, ou a eles mais que aos outros, os pobres estariam em pior condição. O que vai contra a sentença do Senhor: Bem-aventurados vós os pobres porque vosso é o reino de Deus.

Mas, em contrário. ─ A justiça humana tem o seu exemplar na justiça divina. Ora, a justiça humana, quando um paga a dívida de outro, só a este absolve. Logo, como quem faz os sufrágios pelos mortos de certo modo lhes solve o débito, esses sufrágios só a eles lhe aproveitam.

2. Demais. ─ Assim como quem faz os sufrágios de certo modo satisfaz pelo morto, assim também podemos satisfazer pelos vivos. Ora, quando satisfazemos pelos vivos, essa satisfação não aproveita senão àquele por quem é feita. Logo, os sufrágios só aproveitam aqueles por quem são feitos.

SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há duas opiniões.
 
Uns, como Prepositivo, disseram, que os sufrágios celebrados por um defunto aproveitam mais, não aquele por quem são feitos, senão aos mais dignos. E davam o exemplo de uma candeia que, acesa para alumiar um rico, não aproveita menos, aos que com ele estão, mas talvez mais, se tiverem vista melhor. E também o de uma lição, que não aproveita mais aquele a quem é dada do que aos outros participantes dela, mas talvez mais, se tiverem inteligência mais capaz. ─ E a quem lhes objetasse, nesse caso, a vanidade da ordenação da Igreja, ao instituir orações especiais por certas almas, davam a resposta seguinte. Que isso o fez a Igreja para despertar a devoção dos fiéis, mais inclinados a fazer sufrágios especiais que sufrágios comuns, e a orarem mais fervorosamente pelos parentes que pelos estranhos.
 
Outros porém ensinaram que os sufrágios valem mais para aqueles por quem são feitos. Ora, ambas as opiniões encerram uma parte de verdade. Pois, o valor dos sufrágios pode ser considerado a dupla luz. A uma luz, valem em virtude da caridade, que torna todos os bens comuns. E então, mais aproveitam a quem maior plenitude tem de caridade, embora não tenham sido especialmente feitos. Assim, o valor dos sufrágios se funda, antes, numa certa consolação interior, pela qual uma alma, depois da morte, se alegra na caridade com o bem de outra ─ do que na diminuição da pena. Pois, após a morte, já não é o tempo de adquirir nem de aumentar a graça, para o que, durante a vida, nos valem as obras alheias, em virtude da caridade. A outra luz os sufrágios valem enquanto aplicados pela intenção de um, a outro. Assim, a satisfação de um se aplica em favor de outro. E então dúvida não há que mais aproveitam aqueles por quem são feitos, Antes mesmo, só a eles aproveitam. Pois, a satisfação propriamente se ordena à remissão da pena. Por onde, quanto à remissão da pena, os sufrágios sobretudo aproveitam aquele por quem são feitos. E a esta luz a segunda opinião é mais verdadeira que a primeira.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os sufrágios aproveitam ao modo da luz; os mortos, recebendo-lhes os efeitos, ficam de certa maneira consolados; e tanto mais quanto maior caridade tiverem. Mas, enquanto os sufrágios constituem uma satisfação aplicada a outrem por intenção de quem os faz, não se assemelham à luz, mas à solução de um débito. Ora, o pagamento da dívida de um não implica na solução dos débitos dos outros.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esse mérito é condicional. Pois, mereceram que os sufrágios lhes houvessem de aproveitar no caso de lh'os serem feitos. O que nada mais foi senão tornarem-se capazes de o receber. Por onde é claro, que não mereceram diretamente o socorro dos sufrágios; mas, por méritos precedentes, habilitaram-se a lhes colher os frutos. Donde pois não se segue, que tivessem o seu mérito frustrado.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nada impede os ricos de serem, em si mesmos, de melhor condição que os pobres, assim como quanto à expiação da pena. Mas isso é quase nada comparado à posse do reino dos céus, onde, conforme a autoridade citada, os pobres aparecerão em melhor situação.

Art. 11 ─ Se as exéquias fúnebres aproveitam aos defuntos.

O undécimo discute-se assim. ─ Parece que as exéquias fúnebres aproveitam aos defuntos.
 
1 ─ Pois, diz Damasceno, citando palavras de Atanásio: Embora as cinzas do defunto, morto na fé cristã, se tenham dispersado nos ares, não lhe recuses, invocando a Deus, queimar no sepulcro óleo e cera. Pois, Deus se compraz com essas práticas e as paga com múltiplas retribuições. Ora, essas práticas são exéquias fúnebres. Logo, estas aproveitam aos defuntos.

2. Demais. ─ Segundo Agostinho, aos justos dos tempos antigos cumpriam-se solenemente os deveres de piedade fúnebre, celebravam─se─lhes exéquias, cuidava-se-lhes da sepultura; e eles próprios, em vida, dispunham o modo como devessem ser sepultados e os seus restos transferidos. Ora, tal não fariam se as exéquias fúnebres e cousas semelhantes em nada aproveitassem aos defuntos. Logo, algo lhe aproveitam.

3. Demais. ─ Ninguém faz esmola sem tirar disso nenhum proveito. Ora, sepultar os mortos é prática considerada como esmola. Donde o dizer Agostinho: Como o atestou o anjo, Tobias, sepultando os mortos, bem mereceu de Deus. Logo, sepultar os mortos é prática que lhes aproveita.

4. Demais. ─ É absurdo afirmar que a devoção dos fiéis ficará frustrada. ─ Ora, muitos manifestam a verdade de ser enterrados em lugares sagrados. Logo, o culto da sepultura aproveita aos mortos.

5. Demais. ─ Deus é mais inclinado a ter misericórdia que a condenar. Ora, a sepultura em lugar sagrado é prejudicial aos mortos indignos dela. Por isso diz Gregório: Os culpados de pecados graves, tendo os seus corpos sepultados numa Igreja, em lugar de serem perdoados desses pecados, sofrem as consequências de uma condenação mais severa. Logo e com maior razão, devemos concluir, que o culto da sepultura aproveita aos bons.

Mas, em contrário, Agostinho: Todas as honras fúnebres prestadas ao corpo humano são apenas deveres de humanidade e em nada aproveitam à vida eterna.

2. Demais. ─ Gregório diz: A prestação de honras fúnebres, escolha da sepultura, pompa das exéquias servem antes de consolar os vivos que de proveito para os mortos.

3. Demais. - O Senhor diz: Não tem ais aos que matam o corpo e não podem matar a alma. Ora, depois da morte, o corpo dos santos pode ficar privado de sepultura; assim se passou, como o refere a História Eclesiástica, com certos mártires de Lião, na Gália. Logo, nenhum dano causa aos mortos o lhes ficarem os corpos insepultos. Portanto, em nada lhes aproveita também o culto da sepultura.

SOLUÇÃO. ─ A sepultura beneficia tanto os vivos como os mortos. ─ Os vivos, livrando-lhes a vista da corrupção cadavérica, e a saúde do corpo que poderia ficar prejudicada pelo mau odor exalado pelo cadáver. Isto quanto ao corpo. ─ Beneficia ainda espiritualmente aos vivos, fortificando-lhes a fé na ressurreição. ─ Aos mortos, porque a vista do sepulcro desperta nos vivos a memória dos defuntos e os incita a orar por estes. Por isso a palavra monumento implica a idéia de memória: monumentum, em latim é como monens mentem, como explica Agostinho. Os pagãos erraram nesta matéria pensando que da sepultura tirava a alma do morto a vantagem do repouso; pois, estavam crentes que neste não entrava a alma, antes de ser dado o corpo à sepultura. Crença absolutamente ridícula e absurda.

Quanto à sepultura em lugar sagrado, aproveita ao morto, não certo ex opere operato, mas ex opere operante. Quando o moribundo, ou outro por ele, dispõe que o seu corpo, depois de morto, seja sepulto num lugar sagrado, comete-o ao patrocínio de um santo, por cujas preces crê será socorrido; e também ao patrocínio dos que servem no templo, que mais frequente e especialmente oram pelos que estão neles sepultos. Quanto aos ornatos colocados na sepultura, são úteis aos vivos, por lhes servir de consolação. Podem porém servir também aos mortos, não em si mesmos, mas por acidente, despertando nos vivos a comiseração e levando-os a orar pelos defuntos. Ou ainda porque os gastos com esses ornatos vão aproveitar aos pobres ou à decoração das igrejas; assim, a sepultura é considerada como esmola.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O óleo e a cera colocados nos túmulos dos defuntos só acidentalmente lhes aproveitam. Ou quando oferecidos à igrejas dados aos pobres; ou quando servem tais práticas para reverenciar a Deus. Por isso às palavras citadas se acrescenta: O óleo e a cera como holocausto.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os santos Patriarcas dispunham como queriam ser sepultados, para mostrar que Deus vela com a sua providência sobre os corpos dos mortos; não que conservem ainda qualquer sensibilidade depois da morte, mas para fortificar a fé na ressurreição, como o diz Agostinho. Por isso quiseram ser sepultados na terra da promissão, onde acreditavam que Cristo havia de nascer e morrer, cuja ressurreição é a causa da nossa.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Fazendo a carne naturalmente parte do homem, naturalmente ele a ama, conforme aquilo do Apóstolo: Ninguém aborreceu jamais à sua própria carne. E assim, esse amor natural explica a solicitude com que, vivos, cuidamos da sepultura a ser dada ao nosso corpo, e sofreríamos pressentindo que ele viesse a sofrer qualquer profanação. Por isso, como a amizade é uma conformidade de afetos, ela nos leva a prestar ao amigo morto os deveres de humanidade para com o seu cadáver. Por isso, diz Agostinho: Se as roupas, um anel ou cousas semelhantes, de nossos pais defuntos, tanto mais as queremos quanto mais intenso o afeto que neles depositávamos, com maior razão não lhes devemos desprezar os corpos; pois, mais familiar e íntima é a nossa união com o corpo do que com quaisquer vestuários que usemos. Ora, sepultando um cadáver satisfazemos um afeto e assim cumprimos um dever que não poderia o morto cumprir para consigo próprio; razão por que se considera o sepultamento como uma esmola.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A devoção dos fiéis não fica frustrada, como diz Agostinho, quando dá a sepultura a um ente querido, em lugar sagrado; pois, assim procedendo comete-o ao sufrágio dos santos, como se disse.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A sepultura de um ímpio em lugar sagrado não lhe causa nenhum dano, senão por ter buscado, por glória humana, um lugar de que é de todo indigno.

Art. 10 ─ Se também as indulgências concedidas pela Igreja aproveitam aos mortos.

O décimo discute-se assim. ─ Parece que também as indulgências concedidas pela Igreja aproveitam aos mortos.

1. ─ Pois, é costume da Igreja, quando manda pregar a cruzada, conceder indulgências, que os fiéis podem ganhar para si mesmos, ou por duas, três e às vezes dez almas, tanto de vivos como de mortos. Ora, a Igreja enganaria, se tais indulgências não aproveitassem aos mortos. Logo, elas lhes aproveitam.

2. Demais. ─ O mérito da Igreja universal é mais eficaz que o de um particular. Ora, pelo mérito pessoal podemos sufragar os defuntos; assim, quando damos esmolas. Logo e com muito maior razão, a Igreja o pode com os seus méritos, em que se as indulgências fundam.

3. Demais. ─ As indulgências aproveitam aos que lhe pertencem à jurisdição da Igreja. Ora, as almas do purgatório lhe pertencem à jurisdição; do contrário, os seus sufrágios não lhes aproveitariam. Logo, parece que as indulgências aproveitam aos defuntos.

Mas, em contrário. ─ Para a indulgência aproveitar é preciso uma causa justificativa da sua concessão. Ora, essa causa não pode estar do lado do morto, que nada pode fazer em utilidade da Igreja, causa principal da concessão de indulgências. Logo, parece que as indulgências não aproveitam aos defuntos.

2. Demais. ─ As indulgências se determinam ao arbítrio de quem as concede. Se, portanto, pudessem aproveitar aos defuntos, no poder de quem as concedesse estaria liberá-los totalmente da pena. O que é absurdo.

SOLUÇÃO. ─ As indulgências podem aproveitar principal ou secundariamente. Principalmente aproveitam a quem a ganha, i. é, quem pratica o ato por causa do qual ela é dada, p. ex., a visita do túmulo de um santo. Ora, os mortos, não podendo praticar nenhum desses atos por causa dos quais a indulgência foi dada, a eles não lhes pode ela diretamente aproveitar. Secundária e indiretamente, porém, aproveitam aquele por quem satisfazemos as condições delas. ─ O que umas vezes é possível e outras, não, conforme as diversas formas delas. ─ Assim, sendo a forma da indulgência a seguinte ─ Quem fizer isto ou aquilo terá tanto de indulgência ─ quem o fizer não pode transferir para outro o fruto da indulgência ganha; porque não tem o poder de aplicar em favor de ninguém a intenção da Igreja, que é quem comunica os sufrágios comuns, causa de as indulgências valerem. ─ Mas concedida uma indulgência sob a forma. ─ Quem fizer isto ou aquilo, ganhará, essa própria pessoa, ou o pai ou qualquer parente detido no purgatório, tanto de indulgência ─ esta aproveitará não só ao vivo, mas também ao morto. Pois, não há nenhuma razão pela qual a Igreja possa aplicar os seus méritos comuns, fundamento das indulgências, aos vivos e não no possa aos mortos.
 
Mas de aqui se não segue possa um prelado da Igreja, ao seu arbítrio, livrar as almas do purgatório. Pois, para valerem, é necessário tenham as indulgências uma causa justificativa da sua concessão, como dissemos.

Art. 9 ─ Se as almas dos mortos podem ser socorridas só, ou sobretudo, pelas orações da Igreja, pelo sacrifício do altar e pelas esmolas.

O nono discute-se assim. ─ Parece que não só, nem sobretudo, as almas dos mortos podem ser socorridas pelas orações da Igreja, pelo sacrifício do altar e pelas esmolas.

1. ─ Pois, uma pena deve ser compensada por outra. Ora, o jejum é maior pena que a esmola ou a oração. Logo, mais aproveita o jejum, como sufrágio, que qualquer das obras referidas.

2. Demais. ─ Gregório enumera o jejum entre os outros sufrágios, quando diz: As almas dos mortos podem ser livradas pelos quatro modos seguintes ─ as oblações dos sacerdotes; a esmola dos amigos, as preces dos santos e o jejum dos parentes. Logo, a tríplice enumeração referida, de Agostinho, é insuficiente.

3. Demais. ─ O batismo é o principalíssimo dos sacramentos, sobretudo pelo seu efeito. Logo, o batismo ou os outros sacramentos deveriam, ser celebrados pelos defuntos, como o sacramento do Altar, ou mesmo de preferência.

4. Demais. ─ Isto se conclui das palavras do Evangelho: Que farão os que se batizam pelos mortos se absolutamente os mortos não ressurgem? Logo, também o batismo vale como sufrágio pelos defuntos.

5. Demais. ─ O sacrifício do Altar é o mesmo em qualquer missa. Se, pois, o sacrifício é o enumerado entre os sufrágios e não a missa, parece que tem o mesmo valor qualquer missa dita por um defunto, quer a da Santa Virgem, quer a do Espírito Santo, quer outra qualquer. O que vai contra a disposição da Igreja, que instituiu uma missa especial pelos defuntos.

6. Demais. ─ Damasceno diz que se oferecem pelos defuntos cera, óleo e cousas semelhantes. Logo, não só na oblação do sacrifício do Altar mas também as demais oblações devem ser contadas entre os sufrágios pelos mortos.

SOLUÇÃO. ─ Os sufrágios dos vivos aproveitam aos mortos, primeiro, por estarem estes unidos pela caridade, e, segundo, por serem os mortos o objeto da intenção dos vivos. Por onde, são por excelência próprias a sufragar os mortos aquelas obras que supõem a comunicação da caridade ou a direção da intenção para terceiros. ─ Ora, a Eucaristia é por excelência o sacramento da caridade, pois, o sacramento da união eclesiástica; porque contém Cristo princípio da união e da consolidação da Igreja universal. Por isso a Eucaristia é como a origem ou o vínculo da caridade. Ora, entre os efeitos desta o mais principal é a obra da esmola. Por isso, quanto à caridade, servem sobretudo para sufragar os mortos as duas obras seguintes: o sufrágio da Igreja e a esmola. Quanto à intenção aplicada aos mortos, vale sobretudo a oração; porque esta, por natureza, não só respeita a quem ora, como as demais obras, mas e mais diretamente àquele por quem é feita. ─ Por isso, essas três obras se consideram como os principais socorros que os vivos podem prestar aos mortos; embora quaisquer outras boas obras feitas com caridade pelos defuntos, devemos crer que lhes aproveitem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Em quem satisfaz por outro devemos considerar ─ para que o efeito da satisfação a este aproveite ─ antes, o meio pelo qual ela se aplica de um para outro, que a pena mesma da satisfação. Embora a pena em si mesma sirva mais de expiar o reato do satisfaciente, como remédio que é. Por isso as três obras referidas aproveitam aos defuntos, mais que o jejum.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Também o Jejum pode aproveitar aos defuntos em razão da caridade, e da intenção a eles aplicada. Mas o jejum nada contém, por natureza, que diga respeito à caridade ou à direção da intenção, cousas que lhe concernem apenas extrinsecamente. Por isso Agostinho não enumerou, ao contrário de Gregório, o jejum entre os sufrágios dos mortos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O batismo é uma regeneração espiritual. Por onde, assim como pela geração só adquire a existência o ser gerado, assim o batismo não produz a sua eficácia senão no batizado, enquanto obra de valor próprio (ex opere operato). Embora enquanto obra feita por um determinado agente (ex opere operantes) , quer este seja o batizante, quer o batizado, possa aproveitar a outrem, como o podem as demais obras meritórias. Quanto à Eucaristia, é um sinal da união eclesiástica. Por isso, considerada como obra de valor próprio (ex ipso opere operato) , a sua eficácia pode aproveitar a outrem. O que não se dá com os outros sacramentos.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A Glosa expõe a autoridade citada em dois sentidos. Um sentido é o seguinte: Se os mortos não ressurgem nem ressurgiu Cristo, que farão os que batizam pelos mortos, i. é, pelos pecados; pois que estes não são perdoados se Cristo não ressurgiu. Porque no batismo opera não só a paixão mas também a ressurreição de Cristo, causa, de certo modo, da nossa ressurreição espiritual. ─ Outro sentido: Houve certos que, por ignorância, se faziam batizar por aqueles que partiram desta vida sem batismo, pensando que isso lhes aproveitasse. E, de conformidade com este sentido, as palavras citadas do Apóstolo se referem ao erro desses tais.

RESPOSTA À QUINTA. ─ O ofício da missa não é só um sacrifício mas também encerra orações; e satisfaz assim as duas condições exigidas por Agostinho. Como sacrifício oferecido, qualquer missa, p. ex. das referidas, aproveita igualmente aos defuntos, pois, o sacrifício é na missa o principal. Quanto às orações, as missas onde se rezam orações particulares pelos mortos mais lhes aproveitam. A falta de orações particulares pode entretanto ser compensada pela maior devoção do celebrante, ou de quem mandou celebrar, ou ainda pela intercessão do santo cujo sufrágio é implorado na missa.

RESPOSTA À SEXTA. ─ A oblação de candeias, óleo ou cousas semelhantes pode aproveitar ao defunto, consideradas como esmola; pois, oferecem-se para o culto da igreja ou também para uso dos fiéis.

Art. 8 ─ Se os sufrágios de algum modo aproveitam aos santos que estão na pátria.

O oitavo discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios de algum modo aproveitam aos santos que estão na pátria.

1. ─ Pois, reza a coleta de uma missa: Assim como os sacramentos aproveitam aos teus santos na glória, assim também servem de nos curar. Ora, entre os outros sufrágios o principal é o sacramento do Altar. Logo, os sufrágios aproveitam aos santos que estão na pátria.

2. Demais. ─ Os sacramentos realizam o que figuram. Ora, a terceira parte da hóstia, a colocada no cálice, significa os que vivem na pátria a vida bem-aventurada. Logo, os sufrágios da Igreja aproveitam aos que estão na pátria.

3. Demais. ─ Os santos na pátria se comprazem não só nos próprios bens, mas também nos alheios. Donde o dizer o Evangelho: Haverá júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faz penitência. Logo, as boas obras dos vivos farão aumentar a felicidade dos santos do céu; e assim, também os nossos sufrágios lhes aproveitarão.

4. Demais. ─ Damasceno escreve, citando palavras de Crisóstomo: Se, pois os pagãos ─ diz ─ queimam com os mortos os objetos que lhe pertenceram, quanto mais não deves tu, fiel, deixar partir os fiéis com as cousas que lhes pertenceram. Não reduzindo-as a cinzas, como fazem os pagãos, mas para que lhes aumentes a glória. E se pecador foi o que morreu, para o livrares dos seus pecados; se, ao contrário, justo, para lhes aumentares a recompensa e a retribuição. Donde a mesma conclusão que antes.
 
Mas, em contrário, as palavras de Agostinho citadas pelo Mestre: É injuriar a Igreja orar por um mártir; do contrário, devemos nós nos recomendar às suas orações.

2. Demais. ─ Deve ser socorrido quem tem necessidade. Ora, os santos na pátria não sofrem nenhuma necessidade. Logo, não precisam ser socorridos pelas preces da Igreja.

SOLUÇÃO. ─ Os sufrágios, por natureza, requerem um socorro, Ora, deste não precisa quem não sofre nenhuma necessidade; pois, só precisa de socorro quem padece indigência. Por onde, como os santos na pátria estão livres de qualquer necessidade, embriagados na abundância da casa do Senhor, na frase da Escritura, nenhum socorro lhes pode advir dos sufrágios.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essas expressões não devem entender-se como significando que os santos na glória tirem algum proveito de lhes celebrarmos nós a festa. Antes, a nós é que nos aproveita celebrarmos com solenidade a glória deles. Do mesmo modo que, conhecendo ou louvando a Deus, de certo modo aumentamos-lhe a glória, em nós, e isso nos aproveita a nós e não a ele.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os sacramentos realizem o que figuram, contudo não produzem esse efeito em relação a tudo o que figuram. Aliás, figurando a Cristo, como figuram, produziriam algum efeito em Cristo ─ o que é absurdo. Produzem porém o seu efeito em quem os recebe, em virtude do que significam. Donde pois não se segue que os sacrifícios oferecidos pelos fiéis defuntos aproveitem aos santos; mas que, pelos méritos deles, celebrados ou significados no sacramento, aproveitam aqueles por quem são oferecidos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora os santos no céu se regozijem com os nossos bens, daí porém não resulta que a multiplicação das nossas felicidades aumente também formalmente a deles: senão só materialmente. Porque toda paixão aumenta formalmente conforme a natureza do seu objeto. Ora, a razão de todos os regozijos que possam ter os santos é Deus, de quem não podem gozar mais ou menos, porque então lhes variaria o prêmio essencial, consistente em terem de Deus a sua felicidade. Por onde, a multiplicação dos bens, cujo gozo tem em Deus a sua razão de ser, não leva à consequência que os santos gozem mais intensamente, senão só que gozam de um maior número de bens. Donde, pois, não se segue que possam ser socorridos pelas nossas obras.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Dessas palavras não devemos concluir que os sufrágios dos fiéis aumentem a recompensa ou a retribuição dos santos, em honra dos quais são celebrados, mas que aproveitam a quem os faz. ─ Ou devemos pensar que os sufrágios podem aumentar a recompensa do fiel defunto, quando este ainda em vida ordenou os que lhe devessem ser feitos; o que lhe foi meritório.

Art. 7 ─ Se os sufrágios aproveitam às crianças que estão limbo.

O sétimo discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios aproveitam às crianças do limbo.
 
1. ─ Pois, no limbo só estão pelo pecado alheio. Logo, é da máxima conveniência sejam socorridos pelos sufrágios alheios.
 
2. Demais. ─ O Mestre cita as palavras seguintes de Agostinho: Os sufrágios da Igreja são propiciatórios pelos que não tem grande malícia. Ora, as crianças não são computadas entre os de grande malícia; pois, brandíssima é a pena delas. Logo, os sufrágios da Igreja lhes aproveitam.

Mas, em contrário, ainda segundo Agostinho, citado pelo Mestre, os sufrágios não aproveitam aqueles que saíram desta vida sem a fé operante pelo amor. Ora, assim desta vida partiram as crianças. Logo, os sufrágios não lhes aproveitam.

SOLUÇÃO. ─ As crianças não-batizadas não ficam detidas no limbo senão por não estarem em estado de graça. Por onde, como as obras dos vivos não podem mudar o estado dos mortos, sobretudo quanto ao mérito essencial do prêmio ou da pena, os sufrágios dos vivos não podem aproveitar às crianças que estão no limbo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora o pecado original seja de natureza, que as obras de um podem fazer com que outro fique livre dele, contudo as almas das crianças no limbo estão em estado tal, que não podem socorrer-se dos sufrágios; porque depois desta vida não é mais o tempo de se conseguir a graça.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Agostinho se refere aos que não são demasiado maus, mas que são batizados. Isso é claro pelas suas palavras anteriores: Quando se oferece o sacrifício do altar ou o de quaisquer esmolas por todos os fiéis batizados, etc.

Art. 6 ─ Se os sufrágios aproveitam aos que estão no purgatório.

O sexto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios não aproveitam aos que estão no purgatório.

1. ─ Pois, o purgatório é uma parte do inferno. Ora, no inferno não há nenhuma redenção. E a Escritura diz: No inferno quem te louvará? Logo, os sufrágios não aproveitam aos do purgatório.

2. Demais. ─ A pena do purgatório é finita. Ora, se os sufrágios fazem-na diminuir, podem multiplicar-se a ponto de a eliminarem totalmente; e assim os pecados ficarão de todo impunes. O que repugna à justiça divina.

3. Demais. ─ As almas estão no purgatório para, depois de purificadas, chegarem puras ao Reino. Ora, nada pode ser purificado sem sofrer uma ação. Logo, os sufrágios feitos pelos vivos não diminuem a pena do purgatório.

4. Demais. ─ Se os sufrágios aproveitassem às almas do purgatório, mais lhes aproveitariam as que por ordem delas se fizeram. Ora, essas nem sempre lhes aproveitam. Tal o caso de quem, ao morrer, ordenasse que tantos sufrágios em seu beneficio se fizessem, que lhe bastassem a eliminar totalmente a pena. Portanto, se esses sufrágios fossem diferidos até a alma ter cumprido totalmente a sua pena, de nada lhes aproveitariam eles. Nem se poderia dizer que lhe aproveitariam antes de celebrados. Por outro lado, depois de celebrados, deles não precisava, por ter já cumprido a sua pena. Logo, os sufrágios não aproveitam às almas da purgatório.

Mas, em contrário, as palavras de Agostinho citadas pelo Mestre, que dizem aproveitarem os sufrágios às almas mediocremente boas ou más. Ora, tais são as detidas no purgatório. Logo, etc.
 
2. Demais. ─ Dionísio diz: Quando o sacerdote de Deus ora pelos mortos, ora pelos que viveram santa mente, e contudo contraíram certas máculas provenientes da fraqueza humana. Ora, esses são os detidos no purgatório. Logo, etc.

SOLUÇÃO. ─ As penas do purgatório são infligidas como um suplemento de satisfação ainda não plenamente dada pelo corpo. Por onde, como do sobre dito resulta, as obras de um podem aproveitar à satisfação de outro, seja este vivo ou morto. E assim nenhuma dúvida há que os sufrágios feitos pelos vivos aproveitem às almas do purgatório.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O lugar citado se refere ao inferno dos condenados, onde não há nenhuma redenção, quanta aos definitivamente sentenciados às penas infernais. ─ Ou devemos pensar, com Damasceno que essas autoridades devem ser entendidas relativamente às causas inferiores, i. é, segunda as exigências dos méritos dos sentenciados a essas penas. Mas, a misericórdia divina, que não depende dos méritos humanos, movida pelas preces dos justos, pode dispor as causas de modo diverso que o ensinado pelas referidas autoridades. Pois, Deus pode mudar de sentença, mas não de conselho, como diz Gregório. Por isso Damasceno também aduz em abono do que diz, os exemplos dos Ninivitas, de Acab e de Ezequias, que bem demonstram que a sentença divina proferida contra eles a divina misericórdia a alterou.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nenhum inconveniente há em a pena das almas do purgatório ficar eliminada pela multiplicação dos sufrágios. Donde porém se não segue fiquem os pecados impunes; pois, a pena, que um assume por outro, redunda em favor deste.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A purificação da alma pelas penas do purgatório outra cousa não é senão a expiação do reato, que impede a alma de gozar a glória. E como a pena, que um sofre por outro, pode expiar o reato deste, conforme dissemos, nenhum inconveniente há se a satisfação de um purifica outro.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Os sufrágios podem aproveitar por duas causas: pelo valor do agente (ex opere operante) ou pelo valor da obra (ex opere operato). Por opus operatum entendo não só os sacramentos da Igreja, mas qualquer efeito acidental das boas obras; assim quem dá uma esmola alivia a miséria do pobre e obtém as orações dele a Deus, pelos defuntos. Semelhantemente, o opus operans pode ser considerado em relação ao agente principal ou ao exequente. ─ Digo pois, que um moribundo, logo ao ordenar sejam certos sufrágios feitos por si, lhes colhe plenamente o prêmio, mesmo antes de celebrados, quanto à eficácia deles, resultante da obra praticada (ex opere operante) pelo agente principal. Mas quanto à eficácia do sufrágio, em virtude do valor mesmo deles (ex opere operato) ou da obra do agente instrumental (ex opere operante exequentis) não colhe os frutos dos sufrágios antes de celebrados. Se pois acontecer que a alma fique liberada antes da pena, ficará por aí frustrado o fruto dos sufrágios, mas redundará em pena daqueles que foram a causa de isso se dar. Nenhuma contradição há, na verdade, em ficar um, na ordem temporal, defraudado por culpa de outro. Ora, a pena do purgatório é temporal. Embora, quanto à retribuição eterna, ninguém pode ser prejudicado senão por culpa própria.

Art. 5 ─ Se os sufrágios aproveitam aos que estão no inferno.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios aproveitam aos que estão no inferno.

1. - Pois, diz a Escritura: Eles acharam debaixo das túnicas dos mortos na batalha algumas das oferendas consagradas aos ídolos, que a lei proíbe aos Judeus. E pouco depois acrescenta: Judas, tendo ajuntado uma coleta, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém para serem oferecidas em sacrifício pelos pecados dos mortos. Ora, sabemos que pecaram aqueles mortalmente, procedendo contra a lei; que, além disso, morreram em pecado mortal e, portanto, caíram no inferno. Logo, aos que estão no inferno os sufrágios aproveitam.

2. Demais. ─ O Mestre cita as seguintes palavras de Agostinho: Aqueles a quem aproveitam os sufrágios, ou é para a remissão plena dos pecados ou para se lhes tornar mais suportável a condenação. Ora, condenados são só os do inferno. Logo, também a eles aproveitam os sufrágios.

3. Demais. ─- Dionísio diz: Se as orações dos justos aproveitam já nesta vida. quanto mais depois da morte não aliviarão as almas merecedoras desse socorro? Donde se pode concluir que os sufrágios mais aproveitam aos mortos que aos vivos. Ora, aos vivos lhes aproveitam mesmo em estado de pecado mortal; pois todos os dias a Igreja ora para os pecadores se converterem a Deus. Logo, também aos mortos em pecado mortal os sufrágios aproveitam.

4. Demais. ─ Nas Vidas dos Padres do deserto se lê e também o refere Damasceno, que Macário, tendo encontrado num caminho o crânio de um defunto, procurou saber, depois de feita oração, de quem fosse essa cabeça. E essa respondeu que fora de um sacerdote gentio condenado ao inferno, que contudo confessou ter-lhe aproveitado a oração de Macário, a si e a outros. Logo, os sufrágios da Igreja aproveitam mesmo aos que estão no inferno.

5. Demais. - No mesmo sermão Damasceno narra que Gregório, estando a orar por Trajano, ouviu uma voz do céu que lhe anunciava: Ouvi a tua voz e concedo o perdão a Trajano. E disso, conforme o afirma Damasceno, testemunha é todo o oriente e o ocidente. Ora, sabemos que estava no inferno Trajano, causador da morte cruel de muitos mártires, como refere no mesmo lugar Damasceno. Logo, os sufrágios da Igreja valem mesmo aos que estão no inferno.

Mas, em contrário, Dionísio: O Sumo Sacerdote não ora pelos impuros, porque, se o fizesse encontraria a ordem divina. E o comentador diz, no mesmo lugar, que o Sumo Sacerdote não pede o perdão dos pecadores condenados, porque sua oração não lhes aproveitaria. Logo, os sufrágios não valem aos que estão no inferno.

2. Demais. ─ Gregório diz: A mesma causa pela qual não se orará; então, i. é, depois do dia de juízo, pelos condenados ao fogo eterno é a pela qual não rezamos agora pelo diabo e pelos seus anjos condenados ao eterno suplício. E ainda pela mesma causa não oram os santos, nesta vida, pelos infiéis e ímpios defuntos; por temerem não seja vão o mérito das suas orações, aos olhos do Justo Juiz, por aqueles que de certo já sabem condenados ao eterno suplício.

3. Demais. ─ O Mestre cita as seguintes palavras de Agostinho: Os mortos sem a fé ativa pelo amor e sem os sacramentos, a esse é em vão que a piedade filial os recomenda à misericórdia divina. Ora, tais são todos os condenados. Logo, os sufrágios não lhes aproveitam.

SOLUÇÃO. ─ Há três opiniões sobre a situação dos condenados ao inferno.

Uns dizem que, nesta matéria, devemos fazer uma dupla distinção. ─ Primeiro quanto ao tempo. E então opinam, que depois do dia de juízo, a nenhum dos condenados do inferno aproveitará qualquer sufrágio; a certos porém, antes desse dia, aproveitam os sufrágios da Igreja. ─ Segundo, quanto aos detidos no inferno. Dentre os quais uns, dizem, são a tal ponto maus que morreram sem fé e sem sacramento. E a esses os sufrágios da Igreja não aproveitam, pois não lhes pertenceram nem ao mérito nem ao número. Outros, porém, não são tão maus, pois fizeram parte da Igreja, tiveram fé, receberam os sacramentos e praticaram certas boas obras. E a esses os sufrágios da Igreja devem aproveitar.

Mas uma dúvida ocorre, que não deixava de os perturbar, consequência da opinião que professavam. E é que, sendo finita a intensidade das penas do inferno, embora de duração infinita, a multiplicação dos sufrágios haveria de eliminá-las de todo ─ erro de Orígenes.

E assim lançaram mão de muitos recursos para obviarem a essa inconsequência. Prepositivo, um deles, dizia que os sufrágios pelos condenados podem a ponto multiplicar-se, que fiquem de todo liberados da pena; não porém absolutamente falando, como ensinou Orígenes, mas só por um tempo, a saber, até o dia do juízo. E então as almas de novo unidas ao corpo, seriam precipitadas, sem esperança de perdão nas penas do inferno. ─ Mas esta opinião repugna à providência divina, que nada deixa desordenado. Ora, nenhuma culpa pode ser expiada, senão pela pena. Portanto, nenhuma pena pode ser perdoada antes de expiada a culpa. Ora, como a culpa dos condenados permanece inexpíada, de nenhum modo se lhes poderá ser relevada a pena.

Por isso os discípulos de Porretano recorreram a outro expediente, ensinando que os sufrágios fazem diminuir a pena do mesmo modo por que a divisão faz diminuírem as linhas. Ora, estas, sendo finitas, contudo podem ser divididas ao infinito sem nunca se consumirem com a divisão, porque a subtração que se lhes faz não é sempre da mesma quantidade, mas de uma quantidade proporcional. Assim, se primeiro se subtraísse a quarta parte do todo; depois a quarta parte dessa quarta parte; e ainda a quarta desta quarta, e assim por diante ao infinito. Do mesmo modo, ensinam, o primeiro sufrágio diminui uma parte alíquota da pena; o segundo diminui, da parte restante, uma outra, na mesma proporção. ─ Mas esta explicação é muito defeituosa. ─ Primeiro, porque a divisão infinita, de que é quantidade contínua é susceptível, não pode ser aplicada a uma quantidade espiritual. ─ Segundo, por não haver nenhuma razão por que o segundo sufrágio diminua menos a pena que o primeiro, desde que tem o mesmo valor. ─ Terceiro, porque uma pena não pode sofrer diminuição sem diminuir a culpa; nem ser eliminada, sem a eliminação desta. ─ Quarto, porque a divisão de uma linha chegara enfim a panes imperceptíveis, porque um corpo sensível mio é susceptível de divisão infinita. Donde resultaria que, depois de muitos sufrágios, a pena remanescente já não seria, pela sua insignificância, sentida; e assim, deixaria de ser pena.

Por isso outros recorreram a outra explicação. Assim, o autor autossiodorense ensina, que os sufrágios aproveitam aos condenados, não para lhes minorar as penas nem para as interromper; mas para confortar o paciente. Tal um homem, que carregasse um pesado fardo e a quem se lhe refrescassem as faces com água, ficaria confortado para melhor carregá-lo, embora a sua carga não se lhe tornasse com isso mais leve. ─ Mas ainda, tal explicação é inadmissível. Porque um condenado é mais ou menos, atormentado pelo fogo, como diz Gregório, conforme lh'o merece a culpa. Donde, pelo mesmo fogo uns são mais cruciados e outros, menos. Por isso, desde que a culpa dos condenados permaneça sempre a mesma, não podem vir a sofrer pena mais leve. ─ Além disso essa opinião é pretensiosa como contrária à doutrina dos Santos Padres; vã, sem nenhuma autoridade que a sustente; e enfim irracional. Primeiro, porque os condenados ao inferno não os abrange o vínculo da caridade, pela qual as obras dos vivos se aplicam aos mortos. Segundo, porque os condenados já chegaram ao termo derradeiro da vida e receberam a última retribuição merecida, como receberam a sua os santos na pátria. Quanto ao que lhes resta de pena ou de glória para o corpo, não o coloca isso na condição de viandantes; porque tanto a glória dos eleitos como a miséria dos condenados está essencial e radicalmente na alma. Portanto, não é susceptível de diminuição nem a pena destes, nem a glória dos santos, quanto ao prêmio essencial.
 
O modo porém, pelo qual, segundo certos ensinam, os sufrágios podem aproveitar aos condenados, poderia sustentar-se no sentido seguinte. Que não aproveitam nem para diminuir a pena ou interrompê-la, nem para lhe minorar a pena do sentido. Mas, por esses sufrágios, de certa maneira se lhes abrandam os sofrimentos em que ficariam inversos, vendo-se a tal ponto desprezados, que ninguém se ocuparia com a sua sorte. ─ Mas esse alívio também não no poderiam ter, pela lei comum. Porque, diz Agostinho, e é sobretudo verdade dos condenados: As almas dos defuntos não sabem, no seu tenebroso cárcere, de nada do que entre os homens se faz ou se passa. Portanto, não sabem quando se celebram sufrágios por eles, salvo se, como exceção à lei geral, essa consolação Deus a conceder a certos deles. O que é opinião absolutamente incerta.

Por onde, mais seguro é concluir simplesmente, que os sufrágios não aproveitam aos condenados, nem a Igreja tem a intenção de orar por eles, como se colhe das autoridades citadas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Com esses mortos não foram encontradas cousas, que pudessem ser consagradas aos ídolos, donde se pudesse concluir que consigo as trouxessem em sinal de reverência para com eles. Mas as tomaram como despojos devidos, por direito de guerra, a vencedores. Contudo, por avareza pecaram venialmente. Por isso não foram condenados ao inferno. Portanto, os sufrágios lhes podiam aproveitar. ─ Ou podemos responder, segundo certos, que, vendo-se na batalha em perigo iminente de morte, arrependeram-se dos seus pecados, segundo aquilo da Escritura: Quando os fazia morrer os buscavam. O que se pode admitir como provável. Por isso se fez por intenção deles a oblação.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nessas palavras, a condenação é tomada em sentido lato, por qualquer punição. E assim inclui também as penas do purgatório, que, ora são totalmente expiadas pelos sufrágios, ora não, mas apenas minoradas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ De certo modo, os sufrágios são mais aplicáveis aos mortos que aos vivos, porque aqueles mais necessitam deles, por não poderem, como os vivos, se ajudar a si próprios. Mas, de outro modo, a condição do vivo é melhor porque pode passar do estado de culpa mortal para o de graça ─ o que dos mortos não se pode dizer. Por onde, não é a mesma a condição dos vivos e a dos mortos, quanto ao aproveitamento dos sufrágios.
 
RESPOSTA À QUARTA. ─ As orações de Macário não tiveram como efeito diminuir a pena dos condenados, mas somente, conforme no mesmo lugar se diz, conceder-lhes o meio de se verem mutuamente. E com isso tinham uma alegria verdadeira e não imaginária, sendo realizado o que desejavam. No mesmo sentido em que dizemos que os demônios se alegram quando fazem o homem cair em pecados, embora isso em nada lhes diminua as penas; assim como nenhuma diminuição sofre a felicidade dos anjos pelo fato de dizermos que tem compaixão de nós pelos nossos males.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Quanto ao fato de Trajano, podemos interpretá-lo com probabilidade do modo seguinte. Chamado de novo à vida pelas preces de S. Gregório, conseguiu a graça da remissão dos pecados e, por consequência, a liberação das penas. O que também se deu com todos os milagrosamente ressuscitados dentre os mortos, dos quais sabemos de muitos, que tinham sido idólatras e estavam condenados. De todos esses devemos, por semelhança, pensar, que não estavam condenados ao inferno, por uma sentença definitiva; mas por uma sentença fundada na justiça que lhes remunerasse os méritos próprios, nesta vida. E que razões superiores exigiam fossem de novo chamados à ela, fazendo assim exceção à lei comum. ─ Ou devemos concluir, com certos, que a alma de Trajano não foi, absolutamente falando, absolvida do reato da pena eterna, sendo a sua pena somente suspensa temporàriamente, até o dia do juízo. Mas dai não se pode concluir que os sufrágios alcancem sempre esse resultado. Pois, uma cousa são as exigências da lei comum, e outra as concessões privilegiadas a certos em particular; assim como uns são os limites das causas humanas e outros os sinais do poder divino, conforme Agostinho.

Art. 4 ─ Se os sufrágios feitos pelos vivos aos mortos aproveitam a quem os faz.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos pelos vivos aos mortos não aproveitam a quem os faz.

1. ─ Pois, quem pagasse a dívida de outrem não ficaria liberado, segundo a justiça humana, da sua dívida própria. Portanto, o fato de alguém, fazendo sufrágios, satisfazer pelo débito alheio, não o libera do seu débito próprio.

2. Demais. ─ Todos devemos fazer os nossos atos de melhor modo possível. Ora, é melhor socorrer a dois que a um só. Se, portanto, quem sufraga os mortos fica liberado do seu débito próprio, pelos livrar dos deles, parece que nunca deveríamos satisfazer por nós, mas sempre por outrem.

3. Demais. ─ Se uma satisfação aproveitasse igualmente por outrem, por quem é dada, e ao próprio autor dela, por igual razão valeria também para um terceiro por quem também fosse feita; e igualmente a um quarto e assim por diante. Logo, por uma só satisfação poderia um satisfazer por todos. O que é absurdo.

Mas, em contrário, a Escritura: A minha oração dava voltas no meu seio. Logo e pela mesma razão, os sufrágios feitos por outrem aproveitam-lhe.

2. Demais. ─ Damasceno diz: Como quem quer ungir um enfermo, com um unguento ou um óleo santo, primeiro participa ele próprio da unção para depois ungir o doente, assim também quem ora pela salvação do próximo é útil primeiro a si mesmo e depois ao próximo. E assim fica provado o que afirmamos.

SOLUÇÃO. ─ Os sufrágios feitos por outrem podem ser considerados a dupla luz. ─ Primeiro, como expiatívos da pena a modo de recompensa implicada na satisfação. E então os sufrágios, considerados como de quem os faz, absolve do débito da pena aquele por quem foram feitos, sem absolverem ela pena própria o autor deles. Porque nessa compensação leva-se em conta a igualdade da justiça. Ora, uma obra justa satisfatória pode adequar-se a um reato, sem se adequar a outro. Mas, os reatos de dois pecados exigem maior satisfação que o reato de um só. ─ A outra luz, podem os sufrágios ser considerados enquanto meritórios para a vida eterna, e isso eles o são enquanto radicados na caridade. E então aproveitam não só aquele por quem são feitos, mas sobretudo a quem os fez.

DONDE A RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES ─ Pois, as primeiras se fundam na obra dos sufrágios enquanto satisfatória; e as outras enquanto obra meritória.

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