Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a bigamia de quem teve duas esposas sucessivas não implica irregularidade, porque a multiplicidade e a unidade resultam do ser.
1. Como, pois, o não ser não constitui multiplicidade alguma, aquele que tem sucessivamente duas esposas, quando uma está no ser e outra no não ser, por isso não se torna marido de não uma só mulher, ao qual, segundo o Apóstolo, é vedado o episcopado.
2. Demais. ─ Dá mais visíveis sinais de incontinência quem teve relações ilícitas com varias mulheres, que quem teve sucessivamente várias esposas. Ora, no primeiro caso não resulta nenhuma irregularidade. Logo, nem do segundo.
3. Demais. ─ Se a bigamia causasse irregularidade, se-lo-ia em razão do sacramento ou da cópula carnal. Ora, não em razão daquele, porque então quem contraísse matrimônio com uma, por palavras de presente, e morta ela antes da cópula carnal, casasse com outra, ficaria irregular o que colide com o decreto de Inocêncio III. Nem pela segunda razão, porque nesse caso quem tivesse tido concúbito ilícito com várias seria irregular ─ o que é falso. Logo, de nenhum modo a bigamia causa irregularidade.
SOLUÇÃO. ─ Quem se ordena é constituído ministro dos sacramentos; e quem deve ministrá-los aos outros não deve ter recebido defeituosamente nenhum sacramento. E um sacramento é assim recebido quando não tem a sua significação íntegra. Ora, o sacramento do matrimônio significa a união entre Cristo e a Igreja, união de um só com uma só. Por onde, a fim de o sacramento ter a sua significação perfeita, há de um homem casar com uma só mulher e uma mulher com um só marido. Portanto a bigamia, que contraria essa significação, acarreta uma irregularidade. E há quatro modalidades de bigamia. A primeira quando um tem, de direito, duas esposas sucessivamente. A segunda quanto tem simultaneamente duas, uma de direito e a outra de fato. A terceira, quando tem duas sucessivas, uma de direito e outra de fato. A quarta, quando casa com viúva. E assim todos esses Casos implicam irregularidade. Assinala-se ainda outra causa consequente de irregularidade. Porque, quem recebe o sacramento da ordem deve revelar a máxima espiritualidade, quer por ministrar os sacramentos, que são realidades espirituais, quer por ensinar uma doutrina espiritual e dever-se ocupar com coisas espirituais. Ora, como a concupiscência repugna sobremaneira à espiritualidade e torna o homem totalmente carnal, não deve quem se ordenou dar mostras de uma concupiscência permanente. Ora, dela dão mostras os bígamos, que não quiseram contentar-se com uma só mulher. A primeira razão porém é melhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A multiplicidade simultânea de mulheres o é uma absoluta. Por onde, essa multiplicidade totalmente repugna à significação do sacramento. Por isso o tolhe a este. Mas a multidão sucessiva de esposas o é relativamente. Por isso não tolhe de todo a significação do sacramento, nem o elimina na sua essência, senão só quanto à perfeição exigida dos dispensadores dos sacramentos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os fornicários dêem provas de maior concupiscência, não a dão porém de uma concupiscência permanente; pois, pela fornicação não assumem nenhuma obrigação perpétua para com nenhuma mulher. Não há logo deficiência de sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como dissemos, a bigamia causa irregularidade por tolher a perfeita significação do sacramento, que consiste tanto na união das almas pelo consentimento, como na dos corpos. Assim, em virtude a essas duas causas, simultaneamente a bigamia produz a irregularidade. Por isso um decreto de Inocêncio III derroga a doutrina do Mestre das Sentenças, quando ensina que o seu consentimento por palavras de presente basta para fazer incorrer em irregularidade.
O quinto discute- se assim. ─ Parece que outrora era lícito ter concubina.
1. Pois, assim como ter uma só esposa, assim também não ter concubina é uma exigência da lei natural. Ora, outrora era permitido ter várias mulheres. Logo, também ter concubina.
2. Demais. ─ Não pode uma ser ao mesmo tempo escrava e mulher; donde o determinar a Lei; que o casamento de uma escrava por si mesmo a libertava. Ora, de certos homens amicíssimos de Deus, como Abraão e Jacó, refere a Escritura que tinham como concubinas, escravas. Logo, essas não lhes eram esposas. Portanto, antigamente era lícito ter concubinas.
3. Demais. ─ A mulher tomada como esposa não pode ser deitada fora, e o seu filho deve participar da herança. Ora, Abraão deitou fora Agar, e o filho dela não foi herdeiro. Logo, não era esposa de Abraão.
Mas, em contrário. ─ Atos contrários aos preceitos do Decálogo nunca foram lícitos. Ora, ter concubina é contra o preceito do Decálogo, que dispõe: não cometerás adultério. Logo, nunca foi lícito.
2. Demais. ─ Ambrósio diz: ao marido não é lícito o que não o é à mulher. Ora, nunca foi lícito a mulher separando-se do seu marido legítimo, ter relações com outro homem. Logo, também nunca e foi ao marido ter uma concubina.
SOLUÇÃO. ─ Ensina Rabi Moisés, que antes do tempo da lei, não era pecado a fornicação; e o conclui do fato de ter Judas tido congresso com Tamar. ─ Mas esta razão não é cogente. Pois, não é preciso que os filhos de Jacó sejam escusados de pecado mortal, eles que foram perante o pai acusados de um crime péssimo e consentiram na morte ou venda de José. Devemos, pois, pensar que, sendo contra a lei da natureza ter uma concubina, não ligada por matrimônio em nenhum tempo foi isso lícito, em si mesmo considerado, nem por dispensa. Pois, como do sobredito se colhe, o concúbito com mulher a que o homem não está unido pelo matrimônio não é um ato conveniente ao bem da prole, fim principal do matrimônio. Colide portanto com os princípios primários da lei natural, que não são susceptíveis de dispensa. Por onde, sempre que o Antigo Testamento refere, de certos que tinham concubinas, ficando contudo escusados de pecado mortal devemos entender que estavam unidos em matrimônio com mulheres chamadas contudo concubinas, porque eram em parte esposas e, em parte, concubinas. Pois, por isso mesmo que o matrimônio se ordena ao bem da prole, que é o seu fim principal, a mulher fica ligada ao marido por uma união perpétua, ou ao menos diuturna, como do sobredito se colhe; e nenhuma dispensa sofre esse vínculo. Mas pelo fim secundário do matrimônio, que é a manutenção da família e a assistência mútua, a mulher está unida do marido como companheira. O que não se dava com essas chamadas concubinas. Pois, esse fim secundário do matrimônio era susceptível de dispensa. Por isso, por participarem de certo modo da natureza da concubina, concubinas se chamavam.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Ter várias mulheres não colide com os preceitos primários da lei da natureza, como colide ter concubina. Por onde, a razão não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os antigos Patriarcas, tendo dispensa para casar com várias mulheres, tinham vida com as escravas, com afeto marital. Pois, eram esposas, quanto ao fim primário do matrimônio; mas não quanto à outra união atinente ao fim secundário, a que se opõe a condição servil, pois não pode uma ser ao mesmo tempo companheira e escrava.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como a lei de Moisés, por dispensa, permitia mandar libelo de repúdio, para evitar o uxoricídio, como diremos, assim, em virtude dessa mesma dispensa, foi lícito a Abraão deitar fora a Agar, para significar o mistério, a que o Apóstolo alude. Onde também diz que constitui um mistério o não lhe ser herdeiro dele o filho dela. Como também constitui mistério o fato de não ter sido herdeiro de Esaú o filho que teve com uma livre. E ainda, só como mistério se explica que fossem herdeiros de Jacó os filhos que teve de escravas e de livres, como ensina, Agostinho; porque a Cristo lhe nascem, pelo batismo, filhos, tanto pelos bons, que as livres significavam, como pelos maus ministros, simbolizados pelas escravas.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que ter relações com a concubina não é pecado mortal.
1. Pois, mais grave pecado é a mentira que a fornicação simples. Isso se conclui do fato de Judas ter recusado mentir, que não lhe repugnou conter fornicação com Tamar, dizendo: Ao menos não poderá arguir-nos de mentira. Ora, a mentira nem sempre é pecado mortal. Logo, nem a fornicação simples.
2. Demais. ─ O pecado mortal deve ser punido de morte. Ora, a Lei Velha só em certos casos punia de morte o concúbito com a concubina. Logo, não é pecado mortal.
3. Demais. ─ Segundo Gregório, os pecados carnais são de menor culpa que os espirituais. Ora, nem sempre a soberba ou a avareza, que são pecados espirituais, são pecados mortais. Logo, nem toda fornicação, que é um pecado carnal, é pecado mortal.
4. Demais. Onde há maior incitamento há menor pecado, pois mais peca quem é atacado por menor tentação. Ora, a concupiscência é uma violenta instigação ao ato sexual. Logo, assim como o ato da gula nem sempre é pecado mortal, nem pecado mortal será a fornicação simples.
Mas, em contrário. ─ Só pelo pecado mortal ficamos excluídos do reino de Deus. Ora, os fornicários são excluídos dele, como diz o Apóstolo. Logo, a fornicação simples é pecado mortal.
2. Demais. ─ Só aos pecados mortais se chamam crimes. Ora, toda fornicação é crime, conforme àquilo da Escritura: Preserva-te de toda impureza e fora de tua mulher nunca consintas em conhecer o crime. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ Como ficou dito aqueles atos são genericamente pecados mortais que rompem o pacto de aliança entre o homem e Deus e entre um homem e outro. Pois, colidem com os dois preceitos da caridade, que é a vida da alma. Portanto, como o concúbito fornicário destrói a ordenação natural do pai para os filhos, que é o fim intencionado pela natureza, nenhuma duvida há que seja pecado a fornicação simples, por natureza, mesmo se não fosse proibida por lei escrita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ É frequente não evitarmos um pecado mortal e, contudo, evitarmos um pecado venial, para o qual não nos atrai a mesma grande tentação. Assim foi que Judas evitou a mentira sem que evitasse a fornicação. Embora essa mentira fosse perniciosa, implicando uma injustiça, se não cumprisse o prometido.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não se chama o pecado mortal por ser punido de morte temporal, mas pelo ser de morte eterna. Por isso também o furto, que é um pecado mortal, e muitos outros, às vezes não são punidos pelas leis, de morte temporal. Ora, o mesmo se dá com a fornicação.
RESPOSTA À TERCEIRA ─ Assim como não qualquer movimento de soberba é pecado mortal, assim também não o é todo movimento de luxúria: Porque os primeiros movimentos de luxúria, como outros semelhantes, são pecado veniais, e mesmo às vezes o concúbito matrimonial. Entretanto, certos atos de luxúria são pecados mortais, ao passo que são veniais certos movimentos de soberba. Pois, das palavras de Gregório não se deve concluir uma comparação dos vícios genericamente considerados, senão só singularmente.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Aquela circunstância é mais agravante que mais atinente é à espécie de pecado. Por onde, embora a fornicação pela intensidade da excitação que a ela nos impele, perca da sua gravidade, recebe contudo maior gravidade da sua matéria, que o ato desordenado da gula; pois, da fornicação, a matéria é desenvolver os laços da sociedade humana, como se disse. Por isso a objeção não colhe.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que ter uma concubina não é contra a lei da natureza.
1. Pois, as leis cerimoniais não fazem parte da lei natural. Ora, a fornicação era proibida, entre os outros preceitos cerimoniais da lei impostos temporariamente aos gentios crentes. Logo, a fornicação simples, que é a relação com a concubina, não é contra a lei da natureza.
2. Demais. ─ O direito positivo deriva do natural, como diz Túlio. Ora, pelo direito positivo, a fornicação simples não era proibida; ao contrário até as mulheres eram condenadas, pelas leis antigas, a serem entregues aos lupanares, como pena. Logo, ter uma concubina não é contra a lei da natureza.
3. Demais. ─ A lei natural não impede que o que é pura e simplesmente dado não no possa ser temporariamente e com restrições. Ora, uma mulher solteira pode dar a um homem solteiro perpétuo poder sobre o seu corpo, para que dele use licitamente, quando quiser. Logo, não é contra a lei da natureza se lhe der um poder apenas momentâneo sobre o seu corpo.
4. Demais. ─ Quem usa do seu como quer a ninguém faz injúria. Ora, a escrava é coisa do Senhor. Logo, se este dela usar como quiser, a ninguém faz injúria. Portanto, ter uma concubina não é contra a lei da natureza.
5. Demais. ─ Todos podemos dar a outrem o nosso. Ora, a esposa tem poder sobre o corpo do marido, como diz o Apóstolo. Logo, permitindo ela, o marido pode ter conjunção com outra sem pecado.
Mas, em contrário. ─ Segundo todas as leis, é censurável ter filhos nascidos de concubina. Ora, tal não seria se o concúbito, donde nasceram, não fosse naturalmente condenável. Logo, ter uma concubina é contra a lei natural.
2. Demais. ─ O matrimônio é natural. Ora, tal não seria se, sem prejuízo da lei da natureza, o homem pudesse ter união com uma mulher, fora do matrimônio. Logo, contra a lei natural é ter uma concubina.
SOLUÇÃO. ─ Considerada é contra a lei da natureza a ação, contrária ao fim intencionado pela natureza; quer por se lhe não ordenar por obra do agente, ou por se lhe não ordenar por natureza. Ora, o fim intencionado pela natureza, na conjunção matrimonial, é a geração de filhos e a criação deles; e para esse bem ser alcançado, tornou ela deleitável a cópula carnal, como diz Constantino. Ora, toda relação carnal buscada só pelo prazer que encerra, sem a referir ao fim visado pela natureza, colide com esta. E o mesmo se dá com todo concúbito que não possa ordenar-se convenientemente a esse fim. Ora, uma coisa, no mais das vezes, tira a sua denominação do seu fim, como do que lhe é mais importante. Por onde, assim como a conjunção matrimonial tira o seu nome do bem da prole, fim principal do matrimônio, assim o nome de concubina exprime aquela conjunção em que só se busca o prazer a carnal. Mesmo porém que de tal conjunção nasçam filhos, não lhes consulta contudo o bem que não consiste só serem gerados, recebendo assim dos pais a existência, mas ainda em serem criados e instruídos, recebendo deles a nutrição e a aprendizagem; e nisso consiste o tríplice dever dos pais para com os, filhos, segundo o Filósofo. Por onde, como a criação e a instrução dos filhos pelos pais se prolonga diuturnamente, a lei natural exige a diuturna coabitação entre pai e mãe, a fim de em comum criarem os filhos. Por isso as aves que nutrem os filhos em comum não se separam os casais antes de completamente criados os filhos, criação começada pela conjunção. Ora, é esta obrigação de permanecer a mulher unida ao marido que se chama casamento. Por onde, é claro que ter um homem conjunção com uma mulher a que não está unido em matrimônio, e se chama por isso concubina, é contra a lei da natureza.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Entre os gentios muitos preceitos da lei natural estavam obliterados; por isso não julgavam mal manter um homem uma concubina. Mas recorriam habitualmente à fornicação, como a uma coisa lícita, e à outras práticas contrárias às cerimônias dos judeus, embora não o fossem contra a lei natural. Por isso os Apóstolos introduziram a proibição da fornicação nas cerimônias da lei, pela diferença existente nessa matéria entre judeus e gentios.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A lei referida nasceu, não de procedência da lei natural, mas da predita obliteração em que caíram os gentios, não dando a Deus a glória que lhe é devida, como diz o Apóstolo. Por isso tal lei foi extirpada quando veio a prevalecer a religião cristã.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Em certos casos pode não resultar nenhum inconveniente de cedermos a outrem o que é nosso de pleno direito, tanto para sempre como temporariamente; e assim de nenhum modo procedemos contra a lei natural. Ora, nada disso se dá no caso vertente. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A injúria se opõe à justiça. Ora, a lei natural proíbe não só a injustiça mas o oposto às todas as virtudes. Assim é contra a lei da natureza comermos imoderadamente, embora assim procedendo a ninguém façamos injúria. ─ Além disso, uma escrava, é propriedade do Senhor, mas para lhe prestar serviços e não para usar dela para os seus prazeres carnais. ─ Demais, importa saber o modo pelo qual usamos do que é nosso. ─ Enfim, quem vive corri uma concubina colide com o bem da procriação dos filhos, a cujo bem essa união suficientemente não se ordena, como se disse.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A mulher tem poder sobre o corpo do marido, não absolutamente e em relação a tudo, mas só no concernente às exigências do matrimônio. Portanto, não pode, contrariando o bem ao casamento, ceder a outrem o corpo do marido.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que nunca pode ser lícito ter um marido várias mulheres.
1. Pois, segundo o Filósofo, o direito natural tem sempre e em toda parte o mesmo vigor. Ora, o direito natural proíbe a pluralidade de mulheres, como do sobredito se colhe. Logo, como agora não é lícito, nunca poderia tê-lo sido.
2. Demais. ─ Se outrora foi lícito, não o podia ter sido, senão em si mesmo a coisa considerada ou por alguma dispensa. Se do primeiro modo, então deveria sê-lo ainda agora. Se do segundo, não era possível; pois conforme Agostinho, Deus, sendo o Criador da natureza, nada faz contra a ordem que para ela estabeleceu. Ora, como Deus instituiu a nossa natureza de modo a ter um marido uma só mulher, parece que nunca poderia ter dispensado dessa determinação.
3. Demais. ─ O lícito por dispensa só o é aqueles é quem foi concedida. Ora, nenhuma notícia há de dispensa geral de uma lei, concedida para todos. Logo, o fato de todos os que, na vigência do Testamento Velho, queriam várias mulher terem-nas recebido, sem serem repreendidos pela lei nem pelos profetas, não autoriza a concluir que tal fosse lícito por dispensa.
4. Demais. ─ Onde há a mesma razão de dispensar deve haver a mesma dispensa. Ora, a razão da dispensa não podia ser outra senão a multiplicação dos filhos, para manter o culto de Deus; o que ainda agora é necessário. Logo, essa dispensa ainda devia durar, sobretudo que não há notícia de haver sido revogada.
5. Demais. ─ Uma dispensa não deve ser por um bem maior a um menor. Ora, a fé e o sacramento, que não podem existir no matrimônio de um homem com várias mulheres, são maiores bens que a multiplicação dos filhos. Logo, com o fim posto nessa multiplicação, não devia a dispensa ter sido concedida.
Mas, em contrário. ─ O Apóstolo diz, que a lei foi feita por causa dos prevaricados, a fim de os coibir. Ora, a Lei Velha faz menção da pluralidade das mulheres, sem nenhuma proibição, como se lê: se um homem tiver duas mulheres, etc. Logo, tendo duas mulheres não eram prevaricadores; e portanto tal lhes era lícito.
2. Demais. ─ Isso mesmo se conclui do exemplo dos santos Patriarcas, como Jacó, lsaac e outros, de Deus, sem embaraço de terem várias mulheres. Logo, outrora era lícito.
SOLUÇÃO. ─ Como do sobredito se colhe, diz-se ser contra a lei da natureza a pluralidade das mulheres, não quanto aos preceitos primários dela, mas quanto aos segundos, derivados como conclusões, desses primeiros princípios. Ora, os atos humanos necessariamente variam conforme as diversas condições de pessoas, tempo e outras circunstâncias. Por isso, as referidas conclusões dos preceitos primeiros da lei natural, deles não procedem de modo a serem tempo eficazes, senão só no mais das vezes; pois tal é a natureza em comum dos atos morais, como ensina o Filósofo. Por onde, quando a eficácia lhes falha, podem ser licitamente preteridos. Como tais casos, por variados, não é possível determiná-los, por isso aqueles de cuja autoridade deriva a sua eficácia; é reservado da licença de ser preterida a lei nos casos que essa eficácia não deve atingir. E essa licença se chama dispensa. ─ Ora, a lei sobre a unidade de esposas não é de instituição humana, mas divina. Nem foi nunca transmitida por palavras nem pela escrita, mas impressa nos corações, como tudo o mais de qualquer modo pertencente à lei natural. Por isso, em tal matéria só Deus podia dispensar, por inspiração interna. E essa a tiveram principalmente os santos Patriarcas, e do exemplo deles derivou para outros, em tempo em que era necessário omitir-se o referido preceito da natureza, a fim de aumentar a população e se manter o culto de Deus. Pois, um fim mais principal deve sempre ter preferência sobre o secundário. Ora, sendo o bem da prole o fim principal do matrimônio, quando era necessário a multiplicação dos filhos foi mister arredar o que poderia ser impedimento à consecução dos fins secundários. Mas para removê-lo foi ordenado o preceito proibitivo da pluralidade das esposas como do sobredito se colhe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O direito natural, em si mesmo considerado, tem sempre e em toda parte a mesma vigência mas por acidente por via de algum impedimento, pode às vezes e em certos lugares variar, do que no mesmo lugar o Filósofo dá exemplos, relativos a outros seres naturais. Assim, sempre e em toda parte a mão direita é por natureza melhor que a esquerda; mas acidentalmente pode ser uma pessoa ambidestra, porque a nossa natureza é variável. O mesmo também se dá com o justo natural, como no mesmo lugar o diz o Filósofo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Uma decretal determina: nunca foi lícito ter várias esposas sem dispensa fundada em inspiração divina. Nem essa dispensa é dada contrariando a ordem que Deus infundiu em a natureza. Mas apesar dela; porque essa ordem não foi instituída para valer sempre, mas no mais das vezes, como dissemos. Assim como também não vão contra a natureza os fatos miraculosos, na ordem natural fora do curso do que frequentemente costuma dar-se.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Tal é a lei e tal a dispensa de que é susceptível. Ora, a lei natural não foi dada por escrito, mas impressa nos corações. Logo, a dispensa dos preceitos pertinentes à lei natural não havia necessidade de ser dada por escrito mas por inspiração interna.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Com o advento de Cristo veio o tempo da plenitude da sua graça pela qual o culto de Deus difundiu-se entre todas as gentes pela propagação espiritual. Por onde, não há a mesma razão de dispensa que havia antes do advento de Cristo, quando o culto de Deus se multiplicava pela propagação carnal e por ela se conservava.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A prole, enquanto bem do matrimônio, inclui a fé que se deve conservar para com Deus. Pois, a prole é considerada bem do matrimônio enquanto deve ser criada para o culto de Deus. Quanto a fé que devemos manter para com Deus, é superior à que os esposos mutuamente se devem e que é considerada bem do casamento; é superior também ao simbolismo, concernente ao sacramento, porque esse simbolismo se ordena ao conhecimento da fé. Não há, pois, nenhum inconveniente, se por causa do bem da prole algo se diminui aos outros dois bens. ─ Mas nem por isso ficam de todo tolhidos. Porque a fé subsiste mesmo para com várias esposas; e de certo modo também o sacramento. Pois, embora não signifique a união de Cristo e da Igreja, como se a esposa fosse única, é contudo significado pela pluralidade delas a distinção de graus na Igreja; e isso não somente na militante, mas também na triunfante. Por onde, o casamento com várias mulheres de algum modo significava a união de Cristo com a Igreja, não só a militante, como certos dizem, mas também a triunfante, onde ha diversas mansões.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.
1. Pois, o costume não prejudica à lei natural. Ora, ter várias mulheres não constituía pecado, quando o costume o permitia; como diz Agostinho. Logo ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.
2. Demais. ─ Quem vai contra a lei da natureza contraria um preceito; pois, assim como a lei escrita tem os seus preceitos, assim também a lei da natureza. Ora, Agostinho diz, que ter várias mulheres não ia contra nenhum preceito, porque não era proibido por nenhuma lei. Logo, ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.
3. Demais. ─ O matrimônio foi sobretudo ordenado para a geração de filhos. Ora, um homem pode fecundar várias mulheres e ter delas filhos. Logo, não é contra a lei da natureza ter várias mulheres.
1. Demais. ─ Direito natural é o que a natureza ensina a todos os animais, como se diz no princípio do Digesto. Ora, a natureza não ensina a todos os animais, que a um macho cabe uma só fêmea; pois, em muitas espécies animais um macho tem várias fêmeas. Logo, não é contra a lei da natureza ter várias mulheres.
5. Demais. ─ Segundo o Filósofo, na geração dos filhos o varão está para a mulher como o agente para o paciente o artífice para a matéria. Ora, não é contra a ordem da natureza um agente obrar sobre vários pacientes ou um artífice trabalhar sobre diversas matérias. Logo, também não é contra a lei da natureza um homem ter várias mulheres.
Mas, em contrário, é sobretudo de direito natural o que foi infundido no homem, na instituição da natureza humana. Ora, que um homem deve ter uma só mulher, foi-lhe infundido na própria instituição da natureza humana, segundo aquilo da Escritura: serão dois numa só carne. Logo, é isso da lei da natureza.
2. Demais. ─ É contra a lei da natureza homem obrigar-se ao impossível e a dar a um que já foi dado a outro. Ora, o homem que casou com uma mulher deu poder sobre o seu corpo, obrigando-se a cumprir o dever conjugal quando ela o pedir. Logo, é contra a lei da natureza dar a outra também esse mesmo poder, não lhe sendo assim possível cumprir o dever conjugal para com ambas, se o pedissem.
3. Demais. ─ A lei da natureza ordena que não façamos aos outros o que não queremos que nos façam. Ora, nenhum marido quereria que sua mulher tivesse outro esposo. Logo, procederia contra a lei da natureza tomando uma segunda mulher.
4. Demais. ─ Tudo o que contraria o nosso desejo natural é contra a lei da natureza. Ora, como vemos em toda parte é natural o marido ter ciúmes da mulher e a esta, de aquele. Logo, sendo o ciúme um amor, que não admite participação no ser amado, parece contra a lei da natureza terem várias mulheres um só marido.
SOLUÇÃO. ─ Todos os seres naturais dependem de certos princípios, que não somente lhes tornam possíveis as atividades, mas também as conduzem aos seus devidos fins. Quer essas atividades resultem da natureza genérica, quer da natureza específica do ser. Assim, é natural ao magnete elevar-se, pela sua natureza genérica; e atrair, pela natureza específica. Ora, assim como dos seres de natureza necessariamente ativa, os seus princípios de atividade são as suas formas, donde resulta a adaptação ao fim, dessas atividades, assim dos seres dotados de conhecimento os princípios de agirem são o conhecimento e o apetite. Por onde, há de a potência cognitiva ter uma concepção natural, e a apetitiva uma natural inclinação, mediante as quais tanto a operação genérica como a específica se adaptam ao fim devido. Mas como o homem, dentre os outros animais, tem a noção do fim e conhece a proporcionalidade entre, a sua atividade e esse fim, por isso a concepção que a natureza lhe infundiu e que o dirige nas suas operações se chama convenientemente lei natural ou direito natural. E isso mesmo se denomina, nos outros animais, estimativa natural; pois os brutos são antes, por força da natureza, impelidos a realizar as suas operações próprias, do que agentes dirigidos por arbítrio próprio.
Por onde, a lei natural outra causa não é senão um conceito naturalmente infuso no homem, pelo qual é levado a praticar convenientemente os atos, que lhe são próprios. Quer esses atos os pratique ele em virtude da sua natureza genérica; como o de gerar, comer e semelhantes; quer em virtude da sua natureza específica, como raciocinar e outros. E assim, tudo o que lhe torna as ações inadaptadas ao fim que, num caso determinado, a natureza tem em vista, diz-se que vai contra a lei da natureza.
Ora, um ato pode não se adaptar ao fim principal ou ao secundário; e de um e outro modo, de duas maneiras é isso possível. Primeiro, por um obstáculo absolutamente impediente da conservação do fim: assim, comer demasiado ou muito pouco impede a saúde do corpo, fim principal da alimentação; a boa disposição para comércio da vida, fim secundário da alimentação. Segundo, por um obstáculo que torna difícil ou menos conveniente a consecução do fim principal ou do secundário; assim, comer desordenadamente, em tempo impróprio. Portanto, uma ação contrária ao fim, a ponto de excluir absolutamente o fim principal, é diretamente proibida pelos preceitos primários da lei natural, que desempenham, na ordem da ação o mesmo papel que as concepções gerais do espírito, na ordem especulativa. Se porém de qualquer modo for contrária do fim secundário, ou se também o for ao fim principal, tornando difícil ou menos conveniente a consecução dele, será proibida, não pelos preceitos primários da lei natural, mas pelos secundários, derivados dos primários como, na ordem especulativa, as conclusões tiram a sua certeza dos princípios evidentes.
Ora, a fim principal do matrimônio é a geração e a criação dos filhos; e a esse fim tende o homem pela sua natureza genérica, sendo por isso comum também aos outros animais, como diz Aristóteles. Daí o dizer-se que um bem do matrimônio são os filhos. Seu fim secundário porém, e próprio do homem, é a comunicação das atividades necessárias à vida, no dizer do Filósofo. Por isso, devem-se a fé mútua ─ ainda um dos bens do matrimônio. Tem além disso um fim ulterior, quando contratado entre cristãos, que é simbolizar a união entre Cristo e a Igreja. E então, um terceiro bem do matrimônio é ser sacramento. Assim, ao primeiro fim tende o matrimônio, enquanto é o homem um animal; ao segundo, enquanto homem; ao terceiro, como cristão.
Por onde, a pluralidade de mulheres, nem exclui totalmente, nem de certo modo impede o fim primário do matrimônio; pois, um homem basta a fecundar várias mulheres e a criar os filhos delas nascidos. Mas o fim secundário, embora não no exclua totalmente contudo grandemente o impede, porque não pode haver paz numa família em que um homem está unido a várias mulheres. Pois, além de não poder um só homem satisfazer aos desejos de várias mulheres, a participação de vários no desempenho de uma mesma função causa as disputas; e como os oleiros vivem em rixas contínuas, assim também as mulheres de um mesmo homem. ─ Quanto ao terceiro fim, totalmente o exclui, porque assim como Cristo é um só, assim também uma só é a Igreja.
Por onde é claro, pelo que acabamos de dizer, que a pluralidade de mulheres e de certo modo contra a lei da natureza, e de certo modo não o é.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O costume não contraria à lei da natureza nos seus preceitos primários que são umas como idéias gerais do espírito, na ordem especulativa. Mas as que são como umas conclusões desses princípios primários, o costume lhes dá maior vigor, como diz Túlio, mas também pode-lhos diminuir. E tal é o preceito da lei da natureza, sobre a unicidade da esposa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como diz Túlio, o temor das leis e a religião consagraram as regras fundadas em a natureza e aprovadas pelo costume. Por onde é claro, que aquilo que a lei natural dita, como conclusões dos princípios primários da lei natural, não tem força obrigatória a modo de preceito absoluto, senão depois de sancionado pela lei divina e pela humana. E tal é o dito de Agostinho, que não procediam contra os preceitos da lei, por que por nenhuma lei era proibido.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Resulta do que foi dito.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A expressão direito natural e susceptível de vários sentidos. ─ Num primeiro sentido, o direito natural tira a denominação do seu princípio, pois foi infundido pela natureza. E assim o define Túlio: O direito natural não é gerado pela opinião mas infundido por uma certa virtude inata. ─ Na ordem dos seres naturais, porém certos movimentos se chamam naturais, não por provirem de um princípio intrínseco, mas de um princípio movente superior. Assim, os movimentos dos elementos causados pela impressão dos corpos celestes se chamam naturais, como o explica o Comentador. Por isso, as prescrições do direito divino se consideram como de direito natural, por procederem da impressão e infusão de um princípio superior, Deus, Talo sentido de lsidoro quando afirma: Direito natural é o contido na lei e no Evangelho, ─ Num terceiro sentido, o direito natural é assim chamado, não só em virtude do seu princípio, mas da sua matéria, que são os seres naturais. Ora, a natureza se divide, por contrariedade, da razão, que faz o homem ser homem. Por isso, no sentido estritíssimo do direito natural, os preceitos só aos homens aplicáveis, sendo ditames da razão natural não se consideram como pertencentes a esse direito; senão só aqueles que a razão natural dita e se aplicam em comum aos homens e aos outros animais. E nesse sentido se definiu: O direito natural é o que a natureza ensinou a todos os animais. ─ Ora, a pluralidade de mulheres, embora não contrarie o direito natural, no seu terceiro sentido, vai-lhe porém contra o segundo, por ser proibido por direito divino. E também contra o direito natural, na primeira recepção, como do sobredito se colhe; pois, a natureza a dita a cada animal, ao modo que lhe convém à espécie. Por isso também entre certos animais, nos quais a criação dos filhos exige a solicitude, tanto do macho como da fêmea há a união de um macho com uma só fêmea, como se dá com os pombos e outros.
Mas, como as objeções em contrário pretendem mostrar que a pluralidade de mulheres é contrária dos princípios primeiros da lei da natureza, por isso devemos lhes a elas responder.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A natureza humana foi instituída sem nenhum defeito. Por isso lhe foi infuso não só aquilo sem o que o fim principal do matrimônio não podia ser conseguido, mas também aquilo sem o que não podia sê-lo, senão com dificuldade, o fim secundário dele. E para tal bastava ao homem, quando foi criado, ter uma só mulher.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O marido não confere, pelo matrimônio, poder absoluto à mulher sobre o seu corpo, mas só quanto ao ato matrimonial. Ora, por ter casado não está o marido obrigado do cumprimento do dever conjugal em qualquer tempo que a mulher lh'o peça se se considera o fim principal para que foi o matrimônio instituído, que é a geração de filhos; pois para um basta ser a mulher fecunda. Atendendo-se por ela ao fim secundário do matrimônio que é ser remédio à concupiscência, então fica o marido obrigado ao ato conjugal, sempre que a mulher lh'o pedir. Por onde é claro, que quem casou com várias mulheres não se obriga ao impossível, considerado o fim primário do casamento. Portanto, a pluralidade, de mulheres não colide com os preceitos primeiros da lei natural.
RESPOSTA À SETIMA. ─ No preceito da lei natural ─ não faças aos outros o que não queres que te façam ─ deve subentender-se ─ conservada a mesma proporção. Pois não é por um prelado não querer admitir a oposição do súbito, que não deve também se lhe opor a ele. Por onde, não será por força do princípio citado, que assim como o marido não admite que sua mulher tenha outro, assim também não poderá ele tomar mais uma mulher. Pois, um só homem pode ter várias mulheres, sem colidir com os preceitos primários da lei da natureza, como dissemos; contra esses princípios primeiros, porém, é uma mesma mulher ter vários maridos porque então, de certo modo, fica totalmente escluído e, de certo outro, impedido o bem da prole, fim principal do matrimônio. E por bem da prole se entende não só a geração mas também a criação dos filhos. Ora, quanto à geração, embora não fique totalmente excluída, porque pode a mulher, depois de uma primeira concepção, conceber de novo, como ensina Aristóteles, contudo fica esse bem grandemente tolhido porque será difícil não resultar algum mal a ambas essas fecundações ou a uma delas. Quanto à criação porém, fica totalmente impedida, pois de ter uma só mulher vários maridos procede a incerteza do prole relativamente ao pai, cujos cuidados são necessários a essa criação. Por isso, nenhuma lei ou costume permitiu uma só mulher ter vários maridos, como permitiu o contrário.
RESPOSTA À OITAVA. ─ A inclinação natural da potência apetitiva depende da concepção natural da faculdade cognitiva. E não sendo contra nenhum conceito natural ter um homem várias mulheres, como o é ter uma mulher vários maridos, por isso à mulher não repugna tanto outras uniões do marido, como ao marido outras da mulher. Por isso, tanto entre os homens como entre os animais mais ciúmes tem o macho da fêmea, que ao inverso.
O décimo discute-se assim. ─ Parece que as núpcias não devem ser proibidas em certos tempos.
1. Pois, o matrimônio é um sacramento. Ora, nesses tempos não fica proibida a celebração dos outros sacramentos. Logo, nem deve ficar a do matrimônio.
2. Demais. ─ Mais impróprio é pedir nos dias festivos o cumprimento do dever conjugal, que celebrar o matrimônio. Logo, nesses dias o cumprimento desse pode ser pedido. Portanto, também podem celebrar-se núpcias.
3. Demais. ─ Os matrimônios celebrados contra a determinação da Igreja devem ser dissolvidos. Ora, não no deve, se for o casamento celebrado nesses tempos. Logo, não deveriam ser proibidos pela lei eclesiástica.
Mas, em contrário, a Escritura: há tempo de dar abraços e tempo de se por longe deles.
SOLUÇÃO. ─ Os recém-casados, por causa do novo gênero de vida em que entram, ficam possuídos do desejo do ato matrimonial; daí o costume de manifestarem, quando se casam, por certos festejos a alegria dissipada que os domina. Razão por que, nos tempos em que devemos sobretudo nos elevar às coisas espirituais, a Igreja proibiu celebrarem-se núpcias. E isto é desde o advento até a Epifania, por causa da comunhão, que segundo os antigo; cânones, costuma-se convenientemente fazer na maturidade. E desde a Septuagésirna até as oitavas da Páscoa, por causa da comunhão pascoal. E desde três dias antes da ascenção até as oitavas do Pentecostes, por causa da preparação à comunhão que nesse tempo se deve tomar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ─ A celebração do matrimônio é acompanhada de uma certa alegria mundana e carnal, o que não se dá com os outros sacramentos. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não há tanta dissipação das almas no ato de cumprir e retribuir o dever conjugal, como na celebração do casamento. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como o tempo não ê da essência do matrimônio, nem por ser contraído em tempo impróprio deixa de ser válido. Nem os cônjuges se separam perpetuamente, mas só por um tempo ─ para fazerem penitência pela transgressão que cometeram da lei da Igreja, Tal o sentido que devemos dar às palavras do Mestre.
O nono discute-se assim. ─ Parece que não há obrigação do dever conjugal em dia festivo.
1. Pois, tanto os que pecam como os que consentem no pecado são punidos, como diz o Apóstolo. Ora, quem retribui o ato matrimonial, consente no que o outro pede, que peca. Logo, também peca.
2. Demais. ─ Por preceito afirmativo estamos obrigados a orar; portanto, em tempo determinado. Logo, no tempo em que esta um obrigado a orar, não está obrigado a retribuir o dever conjugal. Assim como não o esta no tempo em que estiver obrigado a um serviço especial para com o senhor temporal.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Não vos defraudeis um ao outro, senão talvez de comum acordo por algum tempo etc. Logo, quando um cônjuge pede o cumprimento do dever conjugal o outro esta obrigado a ele.
SOLUÇÃO. ─ A mulher tem poder sobre o corpo do marido no atinente ao ato da geração, e ao inverso. Por onde, está cada qual obrigado a retribuir o dever conjugal para com o outro, em qualquer tempo e em qualquer hora, salva a honestidade devida que nessas circunstâncias se exige, porque não há de o dever matrimonial ser retribuído logo, em público.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Esse, pelo que de si depende, não consente, mas antes, involuntariamente e com dor é que pratica o ato dele exigido. Portanto, não peca. Pois, para evitar o pecado da carne, ordenou Deus que sempre um cônjuge cumpra o dever conjugal para com o outro, que o pede, para não lhe dar nenhuma ocasião de pecar.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não há nenhuma hora, a ponto determinada à oração, que não possa ser substituída por outras. Por isso, a objeção não colhe.
O oitavo discute-se assim. ─ Parece que quem pede o cumprimento do dever conjugal em dia santo peca mortalmente.
1. Pois, Gregório refere o caso de uma mulher que, tendo tido durante à noite cópula carnal com o marido, vindo de manhã à procissão, foi arrebatada pelo diabo. Ora, isto não se daria se não tivesse pecado mortalmente.
2. Demais. ─ Todo o que age contra o preceito divino peca mortalmente. Ora, o senhor ordenou; quando os hebreus iam receber a Lei: não vos achegueis a vossas mulheres. Logo, e com maior razão, pecam mortalmente os que tiverem conjunção carnal com a esposa, em tempo que a Lei Nova considera consagrado ao Senhor.
Mas, em contrário. ─ Nenhuma circunstância pode agravar o pecado ao infinito. Ora, o tempo indevido é uma circunstância. Logo, não agrava ao infinito o pecado, de modo a tornar mortal o pecado que, a não ser assim, seria venial.
SOLUÇÃO. ─ Pedir o cumprimento do dever em dia festivo, não é circunstância que altere o gênero de pecado. Logo, não se pode agravar ao infinito. Portanto, não peca mortalmente o marido nem a mulher, pedindo o referido cumprimento em dia festivo. Contudo, mais grave será o pecado, se o ato matrimonial for pedido só por prazer, do que por temor de cair em pecado da carne.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa mulher não foi punida por ter retribuído o dever conjugal, mas por ter depois, temerariamente e contra a consciência, tomado parte num ato sagrado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Por essa autoridade não se pode provar que tal ato é pecado mortal, senão só inconveniente. Pois, muitas exigências fazia a Lei Velha, dada a homens carnais, atinentes à purificação da carne, por necessidade de preceito, que a Lei Nova não faz, por ser a lei do espírito, na expressão do Apóstolo.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que em dias santos não deve ninguém ficar proibido de pedir o cumprimento do dever conjugal.
1. Pois, devemos obviar a um mal quando ele se faz sentir. Ora, pode dar-se que o ímpeto da concupiscência se faça sentir em dia festivo. Logo, há o dever de o obviar pela petição do ato matrimonial.
2. Demais. ─ Não há outra razão de não se dever pedir o cumprimento do dever conjugal, nos dias festivos, senão a de serem destinados à oração. Ora, nesses dias apenas certas horas é que são destinadas à oração. Logo, nas outras horas é lícito pedir o cumprimento do dever conjugal.
Mas, em contrário. ─ Assim como certos lugares são santos por serem deputados a cerimônias sagradas, assim, pela mesma razão certos tempos são santos. Ora, num lugar santo não é lícito pedir o ato matrimonial. Logo, nem em tempo santo.
SOLUÇÃO. ─ O ato matrimonial, embora isento de culpa, contudo, por deprimir a razão, por causa do prazer carnal, torna o homem incapaz dos bens espirituais. Por isso, nos dias em que deve sobretudo vacar às coisas espirituais, não é lícito pedir o cumprimento do dever conjugal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nesse tempo podem, empregar-se outros meios de reprimir a concupiscência, como a oração e outros tais, que também empregam os que vivem em continência perpétua.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora não estejamos obrigados a orar em todas as horas, contudo o estamos a nos dispormos, durante o dia todo, a orar.