Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos pelos pecadores não aproveitam aos mortos.
1. ─ Pois, como diz o Evangelho, Deus não escuta aos pecadores. Ora, se as orações deles aproveitassem àqueles por quem oram, seriam escutados de Deus. Logo, os sufrágios feitos por eles não aproveitam aos mortos.
2. Demais. ─ Gregório diz: O intercessor que desagrada aumenta as iras de um espírito irritado. Ora, todo pecador desagrada a Deus. Logo, pelos sufrágios dos pecadores Deus não se dobra à misericórdia. Portanto, tais sufrágios não aproveitam.
3. Demais. ─ As obras feitas por alguém mais aproveitam ao seu autor que a outrem. Ora, o pecador, com as suas obras, nada merece para si mesmo. Logo e com maior razão, não podem elas aproveitar a outrem.
4. Demais. ─ Toda obra meritória há de ser vivificada, i. é, informada pela caridade. Ora, as obras feitas pelos pecadores são mortas. Logo, não podem os defuntos, por quem forem feitas, tirar delas nenhum proveito.
Mas, em contrário, ninguém pode saber com certeza se outrem está em pecado ou em graça.
Se portanto, só aproveitassem os sufrágios feitos pelos que estão em graça, não poderíamos saber a quem pedíssemos sufrágios pelos nossos defuntos. E assim muitos se absteriam de sufragar as almas dos mortos.
2. Demais. ─ Como diz Agostinho, os mortos são socorridos pelos sufrágios dos vivos, na medida em que, durante a vida, mereceram sê-lo, depois da morte. Logo, o valor dos sufrágios depende da condição de aqueles por quem são feitos. Portanto, não importa, segundo parece, por quem sejam feitos ─ por bons ou por maus.
SOLUÇÃO. ─ Duas cousas podemos considerar nos sufrágios feitos pelos maus.
Primeiro, a obra mesma praticada (opus operatums , como o sacrifício do altar. Ora, os nossos sacramentos tem uma eficácia própria, independente da qualidade do consagrante, e a realizam sejam quais forem os ministros. E por aqui os sufrágios feitos pelos maus aproveitam aos mortos. Segundo, a ação do agente (opus operamtis). E então devemos distinguir. Pois, o ato de um pecador, que faz sufrágios, pode ser considerado, de um modo, como obra própria dele. Nesse caso, de maneira nenhuma pode ser meritória, nem para si nem para outrem. De outro modo, enquanto esse ato pertence a outrem. O que de duas maneiras pode dar-se. ─ Primeiro, quando o pecador, que faz os sufrágios, representa, como sacerdote, a pessoa da Igreja universal; assim, quando reza na igreja, no ofício pelos mortos. E como se entende que quem age, em lugar de outrem, no nome deste o faz e o representa, conforme está claro em Dionísio, daí resulta que os sufrágios de um tal sacerdote, embora pecador, aproveitam aos defuntos. ─ Segundo, quando o agente procede como instrumento de outrem; ora, a obra do instrumento pertence, antes, ao agente principal. Por onde, embora quem age como instrumento de outrem, possa não estar em condições de merecer, a sua ação pode contudo ser meritória em razão do agente principal. Assim, se um escravo em estado de pecado praticasse obras de misericórdia por ordem de seu senhor, que tem a caridade. Portanto, quem, morrendo em estado de caridade, mandasse que se lhe fizessem sufrágios, esses lhe aproveitariam embora aqueles que os façam estejam em pecado. Mais valeriam porém se tivessem caridade, porque então essas obras seriam meritórias dos dois lados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As orações feitas pelos pecadores podem não lhes pertencer a eles, mas a outros. E então é digna de ser escutada por Deus. ─ Contudo, também às vezes Deus ouve os pecadores: quando pedem o que é do seu agrado. Pois, Deus dá os seus bens, não só aos justos, mas também aos pecadores, como lemos no Evangelho; não porém por mérito deles, mas pela sua clemência. Por isso, ao lugar citado do Apóstolo ─ Deus não escuta aos pecadores ─ diz a Glosa, que ele ai fala como ungido e não como gozando da visão
plena.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a oração do pecador não seja ouvida, por vir de um intercessor que desagrada, contudo Deus pode aceitá-la em razão de outrem, de quem o pecador faz às vezes ou em nome de quem pede.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fato de o pecador não tirar nenhuma vantagem, fazendo tais sufrágios, resulta de não ser capaz desse proveito, por causa de uma indisposição sua. Mas isso não impede possa deles valer-se, de algum modo, estando em boa disposição para tal, como dissemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora a obra do pecador, como tal, não seja viva, pode sê-lo porém enquanto pertencente a outrem, como dissemos. Mas como as objeções em sentido contrário concluem que não importa quem faz os sufrágios ─ se um bom ou um mau ─ por isso também devemos lhes responder a elas.
Por onde, RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora ninguém possa com certeza saber se outrem está ou não na graça de Deus, podemos porém julgá-lo com probabilidade pelos atos externos. Pois, a árvore se conhece pelos seus frutos, como diz o Evangelho.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Para os sufrágios aproveitarem a alguém é necessário a capacidade para se valer deles, pela parte de aqueles por quem são feitos; e esta a alma a adquiriu pelas obras que durante esta vida praticou. E é nesse sentido que escreve Agostinho. Mas nem por isso deixa de ser necessária a qualidade da obra, que deve aproveitar. O que porém não depende daquele por quem é feita, mas antes de quem o faz, quer executando a ordem alheia, quer mandando.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os mortos não podem ser socorridos pelas obras dos vivos.
1. - Pois, primeiro, pela razão dada pelo Apóstolo: importa que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o galardão segundo o que tem feito, estando no próprio corpo. Logo, pelo que fizermos depois da morte, quando a nossa alma estiver separada do corpo, mais obras nenhumas poderão nos aproveitar.
2. Demais. ─ O mesmo resulta de outro lugar da Escritura: Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor, porque as obras deles os seguem.
3. Demais. ─ Tirar vantagem das obras só é possível aos que vivemos viandantes neste mundo. Ora, depois da morte, já não são os homens viandantes, pois deles se entende o dito da Escritura: Por todas as partes fechou o meu caminho e não posso passar. Logo, os mortos não podem ser socorridos pelos sufrágios de ninguém.
4. Demais. ─ Ninguém pode tirar proveito das obras de outrem, se nenhuma comunicação houver entre ambos. Ora, nenhuma comunicação há entre os mortos e os vivos, segundo o Filósofo. Logo, os sufrágios dos vivos não aproveitam aos mortos.
Mas, em contrário, a Escritura: É um santo e saudável pensamento orar pelos mortos, para que sejam, livres dos seus pecados. Ora, isto não seria útil se não lhes aproveitasse. Logo, os sufrágios dos vivos aproveitam aos mortos.
2. Demais. ─ Agostinho diz: Não é pequena a autoridade da Igreja, que se manifesta no costume de ter o seu lugar também o sufrágio pelos mortos, entre as preces que o sacerdote eleva a Deus nos seus altares. Costume esse que nasceu com os Apóstolos, conforme o ensina Damasceno quando diz: Instruídos nos divinos mistérios, os discípulos do Salvador e os apóstolos sancionaram o uso de fazer, no meio do tremendo sacrifício, a comemoração dos fiéis adormecidos no Senhor. O mesmo se lê em Dionísio, quando relembra o rito da primitiva Igreja, de orar pelos mortos, e onde diz que os sufrágios dos vivos aproveitam aos mortos. O que, pois, devemos crer sem nenhuma dúvida.
SOLUÇÃO. ─ A caridade, vínculo que une os membros da Igreja, abrange não só os vivos, mas também os que morrem no amor. Ora, a caridade, que é a vida da alma, como a alma é a vida do corpo, não acaba; conforme aquilo do Apóstolo: A caridade nunca jamais há de acabar. Semelhantemente, também os mortos vivem na memória dos vivos; tanto a intenção destes pode tê-los como objeto. Por onde, os sufrágios dos vivos por duas razões aproveitam aos mortos, como aos próprios vivos: pela união da caridade e pela intenção a eles aplicada. Não devemos porém crer, que os sufrágios dos vivos lhes aproveitem por poder fazê-las passar do estado de miséria para o de felicidade ou inversamente. Mas contribuem para lhes diminuir a pena ou situações tais, que não lhes altere o estado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nesta vida merecemos que os sufrágios dos fiéis nos aproveitem, na outra. Por onde, o que na vida futura nos aproveitará será o que tivermos feito quando a nossa alma estava unida ao corpo. ─ Ou devemos responder, com João Damasceno, no sermão referido, que o lugar citado deve entender-se da retribuição a ser dada no juízo final, que será a da eterna glória ou da eterna miséria, quando cada qual receberá só o que pelas obras desta vida mereceu. Mas, até lá, poderá a alma ser socorrida pelos sufrágios dos vivos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A autoridade citada se refere expressamente à sequelas da eterna retribuição, como se vê das palavras anteriores.
─ Bem aventurados os mortos, etc. ─ Ou devemos responder que as obras pelos defuntos feitas também de certo modo lhes pertencem, como se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora as almas depois da morte não mais sejam viandantes, contudo e de certo modo, ainda o são por ainda estarem privadas do galardão eterno. Por isso e absolutamente falando, o caminho lhes está fechado por todas as partes, a ponto de não mais poderem, seja por que obras forem, passar de um estado de miséria para o de felicidade; mas não está fechada a ponto de não poderem, na sua detenção, longe da retribuição final, ser socorridas pelas obras dos vivos, pois, a esta luz, são ainda viandantes.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A comunicação nas obras civis, a que o Filósofo se refere, não pode existir entre mortos e vivos, porque os mortos estão fora da vida civil. Podem contudo comunicar com os vivos nas obras da vida espiritual, fundada no amor de Deus, que vivifica as almas dos mortos.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos por um não podem aproveitar a outro.
1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Aquilo que semear o homem isso também colherá. Ora, se um pudesse colher fruto dos sufrágios feitos por outro, colheria do que outros semearam. Logo, dos sufrágios feitos por outros ninguém poderá colher fruto para si.
2. Demais. ─ A justiça de Deus pertence dar a cada um conforme os seus méritos. Donde o dizer a Escritura: Tu retribuirás a cada um segundo as suas obras. Ora, é impossível a justiça de Deus falhar. Logo, é impossível aproveitar-se um das obras feitas por outros.
3. Demais. ─ Pela mesma razão é uma obra meritória digna de louvor; i. é, por ser voluntária. Ora, pelas obras de um não será louvado outro. Logo, nem a obra de um pode ser meritória e frutuosa para outro.
4. Demais. ─ À justiça divina pertence igualmente retribuir o bem pelo bem e o mal pelo mal. Ora, ninguém é punido pelos maus atos de outrem; antes, como diz a Escritura, a alma que pecar, essa morrerá. Logo, não pode um aproveitar-se das boas obras de outrem.
Mas, em contrário, a Escritura: Eu sou participante de todos os que te temem, etc.
2. Demais. ─ Todos os fiéis, unidos pela caridade, são membros do corpo único da Igreja. Ora, os membros mutuamente se ajudam. Logo, pode um aproveitar-se dos méritos de outro.
SOLUÇÃO. ─ Os nossos atos podem ter dupla finalidade: fazer-nos adquirir um estado, como quando alcançamos o estado da beatitude pelas nossas obras meritórias; segundo, alcançarmos um estado subsequente, como quando por um ato merecemos um prêmio acidental ou a diminuição da pena. Ora, ambas essas finalidades um ato pode conseguir de dois modos ─ por via de mérito ou por via de oração. A diferença entre essas duas vias está em que o mérito se funda na justiça, ao passo que quem ora impetra o pedido, fundado na só liberalidade daquele a quem ora.
Donde devemos concluir, que as obras de um de nenhum modo podem aproveitar a outro para conseguir um estado, por via de mérito; p. ex., para, pelos meus atos, merecer outro a vida eterna. Porque a felicidade da glória é dada segundo a capacidade de quem a recebe; pois, cada qual se dispõe pelos seus atos e não pelos atos alheios, referindo-me à disposição que torna digno de um prêmio. Mas por via de oração, mesmo para alcançar um estado, as obras de um podem, durante esta vida, aproveitar a outrem; assim, quando pedimos para outro a graça inicial. Ora, como a impetração da oração se funda na liberalidade de Deus, a quem oramos, essa impetração pode abranger tudo o que ordenadamente depender do poder divino.
Quanto porém ao subsequente ou acessório a um determinado estado, as obras de um podem aproveitar a outro, não só por via da oração mas também por via do mérito. E isso de dois modos pode ser. ─ Ou por comunicarem as obras de todos numa raiz comum, que nas obras meritórias é a caridade. E portanto todos os mutuamente ligados pela caridade tiram proveito recíproco das suas obras mútuas, contudo, segundo a capacidade do estado de cada um, pois, mesmo na pátria cada qual se regozijará pelas obras dos outros. É tal o artigo da fé chamado da comunhão dos santos. ─ De outro modo, pela intenção do autor das obras, pois certas são especialmente feitas para aproveitarem a outro. Por isso tais obras de certa maneira pertencem àqueles por quem são feitas, quase a eles atribuídas por quem as fez. Por onde, podem lhes valer para cumprir uma satisfação, ou a causa semelhante que lhes não mude o estado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A messe aludida é a consecução da vida eterna, como nos diz o Evangelho: E o que colhe ajunta para a vida eterna. Ora, a felicidade da vida eterna a ninguém é dada senão pelas suas obras próprias. Porque embora impetrem para que outro alcance a vida eterna, isso porém não poderá nunca ser feito senão mediante obras próprias dele; i. é, enquanto que, pelas preces de um a graça é dada a outro: pela qual merecerá a vida eterna.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As obras feitas em benefício de outrem deste se tornam. Do mesmo modo, obras de quem constitui comigo uma unidade de certo modo me pertencem. Por onde, não colide com a justiça divina, se um colhe os frutos de obras feitas por quem lhe está unido na caridade, ou das obras em seu benefício feitas por outro. Pois isto também a justiça humana o permite, que a satisfação de um aproveite a outro.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Louvores a ninguém se dão senão pelo ato que praticou. Por isso o louvor é relativo a alguma causa, como diz Aristóteles. E como as obras de um não tornam nem mostram ninguém bem ou mal disposto para alguma causa, daí resulta que ninguém é louvado por obras alheias, senão acidentalmente, quando for de certo modo a causa dessas obras, por ter dado algum conselho ou auxílio, induzindo o autor delas a praticá-las ou de qualquer outro modo. Uma obra porém pode ser meritória para outrem, não só considerada a disposição deste, mas também quanto à alguma consequência da sua disposição ou do seu estado; como do sobredito se colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Privar alguém do que lhe é devido repugna diretamente à justiça. Mas, dar-lhe o que lhe não é devido, longe de ser contrário à justiça, ultrapassa-lhe os limites e constitui uma liberalidade. Ora, não podemos sofrer consequências do mal feito por outrem, senão sendo privado do nosso. Eis porque não pode um ser punido pelo pecado alheio, como pode aproveitar das boas ações de outrem.
Nesta questão discutem-se oito artigos:
(Esta questão e a seguinte, acrescentadas ao suplemento, tem aqui o seu lugar).
Nesta questão discutem-se dois artigos:
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a alma separada não pode sofrer a ação do fogo corpóreo.
1. ─ Pois, Agostinho diz: Não são cousas corpóreas, mas semelhantes às corpóreas as que afetam, para bem ou mal delas, as almas separadas do corpo. Logo, a alma separada não pode ser punida pelo fogo material.
2. Demais. ─ Agostinho, no mesmo livro diz, que o agente é sempre mais nobre que o paciente. Ora, é impossível um corpo mais nobre que a alma separada. Logo, não pode ela sofrer a ação de nenhum corpo.
3. Demais. ─ Segundo o Filósofo e segundo Boécio, só podem ser ativos e passivos uns em relação aos outros os seres que comunicam pela matéria. Ora, a alma e o fogo corpóreo não comunicam pela matéria, porque não há nada de material comum entre os seres espirituais e os corpóreos. Por isso não podem transformar-se uns nos outros. Logo, a alma separada não pode sofrer nada do fogo corpóreo.
4. Demais. ─ Tudo o que sofre uma ação recebe alguma cousa do agente. Se, pois, a alma sofrer a ação do fogo corpóreo, dele receberá alguma coisa. Ora, tudo o que um ser recebe de outro ao seu modo o recebe. Logo, o que a alma receber, do fogo, nela não existirá materialmente, mas espiritualmente. Ora, formas das causas existentes na alma espiritualmente constituem perfeições dela. Logo, admitindo-se que a alma pode sofrer uma ação fogo corpóreo, não o será para sua pena, mas, antes, para a sua perfeição.
5. Demais. ─ Se se disser que a alma punida pelo fogo só pelo ver, como parece ser a opinião de Gregório, objeta-se em contrário. ─ Pois, se alma vê o fogo do inferno, não no poderá ver senão por uma visão intelectual, porque não tem órgãos por onde se exerça a visão sensitiva ou a imaginativa. Ora, a visão intelectual não pode ser causa de tristeza, porque ao prazer da contemplação nenhuma tristeza contrária, segundo o Filósofo. Logo, por essa visão a alma não será punida.
6. Demais. ─ Se se disser que a alma sofre a ação do fogo material, por ficar encerrada nele como o está no corpo, enquanto vivo unida a este, objeta-se em contrário. - Pois, a alma enquanto unida ao corpo está encerrada nele porque dela e do corpo resulta uma unidade, como da matéria e da forma. Ora, a alma não será a forma desse fogo corpóreo. Logo, não poderá, ao modo sobredito ser nele encerrada.
7. Demais. ─ Todo agente material age por contato. Ora, nenhum contato pode haver entre o fogo corpóreo e a alma, pois contato só pode existir entre corpos cujas extremidades se tocam. Logo, a alma não pode sofrer a ação de um tal fogo.
8. Demais. ─ Um agente instrumental não pode atuar sobre os corpos afastados senão atuando sobre os que estão no meio; e assim pode agir numa determinada distância proporcionada à sua virtude. Ora, as almas, ou pelo menos os demônios, que se acham nas mesma condições, podem achar-se fora do lugar inferno, e às vezes aparecem aos homens neste mundo. Mas nem por isso ficam imunes da pena; pois, assim como a glória dos santos nunca se interrompe, assim também não a pena dos demônios condenados. Ora, não vemos que o fogo do inferno se faça sentir em todos lugares intermediários que separam os demônios, da sua eterna morada. Nem além disso é crível que um elemento de natureza corpórea tenha tão grande energia, que possa alcançar uma tão grande distância. Logo, as penas sofridas pelas almas condenadas não são causadas por nenhum fogo corpóreo.
Mas, em contrário. ─ O mesmo se dá com as almas separadas e com os demônios, quanto a sofrerem a ação de um fogo corpóreo. Ora, os demônios sofrem a ação dele, pois são punidos pelo fogo onde serão precipitados os corpos dos condenados depois da ressurreição, fogo que há de ser de natureza corpórea, como se conclui da sentença do Senhor: Apartai-vos de mim, malditos, para o jogo eterno, que está aparelhado para o demônio e para os seus anjos. Logo, também as almas separadas podem sofrer a ação do fogo corpóreo.
2. Demais. ─ A pena deve corresponder à culpa. Ora, pela culpa a alma, arrastada pela gravidade da concupiscência, sujeitou-se ao corpo. Logo, é justo que, como pena, sofra a ação de um agente corpóreo.
3. Demais. ─ Mais íntima é a união entre a forma e a matéria do que entre o agente e o paciente. Ora, a diversidade da natureza espiritual e corporal não impede seja a alma a forma do corpo. Logo, também não impede que possa sofrer a ação de um agente material.
SOLUÇÃO. ─ Suposto que o fogo do inferno não seja simplesmente metafórico nem imaginário, mas um verdadeiro fogo material, é forçoso admitir que a alma sofrerá as penas desse fogo. Pois, segundo as palavras do Senhor, esse fogo está aparelhado para o demônio e para os seus anjos. Ora, estes são incorpóreos, como a alma. Mas, como pode a alma sofrer a ação de tal fogo, é variamente explicado.
Assim, certos ensinaram que já o simples fato de a alma ver o fogo implica em sofrer-lhe a ação. Por isso Gregório diz: Por isso mesmo que a alma vê o jogo, já lhe sofre a ação. ─ Mas esta explicação é insuficiente. Porque a visão de qualquer objeto constitui por si mesma uma perfeição do agente que vê. Por isso não pode o fogo, só enquanto visto, constituir uma pena para quem o vê. Pode porém, por acidente, ser o fogo, simplesmente visto, uma causa de punição e de dor, enquanto apreendido como nocivo. Por onde e necessariamente, para esse fogo poder causar à alma um sofrimento, não basta que ela o veja, mas deve ainda ter um certo contato com ele.
Por isso outros disseram, que embora um fogo material não possa queimar a alma, contudo esta o apreende como nocivo para si; e dessa apreensão lhe resulta o temor e a dor, de modo a cumprir-se o dito da Escritura: Ali tremerão de medo onde não havia que teme?. Donde o dizer Gregório, que a alma é realmente queimada pelo só fato de se ver queimar. ─ Mas também esta explicação não é suficiente. Porque então, a alma sofreria a ação do fogo, não realmente, mas só como apreensão. Pois, embora, como diz Agostinho, uma falsa imaginação possa ser causa de tristeza ou de dor reais, contudo não se pode dizer que esse sofrimento assim imaginário provenha de um agente real, senão só da imagem da realidade concebida. Além disso, esse modo de sofrer mais diferiria de um sofrimento real, que o causado por visões imaginárias; porque seria este derivado de imagens verdadeiras de objetos, se concebidas pela alma, ao passo que o primeiro resultaria de falsas concepções que alma em si enganosamente formou. ─ Além disso, não é provável que as almas separadas ou os demônios, dotados de subtileza de engenho, pensassem que um fogo material lhes pudesse causar mal, se nenhum sofrimento dele recebessem.
Por isso ensinam outros ser forçoso admitir que a alma sofre realmente pelo fogo material. Donde o dizer também Gregório: podemos coligir, das expressões do Evangelho, que a alma arde, não só por ver o jogo, mas também por lhe experimentar a ação. E assim explicam como isso pode ser. Esse fogo material, dizem, pode ser considerado a dupla luz. Primeiro, como um ser corpóreo; e então não pode exercer nenhuma ação sobre a alma. Segundo, como instrumento da vingança da justiça divina. Pois, a ordem da divina justiça exige que a alma que se apegou pelo pecado às causas materiais, também sofra a pena causada por elas. Ora, um instrumento age não só por virtude da própria natureza, mas também por virtude do agente principal. Não há portanto absurdo em esse fogo, atuando em virtude de um agente espiritual, produzir o seu efeito no homem ou no demônio, ao modo por que também explicamos a santificação da alma pelos sacramentos.
Mas também esta opinião é insuficiente. Porque todo instrumento, quando funciona como tal, tem uma ação própria e conatural sobre o ser que a sofre, além daquela que exerce por influência do agente principal. E até mesmo, quando exerce a sua ação própria, há de também necessariamente exercer a segunda. Assim a água, lavando o corpo no batismo, santifica a alma; e a serra, cortando a madeira, produz a forma da casa. Por onde, é forçoso atribuir ao fogo uma certa ação sobre a alma, que lhe seja conatural a ele, para ser instrumento da justiça divina vingadora dos pecados.
Devemos, pois, pensar que um corpo não pode agir naturalmente sobre o espírito, nem se lhe opor ou gravá-la de qualquer maneira, senão enquanto o espírito está de algum modo unido ao corpo; assim, como diz a Escritura, o corpo que se corrompe, jaz pesada a alma. Ora, um espírito pode estar unido ao corpo, de dois modos. ─ Primeiro, como a forma à matéria, donde resulte uma completa unidade. E assim o espírito está unido ao corpo e o vivifica, sendo também de algum modo gravado por ele, Ora, neste sentido, o espírito do homem ou do demônio não está unido ao fogo material. ─ Segundo, como o motor ao móvel, ou como o localizado ao lugar, modo por que os seres incorpóreos ocupam um lugar. E neste sentido, os espíritos incorpóreos criados são circunscritos pelo lugar, de modo que estando em um não estarão em outro. Embora, pois, um ser corpóreo, pela sua natureza mesma, circunscreva num lugar o espírito incorpóreo, não pode contudo, por essa natureza, reter o espírito incorpóreo, preso a um lugar, de modo ligado a este que não possa ocupar outro: porque um espírito não ocupa nenhum lugar, tão naturalmente que fique a ele ligado. O fogo corpóreo porém, enquanto instrumento da justiça divina vindicante, recebe a propriedade especial de ligar o espírito. E assim lhe constitui uma pena, impedindo-lhe obedecer à sua vontade própria, de modo a não poder agir quando quer e como quer.
Tal a explicação que oferece Gregório. Assim, expondo como a alma pode arder por ação do fogo, diz: Desde que a própria verdade nos ensina, que o mau rico é condenado ao fogo do inferno, que homem sábio ousaria negar que as almas dos réprobos são presas das chamas? E isso mesmo ensina Juliano, segundo o refere o Mestre: Se o nosso espírito incorpóreo esta unido ao corpo, enquanto vivemos, porque não poderá depois da morte sofrer a ação de um fogo corpóreo? E Agostinho também diz, que como na condição humana a alma esta unida ao corpo, sendo-lhe assim o princípio da vida, embora seja ela espiritual e ele material; e dessa união resulte o seu veemente amor pelo corpo, assim esta ligada ao fogo, de modo a lhe sofrer a pena, e dessa união concebe um verdadeiro horror.
Assim, pois, reduzindo todas essas explicações a uma só, a fim de compreendermos perfeitamente como a alma pode sofrer a ação de um fogo material, dizemos o seguinte: Ao fogo, por natureza, pode-se-lhe unir o espírito incorpóreo, como o localizado com o lugar. Mas enquanto instrumento da justiça divina, pode de certo modo retê-lo ligado; e assim a alma será cruciada pelo fogo vendo-se como lhe é nocivo. Por isso Gregório passa em revista todas essas explicações, como se vê dos seus lugares supra-citados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Agostinho se exprime como indagando. Por isso, noutro lugar se exprime como quem resolve, conforme do sobredito se colhe. ─ Ou devemos responder que Agostinho entende que as causas imediatas de dor ou de tristeza para a alma são causas espirituais; pois, não sofreria se não apreendesse o fogo como capaz de lhe causar dano. Assim, o fogo apreendido como doloroso é a causa próxima do tormento, e o fogo material exterior à alma é a causa remota desse mesmo tormento.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a alma, em si mesma considerada, seja de natureza mais nobre que o fogo, de certo modo porém o fogo, enquanto instrumento da justiça divina, é mais nobre que ela.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O Filósofo e Boécio se referem aquela ação pela qual o paciente se transforma em a natureza do agente. Ora, tal não é a ação do fogo sobre a alma. Por isso objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O fogo que age sobre a alma, não a modo de agente influente, mas retendo-a presa, como do sobre dito resulta. Por isso a objeção não vem a propósito.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Para a visão intelectual, nenhuma pena pode resultar de um objeto visto; pois, nenhum objeto visto pode como tal, ser contrário ao intelecto. Tratando-se porém da visão corpórea, um objeto, pela ação mesma que exerce sobre os olhos, de modo a ser visto, pode fazer mal à vista, acidentalmente, destruindo a harmonia do órgão. Com tudo, a visão intelectual pode ser causa de pena quando apreendemos como nociva a causa vista não por causar qualquer dor só pelo fato de ser vista, mas de qualquer outro modo. Ora, neste sentido, a alma sofre pela só vista do fogo.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O símile não é total, mas parcial, como do sobredito resulta.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Embora não haja contato corpóreo entre a alma e o corpo, há contudo entre ambos um certo contato espiritual. Assim como o motor do céu, sendo espiritual move o céu por um contato espiritual com ele ao modo por que se diz que um objeto contristante nos toca, conforme o ensina Aristóteles. E este modo de contato basta para agir.
RESPOSTA À OITAVA. ─ Os espíritos condenados nunca saem do inferno senão por divina permissão, para instrução ou exercício dos eleitos. Mas onde quer que estejam, fora do inferno, sempre tem à vista o fogo como pena que lhes foi aparelhada. Por onde, sendo essa visão uma causa imediata de sofrimento, conforme se disse, estejam onde estiverem, são sempre atormentados pelo fogo do inferno. Assim como os presos, mesmo quando fora do cárcere, de certo modo lhe sofrem as agruras, vendo-se condenados a ele. Por isso, assim como a glória do eleitos não se lhes diminui, quanto ao prêmio essencial nem quanto ao acidental, mesmo que possam vir a sair do céu empíreo, o que de certo modo lhes redunda em glória, assim também em nada fica diminuída a pena dos condenados quando saem temporariamente do inferno para permissão divina. Tal o que diz a Glosa, aquilo da Escritura ─ Tisna a roda do nosso nascimento, etc.: O diabo, esteja onde estiver, sob o ar ou sob a terra, leva, consigo os tormentos das suas chamas. A objeção porém procederia se o fogo corpóreo fosse uma causa próxima de tormento para os espíritos, como o é para os corpos.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que na alma separada subsistem também os atos das potências sensitivas.
1. ─ Pois, diz Agostinho: A alma separada do corpo é susceptível de felicidade e de pena, segundo o seu mérito, mediante a imaginação, concupiscível e o irascível. Ora, a imaginação, concupiscível e o irascível são potências sensitivas. Logo, a alma separada pode ser afetada nas suas potências sensitivas e portanto, depois da morte, nela subsistem os atos dessas faculdades.
2. Demais. ─ Agostinho diz, que não sente o corpo, mas a alma por meio dele. E ainda: Certas sensações tem a alma, como o temor e outras, independentes do corpo e, portanto, sem a mediação dele. Ora, o que convém à alma separada do corpo pode nela subsistir no estado de separação. Logo, a alma pode sentir atualmente.
3. Demais. ─ Ver as semelhanças dos objetos, como as vemos no sono, só pode sê-la por uma visão imaginária, cuja sede é a parte sensitiva. Ora, ver essas semelhanças dos corpos, como se dá no sono, a alma separada o pode. Por isso diz Agostinho: Se a alma tem a semelhança do seu corpo, como vários o narraram, quando o corpo está deitado num leito de dores, a ponto de exalar o último suspiro e privado de toda sensibilidade, não vejo porque não teria dele a imagem a alma totalmente separada pela morte. Ora, não podemos compreender que a alma conserve a imagem do corpo, senão pela visão material. Por isso Agostinho disse antes, dos que jazem sem sentidos: Conservam uma certa imagem do seu corpo pela qual podem transportar-se para lugares afastados e sentirem as mesmas sensações como se vissem as causas. Logo, a alma separada pode exercer os atos das potências sensitivas.
4. Demais. ─ A memória é uma potência da parte sensitiva, como o prova Aristóteles. Ora, as almas separadas terão a lembrança atual do que fizeram neste mundo. Assim ao rico que se banqueteava diz o Evangelho: Lembra-te que recebeste os teus bens em tua vida. Logo, a alma separada exercerá os atos da potência.
5. Demais. ─ Segundo o Filósofo, o irascível e o concupiscível pertencem à parte sensitiva. Ora, o irascível e o concupiscível são as sedes da alegria e da tristeza, do amor e do ódio, do temor e da esperança e de outros afetos, que a fé nos autoriza a atribuir às almas separadas. Logo, as almas separadas não ficarão privadas dos atos das potências sensitivas.
Mas, em contrário. ─ O que é comum à alma e ao corpo não pode permanecer na alma separada. Ora, todas as operações das potências sensitivas são comuns à alma e ao corpo; o que se conclui do fato de nenhuma potência sensitiva poder exercer os seus atos senão mediante um órgão corpóreo. Logo, a alma separada estará privada dos atos das potências sensitivas.
2. Demais. ─ O Filósofo diz, que desaparecido o corpo, a alma não pode mais lembrar-se nem amar. E o mesmo se dará com todos os outros atos das potências sensitivas. Logo, não pode a alma separada exercer qualquer ato das potências sensitivas.
SOLUÇÃO. ─ Certos distinguem um duplo ato das potências sensitivas: os externos, que a alma exerce mediante o corpo e não subsistem na alma separada; e os internos, que a alma exerce por si mesma e existirão nela quando separada do corpo. Essa opinião parece provir da doutrina de Platão, que ensinava estar a alma unida ao corpo como uma substância perfeita em nada dependente dele, como um motor está unido ao móvel; e prova disso é a metempsicose, que admitia. Mas como, na sua opinião, só o movido move, dizia, para não proceder ao infinito, que o motor primeiro a si mesmo se move, e ensinava que a alma se movia a si própria. Há assim dois movimentos na alma: O pelo que a si mesmo se move e o pelo qual move o corpo. Assim a alma exerce, p. ex., o ato da visão, primeiro em si mesma, enquanto se move; e segundo, num órgão corpóreo, enquanto move o corpo.
Mas o Filósofo refuta essa opinião, mostrando que a alma não se move a si mesma, e que de nenhum modo é movida por atos tais como ver, sentir e outros; e que esses atos são movimentos só do composto. Donde devemos concluir, que os atos das potências sensitivas de nenhum modo subsistem na alma separada, senão talvez como na sua raiz remota.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Certos negam seja essa obra de Agostinho, e pensam ter sido composta por um Cisterciense, que a compilou com palavras de Agostinho, acrescentando algo de seu. Por isso o que nele se diz não constitui autoridade. ─ Mas se tal autoridade lhe deva ser atribuída, é nosso sentir que não devemos entender as palavras citadas como significando, que a alma separada exerce atos pela imaginação e pelas outras potências sensíveis, como pertencentes a essas potências. Mas no sentido em que os atos operados por ela no corpo, com o auxílio da imaginação e das potências sensíveis, esses mesmos a afetam, para seu bem ou para seu mal, na vida futura. De modo que essas faculdades sensitivas, como a imaginação, não produzem as sensações da alma, senão só as obras corpóreas que as merecem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O dizer Agostinho que a alma sente mediante o corpo, não significa que o ato de sentir seja peculiar à alma isoladamente, mas que pertence ao composto em razão da alma, pelo mesmo modo de falar com que dizemos que o calor aquece. Quanto ao que acrescenta, que a alma sente certas cousas, como o temor e outras, devemos entendê-lo sem o movimento exterior do corpo, que acompanha os atos próprios dos sentidos; pois, o temor e paixões semelhantes não se exercem sem ser acompanhados do movimento do corpo. Ou podemos dizer que Agostinho fala segundo a opinião dos Platônicos, que assim o ensinavam, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No lugar citado Agostinho antes procura do que afirma a verdade, como o faz em, quase todo o livro. Pois, é claro que não se dá com a alma do adormecido o mesmo que com a alma separada. A alma do adormecido se serve do órgão da imaginação onde se imprimem as imagens dos corpos, o que não se pode dizer da alma separada. ─ Ou devemos responder que as imagens das cousas estão na alma pelas potências sensitiva, imaginativa e intelectiva, conforme a maior ou menor abstração da matéria e das condições materiais. Mas a comparação de Agostinho colhe quanto ao seguinte: assim como as imagens das cousas corpóreas estão na alma de quem sonha ou se separa do corpo em imaginação, assim estão também na alma separada por um conceito intelectual, mas não por ato da imaginação.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Como diz o Mestre das sentenças, a memória pode ser tomada em duplo sentido. Ora, como potência da parte sensitiva, tendo então por objeto os fatos passados, E nesta acepção a alma separada não será susceptível de memória. Por isso diz o Filósofo que, desaparecido o corpo, a alma não é capaz de lembrar-se. ─ Noutro sentido, a memória é tomada como parte da imaginação, e pertencente à potência intelectiva; i. é, enquanto abstrai de toda diferença de tempo, não se referindo só aos fatos passados, mas também aos presentes e aos futuros, como diz Agostinho. E neste sentido, na alma separada pode existir a memória.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O amor, a alegria, a tristeza e paixões semelhantes são susceptíveis de duplo sentido. ─ Ora, são paixões do apetite sensitivo. E então não podem existir na alma separada; pois, neste sentido implicam um determinado movimento do coração. ─ Ora são tomados como atos da vontade, que residem na parte intelectiva, E então existirão na alma separada; assim como também o prazer, que de certo modo é uma paixão da parte sensitiva, tomando-o em outro sentido o Filósofo o atribui a Deus, quando diz que Deus se compraz numa deleitação simples.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que na alma separada subsistem as potências sensitivas.
1. - Pois, Agostinho diz: A alma, ao separar-se do corpo, leva tudo consigo ─ os sentidos, a imaginação, a razão, o intelecto, a inteligência, o concupiscível e o irascível. Ora, os sentidos e a imaginação, a potência irascível e a concupiscível são potências da alma. Logo, na alma separada subsistem as potências sensitivas.
2. Demais. ─ Agostinho diz: Cremos que só o homem tem alma substancial, que continua a viver separado do corpo e conserva vivazes os sentidos e o engenho. Logo, a alma separada do corpo conserva as suas potências sensitivas.
3. Demais. ─ As potências da alma ou nela existem substancialmente, como certos dizem, ou pelo menos são propriedades naturais dela. Ora, o que existe essencialmente num ser não pode separar-se dele; nem é possível um sujeito perder as suas propriedades naturais. Logo, não pode a alma, separada do corpo, perder nenhuma das suas potências.
4. Demais. ─ Não tem a sua total integridade o ser a que falta uma parte. Ora, as potências da alma se consideram partes dela. Se, pois, a alma perder, depois de separada do corpo, alguma das suas partes, não subsistirá na sua integridade, depois da morte. O que é inadmissível.
5. Demais. ─ As potências da alma concorrem mais para o mérito, do que o corpo; este é apenas o instrumento da ação, ao passo que a alma é o princípio do agir. Ora, necessariamente, há de o corpo ser premiado junto com a alma, pois com ela cooperou para o mérito. Logo e com muito maior razão, hão de as potências da alma ser premiadas simultaneamente com ela. Portanto, não nas perde a alma separada.
6. Demais. ─ Se a alma, separada do corpo, perde a potência sensitiva, há de por força essa faculdade ser reduzida ao nada; pois, não se pode dizer que se resolva numa determinada matéria, porque não tem matéria nenhuma como parte de si. Ora, o ser totalmente reduzido ao nada não pode voltar à existência, de modo a vir a ser numericamente o mesmo que antes. Logo, a alma não terá, na ressurreição, a mesma potência sensitiva que antes tinha. Ora, segundo o Filósofo, assim está a alma para o corpo como as potências da alma para as partes do corpo ─ tal a vista, para os olhos. Mas, não sendo a alma, que voltará a unir-se ao corpo, numericamente a mesma de antes, o homem não será já o mesmo numericamente, que antes fora. Portanto, já não teria os mesmos olhos que teve, se a potência visual não é a mesma de antes. ─ Pela mesma razão, parte nenhuma ressurgirá numericamente a mesma. Por consequência, o homem ressurrecto não será, na sua totalidade, o mesmo de antes. Logo, não é possível a alma separada perder as suas potências sensitivas.
7. Demais. ─ Se as potências sensitivas desaparecessem com a disparição do corpo, também deviam, enfraquecendo-se ele, enfraquecerem-se. Ora, tal não se dá; pois, como ensina Aristóteles, se um velho recobrasse a vista de um moço, enxergaria absolutamente como este. Logo, nem com a disparição do corpo hão de desaparecer as potências sensitivas.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Só de duas substâncias consta o homem ─ alma e corpo; a alma racional e o corpo sensível. Ora, as potências sensitivas pertencem ao corpo. Logo, desaparecido o corpo, já não subsistem na alma as potências sensitivas.
2. Demais. ─ O Filósofo, tratando da separação da alma, diz: Quanto a saber se alguma cousa subsiste depois da dissolução do composto, devemos examiná-lo. Pois, para certos seres nada a isso se opõe. A alma, p. ex., esta nesse caso; não a alma inteira, mas o intelecto, porque para a alma inteira isso é talvez impassível. Donde se conclui que a alma não se separa totalmente do corpo, mas só as potências da alma intelectiva, não as da sensitiva ou vegetativa.
3. Demais. ─ O Filósofo diz, falando do intelecto: O intelecto se separa do corpo como o incorruptível, do corruptível. Quanto às outras partes da alma, é claro pelo que dissemos, que não são separáveis, como afirmam certos. Logo, as potências sensitivas não subsistem na alma separada.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria variam as opiniões. Assim, uns, julgando estarem todas as potências na alma, ao modo por que o calor está no corpo, ensinam que a alma, separada do corpo, leva consigo todas as suas potências. Pois, se alguma lhe faltasse, ficaria necessariamente alterada nas suas propriedades naturais que, enquanto subsiste o seu sujeito, não podem variar. ─ Mas essa opinião é falsa. Pois, sendo em virtude da potência, que dizemos agirem ou sofrerem os seres dela dotados; e, sendo o mesmo ser o que pode agir e sofrer a ação, resulta necessariamente que a potência há de pertencer ao sujeito, que é agente ou paciente. Por isso o Filósofo diz, que a potência pertence ao mesmo ser a que pertence a ação. Ora, como é manifesto, certas operações, de que as potências da alma são os princípios, não procedem dela, propriamente falando, mas do composto; pois, não se exercem senão mediante o corpo, como ver, ouvir e semelhantes. Por onde e necessariamente, essas potências tem no composto o seu sujeito; mas procedem da alma como do princípio influente, assim como a forma é o princípio das propriedades do composto. Outras operações porém a alma as exerce sem a mediação de nenhum órgão corpóreo, como compreender, raciocinar e querer. Por onde, sendo tais atos próprios da alma, as potências, que são os princípios delas, pertencerão à alma não só como o princípio, mas ainda como o sujeito delas. Ora, permanecendo o sujeito próprio, necessariamente hão de subsistir a paixões próprias dele; e desaparecido ele, também estas desaparecerão. Portanto e necessariamente, aquelas potências que não precisam, para agir, de usar de um órgão corpóreo, hão de subsistir na alma separada. Ao contrário, aquelas que só se exercem mediante tal órgão, desaparecerão com a disparição do corpo. E tais são todas as potências pertencentes à alma sensível e vegetativa.
Por isso certos distinguem duas potências da alma sensível. Umas são atos dos órgãos, afluem da alma para o corpo, e essas desaparecem com ele. Outras, origens das primeiras, tem sua sede na alma, fazem-na tornar o corpo capaz de ver, de ouvir e de atos semelhantes; e essas potências originais subsistem na alma separada. ─ Mas esta opinião é inadmissível. Porque a alma é, pela sua essência mesma, e não mediante quaisquer potências, a origem das potências, que são os atos dos órgãos; assim como qualquer forma, por isso mesmo que pela sua essência informa a matéria, é a origem das propriedades naturalmente resultantes do composto. Portanto, se devêssemos admitir na alma outras potências, mediante as quais as que dão aos órgãos a sua perfeição de fluíssem da essência dela, pela mesma razão devíamos admitir ainda outras, mediante as quais da essência da alma de fluíssem essas potências médias, e assim ao infinito. Se, pois, devemos parar em algum ponto, melhor será pararmos no primeiro.
Por isso outros dizem, que as potências sensitivas e as outras semelhantes não subsistem na alma separada, a não ser ao modo pelo qual os principiados subsistem nos seus princípios como na raiz. Pois, a alma separada conserva o poder de influir de novo nas outras potências, se de novo vier a unir-se ao corpo; nem é necessário seja esse poder nada de acrescentado à essência, como se disse. E essa opinião é mais racional.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras citadas de Agostinho devem entender-se como significando, que a alma leva consigo e atualmente certas dessas potências, a saber, a inteligência e o intelecto; outras, radicalmente, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os sentidos que acompanham a alma, não são os sentidos externos atuais, mas os internos, pertencentes à parte intelectiva; pois, o intelecto às vezes é chamado sentido, como vemos em Basílio e no Filósofo. ─ Ou, se o entendermos dos sentidos externos, devemos responder o mesmo que à primeira objeção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como do sobredito resulta, as potências sensitivas não estão para a alma como as paixões naturais para o seu sujeito, mas como para a sua origem. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ As potências da alma não se consideram como partes integrantes dela senão como partes potenciais. Ora, a natureza da alma como um todo é tal, que a virtude do todo se acha integralmente numa das partes e incompleta, nas outras. Assim, a virtude da alma está toda na potência intelectiva, e parcialmente nas outras potências. Por onde, como na alma separada permanecem as potências da parte intelectiva, íntegra continuará ela e não diminuída, embora as potências sensitivas não permaneçam em ato, assim como o poder do rei fica diminuído, se morre o preposto dele participante.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O corpo contribui para o mérito, como parte essencial do homem que merece. Ora, assim, não cooperam as potências sensitivas, por pertencerem ao gênero dos acidentes. Logo, o símil não colhe.
RESPOSTA À SEXTA. ─ As potências sensitivas da alma não se consideram atos dos órgãos, como formas essenciais deles, independentes da alma, a que pertencem; mas são atos deles pelos aperfeiçoar para as suas operações próprias, assim como o calor é ato do fogo que lhe dá o poder de aquecer. Por onde, assim como o fogo permanece numericamente o mesmo, embora se lhe mudasse numericamente o calor; e como uma água fria permanece a mesma, embora a sua frigidez não se restabeleça na sua identidade anterior, depois de ter sido aquecida, assim também numericamente os mesmos continuarão os órgãos, depois da ressurreição, embora outras venham a lhes ser as faculdades.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ No lugar citado o Filósofo se refere a essas potências, enquanto subsistem na alma como na sua raiz. O que resulta claro das suas palavras: A velhice não consiste no que a alma sofra, mesmo que sofre o corpo. Portanto, nem por enfraquecer-se o corpo hão de também enfraquecer-se as potências da alma.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que não se devem distinguir tantos receptáculos quantos os referidos.
1. ─ Pois, os receptáculos atribuídos às almas, devem ser tantos, por causa do pecado, quantos por causa do mérito. Ora, em razão do mérito, só um receptáculo lhes é atribuído o paraíso. Logo, também um só lhes deve ser atribuído, em razão dos pecados.
2. Demais. ─ Os receptáculos atribuídos à alma depois da morte o são em virtude do mérito ou do demérito. Ora, um só é o lugar onde merecem ou desmerecem. Logo, só um receptáculo lhes deve ser assinalado depois da morte.
3. Demais. ─ Os lugares onde se expiam as penas devem corresponder às culpas cometidas. Ora, só há três espécies de culpa ─ a original, a venial e a mortal. Logo, não deve haver mais de três receptáculos onde se sofram as penas.
Mas, em contrário. ─ Parece que os receptáculos devem ser muito mais que os assinalados. Pois, este ar caliginoso é o cárcere dos demônios, como lemos na Escritura. E contudo não é computado entre os cinco receptáculos, assinalados por certos. Logo, os receptáculos são mais de cinco.
2. Demais. ─ Um é o paraíso terrestre e outro, o celeste. Ora, certos, depois desta vida foram transferidos do paraíso terrestre, como narra a Escritura, de Enoch e de Elias. Logo, não estando o paraíso terrestre enumerado entre os cinco receptáculos, parece que eles são mais de cinco.
3. Demais. ─ A cada estado de pecadores deve corresponder um lugar onde expiem as penas. Ora, a quem morrer maculado só pelo pecado original e pelo venial, não lhe foi assinalado nenhum receptáculo próprio. Pois, no paraíso não poderia entrar, por estar privado da graça. Pela mesma razão, nem no limbo dos meninos, onde não sofrem nenhuma pena sensível, devida contudo a quem morre em pecado venial. Semelhantemente, nem no purgatório, onde não há senão pena temporal; ora, no caso vertente, é devida uma pena perpétua. Enfim, também não no inferno dos condenados, porque não morreu em estado de pecado mortal atual. Logo, um sexto receptáculo lhe deve ser atribuído.
4. Demais. ─ O grau dos prêmios e das penas varia conforme as diferenças das culpas e dos méritos. Ora, infinitos são os graus dos méritos e das culpas. Logo, devem-se distinguir infinitos receptáculos, onde as almas serão punidas ou premiadas depois da morte.
5. Demais. ─ As vezes as almas são punidas nos lugares onde pecaram, como o diz Gregório. Ora, pecaram no lugar onde habitamos. Logo, este lugar também deve ser computado entre os receptáculos, e tanto mais quanto certos são punidos neste mundo pelos seus pecados, como disse o Mestre.
6. Demais. ─ Certos, apesar de mortos em estado de graça, devem ainda sofrer uma pena, por terem alguns pecados veniais. Ao contrário, outros, apesar de mortos Em pecado mortal, merecem contudo um prêmio por boas ações que praticaram. Ora, aos mortos em graça, mas em estado de pecado venial, lhes é atribuído o purgatório, receptáculo onde são punidos, antes de alcançarem o prêmio. Logo e pela mesma razão, mas inversamente, o mesmo se deve dar com os mortos em pecado mortal, mas que praticaram certas boas obras.
7. Demais. - Assim como os Patriarcas tiveram diferida a plenitude da glória da alma até ao advento de Cristo, assim o mesmo se dá hoje com os que vão para o céu, quanto à glória do corpo. Logo, assim como se distingue o receptáculo dos santos Patriarcas, antes da vinda de Cristo, daquele onde atualmente habitam, assim deve este último ser distinto daquele onde devem ser recebidos depois da ressurreição.
SOLUÇÃO. ─ O receptáculo das almas varia conforme o estado delas. Assim, a alma unida ao corpo mortal vive em estado de merecer; mas quando ela se separa do corpo, entra em estado de receber a recompensa ou o castigo, conforme o mereceu. Logo, depois da morte, ou está em estado de receber o prêmio final ou de ser privada dele. Se no de receber a retribuição final, de dois modos pode sê-la. Ou pelo bem, e então entra no paraíso; ou pelo mal e então cai no inferno, se a culpa é atual, ou no limbo dos meninos, se é original. Se porém o seu estado é tal que impede alcançar a retribuição final, ou será por culpa pessoal, e então irá para o purgatório, onde as almas ficam detidas sem poder alcançar logo o prêmio, por causa de pecados que cometeram; ou por defeito da natureza, e então irá para o limbo dos Patriarcas, onde estes estavam impedidos de alcançar a glória, por causa do reato da natureza humana, que ainda não podiam expiar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O bem só de um modo existe, ao passo que o mal é multifário, como diz Dionísio e o Filósofo. Por isso, não há inconveniente em ser um o lugar onde se frui a felicidade, e outro onde se cumprem as penas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O estado de merecer e desmerecer são um só, pois, no mesmo estado podemos merecer e desmerecer. Por isso a todos os que se acham nesse estado devem ter o mesmo lugar. Mas as almas, que recebem o prêmio pelo que mereceram, estão em estados diversos. Logo, o símil não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pela culpa original pode um ser punido duplamente, como do sobredito se colhe: em razão da pessoa, ou em razão só da natureza. Por isso a tal culpa corresponde um duplo limbo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O ar caliginoso que nos rodeia, não é atribuído aos demônios como lugar onde recebam a paga do que merecem, mas para o exercício da função a que são destinados, que é nos exercer na luta pelo bem. Por isso, esse lugar não é enumerado entre os receptáculos de que ora tratamos; pois, o lugar que propriamente lhes compete é o fogo do inferno, como o ensina o Evangelho.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O paraíso terrestre pertence, antes, ao estado do homem viandante que ao estado terminal onde recebe a paga do merecido. Por isso não é contado entre os receptáculos de que agora tratamos.
RESPOSTA À SEXTA. ─ A hipótese do argumento é impossível. Mas se fosse possível, esses tais seriam punidos no inferno eternamente. Pois, se o pecado venial é punido temporalmente no purgatório, é por causa da graça que o acompanha. Mas se se acrescentasse à culpabilidade do pecado mortal, que não é acompanhado de nenhuma graça, seria punido no inferno com a pena eterna. Ora, aquele que supusermos culpado do pecado original e do pecado venial não teria a graça; seria portanto eternamente punido no inferno.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ A diversidade de graus nas penas ou nos prêmios não diversifica os estados, e é pela diversidade deles que se distinguem os receptáculos.
RESPOSTA À OITAVA. ─ Embora as almas separadas sejam às vezes punidas neste mundo que habitamos, não se pode daí concluir seja este o lugar próprio para aqui cumprirem as suas penas; o que só para nossa instrução se dá; a fim de, vendo-Ih'as, abstenhamo-nos das culpas. ─ Quanto às almas ainda unidas ao corpo, neste mundo punidas pelos seus pecados, não vêem ao caso; pois essa pena não as põe fora do estado de merecer ou desmerecer. Ora, agora tratamos dos receptáculos atribuídos à alma depois que já não estão mais no estado de merecer ou desmerecer.
RESPOSTA À NONA. ─ Não há mal que não vá de mistura com algum bem, mas o sumo bem exclui toda mistura de mal. Por onde, só podem entrar no gozo da felicidade, que é o sumo bem, os que foram purificados de todo mal. Por isso é necessário haver um lugar onde se purifiquem, se ainda não estavam perfeitamente puros ao sair da vida. Mas os que foram precipitados no inferno não são destituídos de todo bem. Portanto, não colhe o símil; porque os que estão no inferno podem receber o prêmio das suas boas obras, enquanto o bem que praticaram contribui para lhes mitigar as penas.
RESPOSTA À DÉCIMA. ─ Na glória da alma consiste o prêmio essencial; a glória do corpo porém, que lhe redunda da alma, consiste toda e quase originalmente, na da alma. Portanto, a privação da glória desta diversifica os estados, mas não a privação da glória do corpo. Por isso também o mesmo lugar ─ o céu empíreo ─ é atribuído às almas dos santos separadas do corpo e às unidas a corpos gloriosos. Mas as almas dos Patriarcas, antes de receberem a glória da alma, não deviam ter a mesma morada que tiveram depois.