Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição ele Cristo não é a causa da nossa ressurreição.
1. ─ Pois, posta a causa, segue-se o efeito. Ora, a ressurreição de Cristo não se seguiu imediatamente a dos outros mortos. Logo, a sua ressurreição não é a causa da nossa.
2. Demais. ─ Todo efeito é necessariamente seguido da causa. Ora, os outros mortos ressurgiriam, mesmo que Cristo não tivesse ressurgido, porque podia libertar o homem de outro modo. Logo, a ressurreição de Cristo não é a causa da nossa.
4. Demais. ─ O efeito conserva alguma semelhança da causa. Ora, a ressurreição, pelo menos a dos maus, em nada se assemelha à de Cristo. Logo, a ressurreição de Cristo não será a causa da ressurreição deles.
Mas, em contrário. ─ O que é primeiro em um gênero é causa do que vem depois, como diz Aristóteles. Ora, Cristo, por causa da ressurreição do seu corpo, a Escritura lhe chama as primícias dos que dormem e o primogênito dos mortos. Logo, a sua ressurreição é a causa da dos outros.
2. Demais. ─ A ressurreição de Cristo mais convém com a do nosso corpo que com a da nossa alma, operada por meio da justificação. Ora, a ressurreição de Cristo é a causa da nossa justificação, conforme ao Apóstolo, quando diz, que ressuscitou para nossa justificação. Logo, a ressurreição de Cristo é a causa da do nosso corpo.
SOLUÇÃO. ─ Cristo, em razão da natureza humana, o Apóstolo lhe chama mediador entre Deus e os homens. Por isso os dons divinos promanam de Deus para os homens, mediante a humanidade de Cristo. Ora, assim como não podemos ser libertos da morte espiritual senão pelo dom da graça divina, assim também só a ressurreição operada pelo poder divino é que nos poderá libertar da morte do corpo. Por onde, assim como Cristo recebeu pela sua natureza humana as primícias da graça divina, e a sua graça é a causa da nossa ─ pois, todos nós participamos da sua plenitude, e graça por graça ─ assim a ressurreição começou com Cristo e a sua é a causa da nossa. De modo que Cristo, enquanto Deus, é como a causa equívoca da nossa ressurreição; mas, enquanto Deus e homem ressurrecto é da nossa ressurreição a como causa próxima e unívoca.
Ora, a causa unívoca, quando obra, produz um efeito semelhante à sua forma. Por onde, não somente é causa eficiente, mas também exemplar desse efeito. O que de dois modos pode se dar. ─ Às vezes pode a forma, onde se funda a semelhança entre o agente e o seu efeito, ser o princípio direto da ação que produz esse efeito; tal o calor do fogo no corpo aquecido. ─ Outras vezes porém, o princípio primário é essencial da ação produtora do efeito não é a forma em si mesma, fundamento da semelhança, mas sim os princípios dessa forma. Assim, se um homem branco gerasse outro homem branco, a brancura do gerador não seria em si mesma o princípio ativo da geração; e contudo dizemos que essa brancura é a causa do ser gerado, porque os princípios da brancura no gerador são os princípios geradores, que causam a brancura no ser gerado.
E deste modo a ressurreição de Cristo é a causa da nossa ressurreição. Porque a mesma virtude da divindade de Cristo, que lhe é comum com o Pai, e que é a causa da ressurreição de Cristo, contribui também para a nossa ressurreição, da qual é a causa eficiente unívoca. Donde o dito do Apóstolo: Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo também dará vida aos vossos corpos mortais. Ora, a ressurreição mesma de Cristo, causada pelo poder divino inerente a Cristo, é a quase causa instrumental da nossa ressurreição. Pois, Cristo enquanto Deus obrava mediante o seu corpo como instrumento, conforme o ensina Damasceno, fundado no exemplo do contato corpóreo com que m unificou o leproso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Uma causa suficiente a produzir o seu efeito, ao qual é imediatamente ordenado, imediatamente o produz. Não porém o efeito ao qual se ordena mediante outro, por mais suficiente que seja para produzi-lo. Assim o calor, por intenso que seja, não causa o calor imediata e instantaneamente, mas a sua primeira ação é mover para calor, porque o calor produz o calor mediante movimento. Ora, a ressurreição de Cristo é chamada causa da nossa, não que por si mesma a produza, mas só mediante o seu principio ─ a virtude divina, que será a causa da nossa ressurreição, à semelhança da de Cristo. Ora, a virtude divina tudo obra mediante a vontade, muito mais próxima do efeito. Por onde, não é necessário que à ressurreição de Cristo imediatamente suceda a nossa; mas basta que tal se de quando a vontade de Deus o ordenar.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A virtude divina não depende de nenhumas causas segundas, que não possa produzir imediatamente, ou mediante outras causas segundas, os efeitos delas. Assim, poderia causar a geração dos corpos inferiores, mesmo que não existisse o movimento do céu. Contudo, pela ordem universal, que estabeleceu o movimento do céu, é a causa da geração dos seres terrestres. Semelhantemente, de acordo com a ordem que a providência prefixou às cousas humanas, a ressurreição de Cristo é a causa da nossa. Mas podia ter estabelecido outra ordem. E então a causa da nossa ressurreição seria outra, que Deus ordenasse.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção procede quando todos os seres de uma mesma espécie tem a mesma relação com a causa primeira do efeito, que deve ser produzido na totalidade dessa espécie. Ora, tal não se dá no caso vertente. Porque a humanidade de Cristo está mais chegada à divindade, cujo poder é a causa primeira da ressurreição, do que a humanidade dos outros homens. Por isso a ressurreição de Cristo é causada pela divindade imediatamente; ao passo que a ressurreição dos outros homens, mediante a ressurreição de Cristo homem.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A ressurreição de todos os homens terá algo de semelhante à de Cristo, porque todos se assemelham com ele pela vida natural. Por isso todos com ele ressurgirão para uma vida imortal. Mas os santos, semelhantes a Cristo pela graça, terão também a sua ressurreição semelhante à de Cristo, no concernente a glória.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição é natural.
1. ─ Pois, como diz Damasceno, os caracteres que geralmente notamos em todos os indivíduos, pertence-lhes à espécie. Ora, todos os homens em geral hão de ressurgir. Logo, a ressurreição é natural.
2. Demais. ─ Gregório diz: Os que não crêem na ressurreição, por obediência, devem aceitá-la pela razão. Pois, que outra cousa nos mostram todos os dias os elementos da natureza senão a nossa ressurreição? E dá o exemplo da luz, que por assim dizer morre quando nos desaparece dos olhos, e ressurge quando de novo acesa. Das arvores, que perdem as folhas para, como ressurrectas, de novo se revestirem delas. Das sementes que morrem putrefactas, para de certa maneira ressurgirem pela germinação, exemplo que também dá o Apóstolo. Ora, todos os fenômenos, que conhecemos pela razão, são naturais. Logo, natural será a ressurreição.
3. Demais. ─ O que é contrário à natureza não pode durar, por ser violento. Ora, a vida renascida pela ressurreição durará eternamente. Logo, a ressurreição será natural.
4. Demais. ─ O fim a que universalmente tende a natureza não pode deixar de ser natural. Ora, tal é a ressurreição, a glorificação dos santos e cousas semelhantes, como diz o Apóstolo. Logo, a ressurreição será natural.
5. Demais. ─ A ressurreição é uma espécie de movimento, cujo termo é a união perpétua da alma e do corpo. Ora, o movimento é natural que termina no repouso natural, como diz Aristóteles. Logo, a união perpétua da alma e do corpo será natural, porque, sendo a alma o motor próprio do corpo este há de lhe ser proporcionado, e portanto pode perpétua e naturalmente ser animado por ela, que vive perpetuamente. Portanto, a ressurreição será natural.
Mas, em contrário. ─ Não é possível, naturalmente, voltar da privação para o hábito. Ora, a morte é a privação da vida. Logo, a ressurreição que é a volta da morte à vida, não é natural.
2. Demais. ─ Seres da mesma espécie tem uma origem determinada. Assim, os animais gerados da putrefação, naturalmente, não são nunca da mesma espécie que os gerados por via seminal, como diz o Comentador. Ora, o homem é naturalmente gerado por seres da mesma espécie; o que não se dá na ressurreição. Logo, esta não será natural.
SOLUÇÃO. ─ Todo movimento e toda ação mantém com a natureza uma tríplice relação. ─ Assim, certos movimentos ou ações não tem principio nem fim naturais. Porque ou se originam de um princípio superior à natureza, como no caso da glorificação dos corpos; ou de outro princípio qualquer, como no da pedra projetada para o alto por um movimento violento, e que vem a cair num repouso violento também. ─ Outros movimentos há entretanto, cujo princípio e cujo termo é a natureza, como no caso da pedra que cai. ─ Outros há enfim, cujo termo, mas não princípio, é a natureza. É às vezes a origem deles um princípio superior à natureza, como na iluminação de um cego, a quem embora lhe seja natural a vista, o princípio da iluminação contudo é sobrenatural. Outras vezes, um princípio de espécie diferente, como no caso de uma flor ação ou frutificação acelerada artificialmente. ─ Mas não é possível a natureza ser o princípio de um movimento sem lhe ser o termo; porque os princípios naturais tem efeitos definidos e determinados, que não podem ultrapassar.
Ora, a operação ou o movimento, que mantém com a natureza a primeira espécie de relação, de nenhum modo pode chamar-se natural. Mas ou é miraculosa, se proceder de um princípio superior à natureza, ou violenta, se provier de um outro princípio qualquer. ─ A operação ou movimento relativo à natureza, do segundo modo, é natural, absolutamente falando. ─ Mas a operação, que mantém com a natureza a terceira espécie de relação, não pode chamar-se natural, absolutamente falando, mas apenas de certo modo, i. é, enquanto conduz ao que é natural. E se chama milagrosa, ou artificial ou violenta. Pois, natural propriamente dito é o que é segundo a natureza. Ora, diremos que é segundo a natureza o que o tem e tudo quanto dela resulta, como está claro em Aristóteles. Por onde, o movimento, absolutamente falando, não pode chamar-se natural, senão se o seu princípio for a natureza.
Ora, o principio da ressurreição não pode ser a natureza, embora o seu termo seja a vida natural. Pois, a natureza é o princípio do movimento do ser natural. Ou do movimento ativo, como no caso dos corpos leves e graves, e nas alterações naturais do corpo animal; ou do passivo, como no caso da geração dos corpos simples. Quanto ao princípio passivo da geração natural, é a potência passiva natural, a que sempre corresponde em a natureza alguma potência ativa, como diz Aristóteles. Nem importa, a esta luz, que corresponda ao princípio passivo um princípio ativo natural, causador da forma, perfeição última do ser; ou causador de uma disposição necessitante da forma última, como se dá na geração do homem, segundo o ensina a fé, ou mesmo em todos os outros seres, segundo a opinião de Platão e de Avicena. Ora, em a natureza não existe nenhum princípio ativo de ressurreição causador da união da alma e do corpo, nem de qualquer disposição que haja de necessariamente dar lugar a essa união, porque uma tal disposição a natureza não na poderia produzir senão pelo modo determinado por via de geração seminal. Por onde, embora admitamos a existência de uma potência passiva por parte do corpo, ou mesmo uma inclinação qualquer para a sua união com a alma, não é ela tal que baste à existência de um movimento natural. Por onde, a ressurreição, absolutamente falando, é miraculosa e não natural, senão de certo modo, como do sobredito Se colhe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Damasceno se refere às propriedades existentes em todos os indivíduos produzidos pelos princípios criados da natureza. Pois, se por ação divina todos os homens se tornassem brancos, ou fossem reunidos num mesmo lugar ─ como se deu no dilúvio, nem por isso a brancura seria uma propriedade natural do homem, ou a existência num determinado lugar.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Os seres naturais não nos dão uma razão demonstrativa das cousas que não são naturais. Mas podem, por meio de razões persuasivas nos dar algum conhecimento do sobrenatural. Porque as causas naturais nos representam uma certa semelhança das sobrenaturais. Assim, a união da alma e do corpo representa a união da alma com Deus pela fruição da glória, como diz o Mestre. E do mesmo modo, os exemplos aduzidos pelo Apóstolo e por Gregório ajudam a persuasão da fé na ressurreição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção colhe quanto à operação cujo termo não é natural, mas contrário à natureza. Ora, tal não se dá na ressurreição. Logo, não vem a propósito.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A operação da natureza depende totalmente da operação divina, assim como a operação de um artífice inferior depende da do superior. Por onde, assim como toda operação de uma arte inferior não pode atingir o seu fim senão pela operação de uma arte superior, que imprime a forma ou aplica a obra, assim o fim último a que tende toda a natureza não na pode ela alcançar pela sua operação própria. Por isso não na atinge por uma operação natural.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora não possa o movimento ser natural, que termina num repouso violento, pode contudo ser não-natural o movimento cujo termo é o repouso natural, como dissemos.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição não será de todos geralmente.
1. - Pois, a Escritura diz: os ímpios não ressurgirão no juízo. Ora, a ressurreição da carne será no juízo universal. Logo os ímpios de nenhum modo ressurgirão.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Toda esta multidão, dos que dormem no pó da terra, acordarão. Ora, este modo de falar supõe uma particularização. Logo nem todos ressurgirão.
3. Demais. ─ Pela ressurreição os homens se assemelharão a Cristo ressurrecto. Daí conclui o Apóstolo, que se Cristo ressurgiu também nós ressurgiremos. Ora, só aqueles devem assemelhar-se a Cristo ressurrecto, que lhe trouxeram a imagem, na expressão do Apóstolo. E isso se dá só com os bons. Logo, também só eles ressurgirão.
4. Demais. ─ A pena só é perdoada quando delida a culpa. Ora, a morte do corpo é a pena do pecado original. Logo, como nem a todos o pecado original é perdoado, nem todos ressurgirão.
5. Demais. ─ Assim como renascemos pela graça de Cristo, assim pela sua graça ressurgiremos. Ora, os mortos no ventre materno nunca poderão renascer. Logo, nem ressurgir. E assim, nem todos ressurgirão.
Mas, em contrário, o Evangelho: Todos os que se acham no sepulcro ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. Logo, todos os mortos ressurgirão. Além disso, diz ainda o Apóstolo: Todos certamente ressuscitaremos, etc.
2. Demais. ─ A ressurreição é necessária a fim de os ressurrectos receberem a pena ou o prêmio, conforme os seus méritos. Ora, a todos é devida uma pena ou um prêmio ─ ou por mérito próprio, como no caso dos adultos; ou pelo mérito alheio, como no caso das crianças. Logo, todos ressurgirão.
SOLUÇÃO. ─ O que se funda em a natureza específica há de necessária e semelhantemente existir em todos os seres da mesma espécie. Ora, tal é a ressurreição. A sua razão de ser, como dissemos, é que a alma, separada do corpo, não pode atingir a perfeição última da espécie humana. Logo, é forçoso todos ressurgirem e não um só.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O lugar citado se refere à ressurreição espiritual, de que os ímpios não participarão no dia do julgamento das consciências, como expõe a Glosa. ─ Ou se refere aos ímpios totalmente infiéis, que não ressurgirão para serem julgados, por já estarem julgados.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Agostinho expõe que, no lugar citado, multidão significa todos. Modo de falar de que mui frequentemente usa a Escritura Sagrada. ─ Ou a particularização pode entender-se, das crianças condenadas no limbo, que, embora ressurjam, delas não se pode dizer propriamente que estão acordadas; pois, nem sofrerão nenhuma pena e nem alcançarão a glória; porque estar acordado é, por assim dizer, ter os sentidos livres.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Todos, tanto os bons como os maus, se assemelham com Cristo, enquanto vivem neste mundo, pelos atributos pertencentes à natureza da espécie; não porém pelo que respeita à graça. Por onde, todos se lhe assemelharão pelo restabelecimento da vida natural: mas só os bons, pela semelhança da glória.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A morte é pena do pecado original; e os que nele morreram, pela morte o expiaram. Por onde, não obstante a culpa original, poderão ressurgir da morte; porque a pena do pecado original é, antes, morrer que ser preso da morte.
RESPOSTA À QUINTA. - Renascemos pela graça que Cristo nos dá; mas ressurgimos pela graça que nos fez de assumir a nossa natureza, pois, pela encarnação é que nos assemelhamos com ele pela natureza. Portanto, os mortos no ventre materno, embora não tenham renascido, pelo recebimento da graça, contudo ressurgirão pela conformidade da sua natureza com a de Cristo, que obtiveram desde que alcançaram a perfeição da espécie humana.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não haverá ressurreição dos corpos.
1. ─ Pois, a Escritura diz: O homem, quando dormir, não ressurgirá, menos que o céu seja consumido. Ora, o céu será consumido, porque a terra, cuja nobreza é menor, permanece sempre firme, como diz a mesma Escritura. Logo, o homem, depois de morto, nunca ressurgirá.
2. Demais. ─ O Senhor prova a ressurreição por aquela autoridade: Eu sou o Deus de Abraão, e o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, porque Deus não no é de mortos, mas de vivos. Ora, sabemos que, quando essas palavras foram pronunciadas, Abraão, Isaac e Jacó não tinham a alma unida ao corpo, a qual existia separada. Logo, a ressurreição não será dos corpos, mas só das almas.
3. Demais. ─ O Apóstolo prova a ressurreição como recompensa dos trabalhos, que nesta vida sofreram os santos; os quais, se tivessem as suas esperanças limitadas à vida presente, seriam os mais miseráveis de todos os homens. Ora, a alma só por si pode receber suficiente remuneração de todos os trabalhos desta vida. Pois, nenhuma necessidade há de o instrumento ser remunerado simultaneamente com o agente, que o empregou. Ora, o corpo é instrumento da alma. Por isso, também no purgatório, onde as almas serão punidas pelo que fizeram, quando estavam unidas ao corpo, a alma é só a punida, sem o corpo. Logo, não é de nenhum modo necessária a ressurreição dos corpos, bastando a ressurreição das almas, consistente em passarem do estado de culpa e de miséria para a vida da graça e da glória.
4. Demais. ─ O último estado de um ser é o seu estado mais perfeito, porque por ele atinge o seu fim. Ora, o estado mais perfeito da alma é existir separada do corpo, porque então mais se assemelha a Deus e aos anjos e é mais pura, assim desligada de toda natureza estranha. Logo, existir separada do corpo é o seu último estado. Portanto, desse estado não mais voltará a se unir ao corpo, como um adulto não se torna mais em criança.
5. Demais. ─ A morte do corpo é uma pena imposta ao homem por causa da prevaricação primitiva, como lemos na Escritura; assim como a morte espiritual, consistente em separar-se a alma, de Deus, foi infligida ao homem pelo pecado mortal. Ora, da morte espiritual nunca mais o homem volta à vida, depois de recebida a sentença da condenação. Logo, também não mais voltará da morte para a vida do corpo. Portanto, não haverá ressurreição.
Mas, em contrário, a Escritura: Eu sei que o meu Remidor vive e que eu no derradeiro dia ressurgirei da terra e serei novamente revestido da minha pele, etc. Logo, haverá ressurreição dos corpos.
2. Demais. ─ O dom de Cristo é maior que o pecado de Adão. Ora, a morte foi introduzida pelo pecado, pois se este não fosse, aquela não existiria. Logo, pelo dom de Cristo, da morte o homem ressurgirá para a vida.
3. Demais. ─ Os membros devem servir à cabeça. Ora, a nossa cabeça vive e viverá eternamente em corpo e alma, porque tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. Logo, também os homens, que são os seus membros, viverão em corpo e alma. Por onde, há necessariamente a ressurreição da carne.
SOLUÇÃO. ─ Conforme o que pensam sobre o fim último do homem, assim se diversificam as opiniões dos que admitem ou negam a ressurreição. Ora, o fim último, que todos os homens naturalmente desejam, é a felicidade. E esta, conforme ensinam alguns, o homem pode consegui-la ainda nesta vida. Daí o não terem necessidade de admitir uma vida futura, onde o homem realizasse a sua perfeição última. Negavam por isso a ressurreição. ─ Ora, esta opinião muito provavelmente a excluem as vicissitudes da fortuna, as enfermidades do corpo humano, a imperfeição e a instabilidade da nossa ciência e da nossa virtude. O que tudo impede a perfeição da felicidade, como o demonstra Agostinho.
Por isso outros ensinaram que há uma vida futura onde, depois da morte, só a alma viverá; e que esta vida basta a satisfazer o desejo natural que o homem tem da felicidade. Por isso Porfírio, citado por Agostinho, dizia: A alma para ser feliz há de separar-se o mais possível do corpo. Por onde, esses tais não admitiam a ressurreição.
Desta opinião, porém, variam os fundamentos que lhe foram dados.
Assim, para certos heréticos, todos os seres corpóreos vêm do princípio do mal; e os espirituais, do princípio bom. E então, necessariamente a alma só chegaria à sua perfeição suma quando desligada do corpo, o qual a separa do seu princípio, cuja participação só pode torná-la feliz. Por isso todas as seitas dos heréticos, de acordo com as quais todos os seres corpóreos foram criados ou formados pelo diabo, negam a ressurreição dos corpos. ─ Ora, a falsidade deste fundamento já foi exposta no princípio do livro 2. Outros porém opinaram, que a natureza total do homem é só a alma, de modo que esta usa do corpo como de um instrumento, ou como um nauta do seu navio. Por onde, de acordo com esta opinião, só a beatificação da alma já basta para não ficar o homem frustrado do seu desejo natural de felicidade. Portanto, nenhuma necessidade há de ressurreição. ─ Mas este fundamento o Filósofo suficientemente o refuta, mostrando que a alma está unida ao corpo como a forma à matéria. Por onde, é claro que nesta vida o homem não podendo ser feliz, é forçoso admitir-se a ressurreição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O céu não será consumido nunca na sua substância, mas no efeito da sua virtude, que é produzir a geração e a corrupção nos seres terrestres em razão do que diz o Apóstolo: A figura deste mundo passa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A alma de Abraão não é, propriamente falando, Abraão mesmo, mas, como nos outros homens, parte dele. Por onde, a vida da alma de Abraão não basta para fazer de Abraão um ser vivo, ou para que o Deus de Abraão seja o Deus de um vivo. Mas é necessária a vida do conjunto todo, i. é, da alma e do corpo. Cuja vida, embora não existisse em ato, quando as referidas palavras foram pronunciadas, supunham porém que uma e outra parte se ordenavam à ressurreição. E assim o Senhor, com essas palavras prova a ressurreição subtilissima e eficazmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A alma não está para o corpo somente como um agente para o instrumento de que se serve, mas também come a forma para a matéria. Por isso é todo o composto que opera e não só a alma, como está claro no Filósofo. E como ao operário é devida a sua paga, é o homem mesmo, composto de alma e de corpo, que há de necessariamente receber a recompensa dos seus atos. ─ Quanto aos pecados veniais, são assim considerados por serem umas como disposições para pecar, e não que realizem absoluta e perfeitamente a noção de pecado. Por isso a pena a que dão lugar no purgatório não é uma retribuição, absolutamente falando, mas antes uma purificação, sofrida separadamente ─ o corpo pela morte e a redução a cinzas; a alma, pelo fogo do purgatório.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Todas as circunstâncias iguais, mais perfeito é o estado da alma unida ao corpo, que dele separada. Porque é parte de todo um composto; e toda parte integrante material o é em relação a um todo. Embora a alma separada seja, de certo modo, mais semelhante a Deus. Contudo, absolutamente falando, um ser mais se assemelha a Deus quando tem tudo o requerido pela condição da sua natureza; pois então imita melhor a perfeição divina. Por isso, o coração de um ser vivo é mais semelhante a Deus imóvel, quando se move, que quando está parado, porque a perfeição do coração está em mover-se, sendo o repouso a sua destruição.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A morte do corpo foi introduzida pelo pecado de Adão, que a morte de Cristo deliu. Por isso a referida pena não é perpétua. O pecado porém, que pela impenitência acarreta a morte eterna, não mais será expiado. Por isso tal morte será eterna.
O nono discute-se assim. ─ Parece que o fogo da conflagração final não há de envolver os réprobos.
1. - Pois, àquilo da Escritura ─ Purificará os filhos de Levi ─ diz a Glosa: Conforme lemos na Escritura, haverá duas espécies de fogo ─ o purificador dos eleitos, que precederá ao juízo; e o que cruciará os réprobos. Ora, este último é o fogo do inferno, que envolverá os maus; e o primeiro é o da conflagração final. Logo, o fogo da conflagração final não será o que há de envolver os réprobos.
2. Demais. ─ O fogo do juízo final servirá a Deus, purificando o mundo. Logo, merecerá, como todos os outros elementos, uma recompensa: tanto mais quanto é o nobilíssimo deles. Portanto, parece que não se lhe deveria atribuir a função de ser no inferno a pena dos condenados.
3. Demais. ─ O fogo, que envolverá os maus, será o do inferno. Ora, foi ele preparado para os condenados, desde o princípio do mundo. Por isso diz o Evangelho: Ide, malditos, para o fogo eterno, que esta aparelhado para o diabo. E noutro lugar da Escritura: Aparelhado está o lugar de Tophet desde ontem, aparelhado pelo rei. Comenta a Glosa: Desde ontem, i. é, desde o princípio; Tophet, i. é, o Vale da Geena. Ora, o fogo da conflagração final não foi preparado desde o principio, mas será gerado com concurso do fogo natural. Logo, não será ele fogo do inferno, que envolverá os réprobos.
Mas, em contrário, desse fogo diz a Escritura: O fogo abrasará em derredor os seus inimigos.
2. Demais. ─ A Escritura diz: De diante dele saia um rio de fogo e arrebatado. E a Glosa: Para arrastar os pecadores à geena. Ora, a autoridade citada se refere ao fogo da conflagração universal, como o demonstra uma glosa do lugar aludido: para punir os maus e purificar os bons. Logo, o fogo da conflagração universal será precipitado no inferno com os réprobos.
SOLUCÃO. ─ A purificação e a renovação do mundo totalmente se ordenará à purificação e à renovação do homem. Portanto, a purificação e a renovação do mundo há de necessariamente corresponder à purificação e à renovação do gênero humano. Ora, esta última terá lugar quando forem os maus separados dos bons. Donde o dizer o Evangelho: cujo pá está na sua mão; e ele alimpará a sua eira e recolherá o trigo no seu celeiro; i. é, os eleitos; e queimará as palhas, i. é, os réprobos, em um fogo que nunca se apaga. Por onde, nessa purificação universal, tudo o torpe e contaminado será precipitado com os réprobos no inferno; do contrário, tudo o que for belo e nobre será reservado à glória dos eleitos no céu. Assim, o mesmo se dará com o fogo da conflagração final, como diz Basílio aquilo da Escritura: Voz do Senhor que divide a chama do fogo. Pois, tudo o que o fogo tiver de ardência e de comburente e de grosseiro descerá aos infernos como pena dos réprobos; o que porém for nele súbtil e lúcido ficará no céu para glória dos eleitos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo purificador dos eleitos, antes do juízo, será idêntico ao da conflagração do mundo, embora muitos digam o contrário. Pois, a conveniência exige que, sendo parte do mundo, o homem seja purificado pelo mesmo fogo que ao mundo purificará. E quando se distinguem dois fogos ─ o purificador dos bons e o atormentador dos maus ─ distintos tanto pela sua função como, de certo modo, pela substância, isso é porque o fogo purificador não será precipitado no inferno, na totalidade da sua substância, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A recompensa do referido fogo estará em que perderá a sua parte grosseira, que será precipitada no inferno.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como a glória dos eleitos, depois do juízo, será maior que antes, assim também a pena dos réprobos. Por onde, assim como a luminosidade será acrescentada à parte superior para aumentar a glória dos eleitos, assim também tudo quanto as criaturas tiverem de impuro será precipitado no inferno para aumentar a miséria dos condenados. Por onde, nenhum inconveniente há em ao fogo dos condenados no inferno, preparado desde o início, se lhes acrescentar outro fogo.
O oitavo discute-se assim. ─ Parece que o fogo da conflagração final não terá sobre os homens o efeito que se lhe atribui.
1. ─ Pois, dizemos que se consome o que é reduzido ao nada. Ora, os corpos dos ímpios não serão reduzidos ao nada, mas subsistirão eternamente para sofrerem uma pena eterna. Logo, esse fogo não consumirá os maus, como diz o Mestre.
2. Demais. ─ A quem disser que esse fogo consumirá os corpos dos maus, reduzindo-os a cinza, responde-se em contrário o seguinte. Tanto os corpos dos maus como o dos bons se resolverão em cinza. E só Cristo teve o privilégio de o seu corpo não haver sofrido a corrupção. Logo, também os bons, que viverem no momento da conflagração geral, serão consumidos pelo fogo.
3. Demais. ─ Foram mais contaminados pelo pecado os elementos, que entram na composição do corpo humano, onde se radicou a concupiscência, mesmo nos bons, que os elementos estranhos a esse corpo. Ora, estes últimos terão de ser purificados da contaminação do pecado. Logo e com maior razão, precisam de ser purificados pelo fogo os elementos, que entram na composição do corpo humano, tanto dos bons como dos maus. Portanto, todos hão de ser reduzidos ao nada.
4. Demais. ─ Enquanto dura esta vida, os elementos atuam do mesmo modo, tanto no corpo dos bons como no dos maus. Ora, ainda haverá vivos no momento da conflagração universal, porque depois desta vida já não haverá morte natural, que contudo será provocada por essa conflagração. Logo, o fogo atuará igualmente sobre os bons e os maus. Donde, pois, parece que não haverá nenhuma diferença entre eles, quanto a sofrerem o efeito do fogo, ao contrário do que diz o Mestre.
5. Demais. ─ A conflagração final será quase momentânea. Ora, virá apanhar muitos ainda vivos e que devem ser purificados. Logo, essa conflagração não bastará para purificá-los.
SOLUÇÃO. ─ O fogo da conflagração final, como precursor do juízo, atuará como instrumento da justiça divina e pela virtude natural do fogo. Pela sua virtude natural atuará tanto sobre os maus como sobre os bons, que nessa ocasião estiverem vivos, reduzindo-lhes os corpos a cinzas. Mas como instrumento da justiça divina, fará com que uns e outros lhe sofram diferentemente a pena. Os maus serão cruciados. Ao contrário, os bons, não precisando de ser purificados, nada sofrerão, como não sofreram os meninos na fornalha, conforme o refere a Escritura. Embora, como os destes, os seus corpos não hajam de conservar a sua integridade. Pois, o poder divino, fará esses corpos, sem serem cruciados pela dor, se reduzirem a cinza. Os bons, porém, que ainda deverem ser purificados, sentirão as dores causadas pelo fogo, mais ou menos, conforme o merecerem. Mas, depois do juízo, a sua ação se exercerá apenas sobre os maus, porque os corpos dos bons serão impassíveis.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A consumpção, no lugar citado, se toma no sentido de redução a cinzas, e não no de aniquilamento.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os corpos dos bons, embora reduzidos a cinzas pelo fogo, nem por isso sentirão qualquer dor, como nenhuma sofreram os meninos na fornalha da Babilônia. Por ai haverá, pois, diferença entre bons e maus.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os elementos do corpo humano serão purificados pelo fogo, mesmo os do corpo dos bons; mas o poder divino fará com que tal se dê sem os tormentos da dor.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O fogo em questão não atuará só pela virtude do elemento natural, mas também como instrumento da justiça divina.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Três são as causas por que poderão ser instantaneamente purificados os que estiverem vivos por ocasião da conflagração universal. ─ A primeira é que pouco precisarão de ser purificados; depois de já o terem sido pelos terrores e perseguições precedentes. ─ A segunda é que, em vida sofreram a sua pena voluntariamente. Ora, uma pena sofrida de livre vontade nesta vida purifica muito mais que a infligida depois da morte. E o comprova o exemplo dos mártires, em que a foice do sofrimento lhes eliminará o que porventura ainda mereça purificação, como o diz Agostinho. Contudo, a pena do martírio é breve em comparação com as penas do purgatório. ─ A terceira é que o calor desse fogo ganhará em intensidade o que perder pela abreviação do tempo.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que o fogo da última conflagração deve seguir-se ao juízo.
1. ─ Pois, Agostinho, enumerando as causas que se passarão no juízo, diz: No juízo final se darão os seguintes acontecimentos ─ a vinda de Elias Tesbita, a conversão dos Judeus, a perseguição pelo anticristo, o juízo de Cristo, a ressurreição dos mortos, a separação entre os bons e os maus, a conflagração do mundo e a sua renovação. Logo, a conflagração sucederá ao juízo.
2. Demais. ─ Agostinho diz no mesmo livro: Julgados os ímpios e precipitados no fogo eterno, a figura neste mundo passará pelo abrasamento geral do fogo que encerra. Logo, a mesma conclusão anterior.
3. Demais. ─ O Senhor quando vier julgar encontrará muitos vivos, como se conclui do seguinte, que deles diz o Apóstolo: Depois, nós outros, que vivemos, que temos ficado aqui para a vinda do Senhor, etc. Ora, isto não se daria, se a conflagração do mundo precedesse, porque então esses tais seriam consumidos pelo fogo. Logo, o fogo será posterior ao juízo.
4. Demais. ─ A Escritura diz, que o Senhor virá julgar o mundo pelo fogo. Portanto, parece que a conflagração final será a execução da sentença ou do juízo divino. Ora, a execução é posterior ao juízo. Logo, o fogo sucederá ao juízo.
Mas, em contrário, a Escritura: Fogo irá diante dele.
2. Demais. ─ A ressurreição precederá ao juízo; aliás nem todos os olhos assistiriam ao juízo de Cristo. Ora, a conflagração do mundo precederá à ressurreição. Além disso, os santos ressurrectos terão corpos espirituais e impassíveis; e assim não poderão ser purificados pelo fogo, embora o Mestre diga, fundado em Agostinho, que pelo fogo do juízo final será purificado o que ainda possam ter de impuro. Logo, esse fogo precederá ao juízo.
SOLUÇÃO. ─ A conflagração final, no seu inicio, realmente precederá ao juízo. O que manifestamente pode concluir-se do fato de o preceder a ressurreição dos mortos, conforme ao lugar do Apóstolo: Os que ficamos aqui seremos arrebatados nas nuvens juntamente com Cristo, vindo para julgar. Ao mesmo tempo haverá a ressurreição geral e a glorificação dos corpos dos santos. Pois, os santos ressurrectos retomarão seus corpos gloriosos, como se conclui das palavras do Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória. E simultaneamente com a glorificação dos corpos dos santos, todas as criaturas serão renovadas, cada uma a seu modo. Assim o diz o Apóstolo: A mesma criatura será livre da sujeição à corrupção, para participar da liberdade da glória dos filhos de Deus. Ora, a conflagração do mundo, dispondo para a renovação referida, conforme do sobredito se colhe, podemos manifestamente concluir que a conflagração final, quanto à purificação do mundo, precederá ao juízo. Mas, quanto ao efeito de envolver os maus, seguir-se-lhe-á.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Agostinho não se exprime de maneira afirmativa, mas opinativa. O que resulta das palavras seguintes: Todas essas causas devemos acreditar que hão de acontecer; mas de que modo e em que ordem se darão, mais então no-lo ensinará a experiência das causas, do que podemos ter atualmente uma inteligência completa. Julgo porém, que tais acontecimentos terão lugar na ordem em que os enumerei. Por onde é claro que fala em sentido opinativo.
E o mesmo podemos responder à segunda objeção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Todos os homens morrerão e ressurgirão. O Apóstolo chama vivos os que conservarem a vida do corpo até a conflagração universal.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O fogo da conflagração final não executará a sentença do Supremo Juiz senão quanto ao ato de envolver os maus. A esta luz, sucederá ao juízo.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que nem todos os elementos serão purificados pelo fogo da conflagração final.
1. ─ Pois, esse fogo, como já disse, não subirá senão quanto subiu a água do dilúvio. Ora, a água do dilúvio não subiu até a esfera do fogo. Logo, na purificação última, não será purificado o elemento do fogo.
2. Demais. ─ Àquilo da Escritura ─ Vi um céu novo, etc. ─ diz a Glosa: Não há dúvida que as transformações do ar e da terra se farão pelo fogo. Mas há dúvidas quanto à água, porque, segundo se crê, ela por si mesma se purificará. Logo, pelo menos não é certo que todos os elementos serão purificados.
3. Demais. ─ O lugar de perpétua impureza nunca será purificado. Ora, o inferno será sempre o lugar da impureza. Logo, como está colocado entre os elementos, parece que não serão totalmente purificados.
4. Demais. ─ O paraíso terrestre está colocado na terra. Ora, não será purificado pelo fogo, porque nem mesmo as águas do dilúvio subiram até lá, como diz Beda e o Mestre das Sentenças. Logo, parece que nem todos os elementos serão totalmente purificados.
Mas, em contrário, a Glosa supra-citada: Os quatro elementos o fogo os consumirá.
SOLUÇÃO. ─ Certos ensinam, que o fogo da última conflagração subirá até o mais alto do espaço, que contém os quatro elementos. De modo que estes serão totalmente purificados, tanto da contaminação do pecado, que atingiu também as partes superiores deles ─ como o demonstra o fumo dos sacrifícios idolátricos, que atingiu essas partes superiores ─, como também da corrupção, porque os elementos são corruptíveis em todas as suas partes. ─ Mas esta opinião repugna à autoridade da Escritura. Porque, segundo a Escritura, aqueles céus serão de novo purificados pelo fogo, que já o foram pela água. E Agostinho diz, que o mundo afogado pelo dilúvio será de novo purificado pelo fogo. Ora, sabemos que a água do dilúvio não subiu até o espaço supremo dos elementos, mas só até quinze côvados acima do cume dos montes. Além disso, é sabido que os vapores evaporados da terra, ou quaisquer fumos não podem ultrapassar a esfera do fogo, até chegar ao ponto extremo dela. E ainda, a contaminação do pecado não atingiu esse espaço referido. Demais, os elementos não podem ser purificados da sua corruptibilidade perdendo alguma parte, capaz de ser consumida pelo fogo; mas este poderá consumir-lhes as impurezas, resultante da mistura de uns com os outros. Ora, essas impurezas se encontram sobretudo na terra, até a região média do ar. Por onde, o fogo da última conflagração purificará os elementos até esse espaço. Pois, a tal altura ascenderam as águas do dilúvio; o que podemos avaliar com probabilidade, considerando a altura dos montes, a que acima dos seus cumes galgaram as águas.
Por isso, concedemos a primeira objeção.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ A razão da dúvida a Glosa a refere quando diz ─ porque, segundo se crê, a água tem em si mesmo a virtude de se purificar. Mas essa virtude não é tal que lhe possa dar à água a perfeição que deve ter no futuro estado de cousas, como do sobredito resulta.
RESPOSTA A TERCEIRA. ─ O fim principal dessa purificação será remover da habitação dos santos toda imperfeição. Por isso, depois dela, tudo o que for impuro será atirado para o receptáculo dos condenados. E assim, longe de ser purificado, o inferno será o depositário de todas as impurezas do universo.
RESPOSTA A QUARTA. ─ Embora o pecado do primeiro homem tivesse sido cometido no paraíso o terrestre, contudo esse lugar não foi o do homem pecador, como o céu empíreo não foi o dos maus anjos. Pois, de ambos esses lugares tanto o homem como o diabo foram expulsos imediatamente depois do pecado. Por isso não precisam tais lugares de ser purificados.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que o fogo do juízo consumirá os outros elementos.
1. ─ Pois, diz a Glosa de Beda: O fogo do juízo, o mais enérgico de todos, consumirá os quatro elementos de que consta o mundo. Mas não os consumirá a todos totalmente, senão só dois; os outros dois os fará passar a um estado mais perfeito. Logo, parece que pelo menos dois elementos serão totalmente destruídos por esse fogo.
2. Demais. ─ A Escritura diz: O primeiro céu e a primeira terra se foram e o mar já não é. Ora, pelo céu entende-se o ar, como Agostinho o explica; e o mar é a reunião das águas. Logo, parece que os três elementos referidos serão totalmente destruídos.
3. Demais. ─ O fogo não purifica senão porque a sua ação se exerce sobre outras matérias. Ora, para poder purificar os outros elementos é necessário sejam estes matéria sobre que possa ele exercer-se. Portanto, terão que se transformar em substância ígnea. Logo, a sua natureza será destruída.
4. Demais. ─ A forma do fogo é a nobilíssima das formas que possa adquirir a matéria elementar. Ora, a referida purificação levará todas as cousas ao seu estado mais nobre. Logo, os outros elementos se converterão totalmente em fogo.
Mas, em contrário, aquilo do Apóstolo ─ A figura deste mundo passa ─ diz a Glosa: Passará a beleza, mas não a substância deste mundo. Ora, é a substância mesma dos elementos a constitutiva da perfeição do mundo. Logo, não será consumida a substância deles.
2. Demais. ─ Essa purificação final pelo fogo corresponderá à primeira, pela água. Ora, esta não destruiu a substância dos elementos. Logo, nem do fogo a destruíra.
SOLUÇÃO. ─ Há muitas opiniões sobre esta questão. Uns dizem, que a matéria de todos os elementos subsistirá, mas sofrerá mudança a imperfeição deles. Assim, dois deles, o ar e a terra, conservarão a sua forma substancial própria; os outros dois, o fogo e a água, não conservarão a sua forma substancial, mas tomarão a forma do céu. De modo que o céu será constituído dos três elementos seguintes ─ o ar, o fogo e a água; embora o ar conserve a mesma forma substancial que agora tem e pela qual recebe atualmente o nome de céu. Por isso também a Escritura não menciona senão o céu e a terra, quando diz: Vi um céu novo e uma terra nova. ─ Mas esta opinião é totalmente absurda. Pois, repugna à filosofia, que nos impede admitir que os corpos celestes sejam susceptíveis da forma do céu, por não terem matéria comum nem serem contrários uns aos outros. Repugna também à teologia, pois tal opinião não poderia salvar a perfeição do universo, na integridade das suas partes, desde que o privou de dois dos seus elementos. Por onde, pela palavra céu se entende um quinto corpo; entendendo-se por terra todos os mais elementos, como quando a Escritura diz ─ Louvai ao Senhor, os que sois da terra; e ainda: O fogo, o granizo, a neve, a geada, etc.
Por isso outros ensinam, que todos os elementos subsistirão na sua substância mas privados das suas qualidades ativas e passivas. Assim como também ensinam que nos corpos mistos os elementos subsistem nas suas formas substanciais, sem conservarem as suas qualidades próprias; ficam assim num estado médio, e o meio não é nenhum dos extremos. E este parece também o sentir de Agostinho, quando escreve: A conflagração última do mundo destruirá totalmente, no seu ardor devorante, as qualidades dos elementos corruptíveis constitutivos dos nossos corpos corruptíveis; mas, por uma transformação maravilhosa, a substancia deles receberá as qualidades apropriadas a corpos imortais. ─ Esta opinião porém não parece provável. Porque, as qualidades próprias dos elementos, sendo efeitos das formas substanciais, enquanto estas subsistirem, não poderão as referidas qualidades transformar-se, senão por uma ação violenta temporária. Assim vemos a água aquecida recuperar, pela sua virtude específica própria, a frigidez que por ação do fogo perdeu, contanto que subsista a espécie da água. Além disso, essas qualidades elementares são, como paixões próprias dos elementos, as constitutivas da perfeição secundária deles. Nem é provável que nessa final perfeição dos seres percam os elementos nenhuma das suas perfeições naturais.
Por onde, devemos responder, que os elementos subsistirão na sua substância e qualidades próprias, purificados porém da contaminação contraída pelos pecados dos homens, e da impureza neles resultantes da sua ação e paixão mútuas. Pois, cessado o movimento do primeiro móvel, já não mais terão os elementos terrestres ação nem paixão mútua. E a isso chama Agostinho as qualidades dos elementos corruptíveis, i. é, disposições naturais que os colocam nos limites da corrupção.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. ─ Dizemos que o fogo do juízo final consumirá os quatro elementos pelos de certo modo purificar. A expressão seguinte ─ dois serão totalmente consumidos ─ não significa que esses dois serão destruídos na sua substância; mas que serão os mais privados das propriedades que agora tem. Esses, dizem uns serem o fogo e a água, cuias qualidades ativas ─ o calor e o frio ─ são as mais enérgicas e os princípios que mais contribuem para a corrupção dos outros corpos. E como na época da conflagração final o fogo e água, elementos ativos por excelência, não mais atuarão, consideram-se como havendo, mais que todos os outros, sofrido mudança na virtude que agora tem. Outros autores porém pensam, que esses dois elementos serão o ar e a água, por causa dos vários movimentos deles, resultantes do movimento dos corpos celestes. E como esses movimentos não serão da natureza, do fluxo e do refluxo do mar, do curso dos ventos e semelhantes, por isso tais elementos serão os que maiores mudanças sofrerão nas suas propriedades atuais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como o interpreta Agostinho, na expressão ─ o mar já não é ─ por mar pode entender-se o século presente, de que antes no mesmo lugar se diz: E o mar deu os mortos que estavam nele. ─ Tomada porém a palavra mar literalmente, devemos então dizer, que duas causas por ele se entendem ─ a substância das águas e as suas propriedades salinas, com a agitação das suas ondas. E neste segundo sentido o mar não subsistirá; subsistirá porém no primeiro.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fogo da conflagração final, não exercerá a sua ação senão como instrumento da providência e do poder divinos. Assim, não na exercerá sobre os outros elementos para os consumir totalmente, mas só para os purificar. Nem importa que a matéria sobre a qual se exercer esse fogo fique totalmente privada da sua espécie própria; como se dá com o ferro rubro que, tirado do fogo, volta ao estado próprio e primitivo, por virtude da espécie que não perdeu. Assim também será com os elementos purificados pelo fogo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Nas partes dos elementos não devemos considerar só o que a cada uma convém tomada de per si, mas também o que lhes cabe relativamente ao todo. Ora, digo que, embora a água fosse mais nobre se tivesse a forma do fogo, como também a terra e o ar, contudo o universo seria mais imperfeito e a matéria total dos elementos recebesse a forma ígnea.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o fogo do juízo final purificará também os céus superiores.
1. ─ Pois, a Escritura diz: Os céus são obras das tuas mãos; eles perecerão, mas tu permaneces. Ora, também os céus superiores são obras das mãos de Deus. Logo, perecerão na conflagração final do mundo.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Os céus ardentes se desfarão e os elementos com o ardor do fogo se fundirão. Ora, os céus distintos dos elementos são os céus superiores, onde estão fixas as estrelas. Logo, parece que também eles serão purificados pelo fogo do juízo.
3. Demais. ─ A ação desse fogo consistirá em remover dos corpos a indisposição para a glória. Ora, no céu superior há uma indisposição causada tanto pela culpa ─ pois aí pecou o diabo ─ como por uma deficiência natural. Assim, aquilo do Apóstolo ─ Sabemos que todas as criaturas gemem e estão com dores de parto até agora ─ diz a Glosa: Todos os elementos exercem laboriosamente as suas funções; assim como o sol e a lua não é sem custo que ocupam os espaços que lhes foram demarcados. Logo, também os céus superiores serão purificados pelo fogo do juízo.
Mas, em contrário, os corpos celestes não são susceptíveis de nenhuma impressão estranha.
2. Demais. ─ Aquilo do Apóstolo ─ Em chama de fogo para tomar vingança ─ diz a Glosa: O fogo precursor da vinda do Supremo Juiz abrasará o mundo e ocupará o mesmo espaço aéreo ocupado pelas águas do dilúvio. Ora, as águas do dilúvio não subiram até os céus superiores, mas só quinze côvados acima do cume dos montes, como lemos na Escritura. Logo, os céus superiores não serão purificados pelo fogo do juízo final.
SOLUÇÃO. ─ A purificação do mundo terá por fim remover dos corpos a imperfeição contrária à perfeição da glória, que será a perfeição última deles. E essa disposição todos os corpos a tem, mas cada um a seu modo. Assim, certos tem uma disposição de alguma maneira inerente à sua substância; tal os corpos terrestres que, misturando-se uns com os outros, perdem a pureza própria. Outros corpos porém tem uma disposição em nada inerente à substância deles; tais os corpos celestes, que nada tem de repugnante à perfeição última do universo, senão o movimento, que é uma via para a perfeição. Nem é o movimento deles qualquer, mas só o movimento local, que não lhes introduz nenhuma alteração intrínseca, como a da substância, da quantidade ou da qualidade; mas só a mudança local, que é extrínseca. Por onde, a substância do céu superior não precisa ser privada de nada, bastando apenas cessar-lhe o movimento. Ora, a cessação do movimento local não se faz por ação de nenhum agente contrário, mas só por cessar o movimento do motor. Portanto, os corpos celestes não serão purificados nem pelo fogo nem pela ação de nenhuma criatura; mas, em lugar de purificação, apenas cessarão de mover-se por assim o determinar a vontade divina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como expõe Agostinho, as palavras do salmo citado devem entender-se dos céus aéreos, a serem purificados pelo fogo da última conflagração. ─ Ou devemos responder que, aplicadas aos céus superiores, significam que perecem, quanto ao movimento que atualmente executam.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Pedro explica a que céu se refere. Pois, antes tinha dito: Os céus e a terra, agora existentes, purificados antes pela água, serão de novo, por decreto do mesmo Verbo divino, purgados pelo fogo no dia de juízo. Logo, aqueles céus serão purificados pelo fogo, que antes o foram pelas águas do dilúvio; e esses são os céus aéreos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa pena e essa servidão da criatura, atribuídas por Ambrósio aos corpos celestes, não são mais que as vicissitudes dos movimentos, que os tornam sujeitos ao tempo, e a privação da perfeição última, que finalmente hão de ter. Demais, o céu empíreo em nada ficou contaminado com a culpa dos demônios, pois daí foram expulsos logo depois do pecado.