O duodécimo discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos por um defunto não mais lhe aproveitam, que aos outros, por quem não o foram.
1. ─ Pois, a luz espiritual mais facilmente se comunica que a material. Ora, a luz material, p. ex., de uma candeia, embora acesa para alumiar um só, serve contudo para iluminar igualmente todos os habitantes de um mesmo aposento, embora não fosse acesa para eles. Logo, os sufrágios, que são por assim dizer uma luz espiritual, embora feitos especialmente por uma alma, não mais valem para essa que para todas as demais almas do purgatório.
2. Demais. ─ Como diz o Mestre, os sufrágios aproveitam aos mortos na medida em que mereceram, durante a vida, colher o fruto deles. Ora, certos podiam ter merecido colher esses frutos, mais que aqueles por quem foram feitos. Logo, mais lhes aproveitam; do contrário o mérito lhes ficaria frustrado.
3. Demais. ─ Pelos pobres não se fazem tantos sufrágios como pelos ricos Se, pois, os sufrágios feitos por uns só a eles aproveitassem, ou a eles mais que aos outros, os pobres estariam em pior condição. O que vai contra a sentença do Senhor: Bem-aventurados vós os pobres porque vosso é o reino de Deus.
Mas, em contrário. ─ A justiça humana tem o seu exemplar na justiça divina. Ora, a justiça humana, quando um paga a dívida de outro, só a este absolve. Logo, como quem faz os sufrágios pelos mortos de certo modo lhes solve o débito, esses sufrágios só a eles lhe aproveitam.
2. Demais. ─ Assim como quem faz os sufrágios de certo modo satisfaz pelo morto, assim também podemos satisfazer pelos vivos. Ora, quando satisfazemos pelos vivos, essa satisfação não aproveita senão àquele por quem é feita. Logo, os sufrágios só aproveitam aqueles por quem são feitos.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há duas opiniões.
Uns, como Prepositivo, disseram, que os sufrágios celebrados por um defunto aproveitam mais, não aquele por quem são feitos, senão aos mais dignos. E davam o exemplo de uma candeia que, acesa para alumiar um rico, não aproveita menos, aos que com ele estão, mas talvez mais, se tiverem vista melhor. E também o de uma lição, que não aproveita mais aquele a quem é dada do que aos outros participantes dela, mas talvez mais, se tiverem inteligência mais capaz. ─ E a quem lhes objetasse, nesse caso, a vanidade da ordenação da Igreja, ao instituir orações especiais por certas almas, davam a resposta seguinte. Que isso o fez a Igreja para despertar a devoção dos fiéis, mais inclinados a fazer sufrágios especiais que sufrágios comuns, e a orarem mais fervorosamente pelos parentes que pelos estranhos.
Outros porém ensinaram que os sufrágios valem mais para aqueles por quem são feitos. Ora, ambas as opiniões encerram uma parte de verdade. Pois, o valor dos sufrágios pode ser considerado a dupla luz. A uma luz, valem em virtude da caridade, que torna todos os bens comuns. E então, mais aproveitam a quem maior plenitude tem de caridade, embora não tenham sido especialmente feitos. Assim, o valor dos sufrágios se funda, antes, numa certa consolação interior, pela qual uma alma, depois da morte, se alegra na caridade com o bem de outra ─ do que na diminuição da pena. Pois, após a morte, já não é o tempo de adquirir nem de aumentar a graça, para o que, durante a vida, nos valem as obras alheias, em virtude da caridade. A outra luz os sufrágios valem enquanto aplicados pela intenção de um, a outro. Assim, a satisfação de um se aplica em favor de outro. E então dúvida não há que mais aproveitam aqueles por quem são feitos, Antes mesmo, só a eles aproveitam. Pois, a satisfação propriamente se ordena à remissão da pena. Por onde, quanto à remissão da pena, os sufrágios sobretudo aproveitam aquele por quem são feitos. E a esta luz a segunda opinião é mais verdadeira que a primeira.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os sufrágios aproveitam ao modo da luz; os mortos, recebendo-lhes os efeitos, ficam de certa maneira consolados; e tanto mais quanto maior caridade tiverem. Mas, enquanto os sufrágios constituem uma satisfação aplicada a outrem por intenção de quem os faz, não se assemelham à luz, mas à solução de um débito. Ora, o pagamento da dívida de um não implica na solução dos débitos dos outros.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esse mérito é condicional. Pois, mereceram que os sufrágios lhes houvessem de aproveitar no caso de lh'os serem feitos. O que nada mais foi senão tornarem-se capazes de o receber. Por onde é claro, que não mereceram diretamente o socorro dos sufrágios; mas, por méritos precedentes, habilitaram-se a lhes colher os frutos. Donde pois não se segue, que tivessem o seu mérito frustrado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nada impede os ricos de serem, em si mesmos, de melhor condição que os pobres, assim como quanto à expiação da pena. Mas isso é quase nada comparado à posse do reino dos céus, onde, conforme a autoridade citada, os pobres aparecerão em melhor situação.