Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o fogo do juízo final não será da mesma espécie que o elementar.
1. ─ Pois, nada pode consumir-se a si mesmo. Ora, esse fogo consumirá os quatro elementos, como diz a Glosa. Logo, não será da mesma espécie que o fogo elementar.
2. Demais. ─ Assim como uma virtude se manifesta pela sua operação, assim a natureza pela sua virtude. Ora, esse fogo, que purificará o universo, terá outra virtude que não a do fogo elementar, incapaz de produzir tal efeito. Logo, não terá a mesma natureza do fogo elementar.
3. Demais. ─ Seres corpóreos naturais da mesma espécie tem o mesmo movimento. Ora, esse fogo terá um movimento diferente do elementar, porque se moverá em todas as direções para poder tudo purificar. Logo, não é da mesma espécie.
Mas, em contrário, diz Agostinho, e está na Glosa: A figura deste mundo passará, abrasado ele pelo fogo natural. Logo, esse fogo será da mesma natureza do fogo deste mundo.
2. Demais. ─ Assim como a purificação futura será pelo fogo, assim a precedente foi pela água; e uma é comparável à outra. Ora, a água da primeira purificação foi da mesma espécie da água elementar. Logo, e por semelhança, também o fogo da segunda será da mesma espécie que o fogo elementar.
SOLUÇÃO. - Nesta matéria há três opiniões.
Uns ensinam que o fogo elementar, que está na sua esfera, descerá para a purificação do mundo. E dizem que o modo desse descenso será por multiplicação. Pois, o fogo aumenta tanto mais quanto mais se lhe fornece matéria combustível. E isso então se dará sobretudo quando o exercer ele a sua virtude sobre todos os demais elementos. ─ Mas contra essa opinião vai a doutrina dos Santos Padres, consoante à qual esse fogo não só descerá, mas também subirá, conforme uma Glosa a um lugar da Escritura, que reza que o fogo do juízo subirá tanto quanto subiu a água do dilúvio. Por onde se vê que esse fogo exercerá a sua ação na região média deste mundo, onde são gerados os seres.
Por isso outros ensinam, que tal fogo será gerado nessa região média, pela convergência dos raios dos corpos celestes, como os vemos convergirem num espelho comburente. Mas então, as nuvens côncavas exercerão a função de espelho, para as quais se fará a reverberação dos raios. ─ Mas também isto não é admissível. Porque os efeitos dos corpos celestes resultam do lugar e do aspecto determinado deles. Por onde, se tal fogo fosse gerado pela virtude dos corpos celestes, poderíamos saber o tempo dessa purificação observando os movimento dos astros. O que repugna à autoridade da Escritura.
Por isso outros, de acordo com Agostinho, dizem que assim como a inundação das águas do mundo causou o dilúvio, assim este mundo desaparecerá pela conflagração do fogo natural. Ora, essa conflagração outra cousa não é senão a congregação de todas as causas inferiores e superiores que têm a virtude natural de queimar. Congregação essa que se fará, não pelo curso natural das cousas, mas por virtude divina. E de todas essas causas assim congregadas será gerado o fogo, que fará arder a face deste mundo.
Ora, consideradas atentamente essas opiniões, elas se diversificam pela explicação que apresentam da causa da geração do fogo purificador, e não pela explicação da sua espécie. Pois, o fogo gerado pelo sol, ou por um agente calefaciente terrestre, é da mesma espécie que o que está na sua esfera, salvo que supõe, para exercer a sua ação, matéria estranha. O que então se dará; porque o fogo nada pode purificar, senão tendo de certo modo matéria heterogênea.
Por onde, absolutamente falando, é forçoso conceder que o fogo do juízo final será da mesma espécie que o fogo elementar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo purificador, embora da mesma espécie que o de que usamos, não é contudo numericamente o mesmo. Assim, vemos que dois fogos da mesma espécie, um ─ o maior, destrói o outro ─ o menor, consumindo-lhe a matéria. Semelhantemente, também tal fogo poderá consumir o existente neste mundo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como a operação resultante da virtude de um ser é indicio da existência desta, assim essa mesma virtude manifesta a essência ou a natureza procedentes dos princípios essenciais do ser A operação, porém, não resultante da virtude de um agente ativo, não lhe denuncia a virtude, como no caso do agente instrumental. Pois, a ação de um instrumento manifesta, antes, a virtude do motor que a instrumental. Porque manifesta a virtude do agente principal, como o princípio primeiro da operação; mas a do instrumento não na manifesta, senão enquanto susceptível da influência do agente principal, que o move. Semelhantemente, a virtude, não procedente dos princípios essenciais de um ser, não lhe manifesta senão a natureza receptiva. Assim, a virtude pela qual a água quente pode aquecer, não lhe manifesta a natureza senão quanto à sua capacidade de aquecer. Por onde, nada impede uma água, dotada dessa virtude, ser da mesma espécie que outra que não a tem. Do mesmo modo, nenhum inconveniente há em o fogo em questão, dotado da virtude de purificar a face do mundo, ser da mesma espécie que o de que nos servimos; pois, a virtude calefativa não lhe resulta dos princípios essenciais, mas do poder ou da ação divina. Quer concebamos essa virtude como uma qualidade absoluta ─ tal o caso do calor da água quente; quer como uma intenção, como no caso da virtude instrumental, conforme dissemos. E isto é mais provável, porque o fogo do juízo não atuará senão como instrumento do poder divino.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fogo, pela sua natureza própria tende para cima. Mas quando unido à matéria, necessária à sua existência fora da sua esfera própria, então se localiza no lugar onde está a matéria combustível. E deste modo não há inconveniente em que se mova em círculo ou para baixo; e sobretudo se atua como instrumento do poder divino.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a purificação do mundo não será pelo fogo.
1. ─ Pois, o fogo, sendo parte do mundo, precisa, como todas as outras partes, de purificação. Ora, não pode um mesmo ser o purificante e o purificado. Logo, parece que o fogo não será purificado.
2. Demais. ─ Assim como o fogo, a água também tem virtude purificadora. Ora, nem tudo será purificado pelo fogo, e portanto certos seres, como já a lei antiga o distinguia, hão de necessariamente ser purificados pela água. Logo, parece que não será o fogo o purificador, ao menos em geral.
3. Demais. ─ O fim da purificação é, segundo parece, tornar mais puras as partes do mundo, segregadas umas das outras. Ora, a segregação das partes do mundo umas das outras só no princípio se fez, por poder divino. E, nisso constituiu a obra da distinção delas. Daí o dizer Anaxágoras, que o ato dessa separação é um ato próprio do intelecto motor de todas as cousas. Portanto, parece que no fim do mundo a purificação se fará imediatamente por Deus e não pelo fogo.
Mas, em contrário, a Escritura: Fogo se incenderá na sua presença e em roda dele tempestade forte. E em seguida, a propósito do juízo: Chamará de cima ao céu e a terra para julgar o seu povo. Logo, parece que a última purificação do mundo se dará pelo fogo.
2. Demais. ─ A Escritura diz: os céus ardendo se desfarão e os elementos com o ardor do fogo se fundirão. Logo, pelo fogo se fará essa purificação.
SOLUÇÃO. ─ A purificação do mundo dele removerá a contaminação contraída pela culpa e a impureza da mescla, dispondo-o para a perfeição da glória. Ora, esses três efeitos o fogo muito convenientemente os produzirá. ─ Primeiro porque, sendo o nobilíssimo dos elementos, tem propriedades naturais mais semelhantes às da glória, como a luz muito bem o mostra. ─ Segundo, porque o fogo não é susceptível de mistura com corpos estranhos ─ ao contrário do que se dá com os outros elementos ─ por causa da eficácia da sua virtude ativa. ─ Terceiro, porque a esfera do fogo está longe da nossa habitação; nem o uso do fogo nos é tão comum como o da água e do ar. Por isso, não sofrem, como estes, a contaminação. ─ Além disso, tem, no mais alto grau, o poder de purificar e de dividir os corpos, pela rarefação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo não se destina ao nosso uso, na sua matéria própria, pois, como tal está afastado de nós; mas só enquanto existente em matéria diferente. Por isso, mesclado com um elemento estranho, pode ser purificado pelo fogo existente na sua pureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A purificação primeira do mundo pelo dilúvio só visava a infecção do pecado. Porque o pecado então reinante era o da concupiscência. Daí o ter-se feito a purificação conveniente pela água, elemento contrário. Mas a segunda purificação também visará a contaminação da culpa e a impureza da mescla. E tanto para uma como outra cousa, mais convém a purificação fazer-se pelo fogo que pela água. Porque a água tem, antes, a virtude de agregar que a de desagregar. Por isso, não poderia ela, como o pode o fogo, purificar os elementos das suas impurezas. ─ Além disso, no fim do mundo, reinará o vício da tibieza, como já na velhice dele; pois, conforme diz o Evangelho, então a caridade de muitos esfriará. Daí a conveniência de a purificação fazer-se pelo fogo. ─ Nem há nada que o fogo não possa de algum modo purificar. Ao passo que certos corpos, como o pano e os vasos de madeira, não podem ser purificados senão quando destruídos pelo fogo. Esses objetos a Lei mandava que se purificassem pela água. O que tudo será finalmente consumido pelo fogo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pela obra da distinção foram conferidas aos seres formas diversas, pelas quais umas das outras se diversificam. O que portanto não podia ser feito senão pelo Autor da natureza. Mas a purificação final as reduzirá à pureza em que foram criadas. E essa obra poderá ser realizada mediante o ministério prestado ao Criador pelos seres criados. Por isso tal ministério lhes foi confiado, por concorrer para o enobrecimento delas.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o mundo não sofrerá nenhuma purificação.
1. ─ Pois, só precisa de ser purificado o que é impuro. Ora, as criaturas de Deus não são impuras; donde o dizer a Escritura ─ Ao que Deus purificou não chames tu comum, i. é, impuro. Logo, as criaturas do mundo de nenhuma purificação precisam.
2. Demais. ─ A purificação, segundo a justiça divina, se ordena a delir a impureza da culpa; tal o efeito da purificação depois da morte. Ora, os elementos deste mundo nenhuma contaminação da culpa podem ter. Logo, parece não precisarem de purificação.
3. Demais. ─ Dizemos que um ser é purificado, quando dele se separa o que lhe é estranho e o degrada; pois, tirar-lhe o que lhe aumenta a nobreza não é purificá-lo, mas diminuí-lo. Ora, é para sua perfeição e nobreza, que os elementos estão mesclados com seres de natureza estranha; pois, a forma de um corpo misto é mais nobre que a de um simples. Logo, parece que de nenhum modo é possível os elementos deste mundo passarem por qualquer purificação.
Mas, em contrário. ─ Toda renovação supõe uma purificação. Ora, os elementos serão renovados, conforme aquilo da Escritura: Vi um céu novo e uma terra nova; porque o primeiro céu e a primeira terra se foram. Logo, os elementos serão purificados.
2. Demais. ─ Áquilo do Apóstolo: É passageiros figura deste mundo, diz a Glosa: A beleza deste mundo passará pela conflagração dos fogos terrestres.
SOLUÇÃO. ─ O mundo foi, de certo modo, feito para o homem. Portanto, glorificado o corpo humano, os outros corpos do mundo hão de necessariamente passar para um estado melhor, ficando em lugar mais conveniente e com aspecto mais deleitável. Ora, para o homem ser glorificado no seu corpo, é mister, primeiro, purificar-se do que se lhe opõe à glória, a saber: a corrupção e a mácula da culpa. Por isso, diz o Apóstolo: A corrupção não possuirá a incorruptibilidade; e da cidade da glória estarão fora todos os impuros. Semelhantemente, os elementos do mundo terão que ser purificados das disposições contrárias antes de introduzidos no seu novo estado glorioso, na mesma proporção em que isso se der com o homem. Pois, embora os seres materiais não possam propriamente ser contaminados pela culpa, contudo esta lhes imprime uma certa inaptidão a servirem para fins espirituais. Assim, vemos que os lugares, onde se cometeram crimes, não se consideram apropriados a nenhum ofício sagrado senão depois de purificados. Por isso, a parte do mundo onde habitamos contraiu, pelos nossos pecados, uma certa incapacidade para receber a glória. Daí o precisar de ser purificada. Do mesmo modo, os elementos são susceptíveis, pelo contato, na região média do ar, e de muitas gerações, corrupções e alterações, que se lhes opõem à pureza. Donde a necessidade de serem purificados, para convenientemente passarem ao novo estado da glória.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quando dizemos que toda criatura de Deus é pura, significa isso que não tem na sua substância mescla de malícia nenhuma. Ao contrário da doutrina dos Maniqueus, que ensinavam serem o bem e o mal duas substâncias de certo modo distintas e, de certo outro, mescladas. Mas o dizermos que uma criatura é pura não lhe exclui a mescla de natureza estranha que, embora boa em si mesma, repugna à perfeição da referida criatura. Também não impede possa uma criatura sofrer a contaminação de um mal, embora este não esteja mesclado com ela, como se lhe fizesse parte da substância.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os elementos corpóreos não possam ser contaminados pela culpa, contudo, pela culpa cometida contra eles, contraem uma certa incapacidade para receberem a perfeição da glória.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A forma do misto e a do elemento pode ser considerada a dupla luz. Na sua perfeição específica, e então um corpo misto é mais nobre. Ou na perpetuidade da sua duração; e então mais nobre é o corpo simples, por não ser em si mesmo susceptível de nenhuma corrupção, salvo se esta lhe advier de uma causa externa. Ao contrário, um corpo misto traz em si mesmo a causa da sua corrupção, que é a composição de elementos contrários. Por onde, o corpo simples, embora parcialmente corruptível, é incorruptível no seu todo ─ o que do misto não se pode dizer. E como a glória, na sua perfeição, é incorruptível, por isso a perfeição de um corpo simples convém mais à perfeição da glória do que a de um corpo misto; salvo se este trouxer em si um princípio de incorrupção, como o corpo humano, cuja forma é incorruptível. Contudo, embora o corpo misto seja em si mesmo mais nobre que o simples, todavia este, quando existe por si mesmo e separadamente, tem o ser mais nobre que quando existe no misto. Porque no misto os corpos simples existem de certo modo em potência; ao passo que, existindo como tais e separadamente, existem em toda a sua perfeição.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as virtudes dos céus não se comoverão quando vier o Senhor.
1. ─ Pois, virtudes do céu não podem chamar-se senão os anjos bem aventurados. Ora, a beatitude é por essência imutável. Logo, não podem mudar.
2. Demais. ─ A causa da admiração é a ignorância, como diz Aristóteles, Ora, como os anjos não tem nenhum temor, não sofrem também nenhuma ignorância; pois, como pergunta Gregório - que não verão os que vêem tudo? Logo, não poderão sofrer a mudança causada pela admiração, como diz o Mestre.
3. Demais. ─ Todos os anjos assistirão ao juízo divino; donde o dizer a Escritura ─ Todos os anjos estarão em pé ao derredor do trono. Ora, Virtudes designam uma ordem especial de anjos. Logo, não se deveria dizer mais desses anjos, que dos outros, que se comoverão.
Mas, em contrário, a Escritura: As colunas do céu temem-lhe o advento. Ora, não devemos entender por essas colunas senão as virtudes dos céus. Logo, as virtudes do céus se abalarão.
2. Demais. ─ A Escritura diz: As estrelas cairão do céu e as virtudes dos céus se comoverão.
SOLUÇÃO. ─ A palavra ─ virtudes ─ aplicada aos anjos, é susceptível de duplo sentido como se lê em Dionísio. Às vezes designa propriamente uma ordem deles, a qual, segundo Dionísio, ocupa a parte média da hierarquia do meio; segundo Gregório, porém, é o lugar supremo da ínfima hierarquia. Noutro sentido, e esse geral, designa todos os espíritos celestes. Ora, em ambas essas acepções pode aplicar-se ao caso vertente. O Mestre toma essa designação no sentido segundo, designativo de todos os anjos. Diz então que se comoverão atônitos com o novo espetáculo, que oferecerá o mundo. Mas também podemos, no caso, tomar a palavra ─ Virtudes ─ como nome de uma ordem angélica. E então diremos que essa ordem se comoverá, antes de tudo, em razão do efeito. Porque a essa ordem segundo Gregório, competirão os milagres que sobretudo se realizarão no fim do mundo. Ou porque, sendo da hierarquia média, segundo Dionísio, não terá limitado o seu poder; por isso o seu ministério se exercerá sobre as causas universais. E assim, o ofício próprio das Virtudes será mover os corpos celestes, causas dos fenômenos, que se dão na natureza inferior. E o próprio nome o significa, pois, por isso é que se chamam virtudes dos céus. Porque então se moverão por cessarem o seu efeito, deixando de continuar a mover os corpos celestes; assim como também os anjos, delegados à guarda dos homens, não mais terão que exercer esse ofício.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa mutação em nada lhes faz variar o estado. Mas se refere ou aos efeitos que produzem, rapaz de causar mudança sem sofrerem nenhuma alteração; ou ao novo conhecimento das cousas, que não podiam ter antes, por meio de espécies concriadas. Mas, essa mudança no seu modo de conhecer não lhes tira a beatitude. Por isso diz Agostinho, que Deus move a criatura espiritual através do tempo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Costumamos admirar o que excede o nosso conhecimento ou a nossa capacidade. E assim, as virtudes dos céus admirarão o poder divino, antes de obras tais, que não podem imitar e que lhes ultrapassa a compreensão. Nesse sentido diz S. Inês, que o sol e a lua lhe admiram a beleza. Por onde, a admiração não implica no anjo nenhuma ignorância, mas apenas mostra que não têem a compreensão de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A solução resulta do que foi dito.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que no tempo do juízo o sol e a lua. realmente se escurecerão.
1. ─ Pois diz Rábão: Nada nos impede pensar, que nesse tempo o sol, a lua e os demais astros ficarão verdadeiramente privados da sua luz, como sabemos que se deu com o sol no tempo da paixão do Senhor.
2. Demais. ─ A luz dos corpos celestes se ordena à geração dos corpos inferiores; pois, como explica Averróes, por meio dela, e não só pelo movimento, é que influem nos corpos terrestres. Ora, no tempo do juízo cessará a geração. Logo, os corpos celestes ficarão privados da sua luz.
3. Demais. ─ Os corpos inferiores serão privados; como certos pensam, das qualidades pelas quais agem. Ora, os corpos celestes agem não só pelo movimento, mas também pela luz, como se disse. Logo, assim como o movimento do céu cessará, assim também a luz dos corpos celestes.
Mas, em contrário, segundo os astrólogos, sol e lua não podem se eclipsar simultaneamente. Ora, a Escritura diz que, na vinda do Senhor, esses dois astros se eclipsarão simultaneamente. Logo, esse obscurecimento não será real, como no caso de um eclipse natural.
2. Demais. ─ O aumento e a diminuição de um ser não podem ter a mesma causa. Ora, na vinda do Senhor, a luz dos astros a Escritura a promete aumentada, quando diz: A luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vezes maior. Logo, não há inconveniente em que a luz desses corpos se escureça, quando vier o Senhor.
SOLUÇÃO. ─ Se nos referimos ao momento mesmo da vinda de Cristo, não é crível que o sol e a lua se escurecerão, privados da sua luz. Porque quando Cristo vier e os mortos ressurgirem, todo o mundo será renovado, como dissemos. Mas nos tempos próximos do juízo, bem poderá ser que o sol, a lua e os demais astros do céu fiquem privados da sua luz, quer em momentos diversos, quer simultaneamente, por assim o determinar o poder divino, a fim de a terrorizar os homens.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA 0BJEÇÃO. ─ Rábão se refere aos tempos precedentes ao juízo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os corpos celestes tem luz, não só para causarem a geração nos seres inferiores terrestres, mas também para perfeição e esplendor deles. Por onde, longe de se lhes apagar, por ter cessado a geração no nosso mundo, a luz dos corpos celestes aumentará.
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Rábão se refere aos tempos precedentes ao Juízo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não parece provável que os elementos percam as suas qualidades elementares, embora certos autores tinham assim pensado. Se contudo as perdessem não se daria com elas o mesmo que com a luz. Porque as qualidades elementares são contrárias umas às outras e por isso tem um efeito destrutivo; ao passo que a luz é um princípio ativo, não por via de contrariedade, mas como regulador dos contrários, reduzindo-os à unidade. ─ Nem há símil com o movimento dos corpos celestes. Pois, o movimento é o ato do imperfeito. Por isso deve desaparecer, desde que desapareça a imperfeição. O que não se pode dizer da luz.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o advento do Senhor, como juiz, não será precedido de nenhuns sinais.
1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Porque quando disserem paz e segurança, então lhes sobrevirá uma morte repentina. Ora, não haveria paz nem segurança se os homens fossem aterrorizados por sinais precursores. Logo, nenhuns sinais precederão esse advento.
2. Demais. ─ Os sinais servem para manifestar alguma cousa. Ora, o advento do Senhor deve ser oculto, conforme aquilo do Apóstolo: Assim como costuma vir um ladrão de noite, assim virá o dia do Senhor. Logo, nenhuns sinais devem preceder-lhe a vinda.
3. Demais. ─ O tempo da primeira vinda do Senhor foi previsto pelos profetas; o que não se dá com o segundo. Ora, o primeiro advento de Cristo não foi precedido por nenhuma espécie de sinal. Logo, nem o segundo o será.
Mas, em contrário, o Evangelho: Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas, etc.
2. Demais. ─ Jerônimo diz, que o juízo será precedido dos quinze sinais seguintes. No primeiro dia os mares subirão quinze côvados acima das montanhas. ─ No segundo, todos os mares recuarão em profundeza, a ponto de mal se poderem ver. ─ No terceiro, voltarão ao estado primitivo. ─ No quarto, todos os monstros e mais seres marinhos reunidos levantarão a cabeça fora da água, mugindo como se lutassem uns com os outros. ─ No quinto, todas as aves do céu se ajuntarão nos campos, soltarão gritos lamentosos, recusando de todo comer e beber. ─ No sexto, rios de fogo se arrojarão contra a face do firmamento, desde o ocidente até o oriente. ─ No sétimo, todas as estrelas, errantes e fixas, projetarão em seu derredor cabeleiras de fogo como os cometas. ─ No oitavo, haverá grandes terremotos, que lançarão por terra todos os seres vivos. ─ No nono, todas as plantas gotejarão sangue. ─ No décimo, todas as pedras, grandes e pequenas, se dividirão em quatro partes, chocando-se umas com as outras. ─ No undécimo, todas as colinas, montes e edifícios serão reduzidos a pó. ─ No duodécimo, todos os animais das florestas e dos montes virão para os campos rugindo e rejeitando toda alimentação. ─ No décimo terceiro, todos os sepulcros, do oriente até ao ocidente, se abrirão para deixar ressurgirem os cadáveres. ─ No décimo quarto, todos os homens sairão de suas casas, vagueando às tontas sem nada compreenderem e sem falarem. ─ No décimo quinto, todos morrerão e ressurgirão com os mortos de há já muito tempo.
SOLUÇÃO. ─ Cristo aparecerá para julgar os homens, revestido de glória, em virtude da autoridade própria de juiz. Ora, a dignidade do poder judiciário deve ser precedida de certos sinais que despertem reverência e sujeição. Por isso, o advento de Cristo, como juiz, será precedido de muitos sinais, que advertirão os homens a terem os corações dispostos a submeter-se à sentença do juiz prestes a chegar e a se prepararem para o juízo. Quais sejam porém esses sinais não é fácil sabermos. Pois, como ensina Agostinho, os sinais dados pelos Evangelhos não se referem só ao advento de Cristo, para julgar, mas também ao tempo da destruição de Jerusalém e ao advento com que Cristo continuamente visita a sua Igreja. De modo que, se o advertirmos com diligência, talvez nenhum desses sinais diga respeito ao advento final futuro. Porque os sinais referidos pelos Evangelhos, como as guerras, os terrores e outros, existiram desde o princípio do gênero humano. Salvo se se disser que nos últimos tempos serão mais graves; é porém incerta à medida em que aumentarão para serem anunciadores do advento próximo.
Quanto aos sinais dados por Jerônimo, não os refere afirmativamente como seus, mas diz que os encontrou escritos nos anais dos Hebreus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Segundo Agostinho, no fim do mundo haverá perseguição universal dos maus contra os bons. Estes ficarão mirrados de temor, ao passo que aqueles estarão seguros. Quanto ao lugar citado ─ Quando disserem: paz e segurança, etc. ─ refere-se aos maus, que desprezarão os sinais precursores do juízo. Mas aos bons se refere o outro lugar do Evangelho: Mirrando-se os homens de susto, etc. Ou podemos responder que todos esses sinais precursores do juízo se realizarão durante os dias do juízo que, assim, os conterão a todos. Por onde, embora os bons fiquem mirrados de susto, quando virem os sinais precursores do juízo, antes contudo de se eles manifestarem os ímpios se acreditarão em paz e segurança, depois da morte do Anticristo e antes do advento de Cristo; por não verem, como julgavam, a subversão imediata do mundo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A Escritura diz, que o dia do Senhor virá como um ladrão, por lhe ignorarmos o tempo determinado, que não podemos conhecer pelos sinais precursores. Embora também no dia do juízo possamos compreender todos aqueles sinais manifestíssimos, imediatamente precedentes ao juízo, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No seu primeiro advento Cristo veio ocultamente, embora o tempo determinado da sua vinda já o tivessem conhecido os profetas. Por isso não tinha a primeira vinda de Cristo necessidade de ser anunciada pelos referidos sinais, que se realizarão na sua segunda vinda, que será manifesta, embora oculto o seu tempo determinado.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as orações, que os santos fazem a Deus, por nós nem sempre são ouvidas.
1. ─ Pois, se fossem sempre ouvidas, sê-lo-iam sobretudo quando as fazem em seu próprio favor. Ora, tal não se dá, e por isso refere a Escritura que aos mártires, pedindo vingança, dos habitantes da terra, foi-lhes dito que repousassem ainda um pouco de tempo até que se completasse o número dos seus conservas. Logo e com maior razão, as orações dos santos nem sempre são ouvidas quando pedem pelos outros.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, não está a minha alma com este povo. Logo, os santos nem sempre são ouvidos quando pedem por nós a Deus.
3. Demais. ─ Os santos, na pátria, serão como os anjos de Deus, na frase do Evangelho. Ora, os anjos nem sempre são ouvidos nas suas orações a Deus. O que se conclui do seguinte lugar da Escritura: Eu vim por teus rogos; e o príncipe do reino dos Persas me resistiu por vinte e um dias. Ora, o anjo que falava não viria em auxílio de Daniel, senão depois de ter pedido a Deus a sua libertação. Contudo, a sua oração não foi ouvida. Logo, nem os outros santos são sempre ouvidos quando pedem a Deus por nós.
4. Demais. ─ Quem na sua oração pede alguma cousa de certo modo a merece. Ora, os santos na pátria não estão em estado de merecer. Logo, não podem por suas orações pedir nada a Deus por nós.
5. Demais. ─ Os santos conformam em tudo a sua vontade com a de Deus. Logo, não querem senão o que sabem que Deus quer. Ora, ninguém pede senão o que quer. Portanto, não pedem os santos senão o que sabem que Deus quer. Ora, a vontade de Deus se cumpre mesmo que eles não lh'o pedissem. Logo, as orações dos santos não são eficazes para obter nada.
6. Demais. ─ As orações de toda a corte celeste, se pudessem obter algo de Deus, seriam mais eficazes que todas as orações da Igreja terrestre. Ora, seria totalmente liberada das penas do purgatório a alma pela qual a Igreja fizesse reiteradas orações. Logo, como os santos, na pátria, oram pelas almas do purgatório, pela mesma razão por que oram por nós, se tiverem ouvidas as orações que fazem por nós, se tiverem pelas orações deles as almas do purgatório ficariam totalmente liberadas das suas penas. O que é falso, porque então os sufrágios da Igreja pelos defuntos seriam supérfluos.
Mas, em contrário, a Escritura: este é Jeremias, profeta de Deus, que ora muito pelo povo e por toda a santa cidade. E que a sua oração foi ouvida, conclui-se da sequência do texto: Ao mesmo tempo estendera Jeremias a mão e dera a Judas uma espada de ouro, dizendo ─ Toma esta santa espada como um presente que Deus te faz, etc.
2. Demais. ─ Jerônimo escreve: Dizes no teu libelo, que enquanto vivemos, podemos orar um pelo outro; mas depois de morto, ninguém é ouvido nas suas orações por terceiros. O que a seguir assim refuta: Se os Apóstolos e os mártires, enquanto ainda vivem neste mundo, preocupados com a sua sorte, podem orar pelos outros, quanto mais depois de coroados, pelas suas vitórias e triunfos?
3. Demais. ─ É costume da Igreja pedir frequentemente que os santos nos ajudem com as suas orações.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos podemos dizer que os santos oram por nós. Expressamente, implorando a clemência divina em nosso favor com os seus votos. Ou interpretativamente, pelos seus méritos, que sempre presentes diante de Deus, não somente lhes redundam em glória, mas também fervem de sufrágios e orações em nosso favor. No mesmo sentido dizemos, que o sangue de Cristo, derramado por nós, pede perdão por nós. Ora, de ambos os modos, as orações dos santos são por si mesmas eficazes para alcançar o que pedem. Mas, da nossa parte, podem falhar e podemos não colher o fruto dessas orações, que fazem por nós pelo fato de poderem os seus méritos nos aproveitar. Mas, quando oram por nós, pedindo a Deus em nosso favor, com os seus votos, as suas orações sempre são ouvidas. Porque não querem senão o que Deus quer nem pedem senão o que quer Deus que se cumpra. Ora, o que Deus quer sempre se cumpre. Salvo se nos referimos à sua vontade antecedente, pela qual quer que todos os homens se salvem ─ o que nem sempre se realiza. Por onde, não é para admirar se também o que os santos querem com esse modo de querer, nem sempre se realize.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa oração dos mártires outra cousa não é senão o desejo de receber as vestimentas do seu corpo e de serem incorporados na sociedade dos que se salvarão; e o consentimento com que aderem à divina justiça primitiva dos maus. Por isso, àquilo da Escritura ─ Até quando, Senhor, etc. ─ diz a Glosa: Desejam maior glória e a companhia dos santos, pois que consentem na justiça de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Senhor aí se refere a Moisés e a Samuel, conforme ao estado em que viveram nesta vida. Pois, como refere a Escritura, aplacaram a cólera divina com as suas orações pelo povo. Mas se tivessem vivido no tempo de Jeremias não poderiam com suas orações aplacar a ira de Deus contra o povo, por causa da malícia deste. Tal o sentido do lugar citado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa luta dos anjos bons não se entende no sentido em que fizessem a Deus orações contrárias, mas como significando que expunham ao exame divino os méritos contrários das diversas partes e esperavam a sentença divina. Assim o explica Gregório expondo as referidas palavras de Daniel: Os espíritos superiores, diz, constituídos príncipes das nações, de nenhum modo combatem pelos que procedem injustamente, mas lhes discernem os atos julgando com justiça. E quando a culpa ou a justiça de um determinado povo é levada ao conselho da corte suprema, do anjo preposto a esse povo dizemos que ganhou ou perdeu na luta. Contudo, todos ganham a mesma vitória pela submissão à vontade suprema do Criador. Como tem os olhos sempre voltados para ela o que de nenhum modo podem obter de nenhum modo querem. Por isso nem o pedem. Donde também se conclui que as suas orações são sempre ouvidas.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora os santos não possam mais merecer para si, depois de estarem na pátria, podem contudo merecer para os outros; ou antes, pelos seus méritos anteriores podem-nos socorrer. Pois, enquanto ainda viviam, mereceram de Deus, que lhes ouvisse as orações, depois da morte. ─ Ou podemos responder que a oração merece, por uma causa, e é eficaz por outra. Pois, o mérito consiste numa certa adequação entre um ato com o fim que visa, e que lhe constitui como a recompensa. Ora, o pedido da oração se funda na liberalidade de aquele a quem é feita; assim às vezes obtemos da liberalidade, de aquele a quem pedimos, o que contudo não merecíamos. E assim, embora os santos estejam num estado em que não podem mais merecer, daí contudo não se segue que não possam obter o que pedem.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Como resulta do lugar citado de Gregório, os santos e os anjos não querem senão o que vêem como querido pela vontade divina; e assim nada mais que isso pedem. Nem por isso lhes é porém infrutífera a oração; porque, como diz Agostinho, as orações dos santos aproveitam aos predestinados, por ter sido talvez preordenado que estes se salvassem pelas orações desses intercessores. E assim, também Deus quer que as orações dos santos alcancem aquilo que vêem que Deus quer.
RESPOSTA À SEXTA. - Os sufrágios da Igreja pelos defuntos são umas como satisfações dadas pelos vivos, em lugar dos mortos. Por isso estes ficam liberados das penas que ainda não cumpriram. Ora, os santos na pátria não mais podem satisfazer. Não há, pois, símil entre as orações deles e os sufrágios da Igreja.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não devemos invocar os santos para orarem por nós.
1. ─ Pois, não invocamos os amigos de outrem a pedirem por nós, senão por pensarmos que eles tem junto dessa pessoa o poder de alcançar mais facilmente a graça almejada. Ora, Deus é infinitamente mais misericordioso que qualquer santo; e assim a sua vontade com maior facilidade se inclina a nos ouvir, que a vontade de qualquer santo. Logo, parece supérfluo constituirmos os santos em mediadores entre nós e Deus, para intercederem por nós.
2. Demais. ─ Se devemos invocá-las para orarem por nós, tal não serão senão por sabermos que a sua oração é aceita de Deus. Ora, o mais santo dos santos terá a sua oração mais aceita de Deus, que todos os outros. Logo, deveríamos sempre constituir os santos superiores, e nunca os menores, nossos intercessores perante Deus.
3. Demais. ─ Cristo, mesmo como homem, é chamado o Santo dos Santos; e a ele devemos orar como homem. Ora, nunca invocamos a Cristo para orar por nós. Logo, também não devemos invocar os outros santos.
4. Demais. ─ Quem intercede por outrem, apresenta as orações do seu protegido aquele junto de quem intercede. Ora, é inútil fazer representação a quem tudo é presente. Logo, é inútil constituirmos os santos nossos intercessores perante Deus.
5. Demais. ─ Aquilo é supérfluo que, feito em vista de um fim, este independentemente disso se realizaria ou não. Ora, quer lhes oremos quer não, os santos rezarão ou não por nós. Pois, sendo dignos de orarem por nós, por nós rezarão mesmo sem lh'o pedirmos; sendo, ao contrário, indignos, não rezarão, ainda que lh'o peçamos. Logo, é absolutamente supérfluo invocá-las para orarem por nós.
Mas, em contrário, a Escritura: Chama, se há alguém que te responda, e volta-te para algum dos santos. Ora, chamar, é para nós, como diz Gregório, jazer humildes preces a Deus. Logo, querendo orar a Deus, devemos invocar os santos, para que peçam a Deus por nós.
2. Demais. ─ Os santos na pátria são mais queridas de Deus, que quando viviam neste mundo. Ora, devemos constituir nossos intercessores, perante Deus, os santos que estão na pátria, a exemplo do Apóstolo, que dizia: Rogo-vos, ó irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito Santo, que me ajudeis com as vossas orações por mim a Deus. Logo, e com maior razão, também nós devemos pedir aos santos que estão na pátria, que nos ajudem com as suas orações a Deus.
3. Demais. ─ É costume comum da Igreja pedir, nas suas ladainhas, a oração dos santos.
SOLUÇÃO. ─ Deus estabeleceu uma ordem tal no universo, que os seres inferiores dele dependam mediante outros que são médios entre esses e ele; segundo diz Dionísio. Ora, como os santos na pátria estão mui próximos de Deus, e segundo a ordem da lei divina requer, nós que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor, a ele havemos de chegar mediante os santos. E isso se dá quando Deus nos distribui os seus dons pelo ministério deles. Ora, a nossa volta para Deus deve corresponder aos benefícios da sua bondade para conosco. Por onde, assim como por meio das orações dos santos é que recebemos esses benefícios, assim devemos corresponder-lhes, recebendo-os sempre pela intercessão deles. Por isso os constituímos nossos intercessores perante Deus, e como uns mediadores, pedindo-lhes orarem por nós.
DONDE A RESPOSTA À PRIMERA OBJEÇÃO. ─ Não é por falta de poder que Deus age mediante as ações das causas segundas. Mas para, completando a ordem do universo, nele difundir mais amplamente a sua bondade, fazendo com que todos os seres não recebam só dele os seus bens próprios, mas ainda de outras cousas. Ora, assim também, não é por falta de misericórdia, que Deus quer exercer a sua clemência para conosco mediante as orações dos santos, mas para observar a referida ordem universal.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os santos superiores tenham mais influência perante Deus, que os inferiores, poderá contudo ser útil fazermos orações a estes, por cinco razões. ─ Primeiro, porque pode um ter maior devoção para com um santo inferior do que para com um superior. Ora, da devoção depende sobretudo o efeito da oração. ─ Segundo, para evitar o tédio, gerado pela repetição dos mesmos atos. Ora, rezando a santos diversos, a nossa devoção se afervora pela novidade de cada invocação. ─ Terceiro, porque certos santos nos patrocinam particularmente contra determinados males; assim, Santo Antonio, contra o fogo do inferno. ─ Quarto, para prestarmos a honra devida a todos os santos. ─ Quinto, para obtermos, pelas orações de vários santos, o que não obteríamos pelas de um só.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A oração é um ato. Ora, os atos concernem às pessoas. Por onde, se rezássemos ─ Cristo, ora por nós ─ sem mais nada, parece que dirigiríamos essas palavras à pessoa de Cristo. E assim cairíamos no erro de Nestório, que distinguia em Cristo a pessoa do Filho do homem, da do Filho de Deus. Ou no erro de Ario, que ensinava ser a pessoa do Filho menor que a do Pai. E, para evitar esses erros, a Igreja não diz ─ Cristo ora por nós; mas ─ Cristo, ouve-nos; ou ─ Tem compaixão de nós.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Como a seguir diremos, os santos não apresentam a Deus os nossos pedidos, como se lhe fossem desconhecidos. Mas lhe pedem que os ouça, ou o consultam sobre a verdade dessas preces, para saber como determina a sua providência, sobre o procedimento que hão de ter.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Por isso mesmo nos tornamos dignos de um santo orar por nós, que lhe a ele recorremos com pura devoção nas nossas necessidades. E assim não é supérfluo rezarmos aos santos.
O primeiro discute-se assim ─ Parece que os santos não tem conhecimento das nossas orações.
1. ─ Pois, diz a Escritura: Tu é que és nosso pai e Abraão não nos conheceu e Israel não soube de nós. Ao que diz a Glosa de Agostinho: Os santos, na outra vida, não sabem o que fazem os vivos, mesmo os filhos. E depois de ter citados as palavras aduzidas do profeta, continua Agostinho: Se esses tão grandes Patriarcas, Abraão e Jacó, não conheciam o estado do povo descendente deles, como os mortos poderão conhecer os atos e favorecer os interesses dos vivos? Logo, os santos não poderão conhecer as nossas orações.
2. Demais. ─ Na Escritura, o Senhor faz dizer ao rei Josias: Por isso, i. é, por teres chorado perante mim, eu te farei descansar com teus pais, para que os teus olhos não vejam todos os males que eu hei de fazer cair sobre este lugar. Ora, a morte não teria livrado Josias de um tal espetáculo, se pudesse conhecer no outro mundo as desgraças que cairiam sobre o seu povo. Logo, os santos mortos não conhecem os nossos atos e, portanto, não ouvem as nossas orações.
3. Demais. ─ Quanto mais perfeita for a nossa caridade, mais somos levados a socorrer os próximos nos seus perigos. Ora, os santos, enquanto viviam neste mundo, davam boas inspirações e manifestamente socorriam aos próximos, sobretudo parentes, nos perigos. Ora, como depois da morte tem caridade muito maior, se tivessem conhecimento dos nossos atos, muito mais inspirariam e auxiliariam nos perigos aos que lhes foram caros e chegados. Ora, não no fazem. Logo, parece não terem conhecimento dos nossos atos nem das nossas orações.
4. Demais. ─ Assim como os santos depois da morte vêem o Verbo, assim também os anjos, de quem diz o Evangelho: Os seus anjos incessantemente estão vendo a face de meu Pai. Ora, nem por contemplarem o Verbo os anjos conhecem tudo; pois, os anjos inferiores são livrados da ignorância pelos superiores, como diz Dionísio. Logo, nem os santos, embora contemplem o Verbo, nele conhecem as nossas orações e o mais que fazemos.
5. Demais. ─ Só Deus lê nos corações. Ora, a oração consiste sobretudo numa elevação do coração. Logo, os santos não tem conhecimento das nossas orações.
Mas, em contrário. ─ Aquilo da Escritura: Ou os seus filhos estejam exaltados ou estejam abatidos, ele o não conhecerá, diz Gregório: Isto não devemos aplicar às almas santas. Pois, as almas absorvidas na contemplação da glória de Deus onipotente, de nenhum modo devemos crer haja fora nada que ignorem. Logo, tem conhecimento das nossas orações.
2. Demais. ─ Gregório diz: A alma que vê o Criador vê também o universo como encerrado num pequeno espaço. Pois, por pouco que contemple a luz do Criador, vê como próximas todas as causas criadas. Ora, o maior obstáculo para as almas dos santos conhecerem as nossas orações e os nossos atos é a distância que delas nos separa. Mas, como essa distância não é mais um empecilho, do modo explicado pela autoridade citada, parece que as almas separadas conhecem as nossas orações e todos os nossos atos.
3. Demais. ─ Se os santos não soubessem o que nós fazemos, também não orariam por nós, por ignorarem as nossas necessidades. Ora, esse é o erro de Vigilância, como refere Jerônimo. Logo, tem conhecimento do que fazemos.
SOLUÇÃO. ─ A divina essência é um meio suficiente para fazer conhecer tudo; o que resulta do fato de Deus, contemplando a sua essência, ver nela todas as cousas. Mas daí não resulta, que quem visse a essência de Deus tudo conhecesse; pois, isto só o poderia quem compreendesse tal essência. Assim como o conhecimento de um princípio não nos dá por consequência o conhecimento de tudo quanto dele deriva, se não compreendermos a virtude total dele. Ora, como as almas dos santos não compreendem a essência divina, por consequência não podem conhecer tudo quanto por essa essência pode ser conhecido. Por isso, também os anjos inferiores tem de certas cousas conhecimento por iluminação dos superiores, embora todos contemplem a essência divina. Mas cada um dos bem aventurados conhece, da essência divina, só o necessário à perfeição da sua beatitude. Ora, a perfeição da beatitude exige que o homem tenha tudo quanto quer, sem nada querer desordenadamente. Ora, queremos com razão reta conhecer o que nos concerne. Por onde, os santos, retos por excelência, hão de querer conhecer o que lhe diz respeito. E isso é necessariamente no Verbo que conhecerão. Ora, contribui-lhes para a glória prestar auxílio aos que deste precisam, para salvar-se. E assim, tornam-se cooperadores de Deus, a mais divina das cooperações, na expressão de Dionísio. Por onde, é claro que os santos tem conhecimento do necessário à esse ministério. E assim é manifesto, que no Verbo conhecem os desejos, as devoções e as orações dos homens, que lhes pedem auxílio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras de Agostinho devem entender-se do conhecimento natural das almas separadas. Conhecimento esse que nos varões santos não está obscurecido, como o está nos pecadores. Mas não se referem ao conhecimento no Verbo, de que não gozava Abraão no tempo em que Isaías pronunciou essas palavras; pois, antes da paixão de Cristo ninguém fruía da visão de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os santos, embora depois de esta vida tenham conhecimento do que nela se passa, não devemos contudo crer que sofram nenhuma dor, por saberem das adversidades dos que neste mundo amaram. Pois, gozam a tal ponto da plenitude da felicidade, que não são susceptíveis de nenhuma dor. Por onde embora conheçam, depois da morte, os infortúnios dos seus, nem por isso Deus deixa de lhes obviar a dor, se os retirou do mundo antes de sucederem esses infortúnios. ─ Talvez porém as almas não glorificadas sentissem dor se conhecessem os sofrimentos dos que lhes são caros. E como a alma de Josias não foi glorificada logo ao separar-se do corpo, Agostinho, fundado nisso, procura concluir, que as almas dos mortos não tem conhecimento do que se passa com os vivos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As almas dos santos tem a vontade plenamente conforme com a vontade divina, mesmo quanto ao objeto do querer. Por onde, embora o sentimento da caridade as prenda ao próximo, não lhe prestam auxílio porém senão na medida em que a justiça divina o vê disposto. Contudo devemos crer, que muito socorrem os próximos intercedendo por eles perante Deus.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora nem por contemplarem o Verbo, necessariamente hão de os santos ver tudo no Verbo, contudo vêem o concernente à perfeição da sua beatitude, como se disse.
RESPOSTA À QUINTA. ─ As cogitações dos corações só Deus mesmo é quem as conhece; mas também podem-nas conhecer aqueles a quem Deus as revela, ou pela visão do Verbo, ou de qualquer outro modo.
O décimo quarto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios comuns valem por aqueles por quem não foram especialmente feitos, quanto por aqueles por quem foram feitos valem simultaneamente os sufrágios especiais e os comuns.
1. - Pois, cada um receberá na vida futura o prêmio relativo aos seus méritos próprios. Ora, as almas por quem não se fazem sufrágios mereceram ser sufragadas depois da morte, tanto quanto aquela por quem se celebram sufrágios especiais. Logo, tanto lhes aproveitarão os sufrágios comuns, quanto, às outras os especiais e os comuns.
2. Demais. - Entre os sufrágios da Igreja o principal é a Eucaristia. Ora, a Eucaristia, contendo integralmente Cristo, tem de certo modo uma eficácia infinita. Logo, uma só oblação da Eucaristia feita em comum por todas as almas é suficiente a livrá-las todas do purgatório. Portanto, os sufrágios comuns só por si valem tanto quanto eles e os especiais simultaneamente.
Mas, em contrário, dois bens são preferíveis a um só. Logo, os sufrágios especiais e os comuns mais aproveitam à alma por quem são feitos, que só os comuns.
SOLUÇÃO. ─ A solução desta questão depende da solução da primeira. Se, pois, os sufrágios feitos por um defunto especialmente aproveitassem por igual a todos os mais, então comuns seriam todos os sufrágios. Portanto, tanto aproveitaria à alma pela qual não se fizessem sufrágios especiais, quanto àquela por quem se fizessem, desde que se mostrasse igualmente digna deles. Se, pelo contrário, os sufrágios feitos por um morto não aproveitam igualmente a todos, mas aproveitam em especial só aquele por quem foram oferecidos, então nenhuma dúvida há que os sufrágios comuns e os especiais, simultaneamente, mais aproveitam a um defunto, que só os comuns. Por isso o Mestre alude a essas duas opiniões. Uma, quando diz que igualmente aproveitam ao rico os sufrágios comuns e os especiais, quanto ao pobre só os comuns; embora pois, o rico seja sufragado mais que o pobre, não fica por isso mais beneficiado que este. A outra opinião alude quando diz, que o morto, por quem se fazem sufrágios especiais, alcança uma absolvição mais rápida, mas não mais plena; porque ambos serão finalmente liberados de toda pena.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O socorro dos sufrágios não no mereceram os mortos direta e absolutamente, mas sob condição. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora o poder de Cristo, contido na Eucaristia, seja infinito, contudo o efeito do sacramento do altar depende da alma por quem é celebrado. Donde, pois, não se pode concluir que um único sacrifício do altar baste à expiação total da pena das almas do purgatório; assim como não fica totalmente liberado da satisfação devida pelos pecados quem oferece uma única missa. Por isso é que muitas vezes se oferecem muitas missas em satisfação de um só pecado. ─ Podemos contudo crer, que a divina misericórdia, quando os sufrágios feitos por um morto lhe excedem às necessidades, aplica esse excesso às almas não sufragadas e que precisam de o ser. Assim o diz Damasceno: Deus, na sua justiça, concede ao incapaz de agir a possibilidade de o fazer; e compensa, na sua sabedoria, as necessidades de um com o supérfluo dos outros. Isto é, o que sobra a um dá a outro.