Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que todos ressurgirão com o sexo masculino.
1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Todos chegaremos ao estado de varão perfeito. Logo, não haverá na ressurreição senão o sexo masculino.
2. Demais. ─ No século futuro cessará todo principado, como diz a Glosa a um lugar do Apóstolo. Ora, a mulher, por uma ordem natural, está sujeita ao homem. Logo, as mulheres não ressurgirão com o sexo feminino, mas com o masculino.
3. Demais. ─ O que foi produzido ocasionalmente e fora da intenção da natureza não ressurgirá; porque na ressurreição todos os erros serão reparados. Ora, o sexo feminino não estava na intenção da natureza, produzido como foi por deficiência da virtude formativa do esperma, que não pôde dar ao ser concebido a forma viril. Donde o dizer o Filósofo que a mulher é um homem ocasional (imperfeito). Logo, o sexo feminino não ressurgirá.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Mais acertadamente opinam os que não duvidam da ressurreição de ambos os sexos.
2. Demais. ─ Deus reconstituirá na ressurreição o que deu ao homem na sua primitiva instituição. Ora, fez a mulher da costela do homem, como o narra a Escritura. Logo, reconstituirá o sexo feminino na ressurreição.
SOLUÇÃO. ─ Assim como, considerada a natureza do indivíduo, homens diversos tem estatura diversa, assim também, considerada essa mesma natureza, os seres humanos devem distribuir-se em sexos diversos. Essa diversidade também é própria à perfeição da espécie, cujos graus diversos são realizados por essa diversidade de sexos ou de estatura. Portanto, assim como os homens ressurgirão com estaturas diversas, assim também com sexos diversos. E embora haja na ressurreição a diferença de sexos, não haverá contudo nenhuma vergonha resultante da visão mútua deles, porque ficará então destruída a concupiscência, causa do pejo, pela torpeza a que ela exista.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A expressão citada ─ Todos chegaremos ao estado de varão perfeito ─ não designa o sexo viril, mas a forca da alma, de que todos serão dotados ─ homens e mulheres.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A mulher está sujeita ao marido por causa da sua fraqueza natural, tanto quanto ao vigor da alma quanto à robustez do corpo. Mas depois da ressurreição não haverá mais essas diferenças, senão só a diversidade dos méritos. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a geração da mulher esteja fora da intenção particular da natureza, esta porém na sua intenção geral, que exige a dualidade dos sexos para a perfeição da espécie humana. Nem haverá na ressurreição nenhuma deficiência resultante dos sexos, como do sobre dito se colige.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que todos ressurgirão com a mesma estatura.
1. ─ Pois, assim como o homem é medido pela quantidade dimensiva, assim também pela de duração. Ora, a quantidade de duração será reduzida em todos à mesma medida, porque todos ressurgirão com a mesma idade. Logo, também a quantidade dimensiva será reduzida em todos à mesma medida, porque todos ressurgirão com a mesma estatura.
2. Demais. ─ O Filósofo diz, que a natureza estabeleceu para todos os seres o termo e a lei da grandeza e do crescimento. Ora, esse termo é fixado pela forma, a que deve corresponder a quantidade, como todos os outros acidentes. Logo, como todos os homens tem a mesma forma especifica, todos devem chegar à mesma quantidade dimensiva do corpo, salvo erro da natureza, ora, o erro da natureza se corrigirá na ressurreição. Portanto, nem todos ressurgirão com a mesma estatura.
3. Demais. ─ A estatura do ressurrecto não poderá ser proporcionada à primeira virtude natural formadora do corpo, do contrário, os que não puderam atingir uma estatura maior pela virtude natural, nunca poderiam ressurgir com essa maior estatura ─ o que é falso. Logo, essa estatura há de proporcionar-se à virtude reconstituidora do corpo humano na ressurreição, e à matéria de que será reconstituído. Ora, a virtude que há de reconstituir todos os corpos será a mesma ─ a virtude divina; e todas as cinzas, de que os corpos humanos se reconstituirão, são igualmente aptas a receber a ação dessa virtude. Logo, todos os homens hão de ter como termo a mesma quantidade corpórea. Donde, a mesma conclusão anterior.
Mas, em contrário. ─ A mesma quantidade natural resulta da natureza de cada indivíduo. Ora, na ressurreição não variará a natureza do indivíduo. Logo, nem a sua quantidade natural. Mas nem todos tem a mesma quantidade natural. Logo, nem todos ressurgirão com a mesma estatura.
2. Demais. ─ A natureza humana será reconstituída pela ressurreição para entrar no gozo da glória ou no sofrimento da pena. Ora, nem todos os ressurrectos gozarão na mesma intensidade a glória nem na mesma intensidade sofrerão a pena. Logo, também não ressurgirão com a mesma estatura.
SOLUÇÃO. ─ Na ressurreição a natureza humana não será reconstituída na mesma espécie só, mas também no mesmo indivíduo. Por onde devemos atender não somente ao que convém, então, à natureza específica, mas também à natureza individual. Ora, a natureza específica tem uma determinada grandeza quantitativa que não pode, sem erro, ultrapassar nem deixar de atingir. Essa grandeza porém é susceptíva de certos graus de latitude, e não deve ser considerada como tendo uma medida determinada. Ora, cada indivíduo da espécie humana atinge, dentro dos termos dessa latitude, uma certa grandeza quantitativa própria à sua natureza individual. E essa ele a atinge no termo do seu crescimento, salvo erro na obra da natureza, causador de algum acréscimo ou alguma subtração nessa quantidade, cuja medida se funda na proporção do calor que dilata, e da umidade susceptível de estender-se, que não tem a mesma virtude em todos. Logo, nem todos ressurgirão com a mesma quantidade corpórea; mas cada qual ressurgirá com as dimensões que teria no termo do crescimento, se não houver erro nem falha da natureza. O que porém for excessivo ou deficiente no corpo, o poder divino o amputará ou suprirá.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Do sobredito já se conclui, que quando se afirma a ressurreição de todos com a mesma idade, não se afirma tenham todos a mesma quantidade de duração; mas que terão todos o mesmo estado de perfeição. Estado que pode coexistir com uma estatura maior ou menor.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A estatura do indivíduo corresponde não só à forma específica, mas também à natureza individual. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A estatura do ressurrecto não é proporcional à virtude reconstitutiva do corpo, que não pertence à natureza deste; nem às cinzas, no estado em que se encontram antes da ressurreição; mas à natureza primitiva do indivíduo. Contudo, se a virtude formativa, por alguma deficiência, não pudesse restabelecer a estatura própria à espécie, a virtude divina suprirá essa falha na ressurreição. Tal o caso dos anãos. E o mesmo se dirá dos que foram de estatura descomedida e fora do natural.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que nem todos ressurgirão na idade viril.
1. ─ Pois, Deus não privará os ressurrectos, sobretudo os bem-aventurados, de nenhuma perfeição humana. Ora, a idade é uma perfeição humana; assim, a velhice é uma idade venerável. Logo, os velhos não ressurgirão em idade viril.
2. Demais. ─ A idade se calcula pelo tempo passado. Ora, é impossível o tempo passado deixar de sê-lo. Logo, é impossível os mortos em idade avançada ressurgir em idade viril.
3. Demais. ─ O que sobretudo ressurgirá em cada um é o que por excelência verdadeiramente lhe constituiu a natureza. Ora, mais uma cousa se aproxima da origem do homem, mais profundamente parece pertencer à verdade da natureza humana. Porque na velhice a virtude da espécie fica debilitada e por isso o Filósofo compara o corpo humano envelhecido ao vinho misturado com água. Logo, se todos devem ressurgir na mesma idade, mais conviria ressurgirem na idade adolescente que na viril.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Até que todos cheguemos a estado de varão perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo. Ora, Cristo ressurgiu na idade viril, que começa cerca dos trinta anos, como diz Agostinho. Logo, também os outros ressurgirão na idade viril.
2. Demais. ─ O homem ressurgirá na perfeição máxima da natureza. Ora, o estado perfeitissimo da natureza humana é a idade viril. Logo, todos ressurgirão com essa idade.
SOLUÇÃO. ─ O homem ressuscitará isento de todos os defeitos da natureza humana; porque assim como Deus a instituiu sem defeito, assim sem defeito a restaurará. Ora, a natureza humana sofre uma dupla deficiência: a de não ter ainda alcançado a sua perfeição última e a de tê-la perdido. A primeira defeituosidade é a das crianças; a segunda, a dos velhos. Por isso em ambos a natureza humana será reduzida, pela ressurreição, ao estado da perfeição última, que é a da idade viril, quando termina o movimento de crescer e começa o da decadência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A idade da velhice merece reverência, não pela condição do corpo, que é defeituosa, mas pela sabedoria da alma, que nela se presume adquirida pela grande longevidade. Por isso os eleitos terão a reverência devida à velhice, porque gozam da plenitude da sabedoria divina que neles habitará, mas não sofrerão a decadência da velhice.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não nos referimos aqui à idade, quanto ao número dos anos, mas pelo estado em que a ação dos anos constitui o corpo humano. Por isso se diz que Adão foi formado em idade viril, porque o seu corpo teve a formação dessa idade desde o primeiro dia da sua existência. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Dizemos que a virtude especifica é mais perfeita no adolescente que na idade viril, por ter, de certo modo, maior eficácia para transformar os alimentos; assim como também é mais perfeita no esperma que no homem completo. Nos jovens porém é mais perfeita quanto ao termo do crescimento. Por onde, o que mais profunda e verdadeiramente constitui a natureza humana terá aquela perfeição que tem na idade viril; não na da primeira idade, quando os humores ainda não chegaram à sua última consistência.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que tudo o que as partes do corpo humano tinham de material ressuscitará.
1. ─ Pois, menos são susceptíveis de ressurreição os cabelos que os outros órgãos. Ora, toda a matéria dos cabelos ressuscitará, embora não nos cabelos, ao menos nas outras partes do corpo, como diz Agostinho. Logo e com maior razão, tudo o que de material encerravam os outros órgãos ressurgirá.
2. Demais. ─ Assim como as partes específicas do corpo são aperfeiçoadas pela alma racional, assim também as partes materiais. Ora, o corpo humano é destinado à ressurreição por ter sido aperfeiçoado pela alma racional. Logo, não só as partes específicas, mas também as materiais ressurgirão.
3. Demais. ─ A totalidade do corpo vem donde lhe procede a divisão em partes. Ora, a divisão de um corpo em partes se funda na sua matéria, que forma pela sua disposição a quantidade, objeto da divisão. Logo, também a totalidade corpórea se funda nas partes da matéria. Portanto, nem todas as partes da matéria ressurgindo também não ressurgirá o corpo na sua totalidade. O que é inadmissível.
Mas, em contrário. ─ As partes materiais do corpo não permanecem, mas se transformam continuamente, como o prova Aristóteles. Se, portanto, todas as partes materiais ressurgirem, o corpo ressurrecto será excessivamente denso ou de desmesurada quantidade.
2. Demais. ─ Tudo o pertencente verdadeiramente à natureza de um corpo humano pode vir a constituir a matéria do corpo de outro homem que do primeiro se nutriu. Se portanto todas as partes materiais do corpo humano ressurgirem, resulta que ressurgirá em um o que verdadeiramente pertence à natureza humana de outro. O que é inadmissível.
SOLUÇÃO. ─ A parte material do homem não se destina à ressurreição senão enquanto realmente pertencente à natureza humana; porque assim está ligada a alma racional. Ora, o todo material humano pertence por certo verdadeiramente à natureza humana pelo que tem de específico; mas não totalmente, levada em conta a matéria da totalidade; porque toda a matéria que existiu num indivíduo humano, desde o princípio até o fim da sua vida, excederia as proporções especificas do seu corpo, como pretende a terceira opinião, que me parece a mais provável das três. Por onde, o todo humano ressurgirá, considerada a totalidade específica, fundada na quantidade, na figura, na situação e na ordem das partes; mas não ressurgirá todo, se se considera como todo a totalidade da matéria. ─ A segunda opinião, porém, e a primeira não entram nessa distinção; mas distinguem entre as partes, cada uma das quais tem espécie e matéria. Mas essas duas opiniões convêem em ensinarem que o todo gerado do sêmen ressurgirá, mesmo considerada como tal a totalidade material. Mas diferem em dizer a primeira que nada ressurgirá do gerado pela alimentação; o que por certo ressurgirá, pondera a segunda, mas não totalmente, como do sobredito se colhe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como tudo o existente nas outras partes do corpo ressurgirá, considerada a totalidade especifica, mas não a totalidade material, o mesmo se dará com os cabelos. Ora, às outras partes algo se lhes acrescenta pela nutrição, que produz o crescimento; e isso se conta como outra parte, considerada a totalidade específica, porque ocupa no corpo outro lugar e outra situação, e constitui a substância das outras partes da dimensão. Mas algo se lhe acrescenta que não produz crescimento, aplicando-se apenas em compensar pela nutrição as perdas; e não é computado como outra parte do todo considerado especificamente, pois não ocupa outro lugar nem outra situação no corpo, diferentes do que ocupava a parte que desapareceu. Embora possamos contá-la como outra parte, considerada a totalidade material. Ora, o mesmo se dá com os cabelos. Mas Agostinho se refere aos cabelos cortados durante a vida, que eram partes susceptíveis de crescimento. Que por isso hão de necessariamente ressurgir; não que devam se acrescentar aos outros cabelos, para não ficar desmesurada a quantidade deles, mas às outras partes, como o julgar necessário a divina providência. ─ Ou se refere ao caso de serem deficientes as outras partes; pois então essa deficiência poderá ser suprida pelo excesso de cabelos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Conforme à terceira opinião, as mesmas são as partes específicas e as materiais. Nem o Filósofo recorre a essa distinção para introduzir diversidade nas partes, mas para mostrar que as mesmas partes podem ser consideradas especificamente, pelo que tem de forma e de espécie; e materialmente, como constituindo o substrato da forma e da espécie. Pois, a matéria da carne não se ordena à alma racional, senão enquanto tem uma determinada forma. E por essa razão se ordena a ressurgir. ─ A primeira e a segunda opinião, porém, professando a diferença entre as partes específicas e as naturais, dizem que a alma racional, embora aperfeiçoe ambas essas partes, não aperfeiçoa contudo as partes materiais senão mediante as partes específicas. Por isso não se ordenam elas igualmente à ressurreição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As dimensões indeterminadas se concebem necessariamente, na matéria dos seres sujeitos à geração e à corrupção, antes da recepção da forma substancial. Por isso a divisão fundada nessas dimensões pertence propriamente à matéria. Mas a quantidade completa e determinada a quantidade a recebe depois da sua união com a forma substancial. Por onde, a divisão feita em formas determinadas respeita a espécie; sobretudo quando a idéia de espécie implica, como no corpo humano, situações determinadas das partes.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que nem tudo o pertencente verdadeiramente à natureza humana ressurgirá com o corpo.
1 ─ Pois, a alimentação converte-se verdadeiramente em a natureza humana. Ora, a carne do boi e dos outros animais nos servem de alimento. Se portanto ressurgir tudo quanto realmente nos constituiu a natureza, ressurgirá também a carne do boi e a dos outros animais. O que é inadmissível.
2. Demais. ─ A costela de Adão, que serviu para formar Eva, fazia realmente parte dele como a nossa, de nós. Ora, essa costela não ressurgirá em Adão, mas em Eva; aliás, Eva não ressurgiria, que foi formada da costela de Adão. Logo, não ressurgirá tudo quanto realmente fazia parte da natureza humana.
3. Demais. ─ Não pode uma mesma causa ressurgir em diversos homens. Ora, pode acontecer que uma mesma causa pertencesse realmente à natureza humana em diversos homens; assim se alguém se nutriu de carne humana, que lhe veio a fazer parte da substância. Logo, não ressurgirá em nós tudo quanto realmente fez parte da nossa natureza.
4. Demais. ─ Se se responder que a carne ingerida por manducação não fez total e realmente parte da natureza, sendo então possível ressuscitar uma parte dela em um e outra em outro, redarguimos o seguinte. Real e principalmente pertence à natureza humana o que foi herdado dos pais. Ora, quem só se nutrisse de carne humana e viesse a gerar um filho, necessariamente o que o filho recebeu do pai fazia parte da carne dos outros homens, que seu pai comeu; porque o sêmen é formado pelo supérfluo dos alimentos, segundo o Filósofo o prova. Logo, o que fizer realmente parte da natureza humana nessa criança fez também realmente parte da natureza humana de outros homens cujas carnes comeu o pai.
5. Demais. ─ Se se disser que aquilo que fazia realmente parte da natureza humana, na carne dos corpos humanos comidos, não se transforma em sêmen, senão aquilo que não fazia realmente parte dessa natureza, respondemos em contrário o seguinte. Suponhamos que alguém se alimentasse só do embrião, que nada contém que não constitua realmente a natureza humana, pois, tudo o existente nele vem dos pais. Se, portanto, o supérfluo do alimento se converte no sêmen, por força aquilo que encerrava realmente da natureza humana o embrião, que também há de ressurgir depois de ter recebido a alma racional, isso fará também realmente parte da natureza humana da criança gerada de tal sêmen. E assim, como uma causa não pode ressurgir em dois corpos, em nenhum poderá ressurgir tudo o que fazia realmente parte da natureza humana.
Mas, em contrário. ─ Tudo o que realmente fez parte da natureza humana recebeu da alma racional a sua perfeição. Ora, o corpo humano é destinado a ressurgir por ter recebido da alma racional a sua perfeição. Logo, em cada um ressurgirá tudo o que realmente lhe fez parte da natureza humana.
2. Demais. ─ Se um corpo humano for privado de algo que realmente lhe fazia parte da sua natureza humana, já não será perfeito. Ora, toda imperfeição do corpo desaparecerá com a ressurreição; salvo no dos eleitos, a quem foi prometido que não se lhes perderá um cabelo da cabeça. Logo, em cada corpo ressurgirá tudo o que realmente lhe fazia parte da natureza humana.
SOLUÇÃO. ─ Todas as cousas tem com a verdade a mesma relação que tem com o ser, diz Aristóteles; pois, verdadeira é a causa que é tal como aparece a quem atualmente a vê. E por isso diz Avicena, que a verdade de uma cousa é uma propriedade constante do seu ser. Assim sendo, diremos que real e essencialmente pertence a natureza humana o que propriamente lhe pertence ao ser. E isso é o que lhe participa da forma; assim como verdadeiro ouro se chama ao que tem a forma verdadeira do ouro, da qual lhe resulta o seu ser próprio. Para sabermos, pois, o que verdadeiramente constitui a natureza humana, devemos saber que há sobre esta questão três opiniões. Assim, uns ensinaram que nada começa verdadeiramente a existir de novo em a natureza humana; mas tudo o que verdadeiramente lhe pertence, pertenceu-lhe total e verdadeiramente desde a sua instituição. E isso por si mesmo se multiplica, destacando-se do gerador o sêmen que vai formar o filho; e neste também se multiplica essa parte destacada do pai e chega ao desenvolvimento perfeito pelo crescimento, e assim por diante; sendo assim que se multiplicou todo o gênero humano. Por onde, segundo esta opinião, tudo o gerado dos alimentos, embora pareça ter a espécie da carne ou do sangue, não pertence contudo verdadeiramente à natureza humana.
Outros porém opinaram que algum acréscimo verdadeiramente se faz em a natureza humana, pela transformação natural do alimento no corpo humano, considerada a realidade da natureza humana especificamente, a cuja conservação se ordena o ato da faculdade genésica. Se porém considerarmos essa natureza no indivíduo, a cuja conservação e perfeição se ordena o ato da função nutritiva, nenhum acréscimo faz a alimentação que pertença primariamente, senão só secundariamente, à verdadeira natureza humana desse indivíduo. Ensinam então que a natureza humana, verdadeira, primária e principalmente, consiste numa umidade radical, donde procede a constituição primeira do gênero humano. O que porém se converte, de alimento, verdadeiramente em carne e em sangue, não constitui principal e verdadeiramente, senão só secundariamente, a natureza desse indivíduo; mas pode verdadeira e principalmente constituir a natureza de outro indivíduo, gerado do sêmen do primeiro. Pois, consideram o sêmen como o supérfluo do alimento, quer adicionado a certos elementos pertencentes primária e verdadeiramente à natureza humana do gerador, como certos dizem, ou sem nenhuma adição dessa espécie, como pretendem outros. De modo que a umidade nutritiva em um se: torna umidade radical no outro.
A terceira opinião professa que alguma causa começa a existir de novo, principal e verdadeiramente, em a natureza humana, mesmo individualmente considerada. Porque não se pode fazer nenhuma distinção de partes do corpo humano, de acordo com a qual haja certas determinadas, que hão de necessariamente permanecer durante toda a vida; mas qualquer parte que se considere em especial é indiferente a permanecer sempre no que tem de específica; mas desaparecer e retornar à existência pelo que tem de material. E assim, a umidade nutritiva não se distingue da radical pelo seu princípio, de modo que chamássemos radical ao gerado do sêmen, e nutritivo ao gerado do alimento. Mas se distingue, antes, pelo seu termo, chamando-se então radical ao que alcança o termo da geração pelo ato da virtude genésica ou também da nutritiva; e denominando-se nutritivo o que ainda não tendo atingido esse termo, está em via de nutrir.
Essas três opiniões são mais plenamente examinadas e discutidas pelo Mestre no livro 2 das Sentenças. Não devemos por isso repeti-lo aqui senão enquanto vem a propósito.
Devemos, pois, saber que segundo se adapta uma dessas três opiniões, diferente será a resposta a dar à questão formulada acima.
Assim, a primeira opinião, por via da multiplicação que admite, pode explicar a perfeição verdadeira da natureza humana, tanto quanto ao número dos indivíduos como quanto ao crescimento próprio de cada um, sem recorrer ao gerado pela alimentação. O que não se acrescenta ao corpo senão para resistir à consumpção que poderia provir da ação do calor natural, como à prata se acrescenta o chumbo a fim de não se consumir liquefeita. Ora, na ressurreição há de a natureza humana reconstituir-se na sua perfeição, nem o calor natural terá então por função consumir a umidade natural. Por isso nenhuma necessidade haverá de ressurgir com o corpo nada de gerado por alimentação. Mas só ressurgirá aquilo que verdadeiramente fazia parte da natureza humana do indivíduo, e que a separação e a multiplicação levaram à perfeição referida, em o número e quantidade dos indivíduos.
Quanto à segunda opinião, admitindo que o gerado por nutrição é necessário ao crescimento perfeito do indivíduo e a multiplicação resultante da geração, é levada forçosamente a fazer ressurgir certas cousas das produzidas no corpo pelo alimento; mas não todas, senão só as necessárias à perfeita reintegração da natureza humana em todos os seus indivíduos. Por isso ensina essa opinião que tudo o que constituía substancialmente o sêmen ressurgirá no corpo de tal sêmen gerado; por isso era o que principal e verdadeiramente lhe constituía a natureza humana. Quanto ao que se lhe acrescentou depois pela nutrição, isso ressurgirá na medida necessária à plenitude do crescimento; e não tudo, porque não lhe pertence verdadeiramente à natureza humana senão enquanto esta, como natureza, disso precisa para o crescimento perfeito. Mas como essa umidade nutritiva passa e volta, a reconstituição do corpo ressurrecto se fará na ordem seguinte. O que constituía primariamente a substância do corpo humano será totalmente restaurado; o que se lhe acrescentou em segundo, em terceiro lugar e assim por diante será refeito o quanto necessário para reintegrar-lhe o crescimento. E por duas razões. Primeiro, porque o acrescentado o foi para compensar as perdas anteriores; e assim não pertence principal e verdadeiramente à natureza humana como as cousas precedentes. Segundo, porque a adjunção de uma umidade estranha à umidade primeira radical faz com que o todo composto não participe tão perfeita e verdadeiramente da espécie como dela participa a substância primeira do corpo. E o Filósofo dá o exemplo da água misturada com vinho, que sempre enfraquece as qualidades deste, até acabar pelo transformar em água. Por onde, assim como a segunda água, embora apresente ainda a aparência do vinho, contudo não lhe participa da espécie tão perfeitamente como a água que em primeiro lugar foi nele posta; assim também parte do alimento posteriormente convertido em carne, não a forma especificamente de modo tão perfeito como o alimento que primeiro nela se converteu. E assim não constitui verdadeiramente a natureza humana nem participará da ressurreição. Por onde é claro que esta opinião admite a total ressurreição do que principal e verdadeiramente constitui a natureza humana; mas não a total ressurreição de tudo o que a constitui verdadeira mas secundariamente.
A terceira opinião enfim em parte difere da segunda e em parte com ela convém. Difere em admitir que tudo o que tem forma de carne e de ossos pertence verdadeiramente e pela mesma razão à natureza humana. Porque não distingue, com a segunda opinião, entre o determinadamente permanente no homem durante todo o tempo da sua vida e que em si pertenceria primária e verdadeiramente a natureza humana; e o que, passando e tornando a voltar, pertenceria verdadeiramente a essa natureza só para o pleno desenvolvimento dela, e não pelo seu ser específico primário. Mas admite, que todas as partes não geradas contra a intenção da natureza pertencem verdadeiramente à natureza humana, pelo que tem de específico, porque como tais são permanentes. Mas não pelo que tem de material, porque como tais desaparecem e voltam, indiferentemente. De modo que também entendamos que se dá com as partes de cada homem em particular o que se passa com a população de uma cidade, onde aos que a deixam pela morte outros lhes vem ocupar o lugar; por isso as partes dela fluem e refluem materialmente, mas formalmente permanecem, porque nos mesmos ofícios e ordens os que partiram são substituídos por outros, o que nos leva a dizer que a república permanece numericamente a mesma. Também o mesmo se dá quando umas partes desaparecendo outras se lhes substituem, na mesma figura e situação; e assim todas vão e voltam materialmente, mas permanecem especificamente, não deixando por isso de permanecer o homem individualmente o mesmo.
Enfim a terceira opinião convém com a segunda por admitir que as partes acrescidas em segundo lugar não constituem tão perfeita e verdadeiramente a espécie, como as que vieram em primeiro lugar. E assim o mesmo, que a segunda opinião diz ressurgir no homem, também o diz a terceira, mas não exatamente pela mesma razão. Pois afirma que ressurgirá tudo o gerado do sêmen, não por pertencer, por uma outra razão, à verdadeira natureza humana, do que aquilo que se lhe acresceu posteriormente; mas por participar mais perfeita e verdadeiramente da espécie. Ordem essa admitida pela segunda opinião em relação ao que se acrescenta por efeito do alimento. No que também esta opinião concorda com a terceira.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os seres naturais não são tais pela matéria, mas pela forma. Por onde, embora a matéria, antes unida à forma da carne bovina, ressurja no homem sob a forma de carne humana, daí não resulta que ressurja a carne do boi, mas a do homem. Do contrário, também podia concluir-se que ressurgiria o barro de que foi formado o corpo de Adão. Contudo, a primeira opinião concede a essa objeção.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ Essa costela não pertencia à perfeição individual de Adão, mas era ordenada à multiplicação da espécie. Por isso não ressurgirá em Adão, mas em Eva, assim como o sêmen não ressurgirá no gerador, mas no gerado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Se se adota a primeira opinião é fácil responder. Pois, as carnes ingeridas não fizeram nunca verdadeiramente parte da natureza humana de quem as comeu, mas fizeram realmente parte da natureza humana daquele curas carnes foram comidas. Por isso ressurgirão com este e não com aquele. Mas se adotarmos a segunda opinião e a terceira diremos que cada cousa ressurgirá naquele em quem mais perfeitamente participou da virtude da espécie. E se participou igualmente em ambos ressurgirá naquele em que existiu primeiro, pois neste primeiro se ordenou à ressurreição pela união com a sua alma racional. Por onde, se as carnes ingeridas continham alguma superfluidade que não pertencessem verdadeiramente à natureza humana do primeiro, poderá ressurgir no segundo. Mas se não continham nenhuma superfluidade. ressurgirá no primeiro o que lhe pertencia à ressurreição, e não no segundo. E para reparar esta perda no último, seria tomada uma parte das suas carnes em que se converteram outros alimentos, ou se nunca se nutriu de outra causa a não ser de carne humana, o poder divino suprirá de outro modo no suficiente à perfeição do crescimento, assim como supre nos mortos antes da idade perfeita. E tudo isso não causa nenhum detrimento à identidade numérica, do mesmo modo que não a destrói a disparição e a reaparição material das partes.
RESPOSTA À QUARTA. ─ De acordo com a primeira opinião é fácil resolver, pois afirma que o sêmen não provém de alimento supérfluo. Por isso a carne comida não se transforma no sêmen que causa a geração. Mas de acordo com as outras duas opiniões, devemos responder que não é possível as carnes comidas terem-se convertido totalmente no sêmen; porque, de uma longa depuração do alimento resulta a decocção do sêmen, que é o supérfluo do último alimento. Ora, o que das carnes ingeridas se converte em esperma, mais verdadeiramente pertence à natureza humana de quem dela nasce, do que daquele de cujas carnes foi gerado. Por onde, segundo a regra anteriormente dada, o que se converte em sêmen ressurgirá naquele que desse sêmen nasceu; e o que resta da matéria ressurgirá naquele que ingeriu as carnes de que o sêmen foi gerado.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Os embriões não se incluem na ressurreição antes de animados pela alma racional. E nesse estado recebe da alimentação muitas causas que se acrescentam à substância do esperma, porque o feto é nutrido no seio materno. Quem, pois, se nutre de embriões e engendra do supérfluo dessa alimentação, o que resultar da substância do sêmen ressuscitará naquele que deste foi gerado. Salvo se essa substância contiver alguma cousa que pertencesse à substância seminal daqueles que forneceram as carnes ingeridas; pois, então, elas ressuscitarão no primeiro que formou a substância e não no segundo que as comeu. Quanto ao resíduo das carnes comidas, que se não converteram em sêmen, ressuscitaria no primeiro, e a virtude divina supriria o que faltasse a um e a outro. Mas esta objeção não cria nenhuma dificuldade à primeira opinião, que não admite ser o sêmen formado do supérfluo dos alimentos; mas em compensação, presta o flanco a muitas outras objeções, como o mostra o Mestre.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os humores não ressurgirão com o corpo.
1 ─ Pois, o Apóstolo diz: A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus. Ora, o sangue é o humor mais principal. Logo, não ressurgirá com o corpo dos bem-aventurados, que possuirão o reino de Deus. Logo e com maior razão, não hão de ressurgir os outros humores.
2. Demais. ─ Os humores servem para reparar as perdas do corpo. Ora, depois da ressurreição o corpo nenhuma perda sofrerá. Logo, o corpo não ressurgirá com os humores.
3. Demais. ─ O que está no corpo humano, em via de ser gerado, ainda não recebeu da alma racional a sua perfeição. Ora, os humores, sendo carne e ossos em potência, estão ainda em via de ser gerados. Logo, ainda não receberam a sua perfeição da alma racional. Ora, o corpo humano não é destinado à ressurreição senão enquanto aperfeiçoado pela alma racional. Logo, os humores não ressurgirão com ele.
Mas, em contrário. ─ O que pertence à constituição do corpo humano ressurgirá com ele. Ora, tais são os humores, conforme Agostinho, que diz: O corpo consta de órgãos, os órgãos de partes similares, e estas de humores. Logo, os humores ressurgirão com o corpo.
2. Demais. ─ A nossa ressurreição será conforme à de Cristo. Ora, Cristo ressurgiu com o sangue; aliás no sacramento do Altar o vinho não se lhe transubstanciaria no sangue. Logo, também o nosso corpo ressurgirá com sangue. E pela mesma razão, com os outros humores.
SOLUÇÃO. ─ Pela razão já dada, tudo o pertencente à integridade da natureza humana, no ressurrecto, ressurgirá. Logo, há de ressurgir com o corpo aquele líquido pertencente à integridade da natureza humana.
Ora, no corpo há três espécies de líquidos.
Uns, não contribuem para a perfeição do Indivíduo. Ou por estarem, como a urina, o suor, o puz e outros, em via de corrupção e serem por isso expulsos; ou pelos ordenar a natureza para a conservação da espécie em outro indivíduo, quer pelo ato da geração, como o sêmen. quer pela função nutritiva, como o leite. E nenhum desses líquidos ressurgirá, por não pertencerem a perfeição do indivíduo ressurrecto.
A segunda espécie de líquidos é a dos que ainda não chegaram à última perfeição que a natureza produz no indivíduo, mas é ordenada a ela pela natureza. ─ E esta espécie é dupla. Porque certos líquidos tem uma forma determinada inclusa entre as partes do corpo; assim o sangue e os outros três humores, que a natureza ordenou a formar os órgãos, pela geração; mas tem certas formas determinadas, como também as outras partes do corpo. E por isso com essas outras ressurgirão. ─ Outros líquidos porém estão em via de passar de uma forma para outra, i. é, da forma de humor para a de órgão. E esses não ressurgirão. Porque depois da ressurreição cada parte do corpo terá a sua forma fixada, de modo que não poderá transformar-se em outra. Por isso não ressurgirá aquele líquido que está no ato mesmo de passar de uma forma para outra. E esses podemos considerá-los num duplo estado. Ou enquanto estão no princípio da transformação; e então se chama ros, que é o líquido existente nos orifícios das pequenas veias, ou enquanto já numa transformação adiantada e começando a mudar de forma, e então se chamam cambium. Ora, em nenhum desses estados ressurgirão.
A terceira espécie de líquido é o que já chegou à perfeição última visada pela natureza, no corpo do indivíduo; já transformado e incorporado nos membros. E essa se chama gluten. E fazendo parte da substância dos membros, ressurgirá, como ressurgirão os demais órgãos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Carne e sangue, nas palavras citadas do Apóstolo, não se devem tomar pela substância da carne e do sangue, mas pelas obras da carne e do sangue, que são as obras do pecado ou da vida animal. ─ Ou, segundo interpreta Agostinho, carne e sangue aí se tomam pela corrupção agora dominante na carne e no sangue. Por isso o Apóstolo acrescenta as palavras: Nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os membros que servem à geração concorrerão, depois da ressurreição, para a integridade da natureza humana e não exercerão mais os atos que exercem nesta vida. Assim também os humores existirão no corpo, não para restaurar as perdas, mas para contribuírem à integridade da natureza humana e à manifestação da virtude dela.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como os elementos estão em via para a geração em relação aos corpos mistos, por serem a matéria destes e não por estarem sempre se transformando para os produzir, o mesmo se dá com os humores em relação aos membros. Por isso, assim como os elementos tem nas partes do universo as suas formas determinadas, razão por que lhe constituem a perfeição, bem como os corpos mistos, assim também os humores, como as outras partes, fazem parte da perfeição do corpo humano, embora não alcancem, como as outras partes, a perfeição total; nem tenham os elementos formas assim perfeitas como os mistos. Ora, assim como todas as partes do universo recebem de Deus a sua perfeição, mas não igualmente, senão cada qual a seu modo, assim também os humores são de certa maneira aperfeiçoados pela alma racional, mas não do mesmo modo por que o são as partes mais perfeitas.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os cabelos e as unhas não ressurgirão com o corpo.
1. ─ Pois, assim como os cabelos e as unhas são gerados pela superfluidade da nutrição, assim também a urina, o suor e fezes semelhantes. Ora, estas não ressurgirão com o corpo. Logo, nem os cabelos e as unhas.
2. Demais. ─ Entre as outras superfluidades geradas pela alimentação, constitui por excelência a natureza humana, em sua realidade, o sêmen, superfluidade necessária. Ora, o corpo humano não ressurgirá com o sêmen. Logo e com muito maior razão, não hão de ressurgir os cabelos e as unhas.
3. Demais. ─ Nenhuma perfeição tem a alma racional que não tenha também a alma sensível. Ora, os cabelos e as unhas não tem a perfeição da alma sensível, pois por eles não sentimos, como o explica Aristóteles. Logo, como o corpo não ressurgirá senão para as perfeições da alma racional, parece que os cabelos e as unhas não ressurgirão.
Mas, em contrário, o Evangelho: Não se perderá um cabelo da vossa cabeça.
2. Demais. ─ Os cabelos e as unhas foram dados como ornato para o homem. Ora, os corpos humanos, sobretudo os dos eleitos, devem ressurgir com todos os seus ornatos. Logo, devem ressurgir com os cabelos.
SOLUÇÃO. ─ A alma está para o corpo animado como a arte para o artificiado, e para as partes dele como a arte para os seus instrumentos; por isso o corpo animado se chama orgânico. Ora, a arte usa de certos instrumentos para executar a obra intencionada; e esses são os que lhe servem primariamente à intenção. Mas também se serve de outros instrumentos para a conservação dos instrumentos principais; e esses lhe servem secundariamente à intenção. Assim, a arte militar se serve da espada para a guerra; e da bainha, para a conservação da espada. Do mesmo modo, das partes do corpo animado umas ─ como o coração, o fígado, as mãos e os pés ─ se ordenam a executar as operações da alma; outras porém, à conservação das demais partes, como as folhas servem para cobrir os frutos. Assim também os cabelos e as unhas servem para resguardar as outras partes do corpo humano. Por isso pertencem secundariamente à perfeição do corpo humano, embora não primariamente. E como o corpo ressurgirá em toda a perfeição da sua natureza, por isso também os cabelos e as unhas hão de ressurgir com ele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A natureza expulsa aquelas superfluidades que para nada são úteis e portanto não contribuem para a perfeição do corpo humano. Mas procede diferentemente com aquelas superfluidades que conserva para a geração dos cabelos e das unhas, de que precisa para a conservação dos membros.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O sêmen não é necessário, como os cabelos e as unhas, para a perfeição do indivíduo, mas só para a da espécie.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os cabelos e as unhas se nutrem e crescem; por onde é claro que participam de uma certa, perfeição. O que não poderia dar-se se não fossem de algum modo partes perfeitas da alma. E como o homem não tem senão uma alma única, que é a racional, resulta que as unhas e os cabelos recebem da alma racional a sua perfeição. Embora não a ponto de participarem da atividade sensível, como também se dá com os ossos, dos quais sabemos que ressurgirão e que pertencem à integridade do indivíduo.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que nem todos os membros do corpo humano ressurgirão.
1. ─ Pois, removido o fim, é inútil lançar mão dos meios a ele conducentes. Ora, o fim de cada membro é o seu ato. Mas nada há de vão nas obras divinas; e de certos membros o homem não mais se servirá depois da ressurreição, sobretudo dos genitais, porque então, nem as mulheres terão maridos, nem os maridos mulheres. Logo, parece que nem todos os membros ressurgirão.
2. Demais. ─ Os intestinos também são partes do corpo. Ora, não ressurgirão. Pois, não poderão ressurgir cheios das imundícias que contêm. Nem vazios, porque não há vácuo em a natureza. Logo, nem todas as partes do corpo ressurgirão.
3. Demais. ─ O corpo ressurgirá para ser premiado pelas obras que a alma praticou por meio dele. Ora, o membro amputado pelo furto cometido, a um ladrão, que porém fez depois penitência e se salvou, não pode ser remunerado na ressurreição ─ nem por um bem praticado, pois para tal não cooperou; nem pelo mal, pois a pena imposta a um membro redundaria em pena do homem. Logo, nem todos os membros do ressurrecto ressurgirão.
Mas, em contrário. ─ Mais verdadeiramente constituem a natureza humana os outros membros, que os cabelos e as unhas. Ora, estes restituir-se-ão aos resurrectos, como diz o Mestre. Logo e com maior razão, os outros membros.
2. Demais. ─ As obras de Deus são perfeitas, diz a Escritura. Ora, a ressurreição será obra divina. Logo, o ressurrecto se reconstituirá perfeito em todos os membros.
SOLUÇÃO. ─ Como diz Aristóteles, a alma exerce, no corpo, não só a função de forma e de fim, mas também a de causa eficiente. Pois, a alma está para o corpo como a arte para o artefato, no dizer do Filósofo. Ora, tudo o que explicitamente se mostra no artefato estava já contido implícita e originariamente na arte. Assim também tudo o que se revela nas partes do corpo, já está original e de certo modo implicitamente na alma. Mas, assim como a obra artística não seria perfeita se algo lhe faltasse do que a arte contém, assim nem o homem poderia ser perfeito se não se manifestasse externamente no corpo tudo o contido implicitamente pela alma. Nem então o corpo corresponderia à alma de maneira plenamente proporcionada. Ora, na ressurreição o corpo humano há de corresponder totalmente à alma, pois não ressurgirá senão na sua relação com a alma racional. Logo, o homem há de ressurgir perfeito, pois se reconstituirá para receber a sua última perfeição. Portanto, todos os membros que o corpo humano tiver nesta vida hão de reconstituir-se na ressurreição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os membros podem considerar-se a dupla luz, nas suas relações com a alma: ou na relação de matéria para forma, ou na de instrumento para agente. Ora, a mesma relação existe entre todo o corpo e toda a alma, e das partes entre si, como ensina Aristóteles. Se, pois, considerarmos os membros na primeira acepção, o fim deles não é a operação, mas antes, a perfeição da espécie, necessária também depois da ressurreição. Se, porém, os considerarmos na segunda acepção, então tem como fim a operação. Mas daí não se segue que o instrumento seja inútil por não poder exercer a sua operação própria; pois, o instrumento serve não só para executar a ação do agente, mas também para mostrar a sua virtude própria. Por onde, há de a virtude das potências da alma se revelar mediante instrumentos corpóreos, embora estes nunca sejam usados, para assim manifestar-se a sabedoria de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os intestinos ressurgirão com o corpo, assim como os outros órgãos. E estarão cheios não de imundos excrementos, mas de humores nobres.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os atos pelos quais merecemos não pertencem, propriamente falando, às mãos nem aos pés, mas ao homem total; assim como uma obra de arte não se atribui ao instrumento, mas ao artífice. Embora portanto um membro mutilado antes da penitência, não tenha cooperado ao estado glorioso merecido depois da ressurreição, contudo o homem completo é o que merece ser premiado, pois serviu a Deus com tudo o que tinha.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as cinzas de um corpo humano devem, na ressurreição, voltar a constituir a mesma parte do corpo que nelas se dissolveu.
1. ─ Pois, segundo o Filósofo, assim está toda a alma para todo o corpo, como uma parte da alma para uma parte do corpo; p. ex., o sentido da vista, para a pupila. Ora, depois da ressurreição o mesmo corpo há de ser reassumido pela mesma alma. Logo, também as mesmas partes do corpo virão a formar os mesmos membros, partes identicamente as mesmas de que a alma se servia como de órgãos.
2. Demais. ─ A diversidade material produz a diversidade numérica. Ora, se as cinzas não voltarem a constituir as mesmas partes a que pertenceram, essas partes já não serão formadas da mesma matéria de que antes eram feitas. Logo, já não serão numericamente as mesmas. Ora, sendo diversas as partes, também diverso há de ser o todo, pois, as partes estão para o todo como a matéria para a forma, na expressão do Filósofo. Logo, o ressurrecto não será idêntico ao que antes era. O que colide contra a verdade da ressurreição.
3. Demais. ─ O fim da ressurreição é fazer com que cada um receba a recompensa das suas obras. Ora, a obras diversas, meritórias ou demeritórias, foram executadas por partes diversas do corpo. Logo, na ressurreição, há de cada parte voltar ao seu estado, a fim de ser premiada como merece.
Mas, em contrário. ─ Os seres artificiais dependem mais estreitamente da sua matéria, que os naturais. Ora, nas cousas artificiais não é necessário, para reparar uma obra com a mesma matéria, que as partes dessa matéria sejam colocadas no mesmo lugar. Logo, nem é necessário que tal se de com o homem.
2. Demais. ─ A variação do acidente não causa a diversidade numérica. Ora, a situação das partes é um acidente. Logo, a sua diversidade no homem não produz nenhuma diversidade numérica.
SOLUÇÃO. ─ A questão vertente assume um aspecto diferente conforme se considera o que se poderá fazer, na ressurreição, sem prejuízo da identidade, ou o que se fará para conservar a conveniência.
Quanto ao primeiro ponto, devemos saber que é possível considerarem-se no homem duas espécies de partes diferentes: partes diferentes de um todo homogêneo, assim, diferentes partes de carne ou de ossos; ou partes de diversas espécies de um todo heterogêneo, como os ossos ou a carne. ─ Se, pois, dissermos, que na ressurreição, uma parte voltará a unir-se a outra parte da mesma espécie, isso nenhuma variedade causará senão na situação das partes. Ora, a situação diversa das partes não varia a espécie de um todo homogêneo. Por onde, se a matéria de uma parte voltar a unir-se com outra, nenhum detrimento daí advirá para a identidade do todo. E isso se dá no exemplo citado pelo Mestre: a estátua não volta a ser numericamente a mesma na sua forma, mas na sua matéria, enquanto uma determinada substância que é; e assim a estátua é homogênea, embora não por uma forma artificial. ─ Se se disser porém que a matéria de uma parte volta a unir-se a outra de espécie diferente, isso acarreta necessariamente a alteração não só da situação das partes, como também da identidade delas. Mas contanto que o transferido de uma para a outra parte seja a matéria total, o que verdadeiramente pertencia à natureza humana; não porém, se o supérfluo numa parte fosse o transferido para outra. Ora, desaparecida a identidade das partes, destruída fica a do todo, se se trata de partes essenciais; mas não se nos referimos a partes acidentais, como os cabelos e as unhas, a que se refere Agostinho. ─ Por onde é claro que transferência da matéria de uma parte para a outra é a que tolhe a identidade do todo e qual a que não tolhe.
Se se trata porém de conservar a conveniência, é mais provável que na ressurreição se conservará a mesma situação das partes, sobretudo a das partes essenciais e orgânicas; embora não talvez a das acidentais, como as unhas e os cabelos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A objeção colhe quanto às partes orgânicas e não quanto às semelhantes.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A situação diversa das partes da matéria não produz a diversidade numérica das mesmas, embora o produza a diversidade da matéria.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Uma operação, propriamente falando, não pertence à parte, mas ao todo. Por onde, prêmio não é devido à parte, mas ao todo.
O segundo discute-se assim. - Parece que não é o mesmo homem individualmente quem ressurgirá.
1. - Pois, como diz o Filósofo, seres com forma sujeita à corrupção e ao movimento não se reproduzem na sua realidade individual. Ora, tal é a substância do homem na vida presente. Logo, não pode, depois de sofrida a mudança causada pela morte, renascer individualmente o mesmo.
2. Demais. ─ Onde há humanidades diferentes não há um mesmo homem. Por isso, Sócrates e Platão são dois homens e não um só, porque difere a humanidade em ambos. Ora, a humanidade do ressurrecto não é a mesma da que teve neste mundo. Logo, o ressurrecto não é o mesmo homem que antes viveu. ─ A proposição média é susceptível de dupla prova. Primeiro, porque a humanidade, que é a forma do todo, não é uma forma e substância, como a alma, mas é apenas forma. Ora, tal forma pode reduzir-se completamente ao não-ser, e portanto não pode reiterar-se. Segundo, porque a humanidade resulta da união das partes. Ora, uma união anteriormente existente não pode reiterar-se identicamente a mesma, porque essa reiteração opõe-se à identidade; pois, implica pluralidade, ao passo que a identidade supõe a unidade; ora, pluralidade e unidade se excluem. Mas a união se reiterará, na ressurreição. Logo, não será a mesma união. E portanto, nem a mesma humanidade, nem o mesmo homem.
3. Demais. ─ Não há um mesmo homem onde há vários animais. Logo, não sendo o animal o mesmo, não será o homem individualmente o mesmo. Ora, onde não há o mesmo sentido não há o mesmo animal, porque o animal se define primariamente pelo sentido do tato, como está claro em Aristóteles. Ora, não havendo mais sentido na alma separada, como certos dizem, não pode ser reassumido idêntico ao que existia antes. Logo, na ressurreição o homem ressurrecto não será o mesmo ser animal que antes era. Portanto, nem o mesmo homem.
4. Demais. ─ A matéria da estátua mais principalmente a constitui do que constitui o homem a sua matéria; porque os seres artificiais a sua matéria os coloca totalmente no gênero da substância, ao passo que os naturais entram nesse gênero pela sua forma, como o prova o Filósofo e o Comentador. Ora, uma estátua feita do mesmo bronze, de outro já não será individualmente a mesma de antes. Logo e com maior razão, o homem reconstituído das mesmas cinzas já não será individualmente o mesmo que antes fora.
Mas, em contrário, a Escritura: A quem eu mesmo hei de ver e não outro, referindo-se à visão após a ressurreição. Logo, ressurgirá o homem idêntica e individualmente o mesmo.
2. Demais. ─ Agostinho diz, que ressurgir não é senão tornar a viver. Ora, não diríamos que reviveu portanto nem que ressurgiu se não voltou à vida o mesmo homem que antes morreu. O que é contra a fé.
SOLUÇÃO. ─ É necessário admitir a ressurreição, dado que o homem deve alcançar o fim último para o qual foi feito, e que não pode alcançar nesta vida nem na da alma separada do corpo. Aliás, o homem teria sido constituído em vão se não pudesse chegar ao fim para que foi feito. Ora, um ser deve atingir sempre individualmente idêntico a si próprio, o fim para que foi feito; do contrário teria sido feito em vão. Portanto, o homem há de ressurgir idêntico ao que individualmente existiu antes. E isto se dá ficando a mesma alma, individualmente idêntica a si própria, unida ao corpo individualmente o mesmo a que neste mundo esteve unida. Aliás não haveria propriamente ressurreição, se não fosse o mesmo homem o reconstituído. Por onde, afirmar que o ressurrecto não é idêntico ao que individualmente existiu antes, é herético e contrário à verdade da Escritura, que prediz a ressurreição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Filósofo se refere à reiteração pelo movimento ou pela mutação natural. Pois, mostra a diferença entre o movimento circular da geração e da corrupção e o do movimento circular do céu. Porque o céu, pelo movimento local, volta, identicamente o mesmo, ao princípio desse movimento; por ser uma substância incorruptível movida. Ao passo que os seres sujeitos à geração e à corrupção voltam ao mesmo tempo específico mas não individual. Assim, de um homem nasce o sangue, deste o sêmen e assim por diante, até chegar-se a outro homem idêntico ao primeiro pela espécie mas não individualmente. Do fogo nasce o ar, donde a água, donde a terra, donde de novo o fogo, idêntico ao primeiro, não individual, mas especificamente. Por onde é claro que a razão aduzida não vem, na intenção do Filósofo, a propósito.
Ou devemos responder que a forma dos seres sujeitos à geração e à corrupção não é por si subsistente, de modo a poder continuar a existir depois da corrupção do composto. O contrário se dá com a alma racional, que conserva, mesmo depois da separação do corpo, o ser que nele tinha. E na ressurreição, o corpo será participante dessa existência; porque quando unida ao corpo, não tem a alma uma existência distinta da dele; aliás a união de ambos seria acidental. E assim nenhuma interrupção sofrerá a existência substancial do homem a ponto de por causa dessa interrupção, não poder voltar a ser idêntico ao que individualmente antes era; ao contrário do que se dá com os outros seres corruptíveis, cuja existência desaparece totalmente com a separação da forma, porque a matéria deles assume outra existência.
Pois, nem o próprio homem retoma, pela geração natural, a mesma existência individual. Porque o corpo gerado do homem não se forma da matéria total do gerador. Por onde, há diversidade numérica no corpo e, por consequência na alma e em todo o homem.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ Duas são as opiniões sobre a humanidade e sobre qualquer forma de um todo. ─ Uns (S. A. Magno) dizem que a forma do todo é realmente idêntica à da parte; a forma da parte é a que aperfeiçoa a matéria; a forma do todo é a de onde resulta na sua totalidade a noção de espécie. E segundo esta opinião, a humanidade não é realmente diferente da alma racional. Por onde, como é individualmente a mesma alma racional que ressurgirá, a humanidade será numericamente a mesma. E esta subsistirá também depois da morte, embora não sob a noção de humanidade; porque, separado dela, o composto não logra a sua natureza específica. ─ Outra opinião, e mais verdadeira é a de Avicena, de acordo com a qual a forma do todo não é só a forma da parte, nem outra forma qualquer, diversa da parte, mas é o todo resultante da composição da forma e da matéria, compreendendo em si ambas. E essa forma do todo é chamada essência ou quididade. Logo, como na ressurreição o corpo será identicamente o mesmo de antes, e identicamente a mesma será a alma racional, por força a mesma também há de ser a humanidade.
Ora, a primeira opinião, de acordo com a qual a humanidade do ressurrecto será diferente da atual, procederia se a humanidade fosse uma outra forma superveniente à forma e à matéria. O que é falso. A segunda também não pode obstar a identidade da forma humana. Porque união significa ação ou paixão. As quais, embora diversas, não podem impedir a identidade da forma humana; pois, a ação e a paixão, de que se compunha a humanidade, não são da essência desta e portanto a diversidade delas não implica a diversidade humana. Assim, a geração e a ressurreição não são um mesmo movimento, nem por isso contudo fica impedida a identidade do ressurrecto com o gerado. ─ Semelhantemente, não fica impedida a identidade da humanidade, se tomarmos a união como relação. Porque essa relação não é da essência da humanidade, mas dela resulta. Pois, a humanidade não é daquelas formas, que consistem, como as formas dos artefatos, em composição e ordem, segundo ensina o Filósofo. Portanto, sobrevindo outra composição diferente a uma casa já a sua forma não será identicamente a mesma que antes era.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção conclui otimamente contra os que diziam ser a alma sensível e racional diversas no homem. Porque então a alma sensitiva do homem não seria, como a dos brutos, incorruptível. Por onde, o ressurrecto não teria a mesma alma sensível e por consequência não seria o mesmo animal nem o mesmo homem que antes fora. Se porém admitirmos que no homem a mesma alma é, na sua substância, racional e sensível, não cairemos nessas dificuldades. Pois, o animal é definido pelo sentido, enquanto alma sensitiva, como pela sua forma essencial; e, pelo sentido, enquanto potência sensitiva, conhecemos-lhe a definição, como pela forma acidental, que sobretudo contribui para conhecermos a quilididade, na expressão de Aristóteles. Ora, depois da morte, subsiste substancialmente tanto a alma sensível como a alma racional. Mas as potências sensitivas, segundo certos, não perduram. Essas potências porém, sendo propriedades acidentais, suas variações não podem destruir totalmente a identidade do animal, nem mesmo das partes deste. Nem se chamam as potências
perfeições ou atos dos órgãos senão por serem os princípios do agir, como o calor o é, do fogo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Uma estátua pode ser considerada a dupla luz: como uma determinada substância ou como obra de arte. E como entra no gênero da substância em razão da sua matéria, por isso, considerada enquanto substância, a segunda estátua, feita com a matéria da primeira, é individualmente idêntica a esta.
Mas pertence ao gênero das obras de arte, enquanto forma, que é um acidente, e desaparece com a destruição da estátua. Portanto, não pode mais reaparecer na sua identidade numérica nem poderia mais voltar a ser numericamente a mesma estátua de antes. Ora, a forma do homem, i. é, a alma, subsiste depois da dissolução do corpo. Portanto, não há símile.