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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 ─ Se a alma retomará, na ressurreição, o mesmo corpo a que estava unida antes.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a alma não retomará, na ressurreição, o mesmo corpo a que o estava unida antes.

1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Quando tu semeias, não semeias o corpo da planta que há de nascer, senão o mero grão. Ora, o Apóstolo aí compara a morte ao ato de semear, e a ressurreição, a germinação. Logo, a alma não retomará, na ressurreição, o mesmo corpo de que se separou na morte.
 
2. Demais. ─ A matéria deve adaptar-se à condição da sua forma; do mesmo modo, o instrumento, à do agente. Ora, o corpo está para a alma como a forma para a matéria, e como o instrumento para o agente. Mas a alma, depois da ressurreição, não estará na mesma condição em que agora está, porque ou será alçada à vida celeste, se já neste mundo viveu na expectativa dela; ou será rebaixada a uma vida de bruto, se como bruto viveu neste mundo. Logo, parece que não retomará o mesmo corpo de antes, mas um corpo celeste ou um animal.
 
3. Demais. ─ O corpo humano se resolverá, depois da morte, nos seus elementos, como se disse. Ora, aquelas partes elementares em que o corpo se resolveu, não convêm com o corpo humano, nelas resoluto, senão pela matéria prima. Modo pelo qual quaisquer outras partes dos elementos convêm com esse corpo. Se, portanto, o corpo fosse formado de outras partes elementares, já não seria identicamente o mesmo. Logo, também identicamente o mesmo não seria se fosse reconstituído pelas referidas partes.

4. Demais. ─ É impossível um corpo conservar a sua identidade individual se as suas partes essências são individualmente heterogêneas. Ora a forma do misto, que, como forma, é parte essencial do corpo humano, não pode ser retomada na sua identidade individual. Logo, o corpo não será identicamente o mesmo. ─ Prova da média. O que cai totalmente em a não existência não pode ser retomado na sua identidade individual. Pois, é claro, que não conserva a sua identidade individual o ser cuja existência é diversa; mas a existência interrompida, que é um ato do ser, é diversa. Ora, a a forma do misto cai totalmente em a não existência pela morte, por ser uma forma corpórea. E semelhantemente as qualidades contrárias, donde resulta a mistão. Logo, a forma do misto não poderá voltar a ser individualmente a mesma.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Na minha própria carne verei a Deus meu salvador. E se refere à visão após a ressurreição, como claramente o mostra o que precede: No derradeiro dia ressurgirei da terra. Logo, será o corpo identicamente o mesmo que ressurgirá.

2. Demais. ─ Como diz Damasceno, a ressurreição consiste em o corpo morto surgir de novo à vida. Ora, o corpo que agora temos pereceu pela morte. Logo, ressurgirá idêntica e individualmente o mesmo.

SOLUÇÃO. ─ Sobre esta questão tanto erraram certos filósofos como alguns heréticos modernos.

Assim, certos filósofos ensinaram que as almas separadas do corpo voltam a se unir com ele. Mas assim pensando, erravam em dois pontos. Primeiro, quanto ao modo de união; porque uns ensinavam que a alma separada de novo se une naturalmente ao corpo por via de geração. Segundo, quanto ao corpo a que se unia a alma. Pois, afirmavam que a segunda união não era identicamente com o mesmo corpo, de que pela morte se tinha separado, mas com outro, ora especificamente idêntico, ora diverso. Com um corpo diverso, quando a alma, enquanto unida ao corpo, levou uma vida contrária à alma racional; por isso passava, depois da morte, do corpo humano para o corpo do animal a cujo gênero de vida se havia conformado. Assim, num corpo de cão, se viveu entregue à luxúria; no do leão, se praticou rapinas e violências, e assim por diante. Com um corpo da mesma espécie porém, quando a alma, levando uma vida racional enquanto unida ao corpo, depois de ter gozado de uma certa felicidade, após a morte, começava, decorridos alguns séculos, a querer voltar a unir-se ao corpo; e assim de novo se unia ao corpo humano.

Ora, esta opinião se assenta em dois princípios errôneos. O primeiro é afirmarem que a alma não está unida ao corpo essencialmente, como a forma à matéria, mas só acidentalmente como o motor ao móvel, ou o homem ao seu vestuário. Daí podiam deduzir que a alma pré existia antes de ser infundida ao corpo gerado pela geração natural; e que também podia unir-se a corpos diversos. ─ O segundo é o admitirem que o intelecto não difere dos sentidos senão acidentalmente; e assim diziam que o homem, ao contrário dos irracionais, tem intelecto, por ter uma potência sensitiva mais perfeita em virtude da sua melhor compleição corpórea. Donde podiam concluir que a alma humana poderia se unir ao corpo de um bruto, sobretudo se viveu uma vida própria de brutos.

Ora, esses dois princípios referidos o Filósofo os refuta cabalmente; e refutados eles fica a nu a falsidade dessa opinião.

Do mesmo modo se refutam os erros de certos heréticos. Desses, uns repetiram as referidas opiniões dos filósofos. ─ Outros ensinaram que as almas se unirão de novo a corpos celestes ou ainda a corpos subtis como o vento, como refere Gregório de certo bispo Constantinopolitano, quando expõe as palavras de Job: Na minha própria carne verei a Deus, etc.

Além disso, os erros desses heréticos podem ser refutados por contrariarem a verdade da ressurreição, proclamada pela Sagrada Escritura. Pois, não pode haver ressurreição senão voltando a alma a unir-se de novo ao mesmo corpo; porque a ressurreição consiste em surgir de novo à vida. Ora, é o mesmo ser que morre que ressurge. Por onde, a ressurreição mais respeita ao corpo, que se dissolve depois da morte, que a alma que vive depois da morte. Portanto, se o corpo que a alma reassume não é o mesmo a que esteve unida, não poderemos falar de ressurreição, mas antes de assunção de um novo corpo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A comparação citada não se aplica totalmente, mas só em parte. Pois, na semeadura do grão, o grão semeado não idêntico individualmente ao germinado; nem se apresenta do mesmo modo porque quando semeado não tinha folículos, que tem quando germina. Ao contrário, o corpo ressurrecto será individualmente idêntico ao morto, mas com atributos diversos, pois, de mortal, que era, ressurge imortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A diferença entre a alma de um ressurrecto e a do que ainda vive neste mundo não é fundada em nada de essencial, mas na glória e na miséria, que causam uma diferença apenas acidental. Por onde, não é necessário que o corpo ressurrecto seja diferente do que morreu, mas basta que tenha atributos diferentes, a fim de a diferença dos corpos ser proporcionada à das almas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O que se concebe na matéria, anteriormente à forma, nela subsiste depois da corrupção; pois, removido o posterior, pode ainda permanecer o anterior. Ora, como nota o Comentador na matéria dos seres sujeitos à geração e à corrupção concebe-se, antes da forma substancial, dimensões indeterminadas, nas quais se funda a divisão da matéria, de modo que partes diversas dela possam receber formas diversas. Por onde, depois de a forma substancial se separar da matéria, ainda essas dimensões permanecem as mesmas. E assim, a matéria existente com essas dimensões, seja qual for a forma que recebam, tem maior identidade com o que dela foi gerado, que qualquer outra parte da matéria existente sob qualquer outra forma. Por onde, na reconstituição do corpo humano será aplicada a mesma matéria de que antes fora feito.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como uma qualidade simples não é a forma substancial do elemento, mas um acidente próprio dele e uma disposição que torna a matéria própria a tal forma, assim a forma do misto, qualidade resultante de qualidades simples, numa união proporcional, não é forma substancial do corpo misto, mas um acidente próprio e uma disposição que torna a matéria necessária à forma. Ora, o corpo humano, além dessa forma de mistão, não tem nenhuma outra forma substancial senão a alma racional; pois, se tivesse outra forma substancial anterior, essa dar-lhe-ia o ser substancial e então ficaria constituído por ela no gênero da substância. E assim a alma viria a unir-se a um corpo já constituído no gênero da substância. E então a alma estaria para o corpo como as formas artificiais para as suas matérias, se se leva em conta que por esta ficam constituídas no gênero da substância. Por onde, a união da alma e do corpo seria acidental ─ erro dos antigos Filósofos, refutados pelo Filósofo. E daí também se seguiria que o corpo humano e cada uma das suas partes não podiam mais conservar, depois da união com a alma, as mesmas denominações que tinham antes; o que vai contra o que ensina o Filósofo. Portanto, como a alma racional é imortal, nenhuma forma substancial do corpo humano é totalmente reduzida ao não ser. Quanto à variação das formas acidentais, não produz nenhuma diversidade numérica. Portanto, será o mesmo corpo, individualmente, que ressurgirá, pois a alma retomará a mesma matéria anterior, como dissemos na resposta à objeção precedente.

Art. 3 ─ Se as cinzas, de que o corpo humano se reconstituirá, tem alguma inclinação natural para a alma que lhe estava unida.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as cinzas, de que o corpo humano se reconstituirá, tem uma inclinação natural para a alma que lhe estava unida.

1. ─ Pois, se nenhuma inclinação tivesse para a alma, estaria para ela como as cinzas dos outros corpos. Logo, nenhuma diferença haveria em o corpo, que devesse estar unido a essa alma, ser reconstituído das cinzas próprias dele ou das de outro. O que é falso.
 
2. Demais. ─ Maior é a dependência do corpo, da alma, que da alma, do corpo. Ora, a alma separada do corpo ainda tem uma certa dependência dele; por isso fica retardada a sua tendência para Deus, pelo desejo que tem a se unir ao corpo, como diz Agostinho. Logo e com maior razão, separado da alma, a que estava unido, tem o corpo para ela uma inclinação natural.

3. Demais. ─ Job diz: Os seus ossos se encherão dos vícios da sua mocidade e com ele dormirão no pó. Ora, vícios só os pode ter a alma. Logo, as cinzas do corpo ainda conservarão uma inclinação natural para a alma a que estava unida.

Mas, em contrário. ─ O corpo humano pode resolver-se nos seus elementos próprios ou converter-se na carne dos outros animais. Ora, os elementos são homogêneos; e semelhantemente, a carne do leão ou de outro animal qualquer. Logo, como as partes dos elementos ou dos animais não tem nenhuma inclinação natural para alma a que estiverem unidas, também as partes em que se converteu o corpo humano terá qualquer inclinação para a alma a que esteve unido. O que se conclui do seguinte lugar de Agostinho: O corpo humano, seja qual for a substância dos outros corpos ou os elementos a que se reduza; quaisquer que sejam os animais ou os homens a que sirva de alimento ou em cujas carnes se transforme, voltará a unir-se num momento àquela alma humana, que primeiro a animou para que se tornasse um homem, vivesse e crescesse.

2. Demais. ─ A toda inclinação natural corresponde um agente natural; aliás falharia em matéria necessária. Ora, nenhum agente natural pode fazer com que um corpo humano, reconstituído das suas cinzas, se una de novo à alma a que pertencia. Logo, essas cinzas nenhuma inclinação natural tem à referida união.

SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há três opiniões.

Uns dizem que os corpos humanos nunca se resolverão nos seus elementos primitivos. E assim as suas cinzas sempre conservarão uma virtude acrescentada aos elementos, que produz uma inclinação natural para a mesma alma. ─ Mas esta opinião encontra à autoridade citada de Agostinho, tanto literalmente, quanto ao sentido; pois, todos os compostos de elementos contrários podem resolver-se nesses elementos componentes. Por isso outros são de opinião que essas partes elementares, em que o corpo humano se resolve, conservam mais luz que os outros elementos, por terem estado unidos a uma alma humana. Por isso tem uma certa inclinação para as almas humanas. ─ Mas, não menos frívola que a anterior é esta opinião. Porque as partes dos elementos tem a mesma natureza e participam igualmente da luz e da obscuridade.

Devemos, portanto, admitir que essas cinzas não têm nenhuma inclinação natural para a ressurreição, senão só por ordem da divina providência, que determinou a essas cinzas se unirem de novo à alma. Donde resulta que as partes dos elementos se unirão às almas a que anteriormente pertenceram, e não partes alheias.

Donde se deduz a resposta à primeira objeção.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A alma separada do corpo conserva a mesma natureza que tinha, quando estava unida ao corpo. O que não se dá com o corpo. Por onde, o símil não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As palavras citadas de Job não devem entender-se como significando que as cinzas dos mortos permanecem atualmente pecaminosas; mas que, segundo a ordem da divina justiça, essas cinzas são destinadas à separação do corpo que, pelos pecados cometidos, será eternamente cruciado.

Art. 2 ─ Se todos ressuscitarão das suas cinzas.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que nem todos ressurgirão das cinzas.

1. ─ Pois, a ressurreição de Cristo é o modelo da nossa. Ora, Cristo não ressurgiu das cinzas, porque a sua carne não viu a corrupção, no dizer da Escritura. Logo, nem todos ressurgirão das cinzas.

2. Demais. ─ O corpo do homem nem sempre é queimado. Ora, nada pode ser reduzido a cinzas senão pela combustão. Logo, nem todos os homens ressurgirão das cinzas.

3. Demais. ─ O corpo de um homem morto não se reduz a cinzas imediatamente depois da morte. Ora, certos ─ os que viverem no fim do mundo ─ ressurgirão logo depois de mortos, como diz o Mestre. Logo, nem todos ressurgirão das cinzas.

4. Demais. ─ O termo de origem corresponde ao termo final. Ora, o termo final da ressurreição não é o mesmo para os bons e para os maus, conforme àquilo do Apóstolo: Todos certamente ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados. Logo, o termo de origem não será o mesmo para todos. Portanto, se os maus hão de ressurgir das suas cinzas, não o hão de os bons.

Mas, em contrário, diz Haymo: Todos os nascidos em pecado original terão que cumprir a sentença ─ és terra e em terra te tornarás. Ora, todos os que ressurgirem, na ressurreição universal, foram réus do pecado original, ou por terem assim nascido do ventre materno, ou pelo menos por terem sido concebidos assim no ventre materno. Logo, todos ressurgirão das suas cinzas.

2. Demais. ─ Muitas cousas há no corpo humano que não pertencem verdadeiramente à natureza humana. Ora, tudo isso há de ser eliminado. Logo, todos os corpos hão necessariamente de reduzir-se a cinzas.

SOLUÇÃO. ─ Pelas mesmas razões por que provamos que todos ressurgirão da morte, provaremos também que todos ressurgirão das cinzas, na ressurreição universal: salvo se a certos, por privilégio especial da graça lhes for concedido o contrário, assim como também lhes pode ser concedido ressurgir antes. Pois, a Escritura Santa prediz a ressurreição, assim também a reconstituição dos corpos. Por onde e necessariamente, assim como todos hão de morrer para poderem com verdade ressurgir, assim os corpos de todos hão de dissolver-se para que todos possam reconstituir-se. Porque, assim como a justiça divina infligiu aos homens a morte como pena, assim também a dissolução do corpo, conforme o diz a Escritura: Tu és terra e em terra te tornarás. Do mesmo modo, a ordem da natureza exige não sàmente a separação da alma do corpo, mas ainda a mistura dos elementos; assim como o vinagre não pode retomar a qualidade do vinho senão depois de feita a sua resolução na matéria primitiva. Ora, essa mistura mesma dos elementos é causada e conservada pelo movimento do céu; cessado o qual, todos os corpos mistos se resolverão nos seus elementos simples.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A ressurreição de Cristo é o modelo da nossa, quanto ao termo final, mas não quanto ao termo original.

RESPOSTA À SEGUNDA ─ Por cinzas se entendem todos os restos do corpo humano dissolvido, por duas razões. ─ Primeiro, porque era costume dos antigos queimar o corpo dos mortos e conservar-lhes a cinza. Donde o ter prevalecido o costume de se chamarem cinzas os elementos em que se resolve o corpo humano. ─ Segundo, pela causa da resolução, o fogo da concupiscência, que infeccionou radicalmente o corpo humano. Por isso, a fim de purificar dessa infecção, há de o corpo humano resolver-se até os seus elementos componentes. Ora, do que se resolve pelo fogo dizermos que se reduziu a cinzas. Donde a denominação de cinzas dada aquilo em que se o corpo humano resolve.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fogo, que há de purificar a face do mundo, poderá reduzir imediatamente a cinzas os corpos dos que viverem então, assim como resolverá a matéria primitiva os outros corpos mistos.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O movimento não se especifica pelo seu termo de origem, mas pelo termo final. Por onde, a ressurreição dos santos, que será gloriosa, há de por força diferir da dos ímpios, que não será gloriosa, pelo termo final e não pelo termo original. Pois, como acontece frequentemente, pede um corpo partir do mesmo ponto de origem e chegar a pontos finais diversos; poderá, de negro, passar a ser branco ou amarelo.

Art. 1 ─ Se para todos a morte será o termo original da ressurreição.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a morte não será para todos o termo original da ressurreição.

1. ─ Pois, certos não morrerão mas serão revestidos de imortalidade; assim, o Símbolo diz que o Senhor virá julgar os vivos e os mortos. Ora, isto não pode entender-se do tempo do juízo, porque então todos estarão vivos. Logo, essa distinção entre vivos e mortos há de necessariamente referir-se ao tempo precedente. Portanto, nem todos morrerão antes do juízo.

2. Demais. ─ Um desejo natural e comum não pode ser a tal ponto estéril e vão, que nunca se realize. Ora, segundo o Apóstolo, é desejo comum, que não queremos ser despojados, mas sim revestidos por cima. Logo, certos haverá que nunca serão despojados do corpo pela morte, mas se revestirão da glória da ressurreição.

3. Demais. ─ Agostinho diz, que as quatro últimas petições da oração dominical concernem à vida presente. Uma delas é ─ perdoai-nos as nossas dívidas. Logo, a Igreja pede lhe sejam perdoadas nesta vida as suas dívidas. Ora, a oração da Igreja não pode ser a tal ponto vã, que não seja ouvida, segundo aquilo do Evangelho: Se vós pedirdes a meu Pai alguma causa em meu nome, ele vo-la há de dar. Portanto, a Igreja, nalgum tempo desta vida, alcançará a remissão de todas as dívidas. Ora, uma dessas dívidas que contraímos pelo pecado dos nossos primeiros pais, é nascermos com o pecado original. Logo, um dia o Senhor concederá à Igreja, que os homens nasçam sem pecado original. Ora, a morte é a pena do pecado original. Portanto, certos homens, no fim do mundo, não morrerão. Donde a mesma conclusão que antes.

4. Demais. ─ O sábio deve sempre escolher o caminho mais curto. Ora, transferir imediatamente à impassibilidade da ressurreição os que então estiverem vivos é caminho mais curto do que ressurgi-los da morte para a imortalidade, depois de terem morrido. Logo, Deus, suma sabedoria, tomará esse caminho em relação aos que então estiverem vivos. Donde a mesma conclusão que antes.

Mas, em contrário. ─ Diz o Apóstolo: O que tu semeias não se vivifica se primeiro não morre. E fala, com a semelhança de semente da ressurreição dos corpos. Logo, os corpos ressurgirão da morte.

2. Demais. ─ O Apóstolo diz: Porque como a morte veio por Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Ora, em Cristo todos serão vivificados. Logo, em Adão todos morrerão. Portanto, da morte é que todos ressurgirão.

SOLUÇÃO. ─ Os Santos Padres resolvem diversamente esta questão, como diz o Mestre. A opinião porém mais segura e comum é que todos morrerão e depois ressurgirão. ─ E isto por três razões. Primeiro, por estar mais de acordo com a justiça divina, que condenou a natureza humana por causa do pecado cometido pelos nossos primeiros pais; de modo que todos os que, pela origem natural deles recebera, contraíram a infecção do pecado original, ficassem consequentemente sujeitos à morte. ─ Segundo, por estar mais de acordo com a divina Escritura, que
prediz a futura ressurreição de todos. Ora, a ressurreição não é própria senão de quem perdeu a vida pela dissolução do corpo, como diz Damasceno. ─ Terceiro, porque melhor concorda com a ordem da natureza, que nos mostra que tudo o corrupto e viciado não se reduz à sua pureza primitiva senão mediante a corrupção; assim o vinagre não volta a ser vinho senão depois de corrupto e transformado no suco da uva. Ora, como a natureza humana degradou-se e ficou sujeita à morte, não poderá readquirir a imortalidade senão mediante a morte. Esta
opinião melhor concorda com a ordem da natureza ainda por outra razão. Porque, segundo ensina Aristóteles, o movimento do céu é como que a vida para todos os seres da natureza; assim como o movimento do coração é de certo modo a vida de todo o corpo. Por onde, assim como cessado o movimento do coração, todos os membros morrem, assim, cessado o movimento do céu, não pode nenhum ser vivo continuar a ter aquela vida que se conservava por influência desse movimento. Ora, essa é a vida que agora vivemos. Por onde, é necessário que a percam os que estiverem vivos quando cessar o movimento do céu.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa distinção entre mortos e vivos não deve aplicar-se ao tempo mesmo do juízo, nem à totalidade do tempo passado, porque todos os que deverão ser julgados Em certo tempo foram vivos e, em certo outro, mortos; mas sim, àquele tempo determinado imediatamente precedente ao juízo, quando começarem a se manifestar os sinais dele.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O desejo perfeito dos santos não pode ser vão; mas nada impede que lh'o seja o desejo condicionado. Ora, quando desejam ser revestidos da imortalidade sem serem despojados do corpo mortal, se o for possível, nutrem um desejo condicionado. E esse é chamado por certos veleidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ É errôneo afirmar que alguém mais, além de Cristo, foi concebido sem pecado original. Do contrário, os que assim fossem concebidos não precisariam da redenção, operada por Cristo. E este seria então o redentor de todos os homens. ─ Nem colhe dizer que dessa redenção não precisaram por lhes ter sido concedido que fossem concebidos sem pecado; porque ou a graça lhe foi feita aos pais de ficarem isentos do vicio da natureza, sem o que não poderiam engendrar filhos isentos do pecado original; ou foi feita à natureza mesma, que foi sanada. Ora, devemos admitir que cada um precisa pessoalmente da redenção de Cristo, e não só em razão da natureza. Pois, ser livrado do mal ou perdoado de uma dívida não o pode senão quem a contraiu ou foi contaminado do mal. Por onde, não poderiam todos colher em si mesmos o fruto da oração dominical, se não tivessem todos nascido devedores e sujeitos ao mal. Portanto, as expressões ─ perdão das dívidas, ou, liberação do mal ─ não podem aplicar-se a quem nasceu sem dívida ou isento do mal, senão só a quem, nascido devedor, foi depois liberado pela graça de Cristo. ─ Mas mesmo concedendo que se possa afirmar sem erro, que certos morrerão, daí não se pode deduzir que nasceram sem culpa original, embora a morte seja a pena do pecado original. Porque Deus pode, na sua misericórdia, perdoar a pena a que um esteja obrigado pela culpa pretérita; assim, quando despediu a adúltera sem lhe impor nenhuma pena. Do mesmo modo, poderá liberar da morte os que lhe contraíram o reato, nascendo com o pecado original. Por onde, não há sequência no raciocínio: Se não hão de morrer é que nasceram sem pecado original.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Devemos escolher sempre o caminho mais curto, mas nem sempre, senão só quando mais ou igualmente acomodado à consecução do fim. O que não se dá no caso vertente, como do sobre dito se colhe.

Art. 4 ─ Se a ressurreição se dará súbita ou sucessivamente.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição não se dará de súbito, mas sucessivamente.

1. ─ Porque a Escritura prediz a ressurreição dos mortos quando diz: Os ossos se chegaram uns para os outros; e olhei, e eis que vieram sobre os tais ossos nervos e carnes para os revestir e neles foi estendida a pele por cima, mas eles ainda não tinham o espírito. Logo, a restauração dos corpos precederá no tempo a sua união com a alma. Portanto, a ressurreição não se dará de súbito.

2. Demais. ─ O que depende de vários atos sucessivos não pode fazer-se subitamente. Ora, a ressurreição depende dos seguintes atos sucessivos: a reunião das cinzas, a reconstituição do corpo e a infusão da alma. Logo, não poderá fazer-se subitamente.
 
3. Demais. ─ Todo som se mede pelo tempo. Ora, o som da trombeta será a causa da ressurreição, como se disse. Logo, a ressurreição se realizará num certo tempo e não subitamente.

4. Demais. ─ Nenhum movimento local pode ser súbito, como ensina Aristóteles. Ora, a ressurreição supõe o movimento local necessário à reunião das cinzas. Logo, não se dará subitamente.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Todos certamente ressuscitaremos num momento, num abrir e fechar de olhos. Logo, a ressurreição será súbita.

2. Demais. ─ Um poder infinito obra subitamente. Ora, Damasceno diz que a ressurreição será um efeito do poder divino, que sabemos ser infinito. Logo, a ressurreição será súbita.
 
SOLUÇÃO. ─ Para a ressurreição contribuirá em parte o ministério angélico e, em parte, o poder divino, como se disse. Ora, a obra do ministério angélico não será instantâneo, tomando-se o instante como um tempo imperceptível. O poder divino porém obrará subitamente, i. é, ao termo do tempo em que os anjos terminarem a sua obra; porque o poder superior torna perfeita a do inferior.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Ezequiel, como Moisés, falava a um povo rude. Ora, Moisés dividiu em seis dias a obra da criação, para poder a sua linguagem ser entendida de um povo rude, embora toda ela fosse feita simultaneamente, como ensina Agostinho. Assim também Ezequiel exprimiu como diversas as fases da futura ressurreição, embora todas hajam de realizar-se instantaneamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora as operações referidas sejam naturalmente sucessivas umas às outras, são porém temporalmente simultâneas; porque ou se realizam num só instante, ou uma será no instante em que a outra terminar.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O mesmo se deve dizer desse som, que das formas dos sacramentos; i. é, que o som produzirá o seu efeito no seu último instante.
 
RESPOSTA À QUARTA. ─ A congregação das cinzas, que não poderá realizar-se sem o movimento local, se fará pelo ministério dos anjos. Por isso se dará num tempo, mas imperceptível, por causa da facilidade de obrar própria dos anjos.

Art. 3 ─ Se a ressurreição terá lugar de noite.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição não será durante a noite.

1. ─ Porque não haverá ressurreição, a menos que o céu não seja consumido, como diz a Escritura. Ora, cessado o movimento do céu, que é ser consumido, não haverá mais tempo, nem noite, nem dia. Logo, a ressurreição não terá lugar de noite.

2. Demais. ─ O fim é o que de mais perfeito devem ter as cousas. Ora, com a ressurreição terá fim o tempo; por isso diz a Escritura que então não haverá mais tempo. Portanto existirá o tempo na sua perfeição. Logo, haverá dias.

3. Demais. ─ A qualidade do tempo deve ser apropriada ao que nele se faz; por isso o Evangelho refere que Judas se separou de noite da convivência com Cristo, luz eterna. Ora na ressurreição todas as cousas agora ocultas terão a sua completa manifestação; porque quando vier o Senhor não só porá às claras o que se acha escondido nas mais profundas trevas, mas descobrirá ainda o que há de mais secreto nos corações, como diz o Apóstolo. Logo, a ressurreição deverá ser de dia.

Mas, em contrário. ─ A ressurreição de Cristo é o modelo da nossa. Ora, teve lugar de noite, como diz Gregório. Logo, também de noite será a nossa.

2. Demais. ─ O advento do Senhor é comparado pelo Evangelho à entrada de um ladrão numa casa. Ora, o ladrão penetra nas casas de noite. Logo de noite é que o Senhor virá. Ora, desde que venha terá lugar a ressurreição. Logo, esta se dará de noite.

SOLUÇÃO. ─ A hora exata da ressurreição não pode ser conhecida com certeza como diz o Mestre. Contudo dizem certos com alguma probabilidade que será no crepúsculo da manhã estando o sol no oriente e a lua a ocidente. Pois, é crença que o sol e a lua foram criados nessa disposição; de modo que o seu movimento circular se perfará pela volta completa ao ponto de partida. Por isso se diz que Cristo ressurgiu nessa hora.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A ressurreição não terá lugar no tempo, mas no termo do tempo; pois, no mesmo instante em que cessar o movimento do céu se dará a ressurreição dos mortos. Entretanto, os astros ocuparão então o mesmo lugar que ocupam através das idades num momento dado. E nesse sentido se diz que a ressurreição se dará em tal hora ou em tal outra.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O momento mais perfeito do tempo é o do meio dia, por causa da maior intensidade da luz solar. Mas, na ressurreição a cidade de Deus não terá necessidade da luz da lua nem da do sol, porque o Senhor Deus a alumiará. Portanto, sob este aspecto, não importa que a ressurreição seja de dia ou de noite.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O tempo da ressurreição convém que seja manifesto, quanto às causas que nele se realizarão; e o oculto quanto à sua determinação. Por isso pode muito bem convir que a ressurreição se dê tanto de dia como de noite.

Art. 2 ─ Se esse tempo é oculto.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que esse tempo não é oculto.

1. ─ Pois, daquilo cujo princípio é determinadamente conhecido podemos também conhecer determinadamente o fim; porque tudo se mede por um certo período, na expressão de Aristóteles. Ora, conhecemos determinadamente o princípio do mundo. Logo, também lhe podemos conhecer determinadamente o fim. Pois, será então o tempo da ressurreição e do juízo. Portanto, esse tempo não será oculto.

2. Demais. ─ A Escritura diz que a mulher, símbolo da Igreja, tem um retiro, que Deus lhe preparou, para nele sustentar-se por mil duzentos e sessenta dias. E Daniel também conta um número determinado de dias, que parece significarem anos, segundo aquele passo: Um dia que eu te dei por cada ano. Logo, pela leitura da Sagrada Escritura podemos saber com precisão o tempo do fim do mundo e da ressurreição.

3. Demais. ─ A duração do Testamento Novo foi prefigurada no Velho. Ora, sabemos com precisão o tempo que durou o Testamento Velho. Logo, com a mesma precisão podemos saber o tempo que há de durar o Novo. Ora, Novo há de durar até o fim do mundo; donde dizer o Evangelho: Estai certos de que eu estou convosco até a consumação do século. Portanto, podemos saber com certeza o tempo do fim do mundo e da ressurreição.

Mas, em contrário. ─ O que os anjos ignoram há de com maioria de razão ser oculto aos homens. Pois, aquilo que os homens podem alcançar com a razão natural muito mais clara e certamente podem saber os anjos com o seu conhecimento natural. Além disso, revelações não se fazem aos homens senão mediante os anjos, como está claro em Dionísio. Ora, os anjos não conhecem o tempo exato do fim do mundo, conforme àquilo do Evangelho: De aquele dia nem de aquela hora ninguém sabe, nem os anjos do céu. Logo, esse tempo será oculto aos homens.

2. Demais. ─ Os Apóstolos conheceram melhor os segredos de Deus, que os homens que lhes sucederam. Pois, como diz o Apóstolo, eles tiveram as primícias do espírito. O que a Glosa explica: Mais cedo no tempo e mais abundantemente que os outros homens. Ora, o Senhor lhes respondeu, quando lhe perguntavam sobre o fim do mundo: Não é da vossa conta saber os tempos nem momentos que o Pai reservou ao seu poder. Logo e com maior razão, tal tempo será oculto aos outros homens.

SOLUÇÃO. ─ Como ensina Agostinho, os últimos tempos do gênero humano, que medeiam entre o advento do Senhor, e o fim do século, é incerta quantas gerações abrangerá; do mesmo modo que a velhice, última idade do homem, não tem tempo determinado, medido segundo os outros períodos da vida, pois pode abranger ela só tanto tempo quanto todas as outras idades juntas. E a razão disso é que o tempo exato das idades futuras não no podemos saber senão pela revelação ou pela razão natural. Ora, o tempo que decorrerá até a ressurreição não pode ser computado pela razão natural. Porque a ressurreição e a cessação do movimento do céu se darão simultaneamente, como dissemos. Ora, do movimento deriva o número de todos os acontecimentos futuros susceptíveis de serem previstos pela razão natural como havendo de suceder-se num tempo determinado. Pelo movimento do céu porém não lhe podemos prever o fim; porque, sendo circular, pode pela sua natureza mesma durar perpetuamente. Por onde, não podemos, pela razão natural, fazer o computo do tempo que decorrerá até a ressurreição. Nem o podemos saber pela revelação; e Deus assim o quis para estarmos sempre prontos e preparados para a vinda de Cristo. Por isso, aos próprios Apóstolos, que lh'o perguntavam, Cristo lhes respondeu: Não é da vossa conta saber os tempos nem os momentos que o Pai reservou ao seu poder. Ao que diz Agostinho: Essas palavras impõem silêncio aos temerários, que contam como nos dedos os anos que nos separam do fim do mundo. Ora, o que Cristo não quis revelar aos Apóstolos, que lh'o inquiriam, também não revelará aos mais. Por isso todos os que pretenderam fazer o computo desses tempos a experiência até agora os convenceu de falsiloquos. Assim, como o refere Agostinho no mesmo lugar, certos calcularam que poderiam completar-se quatrocentos anos desde a ascensão do Senhor até ao seu último advento; outros quinhentos; outros mil. E é patente o erro de todos. Sê-lo-á também o de todos os que ainda persistem nesse computo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Daquilo de que sabemos o fim por um princípio conhecido, também havemos por força de lhe conhecer a medida. Por onde, conhecido o princípio de um fenômeno cuja duração se mede pelo movimento do céu, podemos lhe conhecer o fim, porque o movimento do céu nos é conhecido. Mas a medida da duração do movimento do céu é somente a disposição divina, que nos é oculta. Portanto, por mais que lhe conheçamos o princípio, não lhe podemos saber o fim.
 
RESPOSTA Á SEGUNDA. ─ Os mil duzentos e sessenta dias, mencionados pela Escritura, significam o tempo total da duração da Igreja, sem determinação de nenhum número de anos. E isto porque a predicação de Cristo, sobre a qual, está fundada a Igreja, durou três anos e meio, tempo quase igual ao número de dias dado pelo profeta. Semelhantemente, o número de dias dado por Daniel não se refere a nenhum número determinado de anos que hão de decorrer até o fim do mundo, ou até a pregação do anticristo; mas deve referir-se ao tempo durante o qual pregará o anticristo e que durará a sua perseguição.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora o estado do Novo Testamento fosse prefigurado em geral pelo estado do Velho, não é forçoso porém que todas as particularidades de um e de outro entre si se correspondam. Sobretudo que em Cristo se completaram todas as figuras do Velho Testamento. Por isso Agostinho, respondendo a certos, que queriam deduzir do número das pragas do Egito e das perseguições que a Igreja sofreu e há de sofrer, diz: Quanto a mim, não penso que as pragas sofridas no Egito signifiquem profeticamente as perseguições que deve padecer a Igreja. Sem dúvida os de opinião contrária descobrem, com rebuscadas e engenhosas comparações, correspondências entre os fatos, num e noutro caso. Mas não há aí nenhum espírito profético, senão simples conjecturas da mente humana, umas vezes verdadeiras, falsas outras. ─ E do mesmo modo devemos julgar as predições do Abade Joaquim, que por meio de tais conjecturas, fez certas predições, verdadeiras umas e outras falsas.

Art. 1 - Se o tempo da ressurreição deve ser diferido até ao fim do mundo, para todos ressurgirem simultaneamente.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o tempo da ressurreição não deve ser diferido até ao fim do mundo, para todos ressurgirem simultaneamente.

1. ─ Pois, maior é a conveniência entre a cabeça e os membros que dos membros entre si; como também maior é a conveniência entre a causa e o efeito que a dos efeitos entre si. Ora, Cristo, que é a nossa cabeça, não diferiu a sua ressurreição até ao fim do mundo para que ressurgisse juntamente com todos. Logo, não é forçoso que a ressurreição dos santos primitivos seja diferida até ao fim do mundo, a fim de ressurgirem junto com todos os mais.
 
2. Demais. ─ A ressurreição da cabeça é a causa da ressurreição dos membros. Ora, a ressurreição de certos membros mais nobres, por causa da sua vizinhança com a cabeça, não foi dilatada até ao fim do mundo, mas se seguiu logo à ressurreição de Cristo. Assim, como piamente se crê, a da SS. Virgem e a de João Evangelista. Portanto, também a ressurreição dos demais tanto estará mais próxima à de Cristo quanto mais lhe foram conformes pela graça e pelo mérito.

3. Demais. ─ O estado do homem é mais perfeito e mais conforme à imagem de Cristo no Novo que no Velho Testamento. Ora, certos Patriarcas do Testamento Velho ressurgiram depois da ressurreição de Cristo, segundo aquilo do Evangelho: Muitos corpos de santos, que eram mortos, ressurgiram. Logo, parece que nem a ressurreição dos santos do Novo Testamento deve ser diferida até o fim do mundo, para ressurgirem com os demais.

4. Demais. ─ Depois do fim do mundo não haverá mais contagem de anos. Ora, a Escritura conta ainda muitos anos desde a ressurreição de vários mortos até a ressurreição dos outros. Assim, diz num passo: Vi as almas dos decapitados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus. E mais adiante: E viveram e reinaram com Cristo mil anos; e os outros mortos não tornaram à vida até que sejam contados mil anos. Logo, a ressurreição de todos não será diferida até o fim do mundo, para todos ressurgirem simultaneamente.
 
Mas, em contrário, a Escritura: O homem, quando dormir, não ressurgirá, a menos que o céu não seja consumido, não se levantará nem despertará do seu sono; e se refere ao sono da morte. Logo, até o fim do mundo, quando o céu for consumido, será diferida a ressurreição dos homens.

2. Demais. ─ O Apóstolo diz: Todos estes provados pelo testemunho da fé não receberam a recompensa prometida, i. é, a plena beatitude da alma e do corpo; tendo disposto Deus alguma causa melhor a nosso favor, para que eles, sem nós, não fossem consumados, i. é, aperfeiçoados; para que a glória de cada um se tornasse maior com a glória de todos. Ora, a ressurreição não será antes da glorificação dos corpos; porque Cristo reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso; e os filhos da ressurreição serão como os anjos no céu. Logo, a ressurreição será diferida até o fim do mundo, quando todos ressurgirão ao mesmo tempo.

SOLUÇÃO. ─ Como diz Agostinho, a divina providência estatuiu que os corpos mais grosseiros e inferiores fossem governados numa certa ordem pelos mais subtis e potentes. Por isso toda a matéria dos corpos inferiores depende da variação do movimento dos corpos celestes. Seria, pois, contra a ordem, que a divina providência estabeleceu para o universo, se a matéria dos corpos inferiores caísse num estado de incorrupção, enquanto permanecesse o movimento dos corpos superiores. E como, segundo os ensinamentos da fé, a ressurreição será para uma vida imortal semelhante à de Cristo, que tendo ressurgido dos mortos já não morre, na frase do Apóstolo, por isso a ressurreição dos corpos humanos será dilatada até o fim do mundo, quando cessará o movimento do céu. E por isso também certos filósofos, ensinando que o movimento dos céus não cessará nunca, ensinaram também a volta das almas humanas a corpos mortais, como os nossos. Uns, como Empédocles, eram de opinião que as almas voltarão a se unirem aos mesmos corpos, no fim do grande ano; a corpos diferentes, outros, como Pitágoras, para quem qualquer alma pode unir-se a qualquer corpo, como refere Aristóteles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a cabeça mais convenha com os membros ─ do que os membros entre si ─ por uma conveniência de proporção, necessária para poder influir neles, contudo exerce a cabeça uma certa causalidade sobre os membros, de que estes carecem; e por isso diferem eles da cabeça e convêm entre si. Por onde, a ressurreição de Cristo é o exemplar da nossa; e é na fé dessa ressurreição que se funda a esperança de também ressurgirmos. Mas, a ressurreição de qualquer dos membros de Cristo não é a causa da ressurreição dos outros membros. Por isso a ressurreição de Cristo devia preceder a ressurreição dos demais, que todos deverão simultaneamente ressurgir na consumação dos séculos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora dentre os membros uns sejam mais dignos que os outros e mais conformes à cabeça, não vão porém até exercer a função de cabeça de modo a serem a causa dos outros. Por onde, pelo fato de serem mais conformes a Cristo não lhes é devido que a sua ressurreição preceda à dos outros, como o exemplar precede o exemplado, segundo dissemos da ressurreição de Cristo. E se a certos foi concedido que a sua ressurreição não se dilatasse até a ressurreição universal, foi isso por privilégio de uma graça especial, e não como devido pela conformidade com Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Jerônimo levanta a seguinte dúvida acerca da ressurreição dos santos com Cristo. Se, depois de terem dado testemunho da ressurreição, de novo morreram, de modo que a ressurreição deles foi, antes, como a de Lázaro, que de novo morreu, do que a verdadeira, que se dará no fim do mundo; ou se verdadeiramente ressurgiram para uma vida imortal, de que o corpo participasse, subindo corporalmente ao céu com Cristo, como diz a Glosa. E isto parece mais provável. Porque, para darem testemunho da verdadeira ressurreição de Cristo, era conveniente que verdadeiramente ressurgissem, como diz Jerônimo no mesmo lugar. Nem por causa deles é que a ressurreição se lhes apressou, mas para testificarem a de Cristo; testemunho esse necessário para fundar a fé do Novo Testamento. Por isso mais convenientemente seria dado pelos Padres do Velho Testamento do que pelos mortos depois da fundação do Novo. Contudo, não devemos esquecer que embora o Evangelho lhes mencione a ressurreição, antes da de Cristo, todavia, como o demonstra o texto, devemos entender que o faz por antecipação, como frequentemente o fazem os hagiógrafos. Pois ninguém ressuscitou verdadeiramente antes da ressurreição de Cristo; porque Cristo é as primícias dos que dormem, na frase do Apóstolo. Embora certos, como Lázaro, ressuscitassem antes da ressurreição de Cristo.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Como refere Agostinho, as palavras citadas deram ocasião a certos heréticos de ensinar que os mortos ressuscitariam, na primeira ressurreição, para reinarem mil anos na terra com Cristo. Donde o serem chamados Quiliastas ou Milenários. Por isso Agostinho, no mesmo lugar, que o lugar citado deve, noutro sentido, ser entendido da ressurreição espiritual, pela qual os homens ressurgem dos pecados, ajudados do dom da graça. E quanto à segunda ressurreição, será a dos corpos. ─ Além disso, o que se entende pelo reino de Cristo é a Igreja, na qual reinam com Cristo não só os mártires, mas também os outros eleitos, entendendo-se pela parte o todo. Ou todos reinam com Cristo na glória; fazendo-se menção especial dos mártires, porque sobretudo aqueles reinam mortos, que até a morte combateram pela verdade. Quanto ao número milenário de anos, não designa nenhum número certo, mas todo o decurso do tempo atual, em que os santos reinam com Cristo. Porque o número milenário, mais que o centenário, designa a universalidade; porque o número cem é o quadrado de dez, ao passo que mil é um cubo resultante de uma dupla multiplicação de dez por si mesmo, pois, dez vezes dez são cem e cem vezes dez são mil. E nesse sentido é aquele lugar da Escritura: Da palavra que enviou para mil gerações, i. é, para todas.

Art. 3 ─ Se de algum modo os anjos contribuirão para a ressurreição.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que de nenhum modo os anjos contribuirão para a ressurreição.

1. ─ Pois, a ostensiva ressurreição dos mortos supõe um maior poder que a geração humana. Ora, na geração humana, a alma não é infundida no corpo mediante o ministério dos anjos. Logo, nem pelo ministério dos anjos se fará a ressurreição, por onde de novo se unirá a alma ao corpo.

2. Demais. ─ Se houver anjos incumbidos desse ministério, hão de ser de preferência as Virtudes, a quem é próprio fazer milagres. Ora, não são esses os incumbidos, mas os Arcanjos como diz o Mestre. Logo, a ressurreição não se fará pelo ministério dos anjos.

Mas, em contrário, o Apóstolo, quando diz: O Senhor, com voz de Arcanjo, descerá do céu e os que morreram ressurgirão. Logo, a ressurreição dos mortos se cumprirá pelo ministério angélico.

SOLUÇÃO. ─ Conforme diz Agostinho, assim como os corpos mais grosseiros e inferiores são governados numa certa ordem pelos mais subtis e potentes, assim todos os corpos são governados por Deus mediante os seres vivos dotados de razão. Com o que também está de acordo Gregório. Por isso em todas as suas obras materiais Deus se serve do ministério dos anjos. Ora, a ressurreição, implica duas causas ─ a reunião das cinzas, no concernente à transformação dos corpos; e a preparação que as deve tornar próprias à reconstituição do corpo humano. Por onde, na ressurreição Deus se servirá do ministério dos anjos para a consecução desses fins. A alma, porém, como criada imediatamente por Deus, também será de novo imediatamente unida por Deus ao corpo, sem nenhuma intervenção dos anjos. Semelhantemente, Deus dará ao corpo a glória sem o ministério angélico, assim como também glorifica imediatamente a alma. Ora, é esse ministério angélico o chamado voz, segundo uma versão referida pelo Mestre.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Deduz-se clara do que foi dito.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O ministério angélico será exercido principalmente por Miguel, um dos Arcanjos, príncipe da Igreja, como foi o da Sinagoga, conforme à Escritura. Ele porém o exercerá sob a influência das Virtudes e das outras ordens superiores. E assim o que fizer também de certo modo o farão as ordens superiores. Semelhantemente, os anjos inferiores cooperarão com ele no tocante à ressurreição de cada um de aqueles a quem foram dados como guardas. De modo que a referida voz pode ser simultaneamente considerada como de um e de vários anjos.

Art. 2 ─ Se o som da trombeta será a causa da nossa ressurreição.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que o som da trombeta não será a causa da nossa ressurreição.

1. ─ Pois, como diz Damasceno: Crê que a ressurreição há de realizar-se pela vontade, pelo poder e arbítrio de Deus. Logo, sendo estas as causas ela nossa ressurreição, não é necessário supor-lhe como o som da trombeta.

2. Demais. ─ É inútil emitir um som a quem não no pode ouvir. Ora, os mortos não terão o sentido do ouvido. Logo, não há necessidade de ouvirem nenhum som para ressurgirem.

3. Demais. ─ Se algum som for a causa da ressurreição, não o será senão por uma virtude recebida do alto. Por isso aquilo da Escritura ─ Dará a sua voz de virtude ─ diz a Glosa: de ressuscitar os corpos: Ora, desde que uma virtude é dada a alguém, embora milagrosamente, o ato dela resultante é natural; como no caso do cego de nascença que, recobrando miraculosamente a vista, depois via naturalmente. Logo, se um som fosse a causa da ressurreição, esta serra natural. O que é falso.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O mesmo Senhor com a trombeta de Deus descerá do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro.

2. Demais. ─ A Escritura diz ─ que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão. Ora, é a essa voz que se chama trombeta, segundo o Mestre. Logo, etc.

SOLUÇÃO. ─ A causa há de certo modo conjugar-se com o efeito; porque o motor e o movido, a obra e o operário, devem existir simultaneamente, como o ensina Aristóteles. Ora, Cristo ressurrecto é a causa unívoca da nossa ressurreição. Por onde depois de ter ressurgido, Cristo fará sentir a sua ação na ressurreição dos corpos, por algum sinal material. E esse, na opinião de certos, será literalmente a voz de Cristo ordenando a ressurreição, como quando pôs preceitos ao mar e aos ventos e logo se seguiu uma grande bonança. Mas outros são de opinião, que esse sinal não será outro senão a aparição mesma e manifesta do Filho de Deus ao mundo, da qual diz o Evangelho: Do modo que um relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim há de ser também a vinda do Filho do homem. E se apelam nas seguintes palavras de Gregório: O som da tuba não é mais do que a manifestação do Filho como juiz do universo. E neste sentido a aparição mesma do Filho se chama voz de Deus; porque toda a natureza se apressará em lhe obedecer à manifestação, como a uma ordem, concorrendo para a restauração dos corpos humanos. Por isso, o Apóstolo diz que virá com mandato. Daí o nome de voz dada à sua aparição, por ter o poder de uma ordem. E essa voz, qualquer que ela seja, noutros lugares da Escritura é chamada clamor, como que do pregoeiro, que convoca ao juízo. Ou ainda som da tuba, quer por ser ouvido de todos, como explica o Mestre; ou pela semelhança com o uso que se fazia da trombeta no Antigo Testamento. Pois, convocavam para as assembléias, tocavam a reunir nos combates e convidavam para as festas, ao som da trompa. Ora, os ressurrectos serão convocados para a grande assembléia do juízo e para o combate, no qual todo o universo pelejará contra os insensatos; e também a festa da eterna solenidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Damasceno, com as palavras citadas, tocou em três pontos da causa material da ressurreição: a vontade divina, que ordena; o poder, que executa; e a facilidade na execução, quando acrescentou ─ o sinal ─ à semelhança do que passa conosco. Pois, é nos muito fácil fazer o que se realiza imediatamente, à simples manifestação da nossa vontade. Mas muito maior será essa facilidade, se já antes de pronunciarmos qualquer palavra, ao primeiro sinal da nossa vontade, chamado em latim nutus, os ministros a executam. E esse nosso sinal é de certo modo uma causa dessa execução, pois induz ele a que outros ponham em prática o nosso querer. Ora, o sinal (nutus) divino operativo da ressurreição, não é senão um sinal dado por Deus, a que toda a natureza obedecerá para fazer ressurgirem os mortos. E esse sinal é o mesmo que o som da trombeta, como do sobredito resulta.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As formas dos sacramentos tem a virtude de santificar, não quando são ouvidas, mas quando proferidas. Assim também o referido som, qualquer que ele seja, terá uma eficácia instrumental para ressuscitar, não por ser ouvido, mas por ser desferido; do mesmo modo por que uma voz, fazendo vibrar o ar, desperta um adormecido, por lhe desatar a faculdade sensitiva, e não por ser conhecida; porque o julgarmos da voz, que nos fere os ouvidos, é consequente ao despertar, e não o causa.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção colheria, se a virtude dada ao sem produtivo da ressurreição fosse um ser de natureza perfeita; porque então o efeito dela procedente teria como princípio uma virtude feita natural. Ora, a virtude em questão não é tal; mas como a que dissemos terem as formas dos sacramentos.

3. Demais. ─ A mesma causa produz o mesmo efeito na mesma ordem de cousas. Ora, a ressurreição será comum a todos os homens. Logo, a ressurreição de Cristo, não sendo a causa de si mesma, não o é também da dos outros.

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