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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 6 ─ Se a causa do repúdio era o ódio pela mulher.

O sexto, discute-se assim. ─ Parece que causa de repúdio era o ódio pela mulher.

1 Pois, diz a Escritura: Quando tu lhe vieres a cobrar aversão. Logo, etc.

2. Demais. ─ A Escritura, diz: Se não for agradável a seus olhos por causa de alguma fealdade etc. Logo, a mesma conclusão anterior.

Mas, em contrário. ─ A esterilidade e a fornicação contrariam mais o casamento, que o ódio. Logo, deveriam, mais que o ódio, ser as causas do repúdio.

2. Demais. ─ O ódio pode ser causado pela virtude da pessoa odiada. Se pois, o ódio fosse causa suficiente de repúdio, então uma mulher poderia ser repudiada por causa da sua virtude. O que é absurdo.

3. Demais. ─ A Escritura diz: Se um homem casar com uma mulher e depois lhe criar aversão, e acusá-la de relações ilícitas antes do casamento e não no conseguir provar, será açoitado e condenado a pagar cem ciclos de prata e não na poderá repudiar enquanto viver. Logo, o ódio não é causa suficiente de repúdio.

SOLUÇÃO. ─ A causa da permissão de repudiar a esposa foi evitar o uxoricídio como os Santos Padres em geral explicam. Ora a causa principal do homicídio é o ódio. Logo, é o ódio a causa próxima do repúdio. Ora, tanto o ódio como o amor procedem de alguma causa. Por onde, devemos admitir outras causas, remotas essas que eram a causa do ódio.

Ora, Agostinho diz: Havia na lei muitas causas de a esposa ser repudiada, Cristo só permitia como causa de repúdio a fornicação; e ordenou que se suportassem os outros sofrimentos oriundos do casamento, em defesa da fidelidade e da castidade conjugal. Essas causas se entendem como sendo os males do corpo, por exemplo, a doença, ou outros defeitos graves; a fornicação e pecados semelhantes, causas de costumes desonestos, e que maculam a alma. Outros porém reduzem o número dessas causas, dizendo com bastante probabilidade, que não era lícito o repúdio senão por uma causa sobreveniente ao casamento. Nem por uma qualquer dessas causas, mas só pelas capazes de contrariar o bem dos filhos ─ quer corporal, como a esterilidade, a lepra e males semelhantes; quer da alma, como os maus costumes, que levariam os filhos a imitar o exemplo materno.
 
Mas uma glosa, àquilo da Escritura ─ Se não for agradável, etc. ─ ainda restringe mais, considerando como causa de repúdio só o pecado, dizendo que nesse texto, por fealdade se entende o pecado. Mas essa glosa considera como pecado o que contraria não só o bem moral da alma, mas ainda, à natureza do corpo.

Assim, pois, concedemos as duas primeiras objeções.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A esterilidade e defeitos semelhantes são causa de ódio e assim, são causas remotas.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A virtude, em si mesma considerada, não torna ninguém odioso, porque a bondade é causa do amor. Logo, a objeção não colhe.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Era dado como pena ao marido não poder, nesse caso, repudiar a esposa para sempre; assim também como no outro caso, quando a tinha deflorado, de virgem que era.

Art. 5 ─ Se era lícito ao marido retomar a esposa repudiada.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que era lícito ao marido retomar a esposa repudiada.

1. Pois, é lícito corrigir o mal feito. Ora, era mal feito o marido repudiar a esposa, era lícito corrigi-lo, chamando-a de novo.

2. Demais. ─ Sempre foi lícito ser indulgente para com um pecador, preceito moral que todas as legislações admitem. Ora, retomando a esposa repudiada, o marido era indulgente para com uma pecadora. Logo, tal lhe era licito.

3. Demais. ─ A lei mosaica dá como causa de não poder a repudiada ser recebida de novo como esposa o jato de ser poluta. Ora, a repudiada não fica poluta, senão casando de novo. Logo, ao menos, antes de casar com outro, era licito ao marido tomá-la de novo como esposa.

Mas, em contrário, a Escritura: Não poderá o primeiro marido tornar a tomá-la como mulher, etc.
 
SOLUÇÃO. ─ A lei sobre o libelo de repúdio permitia duas coisas ─ repudiar a esposa e poder a esposa repudiada casar com outro. E preceituava outras duas: o escrito do libelo de repúdio, e que o marido repudiador não na podia receber de novo como esposa. O que tudo foi feito, segundo os que professam a primeira opinião como pena e afligida a mulher, que casou com outro e ficou poluta por esse pecado. Mas, segundo outros, a fim de o marido não repudiar facilmente a mulher, que depois, de nenhum modo poderia recuperar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como remédio ao mal cometido pelo marido, que repudiava a mulher, a lei ordenava que não podia tornar a recebê-la como esposa, segundo do sobredito se colhe. Por isso assim foi disposto por lei divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Sempre foi lícito, abundante o rancor do coração, ter indulgência para com um pecador; mas não fará deixar de aplicar uma pena imposta por Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nesta matéria há duas opiniões ─ Uns dizem que era lícito à repudiada reconciliar-se com o marido, desde que não estivesse unida com outro em matrimônio. E esta proibição foi feita como pena do adultério voluntariamente conhecido pela mulher, de modo que não podia voltar a viver com o primeiro marido. ─ Mas como a proibição feita pela lei era geral, por isso dizem outros que mesmo antes de ela casar com outro não podia o marido tornar a chamá-la para junto de si, uma vez repudiada, porque o ser ela poluta não se entende como o sendo por culpa, mas conforme se disse.

Art. 4 ─ Se era lícito à mulher repudiada casar com outro marido.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que era licito à mulher repudiada casar com outro marido.
 
1. Pois, no repúdio maior era a iniquidade do marido repudiador, que da mulher repudiada. Ora, o homem podia sem pecado casar com outra mulher. Logo, também sem pecado podia a mulher casar com outro.

2. Demais. ─ Agostinho diz, do fato de ter um homem mais de uma mulher, que não era pecado, quando o costume o justificava. Ora, na vigência da lei Velha, era costume uma mulher repudiada casar com outro, como se lê: Se ela, depois de ter saído, casar com outro, etc. Logo, não pecava unindo-se a outro homem.

3. - Demais. ─ O senhor mostra ser a justiça do novo testamento superabundante em relação à do Velho. Ora, diz que em virtude da superabundante justiça do novo testamento, a mulher repudiada não pode casar de novo. Logo, a Lei antiga o permitia. Mas, em contrário, o Evangelho: Todo aquele que repudiar sua mulher comete adultério. Ora, o adultério nunca o permitiu a Lei Antiga. Logo, à mulher repudiada não era lícito casar de novo.

2. Demais. ─ A Lei Antiga diz que a mulher repudiada que tomar outro marido, ficou poluta e se faz abominável diante do Senhor. Logo, pecava casando de novo.

SOLUÇÃO. ─ Segundo a primeira opinião pecava a mulher repudiada casando com outro, por não estar ainda dissolvido o primeiro matrimônio. Porque a mulher, que está sujeita ao marido, enquanto houver o marido, alada está à lei, como, diz o Apóstolo. Pois não podia ter dois maridos ao mesmo tempo. ─ Mas, de acordo com a segunda opinião, assim como era lícito, por dispensa divina ao marido repudiar a mulher, assim a esta casar de novo. Porque a indissolubilidade do matrimônio ficava colhida em virtude de uma permissão divina, e só se compreendem as palavras do Apóstolo na vigência do matrimônio indissolúvel.

Respondamos, pois às objeções de lado a lado.
 
RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Ao marido era lícito ter mais de uma mulher, por dispensa divina. Por onde, repudiada uma, podia casar com outra, mesmo sem o casamento estar dissolvido. Mas nunca foi lícito, a uma mulher ter mais de um marido. Logo, o símile não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nessas palavras de Agostinho a palavra: mos não quer dizer costume, mas um ato honesto; no sentido em que se diz ser alguém morigerado, palavra derivada de mos, quando é de costumes honestos; ou quando designamos a filosofia moral com um vocábulo derivado de mos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O senhor mostra que a Lei Nova superabunda, em relação à Velha, no atinente aos Conselhos; não só relativamente ao que a Lei Velha permitia, mas também quanto ao que proibia, e que muitos julgavam lícito pela má compreensão do que a lei prescrevia. Tal o caso do ódio ao inimigo. E o mesmo se dava com o repúdio.

RESPOSTA À QUARTA. ─ As palavras do Senhor se entendem, dos tempos da Lei Nova, que eliminou essa permissão. E desse modo também se entendem certas palavras de Crisóstomo, quando diz, que quem repudia a mulher, segundo a lei, comete quatro iniquidades. Assim, perante Deus, é homicida, por ter o propósito de matar a esposa, se não na repudiar; e porque a repudia sem ela ter adulterado, caso único em que o Evangelho permite o repúdio; e ainda pela fazer adúltera, assim ramo o outro com que se uniu.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Uma glosa interlinear diz: Ficou poluta e se fez abominável, isto é, no juízo de aquele que a repudiou antes, como adúltera. E assim não é poluta, absolutamente falando. ─ Ou se chama poluta no mesmo sentido em que era chamado imundo quem tocava num morto ou num leproso, não por imundícia de culpa, mas de certa irregularidade legal. Porém também não era permitido a um sacerdote casar com uma viúva ou repudiada.

Art. 3 ─ Se a lei de Moisés permitia repudiar a mulher.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a lei de Moisés permitia repudiar a mulher.
 
1. Pois, um modo de consentirmos é não impedir o que poderíamos impedir. Logo, não tendo Moisés proibido o repúdio da esposa, sem pecar, assim procedendo, porque a lei é santa, na expressão do Apóstolo ─ parece que permitiu o repúdio.

2. Demais, ─ Os profetas falavam por inspiração do Espírito Santo, como diz a Escritura. Ora, esta também diz: Quando tu lhe vieres a cobrar aversão, despede-a. Logo, como o Espírito Santo não inspira nada de ilícito, parece que o repúdio da mulher nem sempre foi ilícito.

3. Demais. ─ Crisóstomo diz, que assim como os Apóstolos permitiram as segundas núpcias, assim Moisés permitiu o libelo de repúdio. Ora, as segundas núpcias não são pecado. Logo, nem o repúdio da mulher, sob a lei de Moisés.

Mas, em contrário, diz o Senhor, que o libelo de repúdio foi dado aos judeus por Moisés, por causa da dureza do coração deles. Ora, essa dureza de coração não os escusava de pecado. Logo, nem a lei sobre o libelo de repúdio.

2. Demais. - Crisóstomo diz: Moisés, concedendo o libelo de repúdio, não quis revelar as exigências da justiça divina, mas tirar do pecado a culpa que ele implica, a fim de procedendo os judeus de acordo com a lei, por assim dizer, o pecado deles não fosse considerado tal.

SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria duas são as opiniões. Uns dizem que aqueles que repudiavam; de acordo com a lei de Moisés, a esposa, depois de lhe ser mandado o libelo de repúdio, não ficavam isentos de pecado, embora ficassem escusados da pena a lhes ser infligida, segundo essa lei. Por isso se diz que Moisés permitiu o libelo de repúdio. E assim, distinguem quatro modos de permissão. O primeiro consiste em não ordenar; pois, quando não se ordena um bem maior entende-se permitido o menor; assim o Apóstolo, não prescrevendo a virgindade, permitiu o casamento. O segundo consiste na ausência de proibição; assim consideram-se permitidos os pecados veniais, quando não foram proibidos. O terceiro, na ausência de coibição; assim, todos os pecados se consideram permitidos por Deus se os não proibiu podendo fazê-lo. O quarto, na ausência de punição; e assim o libelo de repúdio foi permitido pela lei de Moisés; não a fim de ser conseguido um maior bem, como no caso da dispensa para casar com várias mulheres, mas a fim de coibir o maior mal do uxoricídio, a que os judeus eram inclinados pela depravação da potência concupiscível. Assim também lhes foi permitido exercer a usura para com os estrangeiros, pela corrupção da sua potência concupiscível, a fim de não na praticarem para com os próprios irmãos. E ainda, por causa da desordem que a suspeita introduz na parte racional, foi-lhes permitido o sacrifício do espírito de zelos, a fim de que uma simples suspeita não lhes alterasse o juízo.

Mas a Lei Velha, embora não conferisse a graça, contudo foi dada com o fim de fazer conhecer o pecado, como os Santos Padres geralmente o ensinavam. Por isso outros pensam que se, repudiando a esposa pecassem, ao menos deveriam disso ser advertidos pela lei e pelos profetas, segundo aquilo da Escritura: Anuncia ao meu povo as suas maldades. Do contrário, pareceriam demasiado negligentes, se nunca lhes anunciassem o necessário à salvação, deles ignorando o que não se pode admitir, porque pela justiça da lei, observada no tempo para que foi dada, mereciam a vida eterna. Por isso ensinam que, embora repudiar a esposa seja em si mesmo um mal, lícito contudo se tornava por divina permissão. E isso o confirma a autoridade de Crisóstomo, quando diz que o legislador, permitindo o repúdio, quis tirar ao pecado a culpa que ele implica. Mas, embora esta opinião seja provável, contudo a primeira é mais comumente defendida. Por onde, passamos a responder às objeções.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quem pode proibir não peca, abstendo-se de fazê-lo por não esperar correção; ao contrário, julgando resultar um maior mal, procedente dessa proibição. Talo que se deu com Moisés. Por isso, apoiado na autoridade divina, não proibiu o libelo de repúdio.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os profetas, inspirados pelo Espírito Santo, não disseram que a esposa podia ser repudiada por uma como ordem do Espírito Santo, mas como tendo-o este apenas permitido, a fim de evitar maiores males.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Crisóstomo não assimila sob todas suas formas essas duas permissões, mas só quanto à causa delas; pois ambas foram feita para impedir uma vergonhosa desordem.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora a dureza de coração pão os escusasse do pecado, contudo os escusava a permissão fundada nessa dureza. Assim certas coisas se proíbem aos sãos, que se permitem aos doentes, sem que contudo estes pequem usando de tal permissão.

RESPOSTA À QUlNTA. ─ Um bem pode ser preterido de dois modos. ─ Primeiro, para se conseguir um maior bem, então a preterição do primeiro bem houve a sua honestidade no bem maior colimado, assim foi honestamente dispensado Jacó da lei que obrigara a uma só esposa, por causa do bem, que são os filhos. ─ De outro modo, um bem pode ser preferido para evitar um mal maior. E então, se quem assim proceder tinha autoridade para fazê-la, a preterição desse bem não implica nenhum modo, embora ainda não se torne por isso honesta. Assim a indissolubilidade do casamento foi preterida pela lei de Moisés para evitar o mal do uxoricídio. Por isso diz Crisóstomo, que Moisés quis tirar do pecado a culpa que ele implica. Pois embora o repúdio continuasse a ser uma desordem, pelo que, se chama pecado, não tinha contudo o reato da pena temporal nem eterna, por ser permitido por dispensa divina. E assim ficava isento de culpa. Por isso Crisóstomo acrescenta, no mesmo lugar, que foi permitido o repúdio, um mal por certo, contudo licito, Mas os defensores da primeira opinião não querem entender essas palavras então como significando, que não havia no repúdio o reato da pena temporal.

Art. 2 ─ Se pode ser lícito em virtude de uma dispensa, repudiar a esposa.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que não pode ser lícito, em virtude de nenhuma dispensa, repudiar a esposa.

1. Pois, o que no matrimônio é contrário ao bem da prole vai contra os preceitos primeiros da lei da natureza, que não são susceptíveis de dispensa. Ora, tal é o que se dá no fato de o marido repudiar a esposa. Logo, etc.

2. Demais. ─ Uma concubina difere da esposa sobretudo por não viver uma vida conjugal indissolúvel. Ora, ter uma concubina não era possível em virtude de nenhuma dispensa. Logo, nem repudiar a esposa.

3. Demais. ─ As mesmas dispensas podem conceder-se hoje, que se podiam outrora, Ora, hoje ninguém pode obter dispensa para repudiar a esposa. Logo, nem outrora.

Mas, em contrário. ─ Agar conviveu com Abraão com afeto uxório, como se disse. Ora, por preceito divino ele a deitou fora e não pecou. Logo, uma dispensa podia tornar lícito ao marido repudiar a mulher.

SOLUÇÃO. ─ Dispensar em preceitos, sobretudo quando de algum modo pertencem à lei da natureza, é como alterar o censo natural das coisas. O qual de dois modos pode ser mudado. ─ Ou por lima causa natural que impede o censo natural de outra, como se dá nos casos pouco frequente de fenômenos naturais casuais. Mas deste modo o curso natural das coisas não varia, quando elas se sucedem sempre, senão só quando se sucedem com frequência. ─ Ou por uma causa totalmente sobrenatural, como no caso dos milagres. E deste modo pode mudar-se o curso natural dos fenômenos naturais, não somente o ordenado a se realizar frequentemente, mas também o ordenado a se realizar sempre. Como no caso do sol, que parou, no tempo de Josué, e retrogradou, no de Ezequias; e do eclipse miraculoso, no tempo da paixão de Cristo.

Ora, a razão de haver dispensa nos preceitos da lei natural às vezes a descobrimos nas causas inferiores. E assim os preceitos secundários da lei natural são susceptíveis de dispensa, não porém os primários, por serem como de existência necessária, conforme dissemos a propósito da pluralidade de mulheres e de casos semelhantes. Outras vezes porém a razão da dispensa está só nas causas superiores. E então Deus pode dispensar, mesmo contrariando os preceitos primários da lei da natureza, em razão de algum mistério divino a ser significado ou revelado. Tal a dispensa feita a Abraão no preceito que lhe proibia imolar o filho inocente. E tais dispensas não se concedem comum ente a todos, mas só a certas pessoas em particular, como se dá no caso do milagre. Se, pois, a indissolubilidade do matrimônio está contida nos preceitos primários da lei da natureza, só podia ser susceptível de dispensa, do segundo modo. Se porém entre os preceitos secundários dessa lei, então era susceptível de dispensa, mesmo do primeiro modo. Ora, está contido, antes, entre os preceitos secundários da lei natural. Pois, a indissolubilidade do matrimônio não se ordena ao bem da prole, fim principal dele, senão enquanto os pais devem ser a providência dos filhos, durante toda a vida deles, fornecendo-lhes tudo o necessário à vida. Ora, esse fornecimento não está na intenção primeira da natureza, pela qual todas as coisas são comuns a todos. Por onde, não está na intenção primeira da natureza o poder o marido repudiar a mulher; por consequência esse procedimento não colide com os preceitos primários, mas contra os secundários, da lei natural. Por onde, pode ser susceptível de dispensa também ao primeiro modo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No bem da prole se compreende, enquanto pertencente à intenção primeira da natureza, tanto a procriação como a criação e a instrução, até que os filhos atinjam à idade perfeita. Mas o fato de os filhos poderem entrar mais tarde na posse da herança e de outros bens que lhes venham ser deferidos, pertencem a intenção secundária de lei natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Ter uma concubina vai contra o bem da prole, quanto ao fim visado pela intenção primeira da natureza, que é a educação e a criação que exige uma diuturna colaboração dos pais, de que não é capaz uma concubina, tomada temporariamente. Por onde o símile não colhe. Contudo, quanto ao segundo modo de dispensar, também pode haver dispensa para um homem ter uma concubina, como está claro na Escritura.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A indissolubilidade, embora corresponda ao fim secundário do matrimônio, como função da natureza, pertence-lhe porém ao fim primário dele, como sacramento da Igreja. Por isso, desde que foi instituído como sacramento da Igreja e enquanto permanecer assim instituído, não pode ser objeto de dispensa, senão talvez ao segundo modo de dispensar.

Art. 1 ─ Se a indissolubilidade do matrimônio é de lei natural.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a indissolubilidade do matrimônio não é de lei natural.

1. Pois, a lei da natureza é comum para todos. Ora, nenhuma lei, senão a de Cristo, proíbe repudiar a esposa. Logo, a sua união inseparável com o marido não é de lei natural.

2. Demais. ─ Os sacramentos não foram instituídos pela lei natural. Ora, a indissolubilidade do matrimônio pertence ao bem do sacramento. Logo, não é de lei natural.

3. Demais. ─ A conjunção entre marido e mulher se ordena principalmente à geração dos filhos, à criação e à instrução deles. Ora, tudo isso se realiza num tempo determinado. Logo, depois desse tempo, é lícito ao marido separar-se da esposa, sem colidir em nada com a lei natural.

4. Demais. ─ O fim principal do matrimônio é o bem da prole. Ora, a dissolubilidade do casamento contraria esse bem; porque, como dizem os filósofos, não pode ter filhos de uma mulher um homem que também poderia tê-los de outra, e a qual por seu lado também poderia conceber de outro homem. Logo, a indissolubilidade do matrimônio é antes contrária à lei da natureza, que estabelecida por ela.

Mas, em contrário. ─ Aquilo sobretudo é de lei natural, que a natureza teve, desde o seu princípio, como bem instituído. Ora, tal é a indissolubilidade do matrimônio, como lemos no Evangelho. Logo, é de lei natural.

2. Demais. ─ É de lei natural que o homem não desobedeça a Deus. Ora, de certo modo podia desobedecer-lhe se separasse os que Deus uniu. Logo, como daí resulta a indissolubilidade do matrimônio, parece que esta é de lei natural.

SOLUÇÃO. ─ O matrimônio na intenção da natureza, se ordena à criação dos filhos, não só temporariamente, mas por toda a vida deles. Por isso é de lei natural que os pais entesourem para os filhos e estes sejam herdeiros daqueles. Logo, sendo os filhos o bem comum do marido e da mulher, deve a sociedade conjugal ficar perpetuamente indissolúvel, segundo o ditame da lei natural. Assim que a indissolubilidade do casamento é de lei natural.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Só a lei de Cristo conduziu o gênero humano à perfeição restituindo-lhe a prístino estado da sua natureza. Por isso à lei de Moisés nem às leis humanas foi possível fazer desaparecer tudo o contrário à lei natural; o que só à lei do espírito e da vida estava reservado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A indissolubilidade é natural ao matrimônio, como símbolo da perpétua conjunção entre Cristo e a Igreja, e como exigido pela sua função natural, ordenada ao bem da prole, como se disse. E como a dissolução do matrimônio mais diretamente repugna à significação do sacramento, que ao bem da prole, a que só por consequência repugna, como dissemos, por isso a indissolubilidade do matrimônio se entende antes, como para o bem do sacramento que para o da prole. Embora possa estar compreendido tanto num como noutro bem. Ora, enquanto pertencente ao bem da prole, será a indissolubilidade de lei natural; mas não enquanto pertinente ao bem do sacramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Resulta do que foi dito.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O matrimônio principalmente se ordena ao bem comum, em razão do fim principal, que é o bem da prole; embora em razão do fim secundário também se ordene ao bem da pessoa que o contraiu, pois o casamento é, em si mesmo considerado, remédio à concupiscência. Por isso, nas leis reguladoras do matrimônio mais se consulta ao interesse geral que a casos particulares. Assim, pois, embora a indissolubilidade do matrimônio impida o bem da prole num caso particular, contudo convém a esse bem absolutamente considerado. Por isso a objeção não colhe.

Art. 5 ─ Se é lícito dar dispensa a um bígamo.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que não é lícito dar dispensa a um bígamo.

1 . Pois, determina uma decretal: não é licito conceder dispensa aos clérigos que, por vontade própria, se uniram em matrimônio com uma segunda mulher, como se fossem aos bígamos.

2. Demais. ─ O direito divino não é susceptível de nenhuma dispensa. Ora, toda a legislação canônica constitui direito divino. Logo, como o Apóstolo, numa Escritura canônica diz ─ Importa que o bispo seja esposo de uma só mulher ─ parece que nesta matéria não pode haver dispensa.

3. Demais. ─ Ninguém pode ser dispensado no que é uma exigência essencial do sacramento. Ora, sacramento da ordem necessariamente exige que ordenando não seja irregular; pois, a irregularidade faz desaparecer a significação, e esta é essencial ao sacramento. Logo, essa matéria não é susceptível de dispensa.

4. Demais. ─ O que teve razão de se fazer não pode mudar-se sem razão. Se, pois, a razão persuade que se de dispensa ao bígamo, não é racional fazê-lo incorrer em irregularidade por causa da sua bigamia. O que é inadmissível.

Mas, em contrário. ─ Lúcio Papa concedeu dispensa ao bispo de Palermo, que era bígamo.

2. Demais. ─ Martinho Papa (Bracarense) diz: O leitor que foi casado com viúva permaneça no seu leitorado; se a necessidade o exigir, ascenda ao subdiaconato, mas não mais além; O mesmo se dará se foi bígamo. Logo, pelo menos até ao subdiaconato, pode-se conceder dispensa.

SOLUÇÃO. ─ A bigamia não anda anexa à irregularidade, por direito natural, mas por direito positivo. ─ Nem a ordem essencialmente exige que o ordenando não seja bígamo; e a prova está em que o bígamo que se ordenar recebe o caráter. Portanto, o Papa pode dispensar totalmente em tal irregularidade; e o bispo, quanto às ordens menores. E certos (Alb. Magno) dizem até, que quanto às ordens maiores, se se trata de quem quer servir a Deus em religião, para evitar viagens, que do contrário, deveriam fazer.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa decretal mostra que há a mesma dificuldade em conceder dispensa aos que de fato contraíram matrimônio mais de uma vez, como se de direito o fizessem; não que o Papa fique privado, absolutamente falando, do poder de dispensar em tais casos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Isso é verdade em matéria de direito natural e ao que é essencial aos sacramentos e à fé. Mas no mais que foi instituído pelos apóstolos, a Igreja tem atualmente o mesmo poder de estatuir e de dispensar, que tinha outrora. Por isso pode, mediante aquele que nela tem o primado, conceder dispensas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não é qualquer significação que é da essência do sacramento, mas só a pertinente à função dele ; e essa não fica tolhida pela irregularidade.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Dos casos particulares não se pode concluir um princípio geral aplicável igualmente a todos, por causa da diversidade deles. Por isso, o que foi racionalmente estatuído de um modo geral, considerados os casos mais frequentes, pode também ser racionalmente removido, pela dispensa, em algum caso determinado.

Art. 4 ─ Se a bigamia desaparece pelo batismo.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que a bigamia desaparece pelo batismo.
 
1. Pois, como diz Jerônimo, quem antes do batismo teve mais de uma mulher, ou uma antes e outra depois dele, não é bígamo.

2. Demais. ─ O que faz o mais faz o menos. Ora, o batismo faz desaparecer qualquer pecado, que é mais grave que a irregularidade. Logo, faz desaparecer a irregularidade da bigamia.

3. Demais. ─ O batismo faz desaparecer toda a pena que um ato merece. Ora, tal é a irregularidade da bigamia. Logo, etc.

4. Demais. ─ O bígamo é irregular porque o seu casamento não simboliza a união de Cristo com a Igreja. Ora, pelo batismo nós nos conformamos plenamente com Cristo. Logo, o batismo faz desaparecer essa irregularidade.

5. Demais. ─ Os sacramentos da lei nova são mais eficazes que os da lei velha. Ora, os sacramentos, da lei velha faziam desaparecer as irregularidades, como o disse o Mestre das Sentenças.

Logo, também o batismo, o eficassíssimo dos sacramentos da Lei Nova, faz desaparecer a irregularidade contraída pela bigamia.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Mais agudamente pensaram os que entenderam que não podia ordenar-se o catecúmeno ou o pagão que tiveram mais de uma esposa; pois, trata-se, no caso, do Sacramento e não do pecado.

2. Demais. ─ Como diz ainda Agostinho, a mulher catecúmena ou pagã deflorada não pode, depois do batismo, ser consagrada como virgem a Deus. Logo, pela mesma razão, nem o bígamo pode-se ordenar, antes do batismo.

SOLUÇÃO. ─ O batismo dele as culpas mas não dissolve a união conjugal. Por onde, se do casamento mesmo resultar uma irregularidade, não pode esta fazê-la desaparecer o batismo, como diz Agostinho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No caso vertente não é defensável a opinião de Jerônimo: salvo se a quisessemos entender como referente a uma dispensa mais fácil.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não é necessário que um agente, capaz de um efeito maior, seja o também de um menor, salvo se a este se ordenar. O que não se dá no caso proposto, porque o batismo não se ordena a fazer desaparecer a irregularidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Isso deve entender-se das penas resultantes do pecado atual e que são como infligidas e não a serem infligidas. Pois pelo batismo ninguém recupera a virgindade, nem a indivisão da carne.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O batismo se conforma com Cristo, quanto à virtude da alma, mas não quanto ao estado da carne, considerada na sua virgindade ou na sua divisão.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Essas irregularidades foram contraídas por causas leves não perpétuas. Por isso, podiam desaparecer mediante esses sacramentos, ─ Além disso, estes eram ordenados para tal fim, o que não se dá com o batismo.

Art. 3 ─ Se incorre em irregularidade quem casou com uma não virgem.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que não incorre em irregularidade quem casou com uma não virgem.

1 . Pois, maior impedimento nos causa um defeito próprio que o alheio. Ora, o fato de o contraente não ser virgem não gera nenhuma irregularidade. Logo e com maior razão, se não no for a mulher.

2. Demais. ─ Pode acontecer que um homem deflore a mulher com a qual depois veio a casar. Ora, esse não contrai nenhuma irregularidade, porque, como a sua esposa, não dividiu com mais de uma o seu corpo; e contudo casou com uma mulher já deflorada. Logo esse modo de bigamia não causa nenhuma irregularidade.

3. Demais. ─ Ninguém pode contrair irregularidade senão voluntariamente. Ora, pode um casar involuntariamente com uma não virgem; assim, se a cria virgem e depois de ter tido relação com ela verificou que já estava deflorada. Logo, esse modo nem sempre causa irregularidade.

4. Demais. ─ A cópula ilegítima subsequente ao matrimônio é mais grave que a antecedente. Ora, se a mulher, depois de consumado o matrimônio, teve relação carnal com outro, seu marido não se torna irregular. Do contrário, seria punido pelo pecado da esposa. E também pode dar-se que, depois de o ter sabido, cumpra para com ela, que lh'o pede, o dever conjugal antes de ela acusada de adultério, ser condenada. Logo, parece que esse modo de bigamia não causa irregularidade.

Mas, em contrário, Gregório diz: mandamos nunca faças ordenações ilícitas nem permitas receber as ordens sagradas um bígamo, quem, não casou com uma mulher virgem, quem for iletrado, um defeituoso em qualquer parte do corpo, um penitente, ou o atingido por uma acusação, ou submetido a qualquer outra condição.

SOLUÇÃO. ─ Na conjunção entre Cristo e a Igreja, há unidade de lado a lado. E, assim há deficiência no sacramento se qualquer dos cônjuges já havia contraído outro matrimônio. Mas diversamente: pois, do marido se exige que não haja casado com outra, e não que seja virgem; e da mulher se exige que também seja virgem.

E disso os decretistas dão a razão seguinte. O esposo significa a Igreja militante, a cuja testa está o bispo e que é susceptível de muitas corruptelas; ao passo que a esposa significa a Cristo, que foi virgem. Por isso é exigida da esposa a virgindade, mas não do esposo, para poder ascender ao episcopado. ─ Mas esta razão vai diretamente contra as palavras do Apóstolo: Vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou à Igreja. Donde se colhe que a esposa significa a Igreja e o esposo, Cristo. E o Apóstolo ainda continua: Porque o marido é a cabeça da mulher como Cristo é a cabeça da Igreja. Por isso outros ensinam, que o esposo significa a Cristo, e a esposa a Igreja triunfante sem nenhuma mácula. Cristo porém teve primeiro a Sinagoga como concubina; e assim nada tolhe à perfeita significação do sacramento o ter o esposo tido antes uma concubina. ─ Mas isto é de todo absurdo. Porque como é uma só a fé dos antigos e dos modernos, assim uma só e a Igreja. Por isso, os que no tempo da Sinagoga, serviam a Deus, pertenciam à unidade da Igreja, na qual lhe servimos nós. Além disso uma tal opinião vai expressamente contra certos lugares da Escritura, onde se faz menção clara dos desponsórios de Cristo com a Sinagoga. Logo, não lhe era esta concubina, mas esposa. Além disso, segundo esse modo de ver, a fornicação seria o sacramento dessa conjunção, o que é absurdo. Por isso a gentilidade, antes de desposada por Cristo, na fé da Igreja, foi corrompida pelo diabo por meio da idolatria.

Devemos, pois, de outro modo, pensar que é a deficiência do sacramento a causa da irregularidade. Pois, a corrupção da carne, anterior ao matrimônio, não causa nenhum defeito ao sacramento, relativo à parte que a sofreu, mas, à outra parte. Porque o ato de contrair matrimônio não recai sobre o sujeito mesmo que o pratica, mas sobre a outra parte. Por isso é especificado pelo seu termo, que também é, em relação a esse ato, como a matéria do sacramento. Por onde, se a mulher pudesse receber o sacramento da ordem, assim como o homem se torna irregular por casar com uma mulher já deflorada, mas não por contrair casamento sem ser virgem, assim também a mulher incorreria em irregularidade se casasse com um não virgem, mas não se o fizesse já não sendo virgem, salvo se já tivesse sido deflorada em outro casamento.

Donde se deduz a resposta à primeira objeção.

RESPOSTA À SEGUNDA. - Sobre esse caso divergem as opiniões. Contudo é mais provável não ser esse tal irregular, por que não dividiu o seu corpo com mais de uma.

RESFOSTA À TERCEIRA. ─ A irregularidade não é uma pena infligida, mas um defeito na recepção do sacramento. Por onde, não é necessário que sempre seja voluntária a bigamia, para causar irregularidade. Portanto, quem casou com uma mulher já deflorada, crendo-a virgem, incorre em irregularidade tendo relação carnal com ela.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O fato de a mulher claudicar, depois de contraído o casamento, não torna irregular o marido; salvo se este tiver relações repetidas com ela depois de a saber adúltera; porque de outro modo, a corrupção da mulher de maneira nenhuma cai sob o ato matrimonial do marido. Se este porém for compelido pelo direito a cumprir para com ela o dever conjugal, ou se o fizer por vontade própria para lhe aceder ao desejo, antes da sua condenação como adúltera, torna-se irregular, embora divirjam sobre isso as opiniões. Mas a opinião aqui exarada é a mais provável, porque no caso vertente para haver irregularidade não é necessário que haja pecado, mas basta haver a significação do sacramento.

Art. 2 ─ Se a irregularidade resulta da bigamia pela qual um tem duas esposas, simultânea ou sucessivamente, uma de direito e outro de fato.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que a irregularidade não resulta da bigamia pela qual um tem várias esposas, simultânea ou sucessivamente, uma de direito e outra de fato.

1. Pois, onde não há sacramento não pode haver deficiência sacramental. Ora, quem contrai uma ligação de fato com uma mulher, e não de direito, não recebe nenhum sacramento, porque essa união não significa a conjunção de Cristo com a Igreja. Logo, como a irregularidade não resulta da bigamia senão pela falta de sacramento, parece que dessa bigamia nenhuma irregularidade resulta.

2. Demais. ─ Quem tem relação com uma mulher a que vive ligado simplesmente de fato e não de direito, comete fornicação se não tem esposa legítima, e adultério se a tem. Ora, o fato de ter relações carnais pela fornicação e pelo adultério não causa nenhuma irregularidade. Logo, nem o referido modo de bigamia.

3. Demais. ─ Pode um antes de ter cópula carnal com a que é esposa de direito, contrair com outra um liame de fato e não de direito, e com esta ter conjunção, quer durante a vida quer depois da morte da primeira. Ora, esse tal contraiu um liame com duas, quer de direito, quer de fato, e contudo não é irregular, porque não dividiu o seu corpo com várias. Logo, desse modo a bigamia não implica irregularidade.

SOLUÇÃO. ─ A segunda e a terceira espécie de bigamia fazem contrair irregularidade; porque embora em um e outro caso não haja sacramento, há porém uma certa semelhança de sacramento. Por isso, esses dois modos são secundários, ao passo que o primeiro é principal, como causas da irregularidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora no caso figurado não haja sacramento, há contudo uma semelhança dele, que não há na fornicação nem no concúbito adulterino. Logo, o símile não colhe.

Donde se deduz a resposta à segunda.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nesse caso não é o homem bígamo, porque o primeiro matrimônio não teve a sua perfeita significação. ─ Contudo, se por juízo da Igreja for compelido a retomar à primeira mulher e a ter relações com ela, por isso mesmo incorre em irregularidade, resultante, não do pecado, mas da significação imperfeita.

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