O sexto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios não aproveitam aos que estão no purgatório.
1. ─ Pois, o purgatório é uma parte do inferno. Ora, no inferno não há nenhuma redenção. E a Escritura diz: No inferno quem te louvará? Logo, os sufrágios não aproveitam aos do purgatório.
2. Demais. ─ A pena do purgatório é finita. Ora, se os sufrágios fazem-na diminuir, podem multiplicar-se a ponto de a eliminarem totalmente; e assim os pecados ficarão de todo impunes. O que repugna à justiça divina.
3. Demais. ─ As almas estão no purgatório para, depois de purificadas, chegarem puras ao Reino. Ora, nada pode ser purificado sem sofrer uma ação. Logo, os sufrágios feitos pelos vivos não diminuem a pena do purgatório.
4. Demais. ─ Se os sufrágios aproveitassem às almas do purgatório, mais lhes aproveitariam as que por ordem delas se fizeram. Ora, essas nem sempre lhes aproveitam. Tal o caso de quem, ao morrer, ordenasse que tantos sufrágios em seu beneficio se fizessem, que lhe bastassem a eliminar totalmente a pena. Portanto, se esses sufrágios fossem diferidos até a alma ter cumprido totalmente a sua pena, de nada lhes aproveitariam eles. Nem se poderia dizer que lhe aproveitariam antes de celebrados. Por outro lado, depois de celebrados, deles não precisava, por ter já cumprido a sua pena. Logo, os sufrágios não aproveitam às almas da purgatório.
Mas, em contrário, as palavras de Agostinho citadas pelo Mestre, que dizem aproveitarem os sufrágios às almas mediocremente boas ou más. Ora, tais são as detidas no purgatório. Logo, etc.
2. Demais. ─ Dionísio diz: Quando o sacerdote de Deus ora pelos mortos, ora pelos que viveram santa mente, e contudo contraíram certas máculas provenientes da fraqueza humana. Ora, esses são os detidos no purgatório. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ As penas do purgatório são infligidas como um suplemento de satisfação ainda não plenamente dada pelo corpo. Por onde, como do sobre dito resulta, as obras de um podem aproveitar à satisfação de outro, seja este vivo ou morto. E assim nenhuma dúvida há que os sufrágios feitos pelos vivos aproveitem às almas do purgatório.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O lugar citado se refere ao inferno dos condenados, onde não há nenhuma redenção, quanta aos definitivamente sentenciados às penas infernais. ─ Ou devemos pensar, com Damasceno que essas autoridades devem ser entendidas relativamente às causas inferiores, i. é, segunda as exigências dos méritos dos sentenciados a essas penas. Mas, a misericórdia divina, que não depende dos méritos humanos, movida pelas preces dos justos, pode dispor as causas de modo diverso que o ensinado pelas referidas autoridades. Pois, Deus pode mudar de sentença, mas não de conselho, como diz Gregório. Por isso Damasceno também aduz em abono do que diz, os exemplos dos Ninivitas, de Acab e de Ezequias, que bem demonstram que a sentença divina proferida contra eles a divina misericórdia a alterou.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nenhum inconveniente há em a pena das almas do purgatório ficar eliminada pela multiplicação dos sufrágios. Donde porém se não segue fiquem os pecados impunes; pois, a pena, que um assume por outro, redunda em favor deste.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A purificação da alma pelas penas do purgatório outra cousa não é senão a expiação do reato, que impede a alma de gozar a glória. E como a pena, que um sofre por outro, pode expiar o reato deste, conforme dissemos, nenhum inconveniente há se a satisfação de um purifica outro.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Os sufrágios podem aproveitar por duas causas: pelo valor do agente (ex opere operante) ou pelo valor da obra (ex opere operato). Por opus operatum entendo não só os sacramentos da Igreja, mas qualquer efeito acidental das boas obras; assim quem dá uma esmola alivia a miséria do pobre e obtém as orações dele a Deus, pelos defuntos. Semelhantemente, o opus operans pode ser considerado em relação ao agente principal ou ao exequente. ─ Digo pois, que um moribundo, logo ao ordenar sejam certos sufrágios feitos por si, lhes colhe plenamente o prêmio, mesmo antes de celebrados, quanto à eficácia deles, resultante da obra praticada (ex opere operante) pelo agente principal. Mas quanto à eficácia do sufrágio, em virtude do valor mesmo deles (ex opere operato) ou da obra do agente instrumental (ex opere operante exequentis) não colhe os frutos dos sufrágios antes de celebrados. Se pois acontecer que a alma fique liberada antes da pena, ficará por aí frustrado o fruto dos sufrágios, mas redundará em pena daqueles que foram a causa de isso se dar. Nenhuma contradição há, na verdade, em ficar um, na ordem temporal, defraudado por culpa de outro. Ora, a pena do purgatório é temporal. Embora, quanto à retribuição eterna, ninguém pode ser prejudicado senão por culpa própria.