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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

26 de janeiro: O Sacerdócio de Cristo

26 de janeiro
     
« Temos nós, pois, um grande pontífice que penetrou os céus, Jesus Filho de Deus »
(Heb 4, 14)
     
I. — Cristo é sacerdote.
   
O ofício próprio do sacerdote é ser mediador entre Deus e o povo, porque transmite ao povo os dons divinos, segundo aquilo da Escritura: « Da sua boca se há de requerer a doutrina » (Ml 2, 7). E também por ser quem oferece a Deus as preces do povo e, de certo modo, satisfaz a Deus pelos pecados dele. Donde o dizer o Apóstolo: « Todo pontífice, tomado dentre os homens, é constituído a favor dos homens naquelas coisas que tocam a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados » (Heb 5, 1). 
    
Ora, tudo isto convém sobremaneira a Cristo. Pois, por ele, os bens divinos foram conferidos aos homens, segundo aquilo da Escritura: « Pelo qual, i. é, por Cristo, nos comunicou as maiores e mais preciosas graças, que tinha prometido, para que por elas sejais feitos participantes da natureza divina » (2 Pd 1, 4). E também reconciliou o gênero humano com Deus, segundo o Apóstolo: « Foi do agrado do Pai que nele, i. é, em Cristo, residisse toda a plenitude e que por ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas » (Cl 1, 19). Donde a Cristo convém sumamente ser sacerdote.
   
II. — É simultaneamente sacerdote e hóstia. Como diz Agostinho: todo sacrifício visível é sacramento, i. é., sinal sagrado do sacrifício invisível. Ora, pelo sacrifício invisível, o homem oferece a Deus o seu espírito, segundo aquilo da Escritura: « Sacrifício para Deus é o espírito tribulado » (Sl 50, 19). Por onde, tudo o oferecido a Deus, para elevarmos a ele o nosso espírito, pode chamar-se sacrifício. 
  
Ora, o homem precisa de sacrifício por três razões:
   
1. Primeiro, para remissão dos pecados. E por isso diz o Apóstolo, que ao sacerdote pertence « oferecer dons e sacrifícios pelo pecado». (Heb 5, 1).
  
2. Segundo, para conservar-se em estado de graça, sempre unido a Deus, que lhe constitui a paz e a salvação. Por isso, na lei antiga, imolavam-se hóstias pacíficas pela saúde dos oferentes, como se lê na Escritura.
   
3. Terceiro, para o seu espírito se unir perfeitamente com Deus, o que sobretudo se dará na glória. Por isso, na lei antiga oferecia-se o holocausto, que quer dizer como totalmente queimado.
  
Ora, tudo isso nos resultou da humanidade de Cristo.
  
1. Assim, primeiro, os nossos pecados foram delidos, conforme àquilo do Apóstolo: « Foi entregue por nossos pecados » (Rm 4, 25). 
  
2. Segundo, por Ele recebemos a graça salvífica, como se lê no Apóstolo: « Veio a fazer-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecerem. » (Heb 5, 9).
   
3. Terceiro, por Ele, alcançamos a perfeição da glória, ainda no dizer do Apóstolo: « Temos confiança de entrar no santuário, pelo seu sangue » (Heb 10, 19). Isto é, na glória celeste. 
   
Por onde, o próprio Cristo, enquanto homem, não só foi sacerdote, mas também hóstia perfeita, ao mesmo tempo hóstia pelo pecado, hóstia pacífica e holocausto.  
     
III q. XXII, a. 1 et 2.
  
 (P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

25 de janeiro: Conversão de São Paulo Apóstolo

25 de janeiro
     
« É este um vaso de eleição para levar o meu nome diante das gentes » (At 9, 15)
     
I. — De que espécie de vaso foi o bem-aventurado Paulo, diz-nos a Escritura: « Como um vaso de ouro maciço, ornado de toda a casta de pedras preciosas » (Ecle 50, 10). Foi um vaso de ouro pelo fulgor da sabedoria: « E o ouro deste país é ótimo » (Gn 2, 12). Foi um vaso maciço pela virtude da caridade. É o próprio Apóstolo quem diz: « Porque eu estou certo que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a força, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus » (Rm 8, 38-39). Finalmente, foi um vaso ornado de toda a casta de pedras preciosas, isto é, ornado com todas as virtudes.

24 de janeiro: A Graça infinita de Cristo

24 de janeiro
     
« Deus não lhe dá o Espírito por medida. » (Jo 3, 34)
   
A Cristo convinha possuir o Espírito Santo tanto enquanto Deus como enquanto homem: enquanto homem, como santificante, « O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu » (Is 61, 1); enquanto Deus, apenas para manifestar que o Espírito dele procede, « Ele me glorificará, porque receberá do que é meu. » (Jo 16, 14). De ambas as formas, Cristo não possui o Espírito Santo por medida.

23 de janeiro: O Matrimônio da Mãe de Deus

23 de Janeiro
          
« Estando Maria, sua mãe, desposada com José » (Mt 1, 18)
    
I. — Foi um verdadeiro matrimônio? Devemos responder que sim, pois verifica-se aqui os três bens do matrimônio: prole, no caso, o próprio Deus; fidelidade, pois não há adultério; e sacramento, pois as almas uniram-se indivisivelmente.

22 de janeiro: Humildade e obediência de Cristo

22 de janeiro
     
« Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte » (Fp 2, 8)
     
I. — Como prova de sua humildade, Cristo quis sofrer a morte de cruz. Realmente, a humildade não cabe a Deus, pois a virtude da humildade consiste em manter-se o homem abaixo dos seus limites, não se elevando acima de si, mas submetendo-se ao superior. Assim sendo, evidentemente a humildade não pode convir a Deus, pois Deus não tem superior, sendo superior a todas as coisas. Ora, se alguém se submete por humildade a um simplesmente igual ou inferior a si, isso acontece porque o julga sob algum aspecto superior a si.

21 de janeiro: Cristo viveu segundo a lei.

21 de janeiro    
      
« Não julgueis que vim destruir a lei ou os profetas  » (Mt 5, 17)
   
S. João Crisóstomo diz: « Cristo viveu segundo a lei: primeiro, por não ter transgredido nenhuma das suas injunções; segundo, justificando pela fé, o que a letra da lei não podia fazer ».
  
Cristo conformou totalmente a sua vida aos preceitos da lei. E para prová-lo, quis circuncidar-se; ora, a circuncisão é uma demonstração de cumprimento da lei, segundo aquilo do Apóstolo: « Protesto a todo homem que se circuncida que está obrigado a guardar toda a lei » (Gl 5, 3).
  
Ora, Cristo quis viver segundo a lei:
  
1. Para assim aprovar a lei antiga;
 
2. A fim de, conservando-a, consumá-la em si mesmo e terminá-la, mostrando como ela a si se ordenava;
 
3. Para não dar aos judeus ocasião de caluniá-lo;
 
4. Para livrar os homens da escravidão da lei, segundo o Apóstolo: « Enviou Deus a seu Filho, feito sujeito à lei, a fim de remir aqueles que estavam debaixo da lei » (Gl 4, 4).
  
Quanto a ter curado um homem no sábado, o Senhor se escusa de haver transgredido a lei por três razões:
  
1. O preceito da santificação do sábado não proíbe as obras divinas, mas, as humanas. Assim, embora Deus tivesse cessado de produzir novas criaturas no sétimo dia, sempre porém a sua ação aparece na conservação e no governo das coisas. Ora, os milagres operados por Cristo eram obras divinas. Donde o dizer o Evangelho: « Meu Pai até agora não cessa de obrar e eu obro também incessantemente. » (Jo 5, 17)
  
2. O referido preceito não proíbe as obras necessárias à saúde do corpo. Assim, Ele próprio o disse: « Não desprende cada um de vós nos sábados o seu boi ou o seu jumento e não os tira da estribaria para os levar a beber? » (Lc 13, 15) E mais adiante: « Quem há de entre vós que se o seu jumento ou o seu boi cair num poço em dia de sábado, o não tire logo no mesmo dia? » (Lc 14, 5). Ora, é manifesto que as obras milagrosas, feitas por Cristo, tinham em vista a saúde do corpo e da alma.
  
3. Esse preceito não proíbe as obras relativas ao culto de Deus. Donde o dizer o Evangelho: « Ou não tendes lido na lei que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado e ficam sem pecado? » (Mt 12, 5) E noutro lugar diz, que « recebe um homem a circuncisão em dia de sábado » (Jo 7, 23).
    
(III q. XL, a. 4)
  
     
 (P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

Art. 4 — Se os preceitos judiciais podem ter divisão certa.

O quarto discute-se assim. — Parece que os preceitos judiciais não podem ter nenhuma divi­são certa.
 
1. — Pois, os preceitos judiciais ordenavam os homens uns para os outros. Ora, sendo infi­nitas as coisas de que os homens necessitam e precisavam de ordenar, entre si, elas não podem depender de nenhuma distinção certa. Logo, os preceitos judiciais não podem ter divisão certa.
 
2. Demais. — Os preceitos judiciais são determinações dos morais. Ora, estes não têm nenhuma divisão senão enquanto se reduzem aos do decálogo. Logo, os preceitos judiciais não são susceptíveis de nenhuma distinção certa.
 
3. Demais. — Dos preceitos cerimoniais, por serem susceptíveis de divisão certa, a lei indica uma certa divisão, chamando a uns sacrifí­cios, e a outros, observâncias. Mas nenhuma distinção a lei indica entre os preceitos judiciais. Logo, parece, não são susceptíveis de divisão certa.
 
Mas, em contrário. — Onde há ordem há de necessariamente haver distinção. Ora, a noção de ordem é própria, sobretudo, dos preceitos judiciais, pelos quais se ordenava o povo judeu. Logo, devem ter, por excelência, uma divisão certa.
 
Solução. — A lei é uma como arte para instituir e ordenar a vida humana. Ora, cada arte tem uma certa divisão nas suas regras. Por­tanto, toda lei deve conter uma certa divisão nos seus preceitos; do contrário, a confusão viria aniquilar-lhe a utilidade. Por onde deve­mos concluir, que os preceitos judiciais da lei antiga, que ordenavam os homens uns para os outros, comportam uma distinção fundada na da ordenação humana. Ora, em qualquer povo, podemos descobrir quádrupla ordem. Uma, a dos chefes em relação aos súbditos; outra, a dos súbditos entre si; a terceira, a dos indivíduos desse povo para com os estranhos; a quarta, a dos membros da sociedade doméstica, como a do pai para o filho, da esposa para o esposo, do senhor para o escravo. E conforme a estas quatro ordens, podem se dividir os preceitos judiciais da lei antiga. — Assim, ela estabeleceu certos preceitos sobre a constituição e o dever dos chefes, e sobre o respeito a eles devido. E esta é uma parte dos preceitos judiciais. — Ou­tras, sobre as relações aos cidadãos entre si; como sobre a compra e venda, os julgamentos e as penas. E esta é a segunda parte dos pre­ceitos judiciais. — Outros, relativos aos estran­geiros; p. ex., sobre as guerras contra os inimigos e o modo de receber os estranhos e os ádvenas. E esta é a terceira parte dos preceitos judiciais. — Enfim, a lei estabeleceu certos preceitos sobre a sociedade doméstica, como os relativos aos escravos, às mulheres e aos filhos. E esta é a quarta parte dos preceitos judiciais.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Os preceitos relativos à ordenação dos homens entre si são, sem dúvida, em número infinito. Contudo, podem reduzir-se a um certo número deles, conforme à diferença das ordenações hu­manas, como já se disse.
 
Resposta à segunda. — Os preceitos do decálogo são os primeiros no gênero dos preceitos morais, como já dissemos (q. 100, a. 3). Por onde, os outros preceitos morais se dividem relativamente a eles. Os preceitos judiciais porém e os cerimoniais têm a sua força obrigatória fundada, não na razão natural, mas na só instituição. Portanto, a divisão deles tem outra razão de ser.
 
Resposta à terceira. — A lei indica a divisão dos preceitos judiciais pela matéria mes­ma que regulam.

Art. 3 — Se os preceitos judiciais da lei antiga implicam obrigação perpétua.

(Infra, q. 108. a. 2; IIª-IIªª, q. 87, a. 1: IV Sent., dist. XV, q. 1 a. 5, qª 2, ad 5 Quodl. II, q. 4., a. 3; IV, q. 8, a. 2; Ad Hebr., cap. VII. Lect. II).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que os preceitos judiciais da lei antiga implicam obrigação perpétua.
 
1. — Pois, os preceitos judiciais pertencem à virtude da justiça;porque juízo se chama à execução da justiça. Ora, a justiça é perpétua e imortal, como diz a Escritura (Sb 1, 15). Logo, a obrigação dos preceitos judiciais é perpétua.
 
2. Demais. — As instituições divinas são mais estáveis que as humanas. Ora, os preceitos judiciais das leis humanas obrigam perpetua­mente. Logo, com maior razão, os da lei divina.
 
3. Demais. — O Apóstolo diz (Heb 7, 18): O manda­mento primeiro é na verdade abrogado pela sua fraqueza e inutilidade. O que é verdadeiro dos mandamentos cerimoniais, que não podiam puri­ficar a consciência do que sacrificava, por meio somente de manjares e bebidas e de diversas abluções e justiças da carne, como diz o mesmo Após­tolo (Heb 9, 9-10). Mas os preceitos judiciais eram úteis e eficazes para aquilo ao que se ordenavam, i. é, para constituir a justiça e a eqüidade entre os homens. Logo, os preceitos judiciais da lei antiga não são rejeitados, mas vigem até agora.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb 7, 12): mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça tam­bém mudança da lei. Ora, o sacerdócio foi transferido de Aarão para Cristo. Logo, também toda a lei foi mudada. Logo, os preceitos judiciais não obrigam ainda agora.
 
Solução. — Os preceitos judiciais não im­plicaram obrigação perpétua, e por isso foram anulados com o advento de Cristo. Porém, de modo diferente por que o foram os cerimoniais. Pois, estes o foram de modo a não só ficarem sendo letra morta, mas ainda mortíferos para os que os observarem, depois de Cristo, sobretudo depois da divulgação do Evangelho. Ao passo que os preceitos judiciais são, por cedo, letra morta, por não terem força de obrigar, mas não são mortíferos. Assim, príncipe, que mandasse observá-los no seu reino não pecaria, salvo se fossem observados ou se mandasse que o fossem, como tendo força obrigatória, em virtude da instituição da lei antiga. Pois, essa intenção de observá-los seria mortífera. E a razão dessa diferença pode ser encontrada no que já ficou dito (a. 2). Pois, como dissemos, os preceitos cerimo­niais são figurativos, primariamente e em si mesmos, como tendo sido principalmente insti­tuídos para figurar os mistérios futuros de Cristo. Portanto, a observância mesmo deles prejudica à verdade da fé, pela qual confessamos esses mistérios já se terem cumprido. Ao passo que os preceitos judiciais não foram instituídos para figurar, mas para dispor o estado do povo judeu, que se ordenava para Cristo. Por onde, mudado o estado desse povo, com o advento de Cristo, os preceitos judiciais perderam a força obriga­tória; pois a lei era um pedagogo conducente a Cristo, como diz o Apóstolo (Gl 3, 24). Como porém esses preceitos judiciais não se ordenavam a figurar, mas a levar à prática de certos atos, a obser­vância deles, absolutamente, não prejudica a verdade da fé. A intenção porém, de observá-los como lei obrigatória prejudica à referida verdade, por daí se concluir que o estado do povo judeu ainda dura, e que Cristo ainda não veio.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A justiça, certo, há de ser observada perpetua­mente; mas a determinação do que é justo, por instituição humana ou divina, há de necessa­riamente variar segundo os diversos estados dos homens.
 
Resposta à segunda. — Os preceitos judi­ciais instituídos pelos homens obrigam perpetua­mente, enquanto permanecer o regime. Mas se a cidade ou o povo passar para outro regime, por força as leis hão-se de mudar. Pois, as mes­mas leis não convêm à democracia, que é o governo do povo, e à oligarquia, que é o dos ricos, como está claro no Filósofo. E portanto, mudado o primitivo estado do povo judeu, haviam neces­sariamente de mudar-se os preceitos judiciais.
 
Resposta à terceira. — Os preceitos judi­ciais dispunham o povo para a justiça e a eqüi­dade, na medida em que isso era possível ao estado dos judeus. Mas depois de Cristo, esse estado teve de mudar-se, de modo que no regime da lei cristã não haveria distinção entre gentios e judeus, como havia antes. E por isso, era forçoso se mudassem também os preceitos judiciais.

Art. 2 — Se os preceitos judiciais são figurativos.

(Art. Seq.; IIª-IIªª, q. 87, a.1).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que os preceitos judiciais não são figurativos.
 
1. — Pois, parece próprio dos preceitos cerimoniais serem figurativos de alguma insti­tuição. Se portanto, os preceitos judiciais tam­bém fossem figurativos, não difeririam dos cerimoniais.
 
2. Demais. — Assim como aos judeus, assim também aos gentios foram dados certos preceitos judiciais. Ora, os preceitos judiciais dos outros povos nada figuravam, mas só ordenavam o que devia ser feito. Logo, parece que também os preceitos judiciais da lei antiga nada figuravam.
 
3. Demais. — Era necessário dar a entender por figuras o pertencente ao culto divino, porque as coisas de Deus são superiores à nossa razão. Ora, o que respeita ao próximo não a excede. Logo, os preceitos judiciais, que nos ordenam para o próximo, nada deviam figurar.
 
Mas, em contrário, é que na Escritura, os preceitos judiciais são expostos alegórica e moralmente.
 
Solução. — De dois modos pode um pre­ceito ser figurativo — Primariamente e em si mesmo, quando foi principalmente instituído para ter alguma significação. E deste modo, os preceitos cerimoniais são figurativos; pois, foram instituídos para figurar o pertencente ao culto de Deus e ao mistério de Cristo. — Outros preceitos porém são figurativos, não primaria­mente e em si mesmos, mas por conseqüência. E deste modo, os preceitos judiciais da lei antiga são figurados. Certo, não foram insti­tuídos para figurar nada; mas para ordenar o estado do povo judeu segundo a justiça e a eqüidade. Por conseqüência, porém, eram figu­rativos, porque todo o estado desse povo, regu­lado por esses preceitos, era figurativo, conforme a Escritura (1 Cor 10, 11): Todas estas coisas lhes aconteciam a eles em figura.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Os preceitos cerimoniais são figurativos de modo diferente dos judiciais, como já se disse.
 
Resposta à segunda. — O povo judeu foi escolhido de Deus para dele nascer Cristo. Por isso, todo o estado desse povo havia de ser pro­fético e figurativo, como diz Agostinho. E por isso também, os preceitos judiciais, que lhe foram dados, são mais figurativos do que os dados aos outros povos. Assim também, as guerras e os feitos desse povo se entendem misticamente;não porém as guerras ou os feitos dos assírios ou dos romanos, embora, humanamente falando, sejam muito mais famosos.
 
Resposta à terceira. — A ordenação para o próximo, no povo judeu, em si mesma consi­derada era accessível à razão. Mas enquanto referida ao culto de Deus, a superava, sendo por aí, figurativa.

Art. 1 — Se a razão dos preceitos judiciais está em se ordenarem ao próximo.

(Supra, q. 99, a. 4).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que a razão dos preceitos judiciais não está em se ordenarem ao próximo.
 
1. — Pois, os preceitos judiciais eram assim chamados por causa do juízo. Ora, há muitos outros preceitos por que se o homem ordena para o próximo, e não pertencem à ordenação dos juízos. Logo, não se chamam preceitos judiciais aqueles pelos quais o homem se ordena para o próximo.
 
2. Demais. — Os preceitos judiciais dis­tinguem-se dos morais, como já se disse (q. 99, a. 4). Ora, há muitos preceitos morais por que o homem se ordena para o próximo, como o demonstram os da segunda tábua. Logo, os preceitos judiciais não se chamam assim por se ordenarem ao próximo.
 
3. Demais. — Os preceitos cerimoniais es­tão para Deus, como os judiciais, para o pró­ximo, conforme se disse (q. 99 a. 4; q. 101, a. 1). Ora, entre os preceitos cerimoniais, certos respeitam à pessoa mesma, como as observâncias sobre os alimentos e as vestes, de que já se tratou (q. 102, a. 6 ad 1, 6). Logo, os preceitos judiciais não se chamam assim por ordenarem o homem para o próximo.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura, refe­rindo-se às outras boas obras do varão justo (Ez 18, 8): se fizer um verdadeiro juízo entre homem e homem. Ora, os preceitos judiciais são assim chamados por causa do juízo. Logo, assim se chamam os que dizem respeito à ordenação dos homens uns para os outros.
 
Solução. — Como do sobredito resulta (q. 95, a. 2; q. 99, a. 4), certos preceitos de qualquer lei têm força obrigatória, em virtude de um ditame da razão, pela razão natural ditar seja tal ato praticado ou evitado. E esses preceitos se chamam morais, por na razão se fundarem os costumes humanos. — Há outros preceitos sem força obrigatória em virtude do ditame mesmo da razão. Porque, em si mesmos considerados, não implicam em abso­luto a noção de obrigação ou não-obrigação; mas têm força de obrigar em virtude de alguma instituição divina ou humana. E tais são certas determinações dos preceitos morais.
 
Se portanto forem determinados preceitos morais, por instituição divina, relativos à orde­nação do homem para Deus, esses preceitos se chamarão cerimoniais. Se relativos à ordenação dos homens uns para os outros, chamar-se-ão judiciais. Logo, dois fundamentos têm a razão dos preceitos judiciais: concernirem à ordenação dos homens uns para os outros; e terem força obrigatória fundada, não só na razão, mas na instituição.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Os juízos se exercem por ofício de chefes com o poder de julgar. Ora, ao príncipe pertence não só ordenar sobre os litígios, mas também sobre os contratos voluntários dos homens entre si, e de tudo o atinente à comunidade do povo e ao regime. Por onde, os preceitos judiciais não são somente os concernentes às lides judi­ciais, mas todos os que respeitam à ordenação mútua dos homens, sujeita à ordenação do príncipe como juiz supremo.
 
Resposta à segunda. — A objeção colhe quanto aos preceitos, que ordenam para o pró­ximo, com força obrigatória pelo só ditame da razão.
 
Resposta à terceira. — Mesmo em relação ao que se ordena para Deus, há certos preceitos morais, que a razão dita, informada pela fé. Assim, que devemos amar e adorar a Deus. Outros preceitos, porém são cerimoniais e não têm força obrigatória senão por instituição di­vina. Ora, a Deus pertencem não só os sacrifícios, que lhe são oferecidos, mas tudo o concernente à idoneidade dos oferentes e dos que o cultuam; pois, o homem se ordena para Deus como para o fim. Portanto, o culto de Deus de par com os preceitos cerimoniais exige uma certa idoneidade para o culto divino. — Ao contrário, o homem não se ordena para o próximo, como para o fim, de modo que devesse por essência dispor-se ordenadamente para o próximo; pois seria relação de escravos para senhor, fundada em pertencerem, por aquilo mesmo que são, ao senhor, segundo o Filósofo. E portanto, não há preceitos judiciais que ordenem o homem para si mesmo; mas todos os preceitos dessa natu­reza são morais. Pois, a razão, princípio da mora­lidade, desempenha no homem, em relação ao que lhe diz respeito, o mesmo papel que, na cidade, o príncipe ou o juiz. Deve-se porém saber, que a ordenação do homem para o pró­ximo está mais sujeita à razão do que a do ho­mem para Deus. Por isso, são em maior número os preceitos morais ordenadores do homem para o próximo, do que aqueles que o ordenam para Deus. E assim havia de conter a lei mais pre­ceitos cerimoniais que judiciais.

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