Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. — Parece que a lei nova não está contida na antiga.
1. — Pois, a lei nova consiste principalmente na fé, sendo por isso chamada lei da fé, como diz o Apóstolo (Rm 3, 27). Ora, a lei nova estabeleceu muitos preceitos da fé, que não estão contidos na lei antiga. Logo, a lei nova não está contida na antiga.
2. Demais. — Sobre aquilo do Evangelho (Mt 5, 19) — Aquele que quebrar um destes mínimos mandamentos — diz uma Glosa, que os mandamentos da lei são menores; e os do Evangelho, maiores. Ora, o mais não pode estar contido no menos. Logo, a lei nova não está contida na antiga.
3. Demais. — A coisa contida em outra é possuída simultaneamente com esta. Ora, se a lei nova estivesse contida na antiga, resultaria que quem estivesse sob o regime desta estaria também sob o daquela. Logo, foi supérfluo dar uma lei nova a quem já tinha a antiga. Portanto, a lei nova não está contida na antiga.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Ez 1, 16): E a roda estava na roda, i. é, o Novo Testamento no Velho, como expõe Gregório.
SOLUÇÃO. — De dois modos pode uma coisa estar contida em outra: atualmente, como a que está colocada num lugar; ou, virtualmente, como o efeito na causa ou o completo no incompleto. Assim, o gênero contém potencialmente a espécie, e toda a árvore está contida na semente. E deste modo a lei nova está contida na antiga: pois, como já se disse, aquela está para esta, como o perfeito, para o imperfeito. Por isso, Crisóstomo, expondo aquilo do Evangelho (Mr 4, 28) — A terra por si mesma produz, primeiramente a erva, depois a espiga e, por último, o grão graúdo na espiga — diz assim: Primeiro, frutifica a erva, na lei da natureza; depois, as espigas na lei de Moisés; enfim, o grão graúdo, no Evangelho. Assim, pois, a lei nova está na antiga, como o grão na espiga.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Tudo o que o Novo Testamento ensina explícita e abertamente para ser crido, também já se encontrava no Velho Testamento, mas implícita e figuradamente. E assim, mesmo quanto ao que devemos crer, a lei nova está contida na antiga.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que os preceitos da lei nova são maiores que os da antiga, quanto à sua manifestação explícita. Mas, pela substância mesma, os preceitos do Novo Testamento estão todos contidos no do Velho. Donde o dizer Agostinho: Quase tudo o que o Senhor ensinou ou preceituou, quando acrescentava — Eu, porém, vos digo — já se encontra naqueles livros antigos. Mas, como não se compreendia no homicídio senão a morte dada ao corpo humano, o Senhor explicou, que todo ato injusto, para prejudicar o próximo, está incluído no gênero do homicídio. E por tais explicações, os preceitos da lei nova consideram-se maiores que os da lei antiga. Mas, nada impede esteja o maior virtualmente contido no menor, como a árvore, na semente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — É preciso explicar o dito implicitamente. Por onde, depois de dada a lei antiga, era necessária dar também a lei nova.
[IV Sent., dist. I, q. 2, a. 5, qª 2, ad 1, 3; Ad Rom., cap. III, lect. IV, cap. IX, lect. V; Ad Ephes, cap. II, lect. V].
O Segundo discute-se assim. — Parece que a lei nova não cumpriu a antiga.
1. — Pois, o cumprimento contraria a abolição. Ora, a lei nova vem abolir ou excluir a observância da antiga, conforme diz o Apóstolo (Gl 5, 2): Se vos fazeis circuncidar, Cristo vos não aproveitará nada. Logo, a lei nova não veio cumprir a antiga.
2. Demais. — Um contrário não cumpre o outro. Ora, o Senhor propôs, na lei nova, certos preceitos contrários aos da lei antiga. Assim, diz (Mt 5, 27-32): Ouvistes que foi dito aos antigos: Qualquer que se desquitar de sua mulher dê-lhe carta de repúdio. Mas eu vos digo que todo o que repudiar a sua mulher, a faz ser adúltera. E a seguir, o mesmo se dá com a proibição do juramento, e ainda com a pena de talião e com o ódio aos inimigos. Semelhantemente, parece que o Senhor excluiu os preceitos da lei antiga relativos ao discernimento dos alimentos, quando diz (Mt 15, 11): Não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem. Logo, a lei nova não cumpriu a antiga.
3. Demais. — Quem age contra a lei não a cumpre. Ora, em certos casos, Cristo agiu contra ela. Assim, tocou o leproso, como diz o Evangelho (Mt 8, 3), o que era contra a lei. Também foi visto violar muitas vezes o sábado, pelo que dele diziam os judeus (Jo 9, 16): Este homem, que não guarda o sábado, não é de Deus. Logo, Cristo não cumpriu a lei. Logo, a lei nova, dada por Cristo, não veio cumprir a antiga.
4. Demais. — A lei antiga continha preceitos morais cerimoniais e judiciais, como já se disse (q. 99, a. 4). Ora, num lugar do Evangelho, onde se vê que o Senhor, a certos respeitos, cumpriu a lei, nenhuma menção se faz dos preceitos judiciais e cerimoniais. Logo, parece que a lei nova não veio totalmente cumprir a antiga.
Mas, em contrário, diz o Senhor (Mt 5, 17): Não vim destruir a lei, mas a dar-lhe cumprimento. E depois acrescenta (Mt 5, 18): não passará da lei um só i, ou um til, sem que tudo seja cumprido.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos (a. 1), a lei nova está para a antiga como o perfeito para o imperfeito. Ora, o perfeito completa o que falta ao imperfeito. E assim, a lei nova completa a antiga, suprindo-a no que lhe faltava.
Ora, duas coisas podem considerar-se na lei antiga: o fim e os preceitos nela contidos. — O fim da lei é tornar os homens justos e virtuosos, como já se disse (q. 92, a. 1). Por onde, o fim da lei antiga era a justificação dos homens; o que porém não podendo fazer, o figurava por meio de certos atos cerimoniais e o prometia por palavras. E neste ponto a lei nova cumpre a antiga, justificando pela virtude da paixão de Cristo. E isto diz o Apóstolo (Rm 8, 3-4): O que era impossível à lei, enviando Deus a seu Filho em semelhança de carne de pecado, por causa do pecado, condenou ao pecado na carne, para que a justificação da lei se cumprisse em nós. E neste ponto a lei nova realiza o que a antiga prometeu, conforme aquilo do Apóstolo (2 Cor 1, 20): Todas as promessas de Deus são em seu Filho, i, é, em Cristo. E além disso, nesta matéria, cumpre também o que a lei antiga figurava. Por isso, a Escritura diz (Cl 2, 17), que as cerimônias eram à sombra das coisas vindouras; mas o corpo é um Cristo, i. é, a verdade pertence a Cristo. Por isso, a lei nova se chama lei da verdade, e a antiga, lei da sombra ou da figura.
Quanto aos preceitos da lei antiga, Cristo os cumpriu com as suas obras e a sua doutrina. — Com as obras, porque quis circuncidar-se e observar as outras disposições legais, que devia no seu tempo observar, segundo aquilo da Escritura (Gl 4, 4): Feito sujeito à lei. — E com a sua doutrina cumpriu os preceitos da lei de três modos. — Primeiro, explicando-lhe o sentido, como se vê no caso do homicídio e do adultério, na proibição dos quais os Escribas e os Fariseus não viam senão o ato exterior proibido. Por onde, o Senhor cumpriu a lei, mostrando que a sua proibição abrange também os atos internos dos pecados. — Segundo, o Senhor cumpriu os preceitos da lei ordenando como se haviam de observar mais perfeitamente as disposições da lei antiga. Assim, a lei antiga estatuía que se não perjurasse, o que se observa mais perfeitamente se a gente se abstém de todo de jurar, salvo em caso de necessidade. — Em terceiro lugar, o Senhor cumpriu os preceitos da lei, acrescentando certos conselhos de perfeição, como se vê no Evangelho onde, a quem afirmava observar os preceitos da lei antiga diz (Mt 19, 21): Falta-te uma coisa: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, etc.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A lei nova não veio abolir a observância da antiga, senão na parte das cerimônias, como já dissemos (q. 13, 1. 3, 4), pois elas eram figurativas do futuro. Por onde, pelo fato mesmo de estarem cumpridos os preceitos cerimoniais, já realizado o que eles figuravam, já não deviam ser observados. Pois se o fossem, significariam algo de futuro, ainda não realizado. Assim também a promessa do dom futuro já não tem lugar, uma vez a promessa cumprida pela realização do dom. E deste modo, uma vez cumpridas, desapareceram as cerimônias da lei.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, os preceitos referidos, do Senhor, não são contrários aos da lei antiga. — Pois, o preceito do Senhor de não repudiar a esposa, não é contrário ao que a lei preceituava. E nem a lei disse — Quem quiser repudia a esposa — do que o contrário seria não repudiar. Mas certamente, não queria fosse à esposa repudiada pelo marido, quem interpôs um prazo para que o de ânimo pressuroso em separar-se, peado pela redação do libelo, se abstivesse da separação. Por isso o Senhor, a fim de o confirmar, para que a esposa não fosse repudiada facilmente, excetuou só o caso da fornicação. — E o mesmo também se deve dizer quanto à proibição do juramento, conforme já advertimos — E o mesmo é patente na proibição do talião. A lei taxou o modo da vindicta, para que não a tomassem imoderadamente; da qual o Senhor mais perfeitamente demoveu aquele a quem advertiu se abstivesse dela completamente. — Quanto ao ódio dos inimigos, o Senhor removeu a falsa inteligência dos Fariseus, advertindo-nos que devemos odiar, não as pessoas, mas a culpa. — Enfim, quanto ao discernir dos alimentos, que era cerimonial, o Senhor não mandou que deixasse de ser observado, mas mostrou que nenhuma comida é em si mesma imunda, mas, só figuradamente, como já se disse (q. 102, a. 6 ad 1).
RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei antiga proibia tocar no leproso, por que, fazendo-o, incorria-se numa certa imundice de irregularidade, assim como por tocar num morto, segundo já dissemos (q. 102, a. 5 ad 4). Ora, o Senhor, que era o curador do leproso, não podia incorrer em imundice. — Pelas coisas porém que fez no sábado, não aboliu em verdade a lei do sábado, como ele próprio o mostra no Evangelho. Quer porque fizesse milagre por virtude divina, que sempre age sobre as coisas; quer porque praticasse obras para a salvação humana, pois os Fariseus também providenciavam pela conservação dos animais, no dia de sábado; quer também porque, em razão da necessidade, desculpou os discípulos que colhiam espigas no sábado. Mas realmente, aboliu a lei do sábado como supersticiosamente a entendiam os Fariseus, pensando que a gente se devia abster mesmo das obras da salvação, nesse dia, o que ia contra a intenção da lei.
RESPOSTA À QUARTA. — No lugar aduzido do Evangelho não se lembram os preceitos cerimoniais da lei, porque a observância deles desapareceu totalmente, por terem sido realizados, segundo já dissemos (a. 1). — Dos preceitos judiciais só foi lembrado o do talião, de modo a ser entendido de todos os mais o que fosse dito deste. E o Senhor ensinou que, nesse preceito, a intenção da lei não era que se aplicasse a pena de talião pelo prazer da vingança, que ele exclui, advertindo que cada um deve estar preparado a sofrer injúrias ainda maiores; mas só por amor da justiça. E deste modo ainda permanece na lei nova a referida pena.
[Supra, q. 91, a. 5; Ad Galat., cap. I, lect. II].
O primeiro discute-se assim. Parece que a lei nova não difere da antiga.
1. — Pois, uma e outra foram dadas para os que têm fé em Deus, conforme a Escritura (Heb 11, 6): sem fé é impossível agradar a Deus. Ora, fé tanto a tiveram os antigos como os modernos, conforme a Glosa. Logo, a lei é a mesma.
2. Demais. — Agostinho diz, que a pequena diferença entre a lei e o Evangelho é o temor e o amor. Ora, este e aquela não bastam para diversificar a nova lei da antiga, porque também esta estabelecia preceitos de caridade, como os seguintes (Lv 19, 18): Amarás a teu próximo; (Dt 6, 5) Amarás ao Senhor teu Deus. Nem podem as duas leis se diversificar pela diferença assinalada por Agostinho: O Antigo Testamento prometia bens temporais, o Novo os promete espirituais e eternos. Porque também o Novo promete certos bens temporais, conforme se lê no Evangelho (Mr 10, 30): Receberá já de presente neste mesmo século o cento por um, das casas e dos irmãos, etc. E no Antigo Testamento esperava-se em promessas espirituais e eternas conforme o Apóstolo (Heb 11, 16): Agora aspiram outra pátria melhor, i. é, a celestial, referindo-se aos antigos patriarcas. Logo, a lei nova não difere da antiga.
3. Demais. — O Apóstolo parece distinguir uma lei da outra (Rm 3, 27), quando chama à lei antiga lei das obras, e à nova, lei da fé. Ora, segundo o mesmo, a lei antiga também era lei da fé (Heb 11, 39): Todos estão provados pelo testemunho da fé, referindo-se aos patriarcas do Velho Testamento. Semelhantemente, a lei nova, por sua vez, é a lei das obras, como diz o Evangelho (Mt 5, 44): Fazei bem aos que vos têm ódio; e (Lc 22, 19): Fazei isto em memória de mim. Logo, a lei nova não difere da antiga.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb 7, 12): Mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça também a mudança da lei. Ora, o sacerdócio do Novo Testamento difere do sacerdócio do Antigo, como o mesmo Apóstolo o prova. Logo, a lei nova também difere da antiga.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos (q. 90, a. 2; q. 91, a. 4), toda lei ordena a vida humana para um fim. Ora, todas as coisas ordenadas para um fim podem diversificar-se de duplo modo, conforme a idéia do fim. De um modo, por se ordenarem a diversos fins; e esta é uma diferença específica, sobretudo se o fim for próximo. De outro modo, pela proximidade ou afastamento do fim. Assim, é claro que os movimentos diferem especificamente segundo se ordenam para termos diversos. Mas, quando uma parte do movimento está mais próximo do termo que outra, elas entre si diferem, como o perfeito, do imperfeito.
Por onde, podemos distinguir duas leis diversas. — Primeiro, como que absolutamente, enquanto ordenadas a fim diversos. Assim, a lei da cidade, que se ordenasse a servir ao governo do povo, seria especificamente diferente da que se ordenasse a servir aos melhores da cidade. — De outro modo, uma lei pode se distinguir de outra por estar uma ordenada ao fim, mais proximamente e, a outra, mais remotamente. Assim, na cidade, uma é a lei imposta aos homens perfeitos, capazes de praticar logo o que respeita ao bem comum; outra é a que manda ministrar ensino às crianças, que devem ser instruídas para praticarem mais tarde ações de homem.
Por onde, devemos dizer que, do primeiro modo, a lei nova não difere da antiga, pois o fim de ambas é trazer o homem sujeito a Deus. Ora, o Deus do Novo e do Velho Testamento é o mesmo, conforme o Apóstolo (R 3, 30): Não há senão um Deus, que justifica pela fé os circuncidados e que também pela fé justifica os incircuncidados. Do outro modo, a lei nova difere da antiga. Porque esta era como um pedagogo de crianças, no dizer do Apóstolo (Gl 3, 24). Ao passo que a lei nova é a perfeição, lei da caridade, da qual diz o Apóstolo (Cl 3, 14), que é o vínculo da perfeição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A unidade da fé em ambos os Testamentos prova a unidade do fim. Pois, como já dissemos (q. 62, a. 2), o objeto das virtudes teologais, entre as quais está a fé, é o fim último. Contudo, uma era a função da fé na antiga lei, e outra, a na lei nova. Pois, o que os antigos criam como futuro, nós cremos como realizado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as diferenças assinaladas entre a lei nova e a velha fundam-se nas idéias de perfeito e de imperfeito. Pois os preceitos de toda lei são dados para regular os atos virtuosos. Ora, para praticar tais atos, os imperfeitos, ainda sem o hábito da virtude, agem de um modo, e de outro os que já são perfeitos por esse hábito. Assim, os que ainda não tem o hábito da virtude são levados a praticar atos virtuosos por uma causa extrínseca, p. ex., por causa da cominação de penas ou pela promessa de certas remunerações extrínsecas, como a honra, as riquezas, ou coisas semelhantes. Por isso a lei antiga, dada para imperfeitos, i. é, que ainda não tinham conseguido a graça espiritual, era chamada lei do temor, porque levava à observância dos preceitos pela cominação de determinadas penas, e dela se diz que fazia certas promessas temporais. Os que tem virtudes, porém, são levados a praticá-la por amor da mesma, e não por qualquer pena ou remuneração extrínseca. Por onde, a lei nova que é a principal, por consistir na graça espiritual mesma, infundida nos corações, chama-se lei do amor. E a Escritura diz que ela promete bens espirituais e eternos, que são os objetos da virtude, principalmente da caridade, que por isso tende para esses bens, não como algo de extrínseco, senão de próprio. E também por isso se diz que a lei eterna coibia as mãos e não, a alma. Porque, quem se abstém do pecado, por temor da pena, não afasta a sua vontade do pecado, absolutamente falando, como o faz a vontade do que se abstém por amor da justiça. E por isso se diz que a lei nova que é a lei do amor, coíbe a alma. — Houve porém no regime do Velho Testamento, quem, tendo a caridade e a graça do Espírito Santo, esperava principalmente as promessas espirituais e eternas, e portanto pertencia ao regime da lei nova. E semelhantemente, há no regime do Novo Testamento certos homens carnais, que ainda não alcançaram a perfeição da lei nova. E esses, embora desse regime, tornam necessário sejam levados às obras virtuosas pelo temor das penas e por meio de certas promessas temporais. A lei antiga, porém, não obstante esses preceitos de caridade, não os dava por ela o Espírito Santo, por quem está derramada a caridade em nossos corações, como diz a Escritura (Rm 5, 5).
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como já dissemos (q. 106, a. 1, 2), a lei nova é chamada lei da fé por consistir, principalmente, na graça mesma, dada internamente aos crentes; daí o denominar-se graça da fé. Secundariamente, ela contém certos atos morais e sacramentais, que não lhe constituem a parte principal, como constituíam a parte principal da lei antiga. Mas os que, no regime do Velho Testamento, foram, pela fé, aceitos a Deus, pertenceram por isso ao Novo Testamento. Pois, não se justificaram senão pela fé em Cristo, autor do Novo Testamento. Por onde, de Moisés diz o Apóstolo (Heb 11, 26): Tinha por maiores riquezas o opróbrio de Cristo que os tesouros dos egípcios.
Em seguida devemos comparar a lei nova com a antiga.
E, sobre este ponto, discutem-se quatro artigos:
1 de fevereiro
Eis que estou à porta e bato (Ap 3, 20).
Eis que estou, à espera de penitência: O Senhor espera o momento em que vos fará mercê. Is 30. Ei-lo que está por detrás da nossa parede. Ct 2,9.
À porta do coração, que é o livre arbítrio. Nenhum de vós saia da porta da sua casa até pela manhã. Ex 12. Esta porta é mantida fechada enquanto o homem deseja o pecado, e assim, o Senhor não pode entrar: na alma maligna não entrará a Sabedoria. Sb 1, 4.
E bato, inspirando, castigando, pregando, concedendo benefícios. Eis a voz do meu amado, que bate: abre-me, ó minha irmã, amiga minha, pomba minha, imaculada minha. Ct 5, 2.
Se alguém ouvir, isto é, por um ouvido do coração, que é a inteligência, e pelo outro, que é a obediência, a minha voz, isto é, a inspiração, o castigo ou a pregação, ou o benefício concedido, que são chamados de voz de Deus, pois por eles o Senhor nos chama a si e, contudo, poucos são os que ouvem.
E me abrir a porta do seu coração, ou seja, a vontade, pela qual Cristo ingressa na alma, e que se diz aberta para Cristo ao consentir no bem, ou aberta para o diabo, ao consentir no mal.
Entrarei nele, infundindo-lhe a graça, assim como o sol entra numa casa por uma janela aberta, introduzindo seus raios, pois o sol não entra senão quando as janelas estão abertas e, tão logo abertas, imediatamente entra o sol.
Medito em todas as tuas obras (Ps 142, 5).
I. — As coisas que são de Deus são, por si mesmo, as que mais excitam o amor e, por conseguinte, a devoção, pois Deus deve-se ser amado sempre acima de tudo; mas, pela fraqueza do espírito humano, assim como carecemos de algo que nos guie ao conhecimento das coisas divinas, assim também, para amá-las precisamos ser conduzidos pelo conhecimento de algo sensível. Entre o quê conta-se precipuamente a humanidade de Cristo, conforme se diz no Prefácio: para que, conhecendo a Deus visivelmente, sejamos por Ele arrebatados ao amor invisível. Assim, tudo o que pertence à humanidade de Cristo, como que nos guiando pela mão, excita devoção máxima e, freqüentemente, maior devoção surge pela consideração da Paixão de Cristo e de outros mistérios da sua humanidade do que pela consideração da divina imensidade; embora a devoção consista principalmente nos mistérios divinos.
30 de janeiro
I. — Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo. (Jo 12, 47).
Bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e guardam-na, interiormente, pela crença, exteriormente, pelas obras. Contudo, os que ouvem a palavra de Deus e não procuram praticá-la, tornam-se, por isso mesmo, mais dignos de culpa: De fato, não são justos diante de Deus os que ouvem a lei, mas os que observam a lei é que serão justificados. Rm 2, 15. E: Sede, pois fazedoes da palavra e não ouvintes somente. Tg 1, 22.
Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo. (Jo 12, 47). De duas maneiras pode-se dizer que alguém condena a outro; ou como juiz, ou como causa de condenação. Pois o homicida é condenado ao patíbulo tanto pelo juiz como pelo próprio crime perpetrado, causa da sua condenação. Portanto, diz: eu não o julgo, i. é, não sou causa da sua condenação, mas ele próprio. Estás perdido, ó Israel, só em mim está o teu auxílio. Os 13, 9. Isto porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. Jo 12, 47. I.é, não vim para condenar, mas para salvar.
II. — O que me despreza, e não recebe as minhas palavras, já tem quem o julgue. Jo 12, 48. Como se dissesse: quem não guardar minhas palavras, crendo e praticando, não passará impune, seja quem for. A razão é que, se não recebe as palavras de Jesus, despreza as palavras de Deus, de quem é o mesmo Verbo, como quem que não obedece às ordens do seu Senhor. Fugi da espada de Deus, porque a espada é vingadora das iniqüidades, e sabei que há uma justiça. Jó 19, 29.
III. — A palavra que eu anunciei, essa o julgará no último dia. Jo 12, 48. O que equivale a dizer, segundo santo Agostinho: Eu o julgarei. Porque Cristo aludiu a si mesmo em seus discursos e anunciou-se a si mesmo. Pois Ele é a palavra que falou, já que falou de si mesmo, como disse são João (Jo 8, 14): Embora eu dê testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei donde vim e para onde vou. Como se dissesse: O mesmo que lhes falou e que, não obstante, desprezaram, esse mesmo os julgará.
(In Joan., XII)
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)
O quarto discute-se assim. — Parece que a lei nova não há de durar até o fim do mundo.
1. — Pois, como diz o Apóstolo (1 Cor 13, 10), quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte. Ora, a lei nova é em parte, conforme diz o mesmo (1 cor 13, 9): Em parte conhecemos e em parte profetizamos. Logo, a lei nova deve ser abolida, sucedendo-lhe um estado mais perfeito.
2. Demais. — O Senhor prometeu aos seus discípulos (Jo 16, 13), com o advento do Espírito Santo Paráclito, o conhecimento de toda a verdade. Ora, a Igreja ainda não conhece toda a verdade, no regime do Novo Testamento. Logo, devemos esperar outro estado, em que toda a verdade será manifestada pelo Espírito Santo.
3. Demais. — Assim como o Pai difere o Filho e o Filho do Pai, assim o Espírito Santo, do Pai e do Filho. Ora, houve um estado conveniente à pessoa do Pai, i. é, o do regime da lei antiga, em que os homens punham o fito na geração. Semelhantemente, há outro estado conveniente à pessoa do Filho, i. é, o estado da lei nova, em que dominam os clérigos, que buscam a sabedoria, apropriada ao Filho. Logo, haverá um terceiro estado, o do Espírito Santo, em que dominarão os varões espirituais.
4. Demais. — O Senhor diz (Mt 24, 14): Será pregado este Evangelho do reino por todo o mundo, e então chegará o fim. Ora, o Evangelho de Cristo, já há tanto tempo é pregado por todo o mundo, e contudo ainda não chegou o fim. Logo, o Evangelho de Cristo não é o Evangelho do reino, mas há de haver outro Evangelho, o do Espírito Santo, que será como que outra lei.
Mas, em contrário, diz o Senhor (Mt 24, 34): Digo-vos que não passará esta geração, sem que se cumpram todas estas coisas; o que Crisóstomo entende da geração dos fiéis de Cristo. Logo, o estado dos fiéis de Cristo permanecerá até a consumação dos séculos.
SOLUÇÃO. — O estado do mundo pode variar de dois modos. — Primeiro, pela diversidade das leis. E assim, ao regime atual da lei nova não sucederá nenhum outro estado. Pois, o regime da lei nova sucedeu ao da lei antiga, como sucede o mais perfeito ao menos perfeito. Ora, nenhum estado da vida presente pode ser mais perfeito que o da lei nova. Porque nada pode ser mais próximo do fim último do que aquilo que leva imediatamente para ele. Mas é isso o que faz a lei nova. Donde o dizer o Apóstolo (Heb 10, 19-22): Portanto, irmãos, tendo confiança de entrar no santuário pelo sangue de Cristo, acheguemo-nos ao caminho novo, que ele nos abriu. Por onde, não pode haver na vida presente nenhum estado mais perfeito do que o da lei nova; porque há tanto maior perfeição quanto mais proximidade houver do fim último. — De outro modo, o estado dos homens pode variar conforme eles se comportam mais ou menos perfeitamente, em relação a uma mesma lei. E assim, o regime da lei antiga mudou freqüentemente; pois, ora, as leis eram otimamente guardadas; ora, absolutamente abandonadas. Assim como também o regime da lei nova se diversifica pelos diversos lugares, tempos e pessoas, enquanto que a graça do Espírito Santo é mais ou menos perfeitamente aproveitada. Por onde, não se deve esperar nenhum estado futuro em que a graça do Espírito Santo seja aproveitada mais perfeitamente do que até agora o foi; e sobretudo, pelos Apóstolos, que receberam as primícias do Espírito, i. é, com prioridade no tempo e mais abundantemente que os outros, como diz o Glosa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Segundo Dionísio, tríplice é o estado dos homens: primeiro, o da lei antiga; segundo o da lei nova; terceiro, o que virá, não nesta vida, mas na futura, i. é, na pátria celeste. Ora, assim como o primeiro estado foi figurado e imperfeito, em relação ao do Evangelho; assim, o atual é figurado e imperfeito, em relação ao da pátria celeste, que, quando chegar, abolirá aquele, conforme a Escritura (1 Cor 13, 12): Agora vemos como por um espelho, em enigmas; mas então face a face.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, Montano e Priscila afirmavam, que a promessa do Senhor, de dar o Espírito Santo, não se cumpriu nos Apóstolos, mas neles. E semelhantemente, os Maniqueus, que se cumpriu em Maniqueu, que diziam ser o Espírito Paráclito. Por isso uns e outros não admitiam os Atos dos Apóstolos, onde está manifesto, que a promessa se cumpriu nos Apóstolos. Assim o Senhor repetidamente o prometeu (At 1, 5): vós sereis batizados no Espírito Santo, não muito depois destes dias, que se completaram, como se lê no mesmo livro. Mas essas pretensões se excluem pelo que diz o Evangelho (Jo 7, 39): Ainda o Espírito Santo não fora dado, por não ter sido ainda glorificado Jesus. Por onde se dá a entender, que, logo depois de Jesus glorificado, na ressurreição e na ascensão, foi dado o Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo ensinou aos Apóstolos todas as verdades necessárias à salvação, a saber, relativas ao que devemos saber e praticar. Mas não lhes ensinou sobre todos os acontecimentos futuros, pois isso não lhes importava saber, conforme diz a Escritura (At 1, 7): Não é da vossa conta saber os tempos nem momentos, que o Padre reservou ao seu poder.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei antiga, era, não só do Pai, mas também do Filho, porque Cristo estava nelas figurado. Por isso, diz o Senhor (Jo 5, 46): Se vós crêsseis a Moisés, certamente me creríeis também a mim, porque ele escreveu de mim. Semelhantemente, também a lei nova não é somente de Cristo, mas ainda do Espírito Santo, conforme aquilo (Rm 8, 2): A lei do Espírito de vida em Jesus Cristo, etc. Por onde, não devemos esperar outra vida, além da do Espírito Santo.
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo disse, logo no princípio da pregação evangélica (Mt 4, 17): Está próximo o reino dos céus. Logo, é estultíssimo dizer que o Evangelho de Cristo não é o Evangelho do reino celeste. Mas, a pregação do Evangelho de Cristo pode entender-se de dois modos. — Primeiro, quanto à divulgação do conhecimento de Cristo. E então, o Evangelho foi pregado em todo o mundo, ainda no tempo dos Apóstolos, como Crisóstomo diz. E sendo assim, o que se acrescenta — E então chegará o fim — entende-se da destruição de Jerusalém, da qual, no caso, literalmente se falava. — De outro modo, a predicação do Evangelho em toda a terra pode ser entendida como quando produzir o seu efeito pleno, de maneira que a Igreja se estabeleça em todas as nações. E neste sentido, como diz Agostinho, o Evangelho ainda não foi pregado em toda a terra; mas, quando o tiver sido, chegará o fim do mundo.
[Supra, q. 96, a. 5, ad 2].
O Terceiro discute-se assim. — Parece que a lei nova devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
1. — Pois, não há para com Deus acepção de pessoas, como diz a Escritura (Rm 2, 11). Ora, todos os homens pecaram e necessitam da glória de Deus, segundo o Apóstolo (Rm 3, 23). Logo, a lei do Evangelho devia ter sido dada desde o princípio do mundo, para que socorresse a todos.
2. Demais. — Tanto em lugares como em tempos diversos os homens são diversos. Ora, Deus, que quer que todos os homens se salvem, mandou fosse o Evangelho pregado em todos os lugares, como está claro na Escritura (1 Tm 2, 4). Logo, a lei do Evangelho devia ter existido em todos os tempos, e portanto, dada desde o princípio do mundo.
3. Demais. — A salvação espiritual, sendo eterna, é mais necessária ao homem que a saúde corpórea, que é temporal. Ora, Deus desde o princípio do mundo, providenciou sobre o necessário à saúde do corpo submetendo ao homem todos os seres, por causa dele criados, como se lê na Escritura (Gn 1, 26-29). Logo, também a lei nova necessária por excelência à salvação espiritual, devia ter sido dada aos homens desde o princípio do mundo.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (1 Cor 15, 46): Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal. Ora, a lei nova é por excelência espiritual. Logo, não devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
SOLUÇÃO. — Pode-se dar tríplice razão de não ter sido a lei nova dada desde o princípio do mundo. — A primeira é que, como já dissemos (a. 1), a lei nova consiste principalmente na graça do Espírito Santo, que não devia ser dada abundantemente, antes de ter sido o gênero humano livrado do pecado, depois de consumada a redenção de Cristo. Por isso, diz a Escritura (Jo 7, 39): Ainda o Espírito Santo não fora dado, por não ter sido ainda glorificado Jesus. E esta razão o Apóstolo a assinala manifestamente, quando acrescenta, depois de ter tratado da lei do Espírito Santo (Rm 8, 2 ss): Enviando Deus a seu filho em semelhança de carne de pecado, ainda do pecado condenou ao pecado na carne, para que a justificação da lei se cumprisse em nós.
A segunda razão pode ser tirada da perfeição da lei nova. Pois nada alcança imediatamente, desde a origem, um estado perfeito; se não depois de uma certa ordem sucessiva no tempo. Assim, primeiro somos crianças, e depois homem. E esta razão o Apóstolo a assinala, quando diz (Gl 3, 24-25): A lei nos serviu de pedagogo, que nos conduziu a Cristo, para sermos justificados pela fé; mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo do pedagogo.
A terceira se funda em ser a lei nova a lei da graça. Por onde, era primeiro necessário fosse o homem abandonado a si mesmo, no regime da lei antiga, para que, caindo no pecado e conhecendo a sua fraqueza, reconhecesse a necessidade da graça. E nesta razão toca o Apóstolo, quando diz (Rm 5, 20): Sobreveio a lei para que abundasse o pecado, mas onde abundou o pecado, superabundou a graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O gênero humano mereceu, por causa do seu primeiro pai, ser privado do auxílio da graça. E assim, este não é dado a uns, por justiça, e o é a outros, por graça, como diz Agostinho. Por onde, Deus não faz acepção de pessoas, por não ter desde o princípio do mundo proposto a todos a lei da graça, que devia ser proposta na ordem devida.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A diversidade dos lugares não faz variar a diversidade dos estados do gênero humano, que varia conforme a sucessão dos tempos. Por isso, a lei nova é proposta para todos os lugares, mas não, para todos os tempos. Embora em todos existissem certos homens pertencentes ao Novo Testamento, como já dissemos (a. 1, ad 3).
RESPOSTA À TERCEIRA. — O que respeita à saúde do corpo serve ao homem, em virtude da natureza, que não é destruída pelo pecado. Ao passo que o atinente à saúde espiritual se ordena para a graça, que se perde pelo pecado. Portanto, os casos não são idênticos.
O segundo discute-se assim. — Parece que a lei nova não justifica.
1. — Pois, ninguém se justifica sem obedecer à lei de Deus, conforme a Escritura (Heb 5, 9): Cristo veio a fazer-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem. Ora, o Evangelho nem sempre consegue que todos lhe obedeçam, consoante a Escritura (Rm 10, 16): Nem todos obedecem ao Evangelho. Logo, a lei nova não justifica.
2. Demais. — O Apóstolo prova que a lei antiga não justificava, pois, na vigência dela, aumentou a prevaricação. Assim, diz (Rm 4, 15): A lei obra ira; por quanto onde não há lei não há transgressão. Ora, a lei nova é causa de muitas outras prevaricações; pois é digno de maior pena quem ainda peca, no regime da lei nova, conforme a Escritura (Heb 10, 28-29): Se alguém quebranta a lei de Moisés, sendo-lhe provado com duas ou três testemunhas, morre sem dele se ter comiseração alguma, pois, quanto maiores tormentos credes vós que merece o que pisar aos pés ao Filho de Deus? etc. Logo, como a antiga, também a lei nova não justifica.
3. Demais. — Justificar é efeito próprio de Deus, conforme aquilo da Escritura (Rm 8, 33): Deus é o que justifica. Ora, tanto a lei antiga como a nova foram dadas por Deus. Logo, esta não justifica, mais que aquela.
Mas, em contrário diz o Apóstolo (Rm 1, 16): Eu não me envergonho do Evangelho; porquanto a virtude de Deus é para dar a salvação a todo o que crê. Logo há salvação só para os justificados. Logo, a lei do Evangelho justifica.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos (a. 1), duas coisas encerra a lei do Evangelho. — Uma principal, que é a graça do Espírito Santo dada interiormente. E neste respeito, a lei nova justifica. Por isso, Agostinho diz: Lá, i. é, no Antigo Testamento, a lei foi posta extrinsecamente, para que os injustos se aterrorizassem; aqui, i. é, no Novo Testamento, foi dada intrinsecamente, para que se justificassem — Secundariamente, pertencem à lei do Evangelho os ensinamentos da fé e os preceitos, que ordenam os afetos e os atos humanos. E neste respeito, a lei nova não justifica. Por isso o Apóstolo diz (2 Cor 3, 6): A letra mata e o espírito vivifica. E como expõe Agostinho, pela letra se entende qualquer escritura existente independentemente dos homens, mesmo a dos preceitos morais, tais como estão contidos no Evangelho. Por onde, mesmo a letra do Evangelho mataria se não existisse interiormente a graça, que salva.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe, quanto à lei nova; não quanto ao que nela é principal, senão quanto ao secundário. Isto é, quanto aos ensinamentos e preceitos extrinsecamente dados ao homem, por escrito ou verbalmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A graça do Novo Testamento, embora ajude o homem a não pecar, todavia não o confirma no bem, de modo a não poder mais pecar; pois isto é próprio do estado da glória. Por onde, quem pecar, depois de ter recebido a graça do Novo Testamento, é digno de maior pena, como ingrato a maiores benefícios e como não tendo usado do auxílio que lhe foi dado. Mas nem por isso se diz que a lei nova produz a ira; pois em si mesma dá auxílio suficiente para o homem não pecar.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O mesmo Deus deu a lei nova e a antiga, mas diferentemente. Pois, a antiga deu-a escrita em tábuas de pedra; a nova, porém, em tábuas de carne do coração. Por onde, diz Agostinho: O Apóstolo denomina essa lei literal, escrita fora do homem, transmissora da morte e da condenação. Ao passo que à lei do Novo Testamento a considera transmissora do espírito e da justiça. Porque, pelo dom do Espírito, praticamos a justiça e nos livramos de ser condenados por prevaricação.