Category: Santo Tomás de Aquino
31 de dezembro
Deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1, 12)
Os homens tornam-se filhos de Deus por assimilação a Deus, e assim, por uma tríplice assimilação, os homens são filhos de Deus:
[1] Pela infusão da graça; donde, quem quer que tenha a graça santificante torna-se filho de Deus (Gl 4, 6): E porque vós sois filhos, Deus mandou aos vossos corações o Espírito de seu Filho.
[2] Pela perfeição das obras, pois quem faz obra de justiça é filho (Mt 5, 44): Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. Deste modo serei filhos do vosso Pai, que está nos céus.
[3] Alcançando a glória, tanto quanto a alma, pela luz da glória (1 Jo 3, 2): Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; como quanto ao corpo (Fl 3, 21): transformará o nosso corpo de miséria. E de ambos modos fala o Apóstolo (Rm 8, 23): esperando a adoção de filhos de Deus.
Ora, caso se entenda o poder de se tornar filho de Deus quanto a perfeição das obras e a aquisição da glória, nenhuma dificuldade há; pois quando diz deu-lhes poder (Jo 1, 12), compreende-se acerca do poder da graça, pela qual, uma vez tida, pode o homem fazer obras de perfeição e alcançar a glória.
Porém, se compreende acerca da infusão da graça, deu poder de se tornarem filhos de Deus, pois deu o poder de receber a graça; e isto de dois modos:
[1] Preparando a graça e oferecendo-a aos homens, assim como que escreve um livro e o propõe a outro para que o leia é dito dar o poder de ler.
[2] Movendo o livre arbítrio do homem para que consinta receber a graça (Tr 5, 21): Converte-nos, Senhor, a ti (movendo nossa vontade para o vosso amor), e nós nos converteremos. E deste modo se chama a moção interior sobre a qual falou o Apóstolo (Rm 8, 30): e aqueles que chamou (instigando a vontade interiormente para consentir em receber a graça), também os justificou, infundindo a graça.
Como, por esta graça, o homem tem o poder de conservar-se na filiação divina, pode também ser dito de outro modo: deu-lhes, isto é, aos que o recebem, poder de se tornarem filhos de Deus, isto é, a graça, pela qual tem o poder de se conservar na divina filiação. Diz São João (1 Jo 5, 18): Sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca: o nascimento que tem de Deus (a graça de Deus pela qual somos regenerados como filhos de Deus) o guarda.
Assim, pois, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus pela graça santificante, pela perfeição da obra, pela aquisição da glória; e isto, preparando, movendo e conservando a graça.
(In Ioan., I)
Meditationes ex operibus S. Thomae – Pe. Mézard, O.P.
Tradução: Permanência
(Ad Coloss., cap. II, lect. IV).
O quarto discute-se assim. — Parece que as cerimônias da lei antiga se dividiam inconvenientemente em sacrifícios, coisas sagradas, sacramentos e observâncias.
1. — Pois, as cerimônias da lei antiga figuravam a Cristo. Ora, isto só se fazia pelos sacrifícios, figurativos do sacrifício pelo qual Cristo se entregou a si mesmo por nós outros como oferenda e hóstia a Deus, como diz a Escritura (Ef 5, 2). Logo, só os sacrifícios pertenciam ao cerimonial.
2. Demais. — A lei antiga ordenava-se para a nova. Ora, nesta o sacrifício é o sacramento do altar. Logo, na antiga, não se deviam opor os sacramentos aos sacrifícios.
3. Demais. — Sagrado se chama ao dedicado a Deus; e nesse sentido diziam-se santificados o tabernáculo e os seus vasos. Ora, todas as coisas usadas na cerimônia se ordenavam ao culto de Deus, como se disse (a. 1). Logo, todos eram sagradas, e portanto não se devia considerar como sagrada só uma parte delas.
4. Demais. — Observância vem de observar. Ora, todos os preceitos da lei deviam ser observados, conforme a Escritura (Dt 8, 11): Toma sentido e tem cuidado que jamais te não esqueças do Senhor teu Deus, e que não desprezes os seus preceitos e leis e cerimônias. Logo, as observâncias não deviam ser consideradas como parte das cerimônias.
5. Demais. — As solenidades eram consideradas cerimônias, sendo, como eram, sombra das coisas vindouras, como diz a Escritura (Cl 2, 16-17). Semelhantemente, as oblações, sacrifícios e dons, segundo claramente o diz o Apóstolo (Heb 9, 9). Entretanto, nada disso tudo está contido na enumeração supra. Logo, é inconveniente a referida divisão das cerimônias.
Mas, em contrário, a lei antiga designa cada uma dessas preditas cerimônias. — Pois, os sacrifícios são chamados cerimônias (Nm 15, 24): oferecerá um bezerro, com a sua oferenda e libações, como o pede o cerimonial. — Do sacramento da ordem se diz (Lv 7, 35): Esta é a unção d’Arão e de seus filhos nas cerimônias. — Das coisas sagradas também se diz (Ex 38, 21): Estas são as partes, que compunham o tabernáculo do testemunho, nas cerimônias dos Levitas. — Por fim, das observâncias (1 Rs 9, 6): Se vos desviardes de mim, não me seguindo, nem guardando as cerimônias, que eu vos prescrevi.
Solução. — Como já dissemos (a. 1, a. 2), os preceitos cerimoniais ordenavam-se ao culto de Deus, no qual podemos considerar o culto em si mesmo, os que cultuavam e os seus instrumentos. — Ora, em si mesmo, o culto consiste nos sacrifícios oferecidos para reverenciar a Deus. — Os instrumentos do culto constituíam as coisas sagradas, como o tabernáculo, os vasos e objetos semelhantes. — Quanto aos que cultuavam, duas considerações podemos fazer: a sua instituição para o culto divino, feita por uma consagração do povo, ou dos ministros, a isto pertence aos sacramentos; e, depois, o modo de vida peculiar deles, pelo qual se distinguiam dos que não cultuavam a Deus, e a isto pertencem as observâncias, p. ex., quanto aos alimentos e às vestes e coisas semelhantes.
Donde a resposta à primeira objeção. — Era necessário que os sacrifícios fossem oferecidos em lugares e por homens determinados, o que tudo pertencia ao culto de Deus. Por onde, assim como os sacrifícios significavam Cristo imolado, assim também os sacramentos e as coisas sagradas a eles pertencentes figuravam os sacramentos e as coisas sagradas da lei nova; e as observâncias dos mesmos figuravam o gênero de vida do povo dessa lei. O que tudo diz respeito a Cristo.
Resposta à segunda. — O sacrifício da lei nova, i. é, a Eucaristia, contém Cristo mesmo, autor da santificação, pois, santificou ao povo pelo seu sangue, como diz a Escritura (Heb 13, 12). Por onde, este sacrifício também é um sacramento. Mas, os sacrifícios da lei antiga não continham Cristo, senão que o figuravam, e por isso não se chamavam sacramentos. Mas, para designá-lo havia certos sacramentos especiais da lei antiga, que eram as figuras da futura consagração. — Embora também a certas consagrações se acrescentassem determinados sacrifícios.
Resposta à terceira. — Também os sacrifícios e os sacramentos eram coisas sagradas. Mas havia certas coisas sagradas, por serem dedicadas ao culto de Deus, que, nem por isso, eram sacrifícios nem sacramentos. E por isso, se lhes aplicava a denominação comum de coisas sagradas.
Resposta à quarta. — As coisas pertencentes ao gênero de vida do povo, que cultuava a Deus, aplicava-se a denominação comum de observâncias, por serem menos que as outras coisas. Pois, não se consideravam objetos sagrados porque não respeitavam imediatamente ao culto de Deus, como o tabernáculo e os seus vasos. Mas, por uma conseqüência, eram preceitos cerimoniais, enquanto condicentes com uma certa conveniência do povo, que cultuava a Deus.
Resposta à quinta. — Assim como os sacrifícios eram oferecidos num determinado lugar, assim também o eram em determinados tempos. Por onde, também as solenidades eram contadas entre as coisas sagradas. — Ao passo que as oblações e os dons eram enumerados entre os sacrifícios, por serem oferecidos a Deus. Por isso, diz o Apóstolo (Heb 5, 1): Todo o pontífice assunto dentre os homens é constituído a favor dos homens naquelas coisas que tocam a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados.
(IV Sent., dist. I, q. 1, a. 5, qª 2, ad 2; Ad Rom., cap. V. lect. VI).
O terceiro discute-se assim. — Parece que não deviam ter sido muitos os preceitos cerimoniais.
1. — Pois, os meios devem ser proporcionados ao fim. Ora, os preceitos cerimoniais, como já se disse (a. 1, a. 2), ordenavam-se ao culto de Deus e a figurar Cristo. Ora, há um só Deus, de quem tiveram o ser todas as coisas; e só um Senhor Jesus Cristo, por quem todos existem, como diz a Escritura (1 Cor 8, 6). Logo, os preceitos cerimoniais não deviam ter-se multiplicado.
2. Demais. — A multidão dos preceitos cerimoniais era ocasião de transgressões, segundo a Escritura (At 15, 10): Porque tentais a Deus, pondo um jugo sobre as cervizes dos discípulos, que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Ora, a transgressão dos preceitos divinos encontra a salvação humana. E toda lei, devendo buscar o bem estar dos homens, como diz Isidoro, resulta que se não deviam ser dado muitos preceitos cerimoniais.
3. Demais. — Os preceitos cerimoniais diziam respeito ao culto externo e material de Deus, como já se disse (a. 2). Ora, a lei devia diminuir esse culto material por se ordenar para Cristo, que ensinou aos homens adorarem a Deus em espírito e em verdade, como está na Escritura (Jo 4, 23). Logo, não se deviam ter dado muitos preceitos cerimoniais.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Os 8, 12): Eu lhe tinha prescrito um grande número de leis minhas; e (Jó 11, 6): Para te descobrir os segredos da sua sabedoria, é que a sua lei é de muitas maneiras.
Solução. — Como já dissemos (q. 96, a. 1), toda lei é dada a algum povo. Ora, este abrange duas espécies de homens: uns, inclinados ao mal, devem ser coibidos pelos preceitos da lei, como já se disse (q. 95, a. 1); outros, com inclinação para o bem, por natureza, costume, ou, melhor, por graça, e esses devem ser instruídos e melhorados pelo preceito da lei.
Por onde, quanto a essas duas espécies de homens, importava fossem os preceitos cerimoniais da lei antiga multiplicados. Pois, no povo judeu, havendo certos inclinados à idolatria, era necessário fossem desviados desse culto para o de Deus pelos preceitos cerimoniais. E como os homens de muitas maneiras serviam à idolatria, era necessário, ao contrário, fazerem-se muitas instituições para reprimir casos particulares. E além disso, que a esses tais fossem impostos tantos preceitos, de modo a serem quase onerados pela contribuição que deviam dar para o culto de Deus, e assim não lhes sobrasse tempo para servir à idolatria. — Quanto aos inclinados ao bem, também era necessária a multiplicação dos preceitos cerimoniais. E isso para que a mente deles, diversa e mais assiduamente, assim se referisse a Deus; ou também porque o mistério de Cristo, figurado por esses preceitos cerimoniais, trouxe ao mundo muitas utilidades, e muitas considerações se deviam fazer relativas a ele, que era necessário fossem figuradas pelos mesmos diversos preceitos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Quando os meios são suficientes para conduzir ao fim, então basta um meio para um fim; assim, um remédio eficaz basta às vezes, a restaurar a saúde, não sendo então necessário multiplicarem-se os remédios. Mas por causa da sua debilidade e imperfeição, torna-se necessário multiplicar os meios; por isso dão-se muitos remédios a um enfermo, quando um só não basta para curar. Ora, as cerimônias da lei antiga eram imprestáveis e imperfeitas para representar o mistério de Cristo, que é sobreexcelente, e para submeter a mente dos homens a Deus. Por isso, o Apóstolo diz (Heb 7, 18-19): O mandamento primeiro é na verdade abrogado pela fraqueza e inutilidade; porque a lei nenhuma coisa levou à perfeição. Por onde, era necessário que as cerimônias em questão fossem multiplicadas.
Resposta à segunda. — Do legislador sábio é próprio permitir transgressões menores para evitar as maiores. Por onde, nem por evitar a transgressão da idolatria e da soberba, que haveria de prorromper nos corações dos judeus, se cumprissem todos os preceitos da lei, deixou Deus de impor muitos preceitos cerimoniais, que lhes ofereciam facilmente a ocasião de transgredir.
Resposta à terceira. — A lei antiga em muitos casos diminuiu o culto material. Para o que estatuiu não se oferecessem sacrifícios em qualquer lugar, nem por quem quer que fosse. E muitos deles estabeleceu para a diminuição do culto externo, como o mesmo Rabbi Moisés Egípcio diz. Era necessário, porém não atenuar a ponto o culto material a Deus, que os homens resvalassem no culto dos demônios.
(Infra, q. 103, a. 1, 3; q. 104, a. 2).
O segundo discute-se assim. — Parece que os preceitos morais não são figurativos.
1. — Pois, é da obrigação de quem quer que ensine exprimir-se de modo a ser facilmente entendido, como diz Agostinho. E isto é sobretudo necessário na legislação, porque os preceitos da lei são propostos ao povo. Por isso ela deve ser clara, como diz Isidoro. Se portanto, os preceitos foram dados como figurativos de alguma coisa, parece que foram transmitidos inconvenientemente a Moisés, sem manifestarem o que figuravam.
2. Demais. — Todos os atos do culto divino devem revestir-se da máxima dignidade. Ora, fazer uma coisa para representar outra parece ser próprio do teatro ou da poesia. Pois, antigamente, nos teatros, faziam-se umas coisas para representarem feitos de outrem. Logo, conclui-se que tal não se deve fazer no culto de Deus, como já se disse. Logo, os preceitos cerimoniais não devem ser figurados.
3. Demais. — Agostinho diz, que Deus é cultuado sobretudo pela fé, pela esperança e pela caridade: Ora, os preceitos relativos à fé, à esperança e a caridade não são figurativos. Logo, figurativos não devem ser os preceitos cerimoniais.
4. — Demais. — O Senhor diz (Jo 4, 24): Deus é espírito, e em espírito e verdade é que o devem adorar os que o adoram. Ora, a figura não é a verdade mesma; antes, uma se divide da outra por oposição. Logo, os preceitos cerimoniais, pertencentes ao culto de Deus, não devem ser figurativos.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Cl 2, 16-17): Ninguém vos julgue pelo comer nem pelo beber, nem por causa dos dias de festa, ou das luas novas, ou dos sábados, que são sombras das coisas vindouras.
Solução. — Como já dissemos (a. 1; q. 99, a. 3), chamam-se preceitos cerimoniais os ordenados ao culto. Ora, duplo é o culto de Deus — o interno e o externo. Pois, sendo o homem composto de corpo e alma, esta e aquele devem aplicar-se ao culto de Deus, de modo que a alma o cultue com culto interno, e o corpo, com o externo. Por isso, diz a Escritura (Sl 83, 3): O meu coração e a minha alma se regozijaram no Deus vivo. E assim como o corpo se ordena a Deus, pela alma, assim, o culto externo, ao interno. Ora, o culto interno consiste em a alma unir-se com Deus pelo intelecto e pelo afeto. Por onde, segundo os modos diversos por que o intelecto e o afeto, de quem cultua a Deus, se une retamente com ele, assim os modos diversos por que os atos externos do homem se aplicam ao culto de Deus.
Ora, no estado da felicidade futura, o intelecto humano contemplará a verdade divina em si mesma. Por onde, o culto externo não consistirá em nenhuma figura, mas só em louvor a Deus, o que procede do conhecimento interior e do afeto, conforme aquilo da Escritura (Is 51, 3): Nela se achará o gosto e a alegria, ação de graças e voz de louvor.
Ao contrário, no estado da vida presente, não podemos contemplar a divina verdade em si mesma, mas é necessário que o seu raio nos ilumine, sob certas figuras sensíveis, como diz Dionísio; mas, diversamente, conforme os estados diversos do conhecimento humano. — Ora, na lei antiga, nem a verdade divina era em si mesma clara, nem estava ainda preparada a via para chegar a ela, como diz o Apóstolo (Heb 9, 8). Por isso era necessário que o culto externo da lei antiga fosse figurativo, não só da verdade futura, que deverá manifestar-se na pátria celeste, mas também de Cristo, via conducente a essa verdade celeste. — No estado da lei nova, ao contrário, essa via já foi revelada. Por isso não precisa de ser prefigurada como futura, mas deve ser comemorada a modo de passada ou presente; devendo-se prefigurar só a verdade futura da glória ainda não revelada. E isto diz o Apóstolo (Heb 11, 1): a lei tem a sombra dos bens futuros, não a mesma imagem das coisas. Pois, a sombra é menos que a imagem: ao passo que esta pertence à lei nova, aquela pertence à antiga.
Donde a resposta à primeira objeção. — As verdades divinas não devem ser reveladas aos homens, senão de acordo com a capacidade deles; do contrário dar-se-lhes-ia ocasião de caírem, por desprezarem o que não podiam entender. Por isso foi mais útil terem sido os mistérios divinos transmitidos ao povo rude sob o véu de figuras; de modo que os conhecessem implicitamente ao menos, servindo a essas figuras, em honra de Deus.
Resposta à segunda. — Assim como as criações poéticas não são compreendidas pela razão humana, por causa da deficiência de verdade que encerram, assim também a razão humana não pode compreender perfeitamente as coisas divinas, por encerrarem verdades que a excedem. Por isso, em um e outro caso, é necessária a representação por meio de figuras sensíveis.
Resposta à terceira. — Agostinho se refere, no lugar aduzido, ao culto interno, ao qual contudo é preciso ordenar o externo, como dissemos.
E semelhantemente se deve responder à quarta objeção. — Porque, por Cristo, os homens foram introduzidos, mais plenamente, no culto espiritual de Deus.
(Supra, q. 99, a. 3; infra, q. 104, a. 1).
O primeiro discute-se assim. — Parece que a razão dos preceitos cerimoniais não está em concernirem ao culto de Deus.
1. — A lei antiga impunha aos judeus certos preceitos sobre a abstinência dos alimentos, como se vê na Escritura (Lv 11); e também proibia o uso de certas vestes (Lv 19, 19): Não usarás de vestido que seja tecido de fios diferentes. E ainda (Nm 15, 38): que se façam umas guarnições nos remates das suas capas. Ora, estes não são preceitos morais, porque não permaneceram na lei nova; e nem judiciais, por não dizerem respeito a juízos dirimentes de questões entre as partes. Logo, são cerimoniais, mas, que em nada concernem ao culto de Deus. Portanto, não é da essência dos preceitos cerimoniais serem concernentes ao culto de Deus.
2. Demais. — Certos consideram cerimoniais os preceitos concernentes às solenidades, quase assim chamados por causa dos círios que se nelas acendiam. Ora, além das solenidades, há muitas mais cerimônias concernentes ao culto de Deus. Donde se conclui que os preceitos cerimoniais da lei não se chamam assim por concernirem ao culto de Deus.
3. Demais. — Certos consideram os preceitos cerimoniais como quase normas, i. é, regra da salvação; pois, chaireem grego significa salve, em latim. Ora, todos os preceitos da lei são regras de salvação, e não só os atinentes ao culto de Deus. Logo, não se chamam cerimoniais só os preceitos concernentes ao culto de Deus.
4. Demais. — Rabbi Moisés diz que se chamam preceitos cerimoniais aqueles cuja razão não é manifesta. Ora, muitos dos preceitos concernentes ao culto de Deus tem razão manifesta, como, a observância do sábado, a celebração da Fase e da Scenopegia, e muitas outras, cuja razão é sinalada na lei. Logo, cerimoniais não são os preceitos concernentes ao culto de Deus.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Ex 18, 19-20): Presta-te ao povo naquelas coisas que dizem respeito a Deus, para lhes ensinares as cerimônias e o modo com que devem honrar a Deus.
Solução. — Como já dissemos (q. 99, a. 4), os preceitos cerimoniais determinam os preceitos morais relativos a Deus, assim como os judiciais os determinam em relação ao próximo. Ora, o homem se ordena para Deus por meio do culto devido. Por onde, cerimoniais propriamente se chamam os preceitos concernentes ao culto de Deus. E a razão deste nome já a demos antes, quando distinguimos esses preceitos, dos outros.
Donde a resposta à primeira objeção. — Ao culto de Deus não dizem respeito só os sacrifícios e coisas semelhantes, considerados como se ordenando a Deus imediatamente, mas também a preparação conveniente dos ministros do culto a Deus devido. Assim, em tudo, os meios conducentes ao fim pertencem à ciência do fim. Ora, esses preceitos sobre as vestes e os alimentos dos ministros de Deus, estabelecidos pela lei, e outros semelhantes, respeitam-lhes de certo modo a preparação a fim de serem idôneos para tal culto; assim como os que estão a serviço do rei seguem certas observâncias especiais. Por isso, tais preceitos estão contidos nos cerimoniais.
Resposta à segunda. — Essa derivação do nome em questão não parece muito apropriada; sobretudo por não ser freqüente ler-se, na lei, que se acendessem círios nas solenidades; senão que, no próprio candelabro, eram preparadas lâmpadas com azeite de oliveira como está claro na Escritura (Lv 24, 2). Contudo, pode-se dizer, que nas solenidades tudo o mais pertencente ao culto de Deus era diligentemente observado; e sendo assim, na observância das solenidades incluem-se todos os preceitos cerimoniais.
Resposta à terceira. — Também não parece muito apropriada a derivação desse nome, pois, o nome “cerimônia” não é grego, mas latino. Pode-se dizer, contudo, que, vindo de Deus a salvação do homem, são aqueles preceitos sobretudo considerados como regras da salvação, que o ordenam para Deus. E assim, preceitos cerimoniais se chamam os relativos ao culto de Deus.
Resposta à quarta. — Essa explicação dos preceitos cerimoniais é de algum modo provável. Não que se chamem cerimoniais por não terem explicação manifesta, mas por ser isso uma conseqüência. Pois, de os preceitos concernentes ao culto de Deus serem figurativos, como a seguir se dirá (a. 2), procede o não terem a razão manifesta.
Em seguida devemos tratar dos preceitos cerimoniais. Primeiro, em si mesmos. Segundo, da causa deles. Terceiro, da duração dos mesmos.
Na primeira questão discutem-se quatro artigos:
8 de janeiro
« Tendo, pois, nascido Jesus em Belém de Judá, reinando o rei Heródes, eis que uns Magos chegaram do Oriente a Jerusalém dizendo: Onde está o rei dos Judeus, que acaba de nascer?» (Mt 2, 1-2)
A diligência dos magos na procura de Cristo revela-se em três pontos, conforme aquilo de S. Agostinho: « Ó, minha alma, se procurasses com diligência, assim o demonstrarias: 1. Andarias na luz para que as trevas não te obstassem; 2. Interrogarias os sábios, para te não perderes no caminho; 3. Em parte alguma descansarias, até te encontrares com o amado. »
1. Sobre o primeiro ponto, diz a Escritura: « Deus, tenha piedade de nós... para que conheçamos na terra o teu caminho» (Sl 66, 1). Diz a Glosa: É este caminho que leva ao céu; « Mas a vereda dos justos, como luz que resplandece, vai adiante, e cresce até o dia pleno» (Pr 4, 18). Glosa: As obras dos justos são executadas sob a luz da ciência, e conduzem à vida eterna, que é o dia pleno.
Por isso os magos buscavam o Senhor sob a luz da estrela, e importa observar que esta luz, ou seja, a graça, perde-se pelo pecado. Por isso diz S. Remígio que a estrela significa a graça de Deus, Herodes, o diabo. Quem, porém, pelo pecado se submete ao demônio, perde a graça; e quem pela penitência se aparta do demônio, encontra a graça; e a graça não o abandona até o levar à casa do Menino, isto é, à Igreja.
2. Sobre o segundo ponto (Jr 6, 16): « Parai sobre os caminhos, e vede, e perguntai quais são as antigas veredas, para conhecerdes o bom caminho, e andai por ele, e achareis refrigério para as vossas almas.» Do mesmo modo, os Magos chegaram do Oriente a Jerusalém, dizendo: Onde está o rei dos Judeus que acaba de nascer? Comenta S. Agostinho: « Anunciam e interrogam, crêem e buscam, significando aqueles que caminham na fé e desejam a visão.» Mas, hélas! muitos doutores são similares aos judeus que, tendo indicado aos Magos a fonte mesma da vida, morreram de secura. A estes, diz Agostinho serem similares aos construtores da arca de Noé, pois trabalharam para que os outros escapassem, mas eles próprios morreram no dilúvio; ou similares às pedras de sinalização, pois indicam o caminho aos outros, mas não os seguem.
3. Sobre o terceiro ponto, « Durante a noite no meu leito busquei aquele a quem ama a minha alma» (Ct 3, 1). Diz S. Gregório: procuramos o amado no leito quando, nos pequenos descansos da vida presente, suspiramos de desejo pelo nosso Redentor. Buscamos durante a noite pois, ainda que a mente nele vigile, os olhos ainda não o vêem. Mas, a quem não encontra seu amado, resta despertar-se, percorrer a cidade, isto é, a santa Igreja dos eleitos, correndo a procurá-lo por ruas e vielas, isto é, observando os que seguem por caminhos largos e estreitos, e, se algum traço seu conseguir encontrar, procure o obter, pois, mesmo na vida secular, existe os que têm algo de virtuoso a que devemos imitar.
Ora, os Magos também não descansaram até encontrarem o amado, isto é, Cristo; o sinal disto é o ter percorrido tamanha distância em tão pouco tempo.
O desejo fervente do divino amor não deixa a alma descansar até que encontre o amado. O verdadeiro desejo, se satisfeito, deleita a alma e, por isso, quanto mais fervor na procura, mais gozo na posse. Assim, os Magos, que buscavam Cristo com fervor, encontraram-no com grande deleite. Donde, a Escritura: « Vendo novamente a estrela, ficaram possuídos de grandíssima alegria» (Mt 2, 10). Sobre o que, diz S. Bernardo: « Enche-se de alegria quem se alegra por causa de Deus, que é a verdadeira alegria».
De Humanitate Jesu
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)
10 de janeiro
« Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição » (Lc 2, 48)
Por estas palavras somos exortados a procurar Deus, como freqüentemente nos adverte as Escrituras. Ora, devemos aqui meditar em três coisas: 1. Quem o procura; 2. O modo pelo qual o procura; 3. O dever de procurá-lo.
1. Quem procurava Jesus era Maria e José: teu pai e eu. Por quem se designa os dois gêneros de homens por quem Deus é procurado: os contemplativos, na contemplação e os ativos, na ação.
« Maria » significa « iluminada », e representa os contemplativos, que, na contemplação, recebem a luz divina. « José » significa « aumento », e representa os ativos que devem crescer pelas obras de misericórdia. Por estes, Deus é procurado. Sobre ambos, diz a Escritura (Sl 104, 3): « alegre-se o coração dos que buscam o Senhor: buscai o Senhor e sereis confirmados ». O primeiro é próprio dos contemplativos, que estão em contínua alegria e júbilo; o segundo, dos ativos, que, às vezes, precisam muito ser confirmados.
Ou, por Maria, estrela do Mar, se designa a fé e, por José, o aumento da caridade. A fé busca a Deus enquanto nosso pai; a caridade, enquanto sumo bem. De ambas as coisas, diz a Escritura (Ct 5, 6): « A minha alma liquefez-se ao som de sua voz; procurei-o e não o encontrei ». Isto é, na medida em que Ele falou, o procurei, pois a fé vêm pelo ouvido. E na medida em que Deus é amado, busca-lhe a caridade, pois é a caridade que une o amante ao amado. Entretanto, se é pela caridade que o procuramos, seguramente o encontraremos.
2. Sobre o modo de procurá-lo, observa que a Deus deve-se buscar de sete modos, como se pode inferir no texto: com pureza de espírito, para que sejamos purificados de todo pecado, « todos aqueles que, separando-se da corrupção dos povos do país, se tinham unido a eles, para buscarem o Senhor » ( Es 6, 21); com simplicidade de intenção, « buscai-o com simplicidade de coração » (Sb 1, 1); de todo coração, para que somente nele pensemos; com toda vontade, para que somente desejemos a ele, « de todo seu coração e com toda sua vontade buscaram a Deus, e o encontraram » (2 Pr 15, 15); com pressa, antes que passe o tempo no qual se o possa encontrar, « Buscai o Senhor, enquanto se pode encontrar » (Is 55, 6); com perseverança, sem cessar, « buscai sempre a sua face » (Sl 104, 4); com a dor de nossos pecados.
3. É um dever buscar a Deus; te procurávamos, diz Maria. Ora, deve-se buscá-lo por quatro razões:
Porque Deus é justo, e se oferece aos que o buscam. Ora, nisso está a sua justiça, pois ninguém o procura como se deve, que não o encontre.
Porque é manso, e acolhe benignamente os que o buscam.
Porque é bom, e glorifica e recompensa os que o buscam: « O Senhor é bom para os que nele esperam, para a alma que o busca » (Lm 3, 25).
Enfim, porque dá a vida eterna àqueles que o buscam: « reanimai o vosso coração, vós que buscai a Deus » (Sl 68, 33)
De Humanitate Jesu
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Tradução: Permanência)
11 de janeiro
Rabi, onde habitas? Jesus disse-lhes: Vinde e vede. (Jo 1, 38)
1. — Em sentido literal, os discípulos buscavam a casa de Cristo. Ora, por causa das coisas grandes e admiráveis que de João Batista ouviram sobre ele, não queriam interrogá-lo superficialmente, ou apenas uma vez, mas freqüente e seriamente. E, por isso, queriam conhecer sua casa, para que freqüentemente fossem a ele, conforme o conselho do sábio, (Ecle 6, 36) « Se vires um homem sensato, madruga para ir ter com ele » e (Pr 8, 34) « Bem aventurado o homem que me ouve, e que vela todos os dias à entrada de minha casa ».
Em sentido alegórico, trata-se da morada de Deus que está nos céus. Perguntam, portanto, onde Cristo habita, pois devemos seguir Cristo para que, por ele, sejamos levados aos céus, isto é, à glória celeste.
Em sentido moral, perguntam « onde habitas » como se quisessem saber quais os homens dignos de que Cristo neles habite. Sobre esta morada, diz o Apóstolo (Ef 11, 22), « vós sois edificados para morada de Deus ».
2. — Disse-lhes: Vinde e vede. E falou em sentido místico, pois a morada de Deus, ou da glória, ou da graça, não pode ser conhecida senão por experiência, pois não se a pode exprimir por palavras. E por isso diz Vinde, por meio da fé e das obras; e veja, pela experiência e inteligência.
Ora, deve-se considerar que de quatro modos se pode atingir este conhecimento:
Pelas boas obras: Vinde, « A minha alma tem sede de Deus », diz o salmista (Sl 41, 3).
Pelo repouso ou recolhimento de espírito. « Repousai e reconhecei » (Sl 45, 11)
Pelo saborear da doçura divina. « Provai e vede quão suave é o Senhor » (Sl 33, 9)
Pela devoção. « Levantemos os corações e as mãos para o Senhor, nos céus » (Lm 3, 41) e « Apalpai e vede » (Lc 24, 39)
Acrescenta o texto: eles foram e viram. Quando foram, viram; e vendo, não foram embora; pois está escrito: ficaram lá aquele dia; todos que se afastaram do Cristo, não o viram ainda como convém. Estes, porém, que por uma fé perfeita o viram, permaneceram lá naquele dia, ouvindo, vendo, tendo um dia feliz. « Bem-aventurados os teus servos, que gozam sempre da tua presença » (3 Rs 10, 8). E S. Agostinho: « Construamos também em nosso coração, e façamos uma morada aonde Ele venha e nos instrua ».
In Joan., cap.I.
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Tradução: Permanência)
12 de janeiro
« E encontrava-se lá a Mãe de Jesus. Foi também convidado Jesus com seus discípulos para as bodas ». (Jo 2, 1-2)
I
Em sentido místico, entende-se por núpcias o matrimônio de Cristo com a Igreja, pois, como diz o Apóstolo, « Este mistério é grande, mas eu o digo em relação a Cristo e à Igreja. » (Ef 5, 32)
Este matrimônio teve início no seio virginal, quando Deus Pai uniu a natureza humana ao Filho, na unidade de pessoa; assim, neste matrimonio, o seio virginal serviu de leito nupcial, « No sol pôs o seu tabernáculo » (Sl 18,6).
Este casamento foi anunciado quando Cristo se uniu à Igreja pela fé, « E me desponsarei contigo, com uma inviolável fidelidade » (Os 2, 20). E será consumado quando a esposa, isto é a Igreja, entrar no leito nupcial do esposo, ou seja, na glória celeste.
O lugar das núpcias, Caná, está em conformidade com o mistério, pois "Caná" significa "zelo" e "Galiléia", "transmigração". Ora, é no zelo da transmigração que se celebram estas núpcias, como que para nos fazer saber que os mais dignos de viver unidos a Cristo são aqueles que, ardendo de devoção piedosa, transmigram do estado de culpa à graça da Igreja e, da morte, à vida, ou seja, do estado de mortalidade e miséria, ao estado de imortalidade e de glória.
II
A Mãe de Jesus, a Bem-aventurada virgem, está presente nas núpcias qual mediadora, pois é por sua intercessão que se une a Cristo pela graça, « Em mim há toda a graça do caminho e da verdade » (Ecl 24, 25).
O Cristo está presente como o verdadeiro esposo da alma, como diz a Escritura, « Quem tem esposa, é esposo »(Jo 3, 29).
Os discípulos estão como padrinhos, como que dando em casamento a Igreja à Cristo, conforme a Escritura: « Porquanto eu desposei-vos para vos apresentar como virgem pura a um único esposo, a Cristo » (2 Cor 11, 2)
In Joan., cap.II
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Tradução: Permanência)