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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

13 de janeiro: Maria nas bodas de Canaã

13 de janeiro
     
« Faltando o vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: Não tem vinho ». (Jo 2, 3)
   
Três coisas deve-se considerar sobre a intervenção da Mãe de Jesus:
  
1. Sua piedade e misericórdia. Ora, é próprio da misericórdia que se considere os males dos outros como se fossem próprios; diz-se que é misericordioso aquele que tem o coração como que miserável por causa da miséria alheia. « Quem está enfermo, que eu não esteja enfermo? » (2 Cor 11, 29). Como a Virgem Santíssima era cheia de misericórdia, queria suprir as necessidades dos outros, e por isso diz a Escritura: « faltando o vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe ».
  
2. Sua Reverência à Cristo. Ora, pela reverência que temos à Deus, basta-nos expor-lhe nossas necessidades, conforme aquilo da Escritura, « Ó Senhor, bem vês todos os meus desejos » (Sl 37, 10). Porém, de que modo Deus nos auxiliará, não nos cabe perguntar, pois, como diz o Apóstolo, « não sabemos o que havemos de pedir, como convém » (Rm 8, 26). E por isso, sua Mãe somente expôs as necessidades alheias, dizendo: « Não tem vinho ».
   
3. A solicitude e diligência da Virgem, que não espera até a necessidade extrema, mas até que começasse a faltar, « faltando o vinho", conforme aquilo que diz o salmista de Deus, « Refúgio oportuno nas horas de angústia » (Sl 9, 10).
   
Mas por que não exortou antes Cristo ao milagre? Sobre seu poder fora instruída pelo Anjo e fora confirmada pelo muito que vira ocorrer a seu redor, enquanto ela tudo conservava guardado em seu coração. 
   
A razão é que, até então, Jesus vivia como todo mundo. E, portanto, na ausência de uma circunstância oportuna, Maria sabiamente diferiu qualquer intervenção. Mas agora, após o testemunho de João Batista, após a conversão dos discípulos, ela o exorta, com toda confiança, a fazer milagres. Assim, é figura da sinagoga, que é mãe de Cristo; pois era costume dos judeus pedir milagres. « Os judeus exigem milagres » (1 Cor 1, 12). 
 
In Joan., cap.II
 
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Tradução: Permanência)

Art. 12 — Se os preceitos morais da lei antiga justificavam.

 

(Supra, q. 98, a. 1; III Sent., dist. XL, a.3; Ad Rom., cap. II, lect. III; cap. III lect. II; Ad Galat., cap. II, lect; cap. III, lect. IV).
 
O duodécimo discute-se assim. — Parece que os preceitos morais da lei antiga justificavam.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 2, 13): Porque não são justos diante de Deus os que ouvem a lei; mas os que fazem o que manda a lei serão justificados. Ora, obedientes à lei são os que lhe cumprem os preceitos. Logo, esses preceitos, cumpridos, jus­tificavam.
 
2. Demais. — A Escritura diz (Lv 18, 5): Guardai as minhas leis e mandados, os quais fazendo o homem, viverá neles.Ora, a vida espiritual o homem a vive pela justiça. Logo, os preceitos da lei, sendo cumpridos, justificavam.
 
3. Demais. — A lei divina é mais eficaz que a humana. Ora, esta justifica, pois há uma certa justiça em lhe cumprir os preceitos. Logo, os preceitos da lei justificavam.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (2 Cor 3, 6): A letra mala. O que, segundo Agostinho, também se entende dos preceitos morais. Logo, estes não justificavam.
 
Solução. — Própria e primariamente cha­ma-se a quem tem saúde, são; e em significação derivada, ao que exprime ou conserva a saúde. Assim também, em sentido próprio e primário, chama-se justificação à prática mesma da justiça; e em sentido derivado e quase impróprio, pode-se chamar justificação à figuração da justiça ou à disposição para ela. E desses dois modos é manifesto, que os preceitos da lei justi­ficavam, por disporem os homens para a graça de Cristo justificante, a qual também figuravam. Pois, como diz Agostinho, também a vida do povo judaico era profética e figurativa de Cristo.
 
Se porém nos referimos à justificação pro­priamente dita, então devemos considerar que a justiça pode ser tomada como habitual, ou como atual. E a esta luz, a justificação tem duplo sentido: Num, é porque o homem se torna justo, adquirindo o hábito da justiça; noutro, significa a execução dos atos de justiça, e neste sentido a justificação nada mais é do que a execução da justiça. — Como as outras virtudes porém, a justiça pode ser considerada como adquirida e infusa, conforme do sobredito resulta (q. 63, a. 4). A adqui­rida é causada pelas obras. Ao passo que a in­fusa, por Deus mesmo, por meio da sua graça. E esta é a verdadeira justiça, de que agora tra­tamos, pela qual somos considerados justos, em Deus, conforme a Escritura (Rm 4, 2): Se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não, diante de Deus. Por onde, esta justiça não podia ser causada pelos preceitos morais, rela­tivos aos atos humanos. E por aí os preceitos morais não podiam justificar, causando a justiça. Se porém considerarmos a justiça como a execução da mesma, então todos os preceitos da lei jus­tificavam, por conterem o que é em si mesmo justo, mas de modos diversos. Assim, os pre­ceitos cerimoniais continham, certo, a justiça em si mesma e em geral, enquanto se manifestava no culto de Deus. Mas, em especial, não a con­tinham, em si mesma, senão pela só determina­ção da lei divina. Por isso, destes preceitos se diz, que não justificavam senão pela devoção e obediência dos que lhes praticavam os ditames. Por outro lado, os preceitos morais e os judiciais continham o que era em si mesmo justo, em geral, ou também em especial. Mas os preceitos morais continham o que era em si mesmo justo, con­forme a justiça geral, que é toda a virtude, como diz Aristóteles; ao passo que os preceitos judi­ciais pertenciam à justiça especial, relativa aos contratos que na vida, os homens pactuam entre si.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Apóstolo, no lugar citado, toma a justificação no sentido de execução da justiça.
 
Resposta à segunda. — Do que cumpre os preceitos da lei se diz que vive neles, por não incorrer na pena de morte, que a lei infligia aos transgressores. E neste sentido é que deter­mina o Apóstolo.
 
Resposta à terceira. — Os preceitos da lei humana justificam pela justiça adquirida, da qual agora não tratamos, senão só da que jus­tifica perante Deus.

 

Art. 11 — Se se distinguem convenientemente outros preceitos morais da lei, além do decálogo.

(Supra. a. 3).
 
O undécimo discute-se assim. — Parece que inconvenientemente se distinguem outros pre­ceitos morais da lei, além do decálogo.
 
1. — Pois, como diz o Senhor (Mt 22, 40), destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas. Ora, estes dois preceitos se explicam pelos dez do decálogo. Logo, não é necessário se estabe­leçam outros preceitos morais
 
2. Demais. — Os preceitos morais distin­guem-se dos judiciais e dos cerimoniais, como já se disse (q. 99, a. 3, a. 4). Ora, as determinações dos preceitos morais comuns pertencem aos judiciais e aos cerimoniais; pois, esses preceitos morais comuns estão contidos no decálogo, ou mesmo, a ele se pressupõem, como se disse (a. 3). Logo, é inconveniente estabelecerem-se outros preceitos morais, além do decálogo.
 
3. Demais. — Os preceitos morais respeitam os atos de todas as virtudes, como já se disse (a. 2). Por onde, assim como a lei estabelece preceitos morais, além do decálogo, relativos à latria, à liberalidade, à misericórdia, à castidade; assim também deveria ter estabelecido relativos às demais virtudes, p. ex., à da fortaleza, da sobrie­dade, e outras; e entretanto não o fez. Logo, não se distinguem convenientemente, na lei, outros preceitos morais, além do decálogo.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl 18, 8): A lei do Senhor, que é imaculada, converte as almas. Ora, também pelos outros preceitos morais, acrescentados ao decálogo, o homem se conserva sem a mácula do pecado, e a sua alma se converte para Deus. Logo, pertencia à lei estabelecer também outros preceitos morais.
 
Solução. — Como do sobredito resulta (q. 99, a. 3, a. 4), os preceitos judiciais e os cerimoniais têm força de lei em virtude da só instituição; pois antes de terem sido instituídos não importava que se agisse de um ou de outro modo. Ao passo que os preceitos morais têm eficácia pelo próprio di­tame da razão natural, mesmo que nunca sejam determinados por lei. Ora, estes preceitos têm três graus. — Assim, uns são certíssimos e de tal modo manifestos, que não precisam de publicação, como os atinentes ao amor de Deus e do próximo, e semelhantes, conforme já dissemos (a. 3), que são quase os fins dos preceitos. Por onde, quanto a eles, não pode errar o juízo da razão de ninguém. — Outros porém são mais deter­minados, cuja razão qualquer, mesmo um simples homem vulgar, pode facilmente compreender. E contudo, como algumas vezes, em relação a estes, o juízo humano pode estar pervertido, precisam de publicação. E tais são os preceitos do decálogo. — Outros enfim há, cuja razão não é manifesta a todos, mas só aos sapientes; e esses são os preceitos morais, acrescentados ao decálogo, dados por Deus ao povo, por meio de Moisés e Aarão.
 
Mas, como o manifesto é o princípio pelo qual conhecemos o que não o é, os preceitos morais, acrescentados ao decálogo, reduzem-se aos deste, a modo de adição com eles. — Pois, o primeiro preceito do decálogo proíbe o culto dos outros deuses, a que se acrescentaram outros preceitos proibitivos detudo o que se funda no culto dos ídolos, como está na Escri­tura (Dt 18, 10-11): Nem se ache entre vós quem pretenda puri­ficar seu filho ou filha, fazendo-os passar pelo jogo; nem quem seja feiticeiro, ou encantador, nem quem consulte aos pilões ou adivinhos, ou indague dos mortos a verdade. — O segundo pre­ceito proíbe o perjúrio, ao qual se acrescenta a proibição da blasfêmia (Lv 24, 15 ss) e a da falsa doutrina (Dt 13). — Ao terceiro se acrescentam todos os preceitos cerimoniais. — Ao quarto, sobre a honra devida aos pais, acrescenta-se o de honrar aos velhos, conforme o lugar (Lv 19, 32): Levanta-te diante dos que têm a cabeça cheia de cãs e honra a pessoa do velho. E, em geral, todos os preceitos, que mandam reverenciar os maiores, ou beneficiar os iguais ou os menores. — Ao quinto preceito, sobre a proibição do homicídio, acrescenta-se a do ódio ou de qualquer violência contra o próximo, conforme o lugar (Lv 19, 16): Não conspirarás contra o sangue do teu próximo; e também a proibição do ódio fraterno, conforme aquilo (Lv 19, 17): Não abor­recerás o teu irmão no teu coração. — Ao sexto preceito, sobre a proibição do adultério, acres­centa-se o que proíbe o meretrício (Dt 23, 17): Não haverá entre as filhas de Israel mulher prostituta, nem fornicador nos filhos de Israel; e também a proibição do vício contra a natureza (Lv 18, 22-23): Não usarás do macho como fosse fêmea; não te ajuntarás com animal algum. — Ao sétimo, sobre a proibição do furto, acrescenta-se o que proíbe a usura (Dt 23, 19): Não emprestarás com usura a teu irmão; e a proibição da fraude (Dt 25, 13): Não terás no teu saco diversos pesos; e, universalmente, tudo o que pertence à proibição da calúnia e da rapina. — Ao oitavo, que proíbe o falso testemunho, acres­centa-se a proibição do falso juízo (Ex 23, 2): Nem em juízo te deixarás arrastar do sentimento do maior número, para te desviares da verdade. E a proi­bição da mentira, como no mesmo cap. se acrescenta: Fugirás à mentira; e a da detração, conforme outro lugar (Lv 19, 16): Não serás delator de crimes, nem mexeriqueiro entre o povo. — Enfim, aos outros dois preceitos nada se acrescentou, porque proíbem universalmente todas as más concupiscências.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Ao amor de Deus e do próximo se ordenam certos preceitos do decálogo, conforme a razão mani­festa de débito; outros, porém, conforme uma razão mais oculta.
 
Resposta à segunda. — Os preceitos ceri­moniais e os judiciais são determinativos dos preceitos do decálogo, por força da instituição; e não por força do instinto natural, como os preceitos morais a eles acrescentados.
 
Resposta à terceira. — Os preceitos da lei se ordenam ao bem comum, como se disse (q. 90, a. 2). E como as virtudes, que ordenam para outrem, visam diretamente o bem comum; e semelhantemente a virtude da castidade, enquanto o ato de geração serve ao bem comum da espécie, por isso se estabeleceram diretamente preceitos sobre essas virtudes, tanto os do decálogo, como os que se lhes acrescentaram. Quanto ao ato de fortaleza, deu-se um preceito a ser proposto pelos chefes, que exortam à guerra, empreendida pelo bem comum, como está claro quando se ordena ao sacerdote (Dt 20, 3): não temais, não receeis. Semelhantemente, do ato da gula cometeu-se a proibição à advertência paterna, porque con­traria o bem doméstico; por onde, diz a Escri­tura, da pessoa dos pais (Dt 21, 20): despreza ouvir as nossas admoestações, passa a vida em comezainas e disso­luções e banquetes.

Art. 10 — Se o modo da caridade está na alçada do preceito da lei divina.

(III Sent., dist. :XXXVI, a. 6; De Verit., q. 23, a. 7, ad 8; q. 24, a. 12. ad 16; De Malo, q. 2, a. 5, ad 7).
 
O décimo discute-se assim. — Parece que o modo da caridade está na alçada do preceito da lei divina.
 
1. — Pois, diz a Escritura (Mt 19, 17): se tu queres entrar na vida, guarda os mandamentos; por onde se vê que a observância dos mandamentos basta para fazer entrar na vida. Ora, para isso não bastam as boas obras, se não forem feitas pela caridade, conforme a Escritura (1 Cor 13, 3): E se eu distribuir todos os meus bens em o sustento dos pobres, e se entregar o meu corpo para ser quei­mado, se todavia não tiver caridade, nada disto me aproveita. Logo, o modo da caridade está na alçada do preceito.
 
2. Demais. — Ao modo da caridade pro­priamente pertence fazer tudo por Deus. Ora, isto está na alçada do preceito, conforme diz o Apóstolo (1 Cor 10, 31): fazei tudo para a glória de Deus. Logo, o modo da caridade está na alçada do preceito.
 
3. Demais. — Se o modo da caridade não estivesse na alçada do preceito, poderíamos cum­prir os preceitos da lei, sem a caridade. Ora, o que podemos fazer sem a caridade, podemos fazer sem a graça, que sempre a acompanha. Logo, podemos cumprir os preceitos da lei, sem a graça, o que é o erro pelagiano, como está claro em Agostinho. Logo, o modo da caridade está na alçada do preceito.
 
Mas, em contrário, todo aquele que não observa o preceito, peca mortalmente. Se, pois, o modo da caridade é da alçada do preceito — quem fizer qualquer obra, sem caridade, pecará mortalmente. Ora, quem não tem caridade obra sem ela, e portanto, peca mortalmente em tudo o que fizer, embora seja o ato bom. O que é inadmissível.
 
Solução. — No tocante a este assunto emitiram-se duas opiniões. — Uns consideram, absolutamente, o modo da caridade como da alçada do preceito. Mas não é impossível obser­ve o preceito quem não tem caridade, pois pode dispor-se do modo a Deus lha infundir. E nem peca sempre mortalmente quem, sem a caridade, pratica o bem; porque obrar pela caridade é um preceito afirmativo, que não obriga sempre, senão só no tempo em que a tiver. — Outros porém disseram que, absolutamente, o modo da caridade não está na alçada do preceito.
 
Ora, ambas, a certo respeito, exprimem a verdade; pois, o ato de caridade pode ser con­siderado à dupla luz. — Primeiro, enquanto é, em si mesmo, um ato. E deste modo cai sob a alçada da lei, o que é especialmente determinado sobre a caridade, a saber: Amarás ao Senhor teu Deus, e, amarás ao teu próximo. E neste ponto a primeira opinião exprime a verdade. Pois, não é impossível observar o preceito sobre o ato de caridade, porque podemos nos dispor a tê-la; e, quando a tivermos, podemos usar dela. — Em segundo lugar, pode ser considerado o ato de caridade enquanto modo dos atos das outras virtudes; i. é, enquanto os atos das outras virtudes se ordenam para ela, que é o fim do preceito, como diz a Escritura (1 Tm 1, 5). Pois, como já dissemos (q. 12, a. 4), a intenção do fim é um certo modo formal do ato ordenado para o fim. E sendo assim, é verdadeira a segunda opinião, pela qual o modo da caridade não é da alçada do preceito. Isto é, o preceito — honra ao pai — não inclui o honrá-lo pela caridade, mas somente, honrá-lo. Por onde, quem honra ao próprio pai, embora sem caridade, não se torna transgressor desse preceito, embora o seja do que preceitua o ato de caridade, por cuja transgressão merece uma pena.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Senhor não disse — se tu queres entrar na vida, guarda um mandamento — mas — guarda todos os mandamentos. Entre os quais também está o do amor de Deus e do próximo.
 
Resposta à segunda. — No preceito da cari­dade está incluído o amar a Deus de todo o coração; e isso implica em referir tudo a Deus. Portanto, o homem não pode cumprir o preceito da caridade, se não referir tudo a Deus. Por onde, quem honra aos pais está obrigado a honrá-los pela caridade, não por força do pre­ceito — Honra a teus pais — mas, por força do outro — Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração. E como estes são dois preceitos afirmativos que não obrigam para sempre, po­dem obrigar em tempos diversos. E assim, pode alguém cumprir o preceito de honrar os pais sem transgredir o outro, sobre a omissão do modo da caridade.
 
Resposta à terceira. — O homem não pode observar todos os preceitos da lei, sem cum­prir o da caridade; porque isso não o fará sem a graça. Portanto, é impossível o que disse Pelágio, que o homem pode cumprir a lei sem a graça.

Art. 9 — Se o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.

(Supra, q. 96, a. 3, ad 2; IIª-IIae, q. 44, a. 4, ad 1; II Sent., dist. XXVIII, a. 3; IV, dist. XV, q. 3. a. 4. qª 1. ad 3).
 
O nono discute-se assim. — Parece que o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.
 
1. — Pois, o modo da virtude está em prati­carmos justamente atos justos; fortemente, atos fortes, e assim com as demais virtudes. Ora, a Escritura ordena (Dt 26, 20): administrarás a justiça com retidão. Logo, o modo da virtude está na alçada do preceito.
 
2. Demais. — O que está na intenção do legislador é o que sobretudo está na alçada do preceito. Ora, essa intenção visa principalmente tornar os homens virtuosos, como diz Aristóteles. E sendo próprio do homem virtuoso agir virtuosamente, o modo da virtude há de estar na alçada do preceito.
 
3. Demais. — O modo da virtude está pro­priamente em agirmos voluntária e deleitavel­mente. Ora, isto está na alçada do preceito da lei divina. Pois, diz a Escritura (Sl 99, 2): servi ao Senhor em alegria; e (2 Cor 9, 7): não com tristeza, nem como por força, porque Deus ama ao que dá com alegria; ao que a Glosa diz: tudo o que fizeres falo com alegria, e falo-as bem; se porém o fizeres com tristeza, o jeito vem de ti, mas não o fizeste tu. Logo, o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.
 
Mas, em contrário. — Ninguém pode obrar como o virtuoso, sem ter o hábito da virtude, como está claro no Filósofo. Ora, quem quer que, transgrida o preceito da lei merece pena. Donde se seguiria que todo aquele que não tivesse o hábito da virtude mereceria pena por tudo o que fizesse. Ora, isto é contra a intenção da lei, que visa induzir o homem à virtude, acostu­mando-o às boas obras. Logo, o modo da vir­tude não está na alçada do preceito.
 
Solução. — Como já dissemos (q. 90, a. 3 ad 2), o preceito de lei tem força coativa. Por onde, aquilo a que a lei obriga entra diretamente no seu pre­ceito. Ora, a coação da lei se realiza pelo medo da pena, como diz Aristóteles. Pois, está propriamente na alçada do preceito da lei, aquilo pelo que ela inflige uma pena. No instituir porém a pena, a lei divina procede diferente­mente da humana. Pois, a pena da lei não é infligida senão relativamente àquilo de que o legislador tem que julgar; porque a lei pune em virtude de um juízo. Ora, os homens autores da lei não devem julgar senão dos atos externos, porque vêem o que está patente, como diz a Escri­tura (1 Sm 16, 7). E só Deus, autor da lei divina, é que pode julgar dos movimentos interiores das vontades, segundo àquilo da Escritura (Sl 7, 10): Deus, que sonda os corações e as entranhas.
 
Ora, a esta luz, devemos dizer, que o modo da virtude, sob certo aspecto, é levado em consi­deração pela lei humana e pela divina; sob outro, pela lei divina e, não, pela humana; e, enfim, sob um terceiro, nem pela lei humana, nem pela divina. Pois, esse modo consiste em três coisas, segundo o Filósofo. A primeira em obrarmos cientemente; o que é julgado, tanto pela lei divina, como pela humana. Pois, é acidental o que fazemos por ignorância. E assim, por ignorância, os atos humanos são julgados dignos de pena ou de vênia, tanto pela lei huma­na, como pela divina. — A segunda consiste em obrarmos voluntariamente, ou por eleição, e eleição de um objeto particular, o que implica um duplo movimento interior — o da vontade e o da intenção, de que já tratamos (q. 8; q. 12), e das quais a lei humana não pode julgar, mas só, a divina. Pois, a lei humana não pode punir quem quer matar, mas não matou. Ao passo que a lei divina o pune, conforme a Escritura (Mt 5, 22): todo o que se ira contra seu irmão será réu no juízo. — A terceira consiste em agirmos e conservarmo-nos firme e imovelmente. E esta firmeza pertence propria­mente ao hábito, i. é, está em obrarmos por um hábito enraigado. Ora, neste ponto, o modo da virtude não está na alçada do preceito nem da lei divina, nem da humana. Pois, nem pelos homens, nem por Deus é punido,como transgressor do preceito, quem retribui aos pais a honra devida, embora sem o hábito da piedade.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O modo de praticar um ato de justiça, perten­cente ao preceito, é praticá-lo segundo a ordem do direito, e não pelo hábito da justiça.
 
Resposta à segunda. — Duas coisas visa a intenção do legislador. Uma é a para a qual, pelo preceito da lei, quer levar, e essa é a virtude. Outra é a sobre a qual quer fazer o preceito, e esta é a que leva ou dispõe para a virtude, a saber, o ato de virtude. Pois, o fim do preceito não se confunde com o seu objeto; assim como, no demais, o fim não se identifica com os meios.
 
Resposta à terceira. — Praticar sem tris­teza obras de virtude entra no preceito da lei divina, porque quem quer que obre com tristeza não obra voluntariamente. Mas, obrar deleita­velmente, ou com ledice e alegria, está, de certo modo, no preceito, i. é, enquanto que a deleita­ção resulta do amor de Deus e do próximo, incluídos no preceito, por ser o amor a causa da deleitação. Mas, de outro modo, não está, enquanto que a deleitação resulta do hábito; por­que a deleitação na obra é sinal de um hábito existente, como diz Aristóteles. Pois, um ato pode ser deleitável pelo fim ou pela conveniência com o hábito.

Art. 8 — Se os preceitos do decálogo admitem dispensa.

(Supra, q. 94, a. 5, ad 2.; IIª-IIae., q. 104, a. 5, ad 2; Sent., dist. XLVII, a.4; III, dist. XXXVII, a. 4; De Malo, q. 3, a. 1, ad 17; q, 15, a. 1, ad 8).
 
O oitavo discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo admitem dispensa.
 
1. — Pois, os preceitos do decálogo são de direito natural. Ora, o justo natural admite, em certos casos, exceções e é mutável, assim como a natureza humana, no dizer do Filósofo. Ora, a deficiência da lei, em certos casos parti­culares, é a razão da dispensa, como já se disse (q. 96, a. 6; q. 97, a. 4). Logo, os preceitos do decálogo admitem dispensa.
 
2. Demais. — O homem está para a lei humana como Deus para a lei divina. Ora, o homem pode ser dispensado do preceito legal, que ele mesmo estabeleceu. Logo, tendo sido os preceitos do decálogo instituídos por Deus, resulta que Deus pode dispensar neles. Ora, os prelados desempenham, na terra, o papel de Deus, conforme àquilo do Apóstolo (2 Cor 2, 10): pois eu também, se dei alguma coisa, foi por amor de vós em pessoa de Cristo. Logo, também os pre­lados podem dispensar nos preceitos do decálogo.
 
3. Demais. — Entre os preceitos do decá­logo está incluída a proibição do homicídio. Ora, os homens podem dispensar neste preceito; assim quando, segundo os preceitos da lei hu­mana, certos, como os malfeitores ou os inimigos da pátria, são mortos licitamente. Logo, os pre­ceitos do decálogo admitem dispensa.
 
4. Demais. — A observância do sábado está contida entre os preceitos do decálogo. Ora, houve dispensa neste preceito, conforme a Escri­tura (1 Mc 2, 4): Tomaram naquele dia esta resolução di­zendo: Todo homem, quem quer que ele seja, que nos atacar em dia de sábado, não façamos difi­culdade de pelejar contra ele. Logo, os preceitos do decálogo admitem dispensa.
 
Mas, em contrário, na Escritura (Is 24, 5), certos são censurados porque mudaram o direito, romperam a aliança sempiterna; e isto se deve entender sobretudo dos preceitos do decálogo. Logo, estes não podem sofrer mudança por dispensa.
 
Solução. — Como já se disse (q. 96, a. 6; q. 97, a. 4), deve-se dis­pensar nos preceitos, quando ocorrer algum caso particular, em que, observadas as palavras da lei, contrariar-se-ia a intenção do legislador. Ora, a intenção de qualquer legislador se ordena, primeiro e principalmente, para o bem comum; e segundo, para a ordem da justiça e da virtude, pela qual se conserva o bem comum e a ele se chega. Portanto, se estabelecerem preceitos conducentes à conservação mesma do bem co­mum, ou, à ordem mesma da justiça e da virtude, tais preceitos exprimem a intenção do legislador, e portanto não admitem dispensa. Por exemplo, se uma comunidade estabelecesse como preceito, que ninguém deve destruir a república, nem entregar a cidade aos inimigos; ou que ninguém deve fazer nada de injusto ou de mal, tais pre­ceitos não admitiriam dispensa. Mas se estabe­lecesse outros, ordenados para estes, que lhes determinassem certos modos especiais, estes poderiam admitir dispensa, quando a omissão deles, em certos casos particulares, não preju­dicasse aos primeiros, expressivos da intenção do legislador. Assim se, para a conservação da república, uma cidade estabelecesse que certos, de cada aldeia, velassem pela guarda da outra cidade sitiada, poderiam alguns ser disso dis­pensados, em vista de uma utilidade maior.
 
Ora, os preceitos do decálogo exprimem a intenção mesma de Deus legislador. Pois, os da primeira tábua, que ordenam para ele, con­têm a ordem mesma para o bem comum e final, que é Deus. E os da segunda, a ordem da jus­tiça a ser observada entre os homens, de modo que, p. ex., a ninguém se lhe faça o que se lhe não deve fazer, e a cada um lhe seja pago o devido; pois, a esta luz é que devem ser enten­didos os preceitos do decálogo. Logo, esses pre­ceitos são absolutamente indispensáveis.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Filósofo não se refere ao justo natural, que contém a ordem mesma da justiça; pois, a observância da justiça não admite nenhuma exceção. Mas ele se refere a determinados mo­dos de observá-la, que sofrem exceção, em certos casos.
 
Resposta à segunda. — Como diz o Após­tolo (2 Tm 2, 13), Deus permanece fiel, não pode negar-se a si mesmo. Ora, negar-se-ia a si mesmo, se, sendo a própria justiça, ele próprio lhe eliminasse a ordem. Portanto, Deus não pode dispensar o homem de tender ordenadamente para si, ou de sujeitar-se à ordem da sua justiça, mesmo, em matéria conducente a se ordenarem os homens uns para os outros.
 
Resposta à terceira. — O decálogo proíbe matar a outrem, na medida em que esse ato tem natureza de indébito; pois, então, esse preceito ex­prime a essência mesma da justiça. Ora, a lei humana não pode conceder seja lícito matar al­guém indebitamente. Não é porém indevido matar os malfeitores ou os inimigos da república. Por isso, tal não contraria ao preceito do decá­logo; nem tal morte constitui o homicídio proi­bido pelo preceito, como diz Agostinho. E semelhantemente, privar do seu a quem devidamente deve ser privado não é o furto nem a rapina proibidos pelo preceito do decálogo. Por isso, quando os filhos de Israel, por preceito de Deus, espoliaram os egípcios, não cometeram furto; pois deviam fazê-lo por sentença divina. — Semelhantemente, quando Abraão consentiu em matar o filho, não consentiu num homicídio, porque devia matá-lo, por mandado de Deus, senhor da vida e da morte. Pois, Ele é quem infligiu a pena de morte a todos os homens, justos e injustos, por causa do pecado do primeiro pai. E o homem que for executor de tal sentença, por autoridade divina, não será homicida, como não o é Deus. — Do mesmo modo ainda, Oséas, tendo tido relação com uma esposa fornicária ou uma mulher adúltera, não cometeu adultério nem fornicou; porque buscou a que era sua por ordem de Deus, autor da instituição do matrimônio. — Assim pois, os referidos preceitos do decálogo, quanto à razão de justiça que contêm, são imutáveis. Mas, são mutáveis no tocante a alguma determinação, quando se aplicam a casos particulares, p. ex., quanto a saber-se se há ou não homicídio, furto ou adultério. E isso, ora, pela só autoridade divina, no caso do que só por Deus foi instituído, como o matrimônio e insti­tuições semelhantes; ora, também por autori­dade humana, em matéria cometida à jurisdição dos homens; pois, estes governam em nome de Deus, neste ponto, e não em relação a tudo.
 
Resposta à quarta. — A resolução de que se trata foi, antes, interpretação, que dispensa no preceito. Pois, não se considera como vio­lador do sábado quem obra por necessidade da salvação humana, como o Senhor o mostra (Mt 12, 3 ss).

Art. 7 — Se os preceitos do decálogo foram dados convenientemente.

(IIª-IIae, q. 122, a. 2 sqq.; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 1).
 
O sétimo discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo foram dados inconvenien­temente.
 
1. — Pois, os preceitos afirmativos orde­nam para os atos virtuosos; ao passo que os negativos os separam dos atos viciosos. Ora, em qualquer matéria, virtudes e vícios entre si se opõem. Logo, em qualquer matéria, sobre que verse um preceito do decálogo, devia se estabelecer um preceito afirmativo e um nega­tivo. Logo, inconvenientemente se estabeleceram certos afirmativos e certos, negativos.
 
2. Demais. — Isidoro diz: toda lei se funda na razão. Ora, todos os preceitos do decálogo concernem à lei divina. Logo, de todos se devia dar a razão, e não só do primeiro e do terceiro.
 
3. Demais. — Pela observação dos preceitos merecemos prêmios, de Deus. Ora, as promessas divinas concernem os prêmios dos preceitos. Logo, devia se fazer uma promessa relativa a cada preceito e não só, ao primeiro e ao quarto.
 
4. Demais. — A lei antiga é chamada a lei do temor porque pela cominação de penas induzia à observação dos preceitos. Ora, todos os preceitos do decálogo pertencem à lei antiga. Logo, em todos se devia fazer a cominação da pena e não só no primeiro e no segundo.
 
5. Demais. — Todos os preceitos de Deus devem-se conservar na memória, conforme a Es­critura (Pr 3, 3): Grava-os sobre as tábuas do teu coração. Logo é inconveniente fazer menção da memória só no terceiro preceito. Por onde, os preceitos do decálogo foram dados inconvenientemente.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sb 11, 21): Deus fez todas as coisas com conta e peso e medida. Logo, com maior razão, observou modo conve­niente no dar os preceitos da sua lei.
 
Solução. — Nos preceitos da lei divina está contida a máxima sabedoria; por isso, diz a Escritura (Dt 4, 6): Esta é a vossa sabedoria e inteligência aos povos. Ora, do sapiente é próprio dispor todas as coisas em devido modo e ordem. Por onde é manifesto, que os preceitos da lei foram ministrados de modo conveniente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A afirmação implica sempre a negação do con­trário; mas nem sempre, da negação de um con­trário, resulta a afirmação do outro. Assim, resulta sempre de que, se alguma coisa é branca, não é negra; mas não se pode dizer que, se não é negra, é portanto branca; por ter a negação maior extensão que a afirmação. Daí vem que o preceito negativo — não se deve fazer injúria a outrem — estende-se a maior número de pessoas, conforme o primeiro ditame da razão, do que o preceito pelo qual se deve prestar a outrem um obséquio ou um benefício. Pois, primeiramente, o ditame da razão implica, que devemos fazer benefícios ou serviços aqueles de quem recebemos benefícios, se ainda não os recompensamos. Mas duas pessoas há cujos benefícios ninguém pode suficientemente pagar: Deus e o próprio pai, como diz Aristóteles. Por isso, estabeleceram-se só dois preceitos afirmativos: um, que manda honrar ospais; outro, sobre a celebração do sábado, em comemoração dos benefícios divinos.
 
Resposta à segunda. — Os preceitos pura­mente morais têm razão manifesta; por isso, não era necessário acrescentar-lhes nenhuma outra. Mas a certos preceitos se acrescenta um cerimonial determinativo do preceito moral comum. Assim, ao primeiro: Não farás imagem de escultura; e no terceiro é determinado o dia do sábado. Por isso, num e noutro caso, era preciso assinalar a razão.
 
Resposta à terceira. — Os homens, de ordinário, dirigem os seus atos para alguma utilidade. Por isso, era necessário estabelecer a promessa de um prêmio, naqueles preceitos dos quais não se via proceder nenhuma utilidade, mas antes, serem impedimentos dela. Ora, como os pais cada vez mais se vão separando de nós, deles não esperamos nenhuma utilidade. Por onde, ao preceito que manda honrá-los se acrescentou uma promessa. Semelhantemente, quanto ao que proíbe a idolatria, que os homens consideravam como obstáculo a uma utilidade aparente, que criam poder conseguir, por pactos feitos com os demônios.
 
Resposta à quarta. — As penas sobretudo são necessárias contra os inclinados ao mal, como diz Aristóteles. Por onde, a lei acrescenta a cominação de penas só naqueles preceitos, que supõem inclinação para o mal. Ora, os homens eram inclinados à idolatria, por causa do costume geral das nações. Semelhantemente, são também inclinados ao perjúrio, por causa da freqüência do juramento. Por isso, aos dois primeiros preceitos se acrescentou uma cominação.
 
Resposta à quinta. — O preceito sobre o sábado foi estabelecido como comemorativo do benefício passado. Por isso, nele especialmente se faz menção da memória. — Ou, porque o pre­ceito sobre o sábado tem uma determinação adjunta, que não é da lei da natureza; e por­tanto, esse preceito precisava de uma advertência especial.

Art. 6 — Se os dez preceitos do decálogo estão convenientemente ordenados.

(IIª-IIae, q. 122, a. 2, sqq; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 3).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que os dez preceitos do decálogo estão inconveniente­mente ordenados.
 
1. — Pois, a dileção do próximo é a que conduz para a de Deus, porque o próximo nos é mais conhecido que Deus, conforme a Escri­tura (1 Jo 4, 20): aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? Ora, os três primeiros preceitos pertencem ao amor de Deus; e os sete outros, ao do próximo, Logo, os preceitos do decálogo estão inconveniente­mente ordenados.
 
2. Demais. — Os preceitos afirmativos or­denam atos de virtude; os negativos, proíbem os do vício. Ora, segundo Boécio, hão-se, pri­meiro, de extirpar os vícios, que semear as vir­tudes. Logo, entre os preceitos pertencentes ao próximo, era mister estabelecerem-se os nega­tivos antes dos afirmativos.
 
3. Demais. — Os preceitos da lei são feitos para dirigir os atos dos homens. Ora, o ato do coração é anterior ao da palavra e ao da obra externa. Logo, os preceitos, que proíbem a concupiscência e que respeitam o coração, estão inconvenientemente postos em último lugar.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Rm 13, 1): as coisas que vêem de Deus são ordenadas. Ora, os preceitos do decálogo foram imediatamente dados por Deus, como já se disse (a. 3). Logo, estão convenientemente ordenados.
 
Solução. — Como já se estabeleceu (a. 3; a. 5 ad 1), os preceitos do decálogo versam sobre o que de pronto a razão do homem compreende. Ora, é manifesto que a razão apreende tanto mais facilmente um objeto, quanto mais o con­trário deste lhe é grave e repugnante a ela. E claro porém que a ordem da razão, começando pelo fim, vai sobretudo contra ela o proceder o homem desordenadamente, em relação ao fim. Ora, o fim da vida humana e da sociedade é Deus. Por onde, era primeiramente necessário, pelos preceitos do decálogo, ordenar o homem para Deus, por ser gravíssimo o que a isto con­traria. Assim também, num exército, ordenado para o chefe como para o fim, primeiro hão de os soldados estar sujeitos ao chefe, sendo o con­trário gravíssimo; em segundo lugar, hão-se de coordenar entre si.
 
Ora, entre os meios pelos quais o homem se ordena para Deus, ocorre em primeiro lugar submeter-se fielmente, sem lhe ter nenhuma participação com os inimigos. Em segundo lugar, há de prestar-lhe reverência. Em terceiro, há de lhe servir pelo famulado. Assim também, num exército, maior falta dosoldado é agir infiel­mente, tendo inteligência com o inimigo, do que fazer qualquer irreverência ao chefe; e isto é ainda mais grave do que deixar de prestar qualquer serviço ao chefe.
 
Quanto aos preceitos, que ordenam para o próximo, é manifesto que mais repugna à razão e é mais grave pecado o homem não conservar a ordem devida para com as pessoas a quem mais deve. Por isso, entre os preceitos que ordenam para o próximo, vem em primeiro lugar o que respeita aos pais. E, entre os outros preceitos, também a ordem se funda na da gravidade dos pecados. Assim, é mais grave e mais repugnante à razão pecar por obra, que por palavra; e por palavra, do que por intenção. E, entre os peca­dos por obra, é mais grave o homicídio, que priva da vida, do que o adultério, que torna incerta a prole nascitura. E o adultério é mais grave que o furto, relativo aos bens exteriores.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Embora, por via dos sentidos, o próximo seja mais conhecido que Deus, contudo, o amor de Deus é a razão do amor do próximo, como a seguir ficará claro (IIa IIae, q. 25, a. 1; IIa IIae, q. 26, a. 2). Por isso é que se estabeleceram, em primeiro lugar, os preceitos que ordenam para Deus.
 
Resposta à SEGUNDA. — Assim como Deus é a causa universal e o princípio da existência de todas as coisas, assim o pai é o princípio da existência do filho. Por isso era conveniente, depois dos preceitos relativos a Deus, estabelecer o concernente aos pais. Mas a objeção colhe, quando os preceitos afirmativos e os negativos respeitam ao mesmo gênero de obras. Embora também, neste ponto, não tenha omnímoda efi­cácia. Pois, na execução de uma obra, hão-se primeiro extirpar os vícios que semear as vir­tudes, conforme àquilo da Escritura (Sl 33, 15): Desvia-te do mal e faze o bem; (Is 1, 16-17), cessai d' obrar perversamente, aprendei a fazer o bem. Contudo, quanto ao conhecimento, a virtude precede o pecado, pois, pelo reto é que se conhece o obliquo, como diz Aristóteles. Ora, pela lei se conhece o pecado, no dizer da Escritura (Rm 3, 20). E sendo assim, o preceito afirmativo devia ser posto em primeiro lugar. A razão da ordem porém não é esta, mas a expos­ta acima. Porque, nos preceitos referentes a Deus, concernentes à primeira tábua, está posto em último lugar o preceito afirmativo, porque a sua transgressão implica menor reato.
 
Resposta à terceira. — Embora o pecado intencional tenha precedência quanto à execução, contudo a razão lhe apreende a proibição poste­riormente.

Art. 5 — Se os preceitos do decálogo estão convenientemente enumerados.

(III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 2; III Cont., Gent., cap. CXX, CXXVIII; De Virtut., q. 2, a. 7, ad 10; Ad Rom., cap. XIII, lect. II).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo estão inconvenientemente enumerados.
 
1. — Pois, o pecado, como diz Ambrósio é a transgressão da Lei divina e a desobediência aos mandamentos do céu. Ora, os pecados se distin­guem por pecar o homem contra Deus, contra o próximo, ou contra si mesmo. Entre os preceitos do decálogo porém, não há nenhum que ordene o homem para si mesmo, mas só há os que o ordenam para Deus e o próximo. Logo, é insuficiente a enumeração dos preceitos do decálogo.
 
2. Demais. — Assim como ao culto de Deus pertencia à observância do sábado, assim tam­bém lhe pertencia à observância das outras sole­nidades e a imolação dos sacrifícios. Ora, entre os preceitos do decálogo, há um pertencente à observância do sábado. Logo, também devia haver outros pertencentes às outras solenidades e ao rito dos sacrifícios.
 
3. Demais. — Contra Deus pode-se pecar, tanto perjurando, como blasfemando ou, de qualquer modo, mentindo contra a divina dou­trina. Ora, foi estabelecido um preceito proi­bindo o perjúrio, quando se disse: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. Logo, os pe­cados de blasfêmia e de falsa doutrina deviam ter sido proibidos por algum outro preceito.
 
4. Demais. — O homem tem amor natural tanto para com os pais como para com os filhos. Demais disso, o mandamento da caridade se estende a todos os próximos. Ora, os preceitos do decálogo se ordenam para a caridade, conforme àquilo da Escritura (1 Tm 1, 5): o fim do preceito é a caridade. Logo, assim como foi feito um preceito relativo aos pais, assim também deveriam ter sido feitos outros relativos aos filhos e aos demais próximos.
 
5. Demais. — Em qualquer gênero de pecados podemos pecar pelo desejo ou por obras. Ora em certos gêneros de pecados, como o do furto e do adultério, proíbe-se o pecado por obra, quando se diz — Não fornicarás, não furtarás, separadamente do pecado de desejo, quando se diz — Não cobiçarás os bens do teu próximo, e não cobiçarás a mulher do teu próximo. Logo, o mesmo se deveria ter feito em relação aos pecados do homicídio e de falso testemunho.
 
6. Demais. — O pecado tanto pode provir da desordem do concupiscível como da do iras­cível. Ora, certos preceitos proíbem a concu­piscência desordenada, como o que diz — não cobiçarás. Logo, o decálogo também devia con­ter certos outros proibitivos da desordem do irascível. Logo, parece que os dez preceitos do decálogo não estão convenientemente enume­rados.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Dt 4, 13): Ele vos mostrou o seu pacto, que ordenou que observásseis, e as dez palavras que escreveu em duas tábuas de pedra.
 
Solução. — Como já se disse (a. 2), assim como os preceitos da lei humana ordenam o homem para uma certa comunidade humana, assim os da lei divina, para uma certa comunidade ou república dos homens sob a direção de Deus. Ora, para que alguém possa fazer parte de uma comunidade, duas condições se exigem. A pri­meira é comportar-se devidamente para com o chefe da comunidade; a segunda, comportar-se devidamente para com os outros companheiros e co-participes dessa comunidade. Logo, era necessário que, na lei divina, se estabelecessem, primeiro, certos preceitos que ordenassem o ho­mem para Deus; e, segundo, outros que o orde­nassem para os próximos com quem convive simultaneamente, sob a direção de Deus.
 
Ora, para com o chefe da comunidade o ho­mem tem três obrigações: primeiro, a fideli­dade; segundo, a reverência; terceiro, o famu­lado. — A fidelidade para com o senhor consiste em não deferir a outro a honra do principado. E é isto que visa o primeiro preceito, quando diz: não terás deuses estrangeiros. — Em se­gundo lugar, a reverência para com o senhor exige que não se lhe faça nada de injurioso. E isto visa o segundo preceito, quando diz: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. — Por fim, o famulado é devido ao senhor em re­compensa dos benefícios que dele recebem os súbditos. E isto visa o terceiro preceito, sobre a santificação do sábado, em memória da criação das coisas.
 
Quanto aos próximos, para com eles proce­demos devidamente, em especial e em geral. — Em especial, pagando o débito aos a quem deve­mos. E isto visa o preceito de honrar os pais. — Em geral, em relação a todos, não causando dano a ninguém, nem por obras, nem por pala­vras, nem por intenção. — Pois, por obra cau­samos dano ao próximo, ora atingindo-lhe a existência pessoal; o que é proibido pelo mandamento que diz — não matarás. Ora, atingindo uma pessoa que lhe é conjunta, para a propagação da prole, o que proíbe o preceito quando diz: não fornicarás. Outras vezes, causamos-lhe dano no bem que ele possui, que se ordena para uma e outra coisa; e isto visa quando diz: não furtarás. — Causar dano por palavras é proibido quando se diz: não dirás falso teste­munho contra o teu próximo. — Por fim, o dano por intenção e proibido quando se diz: não cobiçarás
 
Ora, de acordo com esta diferença, podem-se distinguir três preceitos, que ordenam para Deus. Dos quais o primeiro respeita a obra, e por isso diz: não farás imagem de escultura. O segundo, à palavra, quando diz: não tomarás o nome do Senhor teu Deu; em vão. O terceiro, à intenção; porque na santificação do sábado, enquanto preceito moral, se preceitua o descanso do cora­ção em Deus. — Ou, segundo Agostinho, pelo primeiro preceito reverenciamos a unidade do primeiro princípio; pelo segundo, a verdade divina; pelo terceiro, a sua bondade, pela qual nos santificamos, e na qual descansamos, como no fim.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Podemos dar dupla resposta. — A primeira é que os preceitos do decálogo se referem ao man­damento do amor. Pois, era necessário dar ao homem um preceito sobre o amor de Deus e do próximo, porque, neste ponto, a lei natural ficou obscurecida pelo pecado. Mas, não era necessá­rio preceituar sobre o amor de si mesmo, por que neste ponto, vigorava a lei natural. Ou porque o amor de si mesmo se inclui no de Deus e do próximo; pois, o homem verdadeiramente se ama a si mesmo, ordenando-se para Deus. Por isso, os preceitos do decálogo só se referem ao próximo e a Deus.
 
De outro modo, podemos dizer, que os preceitos do decálogo são os que o povo imedia­tamente recebeu de Deus. Por isso, diz a Es­critura (Dt 10, 4): Escreveu em tábuas o que antes tinha escrito, as dez palavras que o Senhor vos tinha falado. Por onde, era necessário fossem esses preceitos tais que pudessem logo entrar na mente do povo, pois, um preceito tem natureza de obri­gação devida. Ora, que o homem, necessaria­mente tem deveres para com Deus e o próximo, é facilmente compreensível para qualquer e, principalmente, para um fiel. Mas não é facilmente compreensível que, pelo que a si mesmo lhe pertence, e não a outrem, um homem tenha necessariamente algum dever para com outro. Pois, parece, ao primeiro aspecto, que cada um é livre quanto ao que lhe pertence. Por isso, os preceitos, que proíbem as desordens do homem para consigo mesmo, chegaram ao povo mediante a instrução dos prudentes. Donde o não per­tencerem ao decálogo.
 
Resposta à segunda. — Todas as soleni­dades da lei antiga foram instituídas em comemoração de algum benefício divino, ou já reali­zado no passado, ou prefigurado, para o futuro. E semelhantemente, todos os sacrifícios eram oferecidos por isso. Ora, entre todos os bene­fícios de Deus a serem comemorados, o primeiro e o principal é o da criação, comemorado na santificação do sábado. Por onde, a Escritura, como razão deste preceito, diz (Ex 20, 11): Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra etc. Quanto a todos os benefícios futuros, que deviam ser prefigurados, o principal e final era o repouso da mente em Deus, no presente, pela graça, ou, no futuro, pela glória, o que também estava figu­rado na observância do sábado. Por isso, diz a Escritura (Is 58, 13): Se apartares do sábado o teu pé, o fazer a tua vontade no meu santo dia, e chamares ao sábado delicado e santo para glória do Senhor. Pois, estes benefícios estão, primeira e princi­palmente, na mente dos homens, sobretudo, fiéis. Quanto às outras solenidades, eram cele­bradas por causa de alguns benefícios temporais passageiros; como a celebração da Páscoa, por causa do benefício da passada libertação, do Egito, e por causa da paixão futura de Cristo, realizada no tempo, e que nos conduz ao repouso do sábado espiritual. Por onde, preteridas todas as outras solenidades e sacrifícios, só do sábado se faz menção nos preceitos do decálogo.
 
Resposta à terceira. — Como diz o Após­tolo (Heb 6, 16), os homens juram pelo que há maior que eles, e o juramento é a maior segurança para terminar todas as suas contendas. Por onde, sendo o jura­mento comum a todos, a desordem em relação a ele é especialmente proibida por um preceito do decálogo. O pecado porém de falsa doutrina não é senão de poucos; por isso, não era neces­sário fazer menção disso entre os preceitos do decálogo. Embora, segundo um modo de entender, o preceito — não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão — proíba a falsidade da dou­trina; pois, uma Glosa expõe: não dirás que Cristo é uma criatura.
 
Resposta à quarta. — A razão natural logo dita ao homem que a ninguém faça injúria; e por isso, os preceitos que proíbem o dano es­tendem-se a todos. A razão natural, porém, não dita imediatamente que se deva fazer alguma coisa em benefício de outrem, senão para com quem se tenha algum dever. Ora, os deveres do filho para com o pai são tão manifestos a ponto de não poderem ser negados por nenhuma tergi­versação. Porque o pai é o principio da geração e do ser e, além disso, da educação e da ins­trução. Por isso, não está entre os preceitos do decálogo, que devamos prestar algum benefício ou obséquio a alguém, salvo aos pais. Os pais porém não são considerados como devedores aos filhos, por quaisquer benefícios que deles houvessem recebido, mas, ao contrário. Pois, o filho é algo do pai, e os pais amam os filhos como algo deles, segundo diz o Filósofo. Por onde, pelas mesmas razões, não se estabeleceram nenhuns preceitos, no decálogo, relativos ao amor dos filhos, como também nenhuns, que orde­nassem o homem para si mesmo.
 
Resposta à quinta. — O prazer do adul­tério e a utilidade das riquezas são desejáveis por si mesmos, enquanto têm a natureza de bem deleitável ou útil. E por isso os preceitos haviam necessariamente de proibir, não só a obra, mas também, a concupiscência. Ao con­trário, o homicídio e a falsidade são em si mesmos horríveis; pois, o próximo e a verdade são naturalmente amados e não são desejados senão por causa de outra coisa. Por onde, não era necessário, quanto aos pecados de homicídio e de falso testemunho, proibir o pecado de inten­ção, mas, só o de obra.
 
Resposta à sexta. — Como já se disse (q. 25, a. 1), todas as paixões do irascível derivam das do concupiscível. Por isso, nos preceitos do decá­logo, que são quase os primeiros elementos da lei, não se deviam mencionar as paixões do iras­cível, mas, só as do concupiscível.

Art. 4 — Se os preceitos do decálogo se distinguem convenientemente.

O quarto discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo se distinguem inconvenientemente.
 
1. — Pois, a latria é uma virtude distinta da fé. Ora, os preceitos são dados para regular os atos de virtude. E o que se diz no princípio do decálogo — Não terás deuses estrangeiros diante de mim — pertence à fé; o que se acrescenta — não farás para ti imagem de escultura, etc. — à latria. Logo, há duas sortes de preceitos, e não uma só, como diz Agostinho.
 
2. Demais. — Os preceitos afirmativos da lei, como — Honrarás a teu pai e a tua mãe — distinguem-se dos negativos, como — Não matarás. Ora, o preceito — Eu sou o Senhor teu Deus — é afirmativo; e o que se lhe acrescenta — Não terás deuses estrangeiros diante de ti — é negativo. Logo, há duas espécies de preceitos, e não uma só, como quer Agostinho.
 
3. Demais. — O Apóstolo diz (Rm 7, 7): eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissera — não cobiçaras. E, por aí se vê que o preceito — não cobiçarás — é um só. Logo, não devia dividir-se em dois.
 
Mas, em contrário, é a autoridade de Agostinho, ensinando que três são os preceitos relativos a Deus, e sete, ao próximo.
 
Solução. — Os preceitos do decálogo diversos os distinguem diversamente. Assim, Hesíquio, comentando o lugar — dez mulheres cozam pães num só forno — diz que o preceito sobre a observação do sábado não é um dos dez, porque não deve ser observado literalmente, em todo tempo. Distingue contudo quatro preceitos relativos a Deus. O primeiro é — Eu sou o Senhor teu Deus — o segundo — Não terás deuses estrangeiros diante de mim; e Jerônimo também distingue estes dois, comentando Oseas (Os 10, 10), por causa das suas duas iniqüidades; o terceiro preceito diz que é: não farás para ti imagem de escultura; o quarto, enfim: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. Os relativos ao próximo diz serem seis. O primeiro: Honrarás a teu pai e a tua mãe; o segundo: Não matarás; o terceiro: Não fornicarás; o quarto: não furtarás; o quinto: não dirás falso testemunho; o sexto: não cobiçarás.
 
Mas, é inadmissível, que o preceito sobre a observação do sábado seja posto entre os do decálogo, se de nenhum modo faz parte deles. Em segundo lugar, o dito — Ninguém pode servir a dois Senhores — parece ter a mesma razão e cair sob a alçada desses mesmos preceitos — Eu sou o Senhor teu Deus, e, Não terás deuses estran­geiros. E por isso Orígenes, distinguindo também quatro preceitos relativos a Deus, considera esses dois supra-referidos como um só; considera como segundo: não farás para ti imagem de escultura; como terceiro: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; e como quarto: lembra-te de santificar o dia de sábado. Quanto aos outros seis, ele os considera como Hesíquio.
 
Mas, como fazer imagem de escultura, ou semelhança, não é proibido senão para que não seja adorada como Deus, pois, no tabernáculo, Deus mandou fazer a imagem de um serafim, como se lê na Escritura (Ex 25, 18), por isso, Agostinho, mais convenientemente, considera um só pre­ceito — Não terás deuses estrangeiros — e — Não farás imagem de escultura. Semelhante­mente, desejar relação com mulher alheia é mani­festação da concupiscência da carne. Ao passo que a cobiça das outras coisas, que se desejam possuir, pertence à concupiscência dos olhos. Por onde, o mesmo Agostinho considera como dois preceitos: não cobiçar a casa alheia e a mulher alheia. E assim, considera três preceitos como relativos a Deus, e sete, ao próximo. E esta opinião é melhor.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A latria não é mais que uma protestação de fé. Por isso, não se deviam estabelecer uns preceitos sobre a latria e outros, sobre a fé. Mas, antes, deviam se estabelecer alguns referentes à latria, que, à fé. Porque, o preceito sobre a fé é um pressuposto aos do decálogo, bem como o pre­ceito do amor. Pois, assim como os primeiros preceitos comuns da lei da natureza são evidentes para quem tem a razão natural, e não precisam de promulgação; assim também o de crer em Deus é, em si e primariamente, conhecido a quem tem fé; porquanto, diz a Escritura, é necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus. Por isso não precisa de nenhuma promulgação, senão da infusão da fé.
 
Resposta à segunda. — Os preceitos afirmativos se distinguem dos negativos, quando um não está compreendido no outro. Assim, honrar os pais não inclui que não se mate nin­guém, nem inversamente. Mas, quando o afirmativo está compreendido no negativo, ou inver­samente, não se constituem preceitos diversos. Assim, — não furtarás — não constitui preceito diverso de — conservar a coisa alheia, ou, res­tituí-la. E por isto, crer em Deus e não crer em deuses alheios não são preceitos diversos.
 
Resposta à terceira. — Toda a concu­piscência convém numa mesma razão; e por isso o Apóstolo se refere, singularmente, ao man­damento relativo à concupiscência. Como, po­rém, há razões diversas especiais de cobiçar, Agostinho distingue diversos preceitos relativos à repressão daconcupiscência. Pois, as espécies dela diferem segundo a diversidade das ações ou dos concupiscíveis, como diz o Filósofo.

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