Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os corpos dos condenados serão impassíveis.
1. ─ Pois, segundo o Filósofo, toda paixão, aumentando, causa detrimento à substância. Ora, se diminuirmos sempre um corpo finito, acabará ele necessariamente por desaparecer, diz ainda Aristóteles. Logo, os corpos dos condenados, sendo sempre passíveis e padecentes, hão de acabar deperecendo e consumindo-se. O que já se demonstrou ser falso. Portanto, serão impassíveis.
2. Todo agente torna o paciente semelhante a si. Se, pois, os corpos dos condenados sofrerem o suplício do fogo, ao fogo hão de assemelhar-se. Ora, o fogo não consome os corpos senão fazendo-os desaparecer pelos tornar semelhantes a si. Se, portanto, os corpos dos condenados forem impassíveis, hão de acabar consumidos pelo fogo, De onde a mesma conclusão que antes.
3. Demais. - Os animais, como a salamandra, de que se conta que podem suportar o fogo, não sofrem com ele; pois, nenhum animal sofrerá dor no seu corpo sem este ser de algum modo ofendido. Se, portanto, o corpo dos condenados podem sofrer o fogo sem se aniquilarem, como os referidos animais, segundo o diz Agostinho, parece que nenhum detrimento deles lhes advirá, O que não seria possível se não tivessem o corpo impassível. Logo, etc.
4. Demais. ─ Se os corpos dos condenados são passíveis, a dor que os tormentos lhes causam hão de, segundo parece, superar todas as dores que nesta vida lhes afligiram o corpo; assim como a felicidade dos santos superará todas as felicidades desta vida. Ora, nesta vida, uma dor pode ser tão intensa que cause a separação da alma, do corpo. Logo e com muito maior razão, se na vida futura os corpos dos condenados forem passíveis, a imensidade dos sofrimentos lhes separará a alma do corpo, que será então corruptível. O que é falso. Logo, os corpos dos condenados serão impassíveis.
Mas, em contrário, aquilo do Apóstolo ─ E nós outros seremos mudados ─ diz a Glosa: Só os bons é que seremos transformados pela imutabilidade e pela impassibilidade da glória. Logo, os corpos dos condenados serão impassíveis.
2. Demais. ─ Assim como o corpo colabora com a alma para o mérito, assim também para o pecado. Ora, por causa dessa cooperação, não só a alma será premiada depois da ressurreição, mas também o corpo. Logo e pela mesma razão, também serão punidos os corpos dos condenados. O que não se daria se fossem impassíveis. Logo, serão passíveis.
SOLUÇÃO. ─ A causa principal, por que os corpos dos condenados não serão consumidos pelo fogo, será a divina justiça, que lhes jungiu os corpos a uma pena perpétua. Mas a justiça divina se serve das disposições naturais do corpo, quer do paciente, quer do agente. Porque, sendo a paixão uma recepção há uma dupla modalidade de paixão, conforme os dois modos por que pode uma causa ser recebida por outra. ─ Pois, pode um sujeito receber uma forma só no ser material desta; assim o ar recebe o calor do fogo. E este modo de receber determina uma espécie de paixão chamada paixão da natureza. ─ De outra maneira, uma cousa é recebida por outra espiritualmente e a modo de semelhança; assim, o ar e a pupila recebem a imagem da brancura. E este modo de receber é comparável ao pelo qual a alma recebe as semelhanças das cousas; e nele se funda outra modalidade da paixão, chamada paixão da alma.
Ora, como depois da ressurreição, cessado o movimento do céu, nenhum corpo pode sofrer alteração nas suas qualidades naturais, como se disse, nenhum corpo poderá sofrer a paixão da natureza. E assim, quanto a esta modalidade da paixão, os corpos dos condenados serão impassíveis bem como incorruptíveis. ─ Mas, cessado o movimento do céu, ainda restará a paixão da alma; porque ainda o ar será iluminado pelo sol e fará com que as diferenças de cores atinjam a vista. E assim, conforme esta modalidade da paixão, os corpos dos condenados serão passíveis. E como tal paixão aguça a sensibilidade, por isso os corpos dos condenados serão sensíveis à pena, sem alteração da sua disposição natural.
Quanto aos corpos gloriosos, mesmo que recebam certas impressões e de certo modo sejam passíveis ao sentir, contudo não serão passíveis. Porque nada receberão como pena nem dor, ao contrário do que se dá com os corpos dos condenados, chamados por isso passíveis.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Filósofo se refere à paixão que altera a disposição natural do paciente. E essa não a sofrerão os corpos dos condenados, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A semelhança do agente de dois modos está no paciente. ─ Primeiro, pelo mesmo modo por que está no agente, como se dá com todos os agentes unívocos; assim o calor gera o calor e o fogo, o fogo. ─ De outro modo, com existência diversa da que tem no agente; tal o caso de todos os agentes equívocos. E nestes pode-se dar que a forma exista no agente espiritualmente e seja recebida materialmente pelo paciente; assim, a forma de uma casa feita por um arquiteto tem na casa o seu ser material, e o espiritual na mente do artífice. Outras vezes se dá o contrário: a forma esta materialmente no agente e é recebida espiritualmente pelo paciente; assim a brancura que esta materialmente numa parede, donde é recebida espiritualmente pela pupila e pelo meio transmitente. E o mesmo se dá no caso vertente. Porque a forma, existente materialmente no fogo, é recebida espiritualmente pelos corpos dos condenados. E assim o fogo torná-los-á semelhantes a si, sem contudo as consumir.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Segundo o Filósofo, nenhum animal pode viver no fogo. E Galeno também diz que nenhum corpo há que, exposto ao fogo, não acabe sendo consumido por ele; embora haja certos corpos, como o ébano, que podem ficar algum tempo no fogo sem lhe sofrer a ação. Por isso, o caso aduzido, da salamandra, não pode de nenhum modo ser verossímil; pois não podia perseverar no fogo sem finalmente ser consumida, ao contrário do que se dá com os corpos dos condenados no inferno. ─ Nem se deve, do fato de os corpos dos condenados não serem em nada consumidos pelo fogo do inferno, que não sejam torturados pelo fogo. Porque é da natureza do sensível não só deleitar ou afligir os sentidos, pela sua ação natural de fortificar ou alterar o organismo, mas também pela sua ação espiritual. Pois, quando o sensível é proporcionado ao sentido, causa-lhe prazer; e ao contrário, quando há nele superabundância ou defeito. Por isso as cores médias e as vozes harmônicas são deleitáveis; mas os sons discordes ofendem o ouvido.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A dor não separa a alma do corpo enquanto permanece numa das potências dela, que é o sujeito da dor; mas quando a paixão da alma muda a natural disposição do corpo; assim, vemos que a cólera escandesce o corpo, ao passo que o temor o esfria. Mas depois da ressurreição já não pode a disposição natural do corpo ser transformada, como do sobre dito se colhe. Por onde, por maior que seja a dor, não poderá separar a alma do corpo.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os corpos dos condenados serão corruptíveis.
1. ─ Pois, todo composto de elementos contrários é necessariamente corruptível. Ora, os corpos dos condenados serão compostos dos mesmos elementos corruptíveis de que presentemente o são; do contrário não seriam da mesma espécie e por consequência, nem individualmente os mesmos. Logo, serão corruptíveis.
2. Demais. ─ Se na vida futura os corpos dos condenados forem incorruptíveis não o será por natureza; pois, terão a mesma natureza que agora tem. Nem pela graça ou pela glória, porque, de uma e de outra estarão totalmente privados. Logo, serão corruptíveis.
3. Demais. ─ É inadmissível que fiquem livres da pena máxima os que estão num estado de miséria suma. Ora, a máxima das penas é a morte, como o Filósofo o prova. Logo, os condenados, cujo estado é de suma miséria, não poderão livrar-se da morte. Logo, os seus corpos serão corruptíveis.
Mas, em contrário, a Escritura: Naqueles dias os homens buscarão a morte e não na acharão; eles desejarão morrer e a morte fugirá deles. eles desejarão morrer e a morte fugirá deles.
2. Demais. ─ Os condenados sofrerão na alma e no corpo uma pena perpétua, conforme aquilo do Evangelho: Irão estes para o suplício eterno. Ora, isto não seria possível se o corpo lhes fosse corruptível. Logo, o corpo não se lhes corromperá.
SOLUÇÃO. ─ Como todo movimento deve ter um princípio, móvel de dois modos, pode um móvel ficar privado de um movimento ou mudança: por lhe faltar o princípio motor ou por encontrar um obstáculo o princípio do movimento. Ora, a corrupção é uma espécie de mudança. Por onde, de dois modos é possível tornar-se incorruptível um corpo corruptível pela condição dos seus princípios constitutivos. ─ Primeiro, por se lhe arredar completamente o princípio causador da corrupção. E deste modo os corpos dos condenados serão incorruptíveis. Pois, sendo o céu, pelo seu movimento local, a primeira causa da alteração; e todos os agentes segundos atuem em virtude dele e como por ele movidos, necessariamente, cessado o movimento do céu, nenhum agente poderá haver capaz de, por alteração natural, transformar as propriedades naturais de um corpo. Por isso, depois da ressurreição, cessado o movimento do céu, nenhuma qualidade haverá capaz de modificar o tamanho natural do corpo humano. Ora, a corrupção é, como a geração, o termo da alteração. Logo, os corpos dos condenados não poderão corromper-se. E assim executam a justiça que requer sejam punidos eternamente numa vida eterna, como mais adiante diremos. Assim como presentemente a corruptibilidade dos corpos servem aos desígnios da divina providência, que estabeleceu a geração de uns da corrupção de outros. ─ Mas o princípio da corrupção pode ainda ficar impedido de outro modo, pelo qual o corpo de Adão foi incorruptível. Pois, as qualidades contrárias do corpo humano a graça da inocência as impedia de lhe operarem a dissolução. E muito mais impedidas serão de corromper os corpos gloriosos, completamente sujeitos ao espírito. E assim nos corpos dos bem-aventurados, depois da ressurreição universal, se conjugarão as duas causas referidas de incorruptibilidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os elementos contrários componentes do corpo são os princípios segundos produtores da corrupção; sendo o agente primeiro o movimento celeste. Por onde, suposto o movimento do céu, necessariamente há de corromper-se um corpo composto de elementos contrários; salvo se uma causa mais poderosa impedir essa corrupção. Mas, cessado o movimento do céu, os elementos contrários componentes do corpo não bastam a causar a corrupção, mesmo segundo a natureza, como do sobredito se colhe. Ora, a cessação do movimento celeste não na conheceram os Filósofos. Por isso tinham como verdade infalível que um corpo composto de elementos contrários há de corromper-se, mesmo naturalmente considerado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essa incorruptibilidade será por virtude da natureza. Não que haja um princípio de incorrupção nos corpos dos condenados, mas por não haver neles nenhum princípio de corrupção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a morte seja, absolutamente falando, a máxima das penas, sob certos respeitos porém: nada impede seja a morte um remédio das penas; e por consequência privar dela é aumentá-las a estas. Pois, como diz o Filósofo, se viver é agradável a todos os viventes é que todos os seres desejam perdurar na existência; mas não é um bem, continua no mesmo lugar, viver uma vida má nem corrupta nem imersa em sofrimentos. Assim, portanto, como viver, absolutamente falando, é agradável, mas não viver nos sofrimentos, assim também a morte, que é a privação da vida, é penosa, considerada em si mesma, e a máxima das penas, por nos privar da existência, que é o primeiro dos bens, e com ela de tudo o mais. Mas, enquanto nos livra de uma vida má e cheia de tristezas, remédio de penas e o que nô-la acaba. Por consequência, a isenção da morte aumenta as penas pelas fazer perpétuas. ─ Se, porém, dissermos que a morte é uma pena por causa dos sofrimentos que os moribundos padecem no corpo, não há dúvida que muito maiores serão as penas sofridas continuamente pelos condenados. Por isso sofrem uma morte perpétua, conforme aquilo da Escritura.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os corpos dos condenados ressurgirão com as suas deformidades.
1. ─ Pois, o que foi estabelecido como pena do pecado não pode cessar senão com a remissão dele. Ora, a falta de membros, causada pela mutilação, é uma consequência da pena do pecado; e semelhantemente todas as mais deformidades do corpo. Logo, os condenados não ficarão isentos dessas deformidades, depois da ressurreição, que não foram perdoados dos pecados.
2. Demais. ─ Assim como a ressurreição dos santos será a consumação da felicidade deles, assim a dos ímpios, a da sua miséria. Ora, os santos ressurrectos não ficarão privados de nada que lhe possa constituir uma perfeição. Logo, também os ímpios ressuscitados não ficarão privados de nenhum dos seus defeitos ou misérias. Ora, tais lhes são as deformidades. Logo, etc.
3. Demais. ─ Assim como a deformidade, a lentidão é um defeito do corpo passível. Ora, os corpos dos condenados ressuscitados não perderão a sua lentidão, pois não terão o dote da agilidade. Logo e pela mesma razão também não perderão a sua deformidade.
Mas, em contrário. ─ Diz o Apóstolo: Os mortos ressuscitarão incorruptíveis. E comenta a Glosa: Os mortos, i. é, os pecadores, ou em geral todos os mortos, ressurgirão incorruptos, i. é, sem nenhuma diminuição de membros. Logo, os maus ressurgirão sem as suas deformidades.
2. Demais. ─ Os condenados nada terão que os possa impedir de sentir dores. Ora, a doença impede de as sentirmos, pois nos debilita os órgãos da sensibilidade. Semelhantemente, a falta de um membro não permitiria mais que a dor fosse sentida por todo o corpo. Logo, os condenados ressurgirão sem tais defeitos.
SOLUÇÃO. ─ O corpo humano é susceptível de duas espécies de deformidade.
Uma vem da falta de algum membro; assim, dizemos que os mutilados são disformes, por lhes faltar a proporção devida entre as partes e o todo. E essa deformidade nenhuma dúvida há, que os corpos dos condenados não na sofrerão; porque todos os corpos, tanto o dos bons como o dos maus, ressurgirão íntegros.
Outra espécie de deformidade é a resultante da má disposição das partes, na sua grandeza, na sua qualidade ou pelo lugar que ocupam. O que também não se coaduna com a proporção devida entre as partes e o todo. E quanto a essas deformidades e defeitos semelhantes, como as febres de doenças com elas, que são às vezes causas de deformidades, dessas Agostinho deixa indeterminado e duvidoso se os condenados estão isentos, como o refere o Mestre.
Mas, entre os doutores modernos duas opiniões há a respeito.
Certos dizem que tais deformidades e defeitos permanecerão nos corpos dos condenados, considerando que, condenados, caem num estado de miséria suma, a que nenhum mal pode faltar. ─ Mas não é racional esse modo de pensar. Pois, na reconstituição do corpo ressuscitado mais é de atender-se à perfeição da natureza do que a sua condição anterior; por isso, os que morreram antes de chegar à idade perfeita ressurgirão na idade viril. Assim também os que tiveram certos defeitos naturais no corpo, ou deformidades dele provenientes, ressurgirão sem esses defeitos ou deformidades. Mas, a modalidade da pena depende da medida da culpa. Pode porém acontecer que um pecador que deve ser condenado por pecados mais leves, tenha certas deformidades ou defeitos que não teve outro que deve ser condenado por pecados mais graves. Por isso, se o que teve deformidades nesta vida ressurgir com elas, sem com elas ressurgir outro que deve sofrer mais grave pena, pelas nesta vida não ter, o modo da pena não corresponderia à gravidade da culpa e, antes, resultaria que seria mais punido quem nesta vida já sofreu penas; o que é absurdo.
Por isso outros com mais razão dizem, que o Autor da natureza restituirá integramente ao corpo a sua natureza, na ressurreição. Portanto, todos os defeitos ou deformidades corporais provenientes da corrupção ou debilidade natural ou dos princípios naturais, como a febre e semelhantes, tudo isso desaparecerá elo corpo ressuscitado. Mas os defeitos que o corpo humano padece provenientes dos seus princípios naturais, como a gravidade, a passibilidade e outros, esses subsistirão nos corpos do condenados; defeitos esses que a glória da ressurreição tornará isentos os corpos dos eleitos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como em qualquer foro uma pena é infligida segundo as condições dele, as penas infligidas por algum pecado nesta vida temporal são temporais e não ultrapassam os termos dela. Por onde, embora aos condenados não lhes tenham sido perdoados os pecados, nem por isso hão de sofrer no outro mundo as mesmas penas que sofreram neste; mas a divina justiça exige que sejam na outra vida atormentados por penas mais graves.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não se dá o mesmo com os bons e com os maus, porque um ser pode ser absolutamente bom, mas não absolutamente mau. Por isso, a felicidade consumada dos santos requere sejam totalmente imunes de qualquer mal; ao contrário, a miséria suprema não exclui completamente o bem, porque o mal que fosse completo se destruiria a si mesmo, como ensina o Filósofo. Por onde e necessariamente, a miséria dos condenados terá como substrato o bem da natureza; e o Criador, que é a perfeição mesma, também restaurará a natureza na perfeição mesma da sua espécie.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A lentidão é de aqueles defeitos naturalmente consequentes aos princípios do corpo humano; não porém a deformidade. Não há, pois, semelhança de razões.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que um corpo glorioso será necessariamente visto por um corpo não-glorioso.
1. ─ Pois, os corpos gloriosos serão lúcidos. Ora, um corpo lúcido ao mesmo tempo que se manifesta também manifesta os outros corpos. Logo, os corpos gloriosos serão necessariamente vistos.
2. Demais. ─ Todo corpo, que oculta os corpos colocados por trás de si, é necessariamente visto, por isso mesmo que oculta os referidos corpos colocados por detrás. Ora, os corpos gloriosos ocultarão à vista tudo o que lhes estiver colocado por trás; pois, serão corpos dotados de cor. Logo, serão necessariamente vistos.
3. Demais. ─ Como a quantidade é inerente ao corpo, assim a qualidade, que o torna visível. Ora, a quantidade não dependerá da vontade, a ponto de um corpo glorioso poder tê-la maior ou menor, a seu talante. Logo, nem a qualidade, que o torna visível, pode, a seu bel prazer, ser invisível.
Mas, em contrário. ─ Nosso corpo será glorificado à semelhança do de Cristo, depois da ressurreição. Ora, o corpo de Cristo ressurrecto não era necessariamente visto; ao contrário, em Emaús desapareceu à vista dos discípulos, como o refere o Evangelho. Logo, também um corpo glorificado não será necessariamente visto.
2. Demais. ─ Os ressurgidos terão o corpo plenamente obediente à alma. Logo, um corpo glorioso poderá deixar-se ver ou não, conformo lhe aprouver.
SOLUÇÃO. ─ A visibilidade de um objeto depende da sua ação sobre a vista. Mas o fato mesmo de um objeto agir ou não sobre outro, que lhe é estranho, não lhe acarreta nenhuma alteração. Por onde, sem mudar nenhuma propriedade pertencente à perfeição de um corpo glorificado, pode ele deixar-se ver ou não. Por isso, no poder da alma glorificada estará deixar ver ou não o seu corpo, assim como a alma pode exercer sobre o corpo qualquer ação que quiser; do contrário, o corpo glorioso não seria um instrumento totalmente obediente ao agente principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A claridade em questão dependerá do corpo glorioso de modo que ele possa manifestá-la ou ocultá-la.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A cor de um corpo não lhe impede a transparência senão modificando a vista; porque a vista não pode ser modificada ao mesmo tempo por duas cores de modo a percebê-las ambas perfeitamente. Ora, a cor de um corpo glorioso dependerá perfeitamente da alma, que poderá, por meio da cor, modificar ou não a vista, como lh'o aprouver. Por onde, no poder do corpo glorioso estará ocultar ou não outro corpo que lhe esteja atrás.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A quantidade é um atributo inerente ao corpo glorioso; nem poderia ela alterar-se por vontade da alma, sem alterar-se intrinsecamente o corpo glorioso, o que lhe repugnaria à impassibilidade. Não há, pois, símil entre a quantidade e a visibilidade, porque também a qualidade que o torna visível não lh'o pode a alma subtrair conforme lhe aprouver; só a sua ação é que pode ser suspensa, podendo então ocultar-se o corpo, conforme o quiser a alma.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a claridade de um corpo glorioso pode ser vista por olhos não-gloriosos.
1. ─ Pois, deve haver proporção entre o objeto visível e a vista. Ora, olhos não glorificados não são proporcionados a contemplar a claridade da glória, por ser de gênero diverso da luminosidade da natureza. Logo, a claridade de um corpo glorioso não poderá ser vista por olhos não-gloriosos.
2. Demais. ─ A claridade do corpo glorioso será maior que presentemente a do sol; pois, no século futuro, também a do sol será mais intensa do que agora, como diz a Escritura. Mas muito maior será a do corpo glorioso, por causa do qual o sol e todo o mundo brilharão com maior brilho. Ora, os olhos não-gloriosos não podem fixar o disco solar por causa da intensidade da sua luz. Logo e com maior razão, não poderá ver a claridade de um corpo glorioso.
3. Demais. ─ Um objeto, visível colocado em frente aos nossos olhos necessariamente o veremos se não tivermos maus olhos. Ora, a claridade do corpo glorioso colocado em face de olhos não gloriosos não é necessariamente vista por eles; assim se deu com os discípulos, que viram o corpo do Senhor depois da ressurreição, sem lhe contemplarem a claridade. Logo, essa claridade não será visível por olhos não-gloriosos.
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo ─ Conforme ao seu corpo glorioso, diz a Glosa: Será comparável à claridade que teve na transfiguração. Ora, essa claridade foi vista pelos olhos não-glorificados dos discípulos. Logo, também a claridade do corpo glorificado não será visível por olhos não-gloriosos.
2. Demais. ─ No dia do juízo os ímpios serão glorificados quando virem a glória dos justos, como o concluímos de um lugar da Escritura. Ora, não lhes veriam plenamente a glória se não lhes vissem também a claridade dos corpos. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ Certos opinaram que a claridade de um corpo glorioso não pode ser vista por olhos não-gloriosos senão por milagre. Mas isto não pode ser senão tomando a claridade em sentido equívoco. Porque a natureza da luz, como tal, é mover-nos a vista; e à vista, como tal, é natural perceber a luz, assim como a verdade tem relação natural com o intelecto e o bem, com o afeto. Por isso, uma vista que de nenhum modo pudesse perceber qualquer luz, seria tomada em sentido equívoco ou aquela ou esta. O que não podemos dizer no caso vertente; porque, do contrário, nada daríamos a conhecer afirmando que os corpos gloriosos hão de ser luminosos, assim como quem diz que lá no céu um cão nada significa a quem como cão só conhece o animal desse nome. Donde devemos concluir que a claridade de um corpo glorioso não poderá vista por olhos não gloriosos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A claridade da glória será de gênero diverso da claridade da natureza, quanto à sua causa, mas não quanto à espécie. Por onde, assim como a claridade, em razão da sua natureza específica é proporcionada à vista, o mesmo se dará com a claridade gloriosa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como a natureza de um corpo glorioso não pode sofrer nenhuma paixão senão mediante a alma, assim, pela sua propriedade gloriosa não age senão mediante a alma. Ora, uma claridade intensa não ofende a vista quando atua por meio da alma, pois, então, cama prazer mais vivo, mas à ofende agindo por ação natural, aquecendo e dilatando o órgão da vista Ou desagregando os espíritos vitais. Por onde, a claridade de um corpo glorioso, embora exceda à do sol, contudo, longe de por sua natureza ofender a vista, causa-lhe prazer. Pois, essa claridade a Escritura a compara à do jaspe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A claridade do corpo glorioso resulta do mérito da vontade. Por isso depende do império da vontade deixar-se ver ou não; e no poder do corpo glorioso esta manifestar ou ocultar a sua claridade. Tal era a opinião de Prepositivo.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a claridade não é propriedade dos corpos gloriosos.
1. ─ Pois, como diz Avicena, todo corpo luminoso é constituído de partes pérvias. Ora, as partes do corpo glorioso não são pérvias, pois, nuns predomina a terra e noutro as carnes e os ossos. Logo, os corpos gloriosos não serão lúcidos.
2. Demais. ─ Todo corpo lúcido oculta o que lhe está por trás; por isso uma luz eclipsa outros; e uma chama impede ver a que lhe está atrás. Ora, os corpos gloriosos não ocultarão o seu interior; pois, como diz Gregório aquilo de Job ─ Não se lhe igualará o ouro nem o cristal ─ lá, na pátria celeste, a corpulência dos membros não ocultará os pensamentos de um aos olhos dos outros; e também a própria harmonia do corpo será patente aos olhos corpóreos. Logo, os corpos gloriosos não serão lúcidos.
3. Demais. ─ A luz e a cor exigem no seu sujeito disposições contrárias; pois, como o ensina Aristóteles, a luz é a superfície visível de um corpo sem contornos determinados, ao passo que a cor supõe um corpo de limites fixos. Ora, os corpos gloriosos terão cor; porque, como diz Agostinho, a beleza de um corpo consiste na proporção das partes acompanhada de uma certa suavidade de colorido. E da beleza não podem ficar privados os corpos gloriosos. Logo, os corpos gloriosos não serão lúcidos.
4. Demais. ─ Se os corpos gloriosos fossem dotados de claridade, desta deveriam participar igualmente todas as suas partes, assim como todas terão a mesma impassibilidade, subtileza e agilidade. Ora, isto não é possível, porque uma parte terá maior disposição à claridade, que outras, como os olhos, que as mãos, o espírito que os ossos, e os humores que as carnes ou os nervos. Logo, parece que esses corpos não hão de ser lúcidos.
Mas, em contrário, o Evangelho: Refulgirão os justos como o sol, no reino de seu Pai. E noutro lugar da Escritura: Refulgirão os justos e como faíscas por um canavial discorrerão.
2. Demais. ─ Diz o Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória. O que se refere à claridade, como o demonstra: o que está dito antes, quando compara a glória dos ressurrectos à claridade das estrelas. Logo, os corpos dos santos ressurgirão luminosos.
SOLUÇÃO. ─ Que os corpos dos santos hão de ser luminosos depois da ressurreição, devemos admiti-lo baseados na autoridade da Escritura, que assim o promete. A causa porém dessa claridade uns a buscam na quinta essência, que então será predominante na constituição do corpo humano. Mas, como isto é absurdo, consoante dissemos muitas vezes, é melhor dizermos que essa claridade será causada pela redundância da glória da alma no corpo. Pois, uma cousa é recebida ao modo de ser do sujeito e não ao do agente. Por isso, a claridade da alma espiritual será recebida corporalmente pelo corpo. Por onde, conforme a maior claridade da alma, por causa do seu maior mérito, assim diferirá essa claridade da do corpo, como diz o Apóstolo. E assim, pelo corpo glorioso se conhecerá a glória da alma, assim como através de um vaso de vidro vemos a cor do corpo nele contido, como diz Gregório, comentando aquilo de Job. ─ Não lhe igualará o ouro nem o cristal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Avicena se refere aqueles corpos cuja claridade resulta da natureza dos seus elementos componentes. Ora, não será essa a do corpo glorioso, luminoso, antes, pelo mérito da virtude.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Gregório compara os corpos luminosos com o ouro por causa da claridade deles; e ao cristal, porque serão translúcidos. Donde devemos concluir que serão ao mesmo tempo translúcidos e luminosos. E o fato de um corpo luminoso não ser translúcido lhe provém de ser a claridade causada por partes lúcidas densas; ora, a densidade repugna à transparência. Mas a claridade dos corpos gloriosos terá outra causa, como se disse; e a sua densidade não lhes impede serem transparentes, como a densidade do vidro também não o priva de ser translúcido. ─ Mas outros dizem que os corpos gloriosos são comparáveis ao vidro, não por serem transparentes, mas por semelhança. Pois,assim como podemos ver através de um vaso de vidro o seu conteúdo, assim a glória da alma poderá ser vista através do corpo glorioso a que estiver unida. Mas a primeira opinião é mais aceitável, porque explica melhor a dignidade do corpo e é mais consoante às palavras de Gregório.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A glória do corpo não destrói, mas aperfeiçoa a natureza. Por isso o corpo conservará a cor que lhe é própria, em virtude da natureza das suas partes. Mas será acrescida pela glória da alma, assim como também vemos os corpos coloridos por natureza rebrilharem ao esplendor do sol ou por outra causa extrínseca ou intrínseca.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como a claridade da glória redunda da alma no corpo ao modo deste, e nele está de modo diferente por que o está na alma, assim redundará ela em cada uma das partes do corpo ao modo destas. Por onde, não há inconveniente em terem essas diversas partes claridades diversas, enquanto as suas naturezas as tornam diversamente dispostas a recebê-la. Nem há semelhança com os outros dotes do corpo, que não encontram nas diversas partes do corpo disposições diversas.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os santos se movem instantaneamente.
1. ─ Pois, diz Agostinho, que o corpo estará onde bem o quiser o espírito. Ora, o movimento da vontade, pelo qual o espírito vai para onde quer, é instantâneo. Logo, também instantâneo será o movimento do corpo.
2. Demais. - Como o prova o Filósofo, nenhum movimento é possível no vácuo, porque nele o móvel se moveria instantaneamente, desde que o vácuo não lhe opõe nenhuma resistência. Mas o espaço cheio opõe resistência. E assim nenhuma proporção haveria entre a velocidade do movimento no vácuo e no espaço cheio, pois a proporção entre as velocidades dos movimentos se funda na proporção da resistência do meio. Ora, dois movimentos, que se desenvolvem no tempo, hão de ter velocidades proporcionais, porque um tempo é proporcional a outro. Semelhantemente, nenhum espaço cheio pode opor resistência a um corpo glorioso, que pode simultaneamente com outro ocupar o mesmo lugar, de qualquer modo que seja; assim como o vácuo não pode opor resistência ao outro corpo. Logo, se um santo se move, há de mover-se instantaneamente.
3. Demais. ─ O poder da alma glorificada excede como que sem proporção o da alma não glorificada. Ora, a alma não glorificada pode mover um corpo no tempo. Logo, a alma glorificada pode movê-lo num instante.
4. Demais. ─ Tudo o que percorre com a mesma velocidade um espaço pequeno ou grande se move instantaneamente. Ora, tal é o movimento do corpo glorioso; pois, percorre num tempo imperceptível um espaço qualquer. Donde o dizer Agostinho, que o corpo glorioso, como o raio do sol, vence espaços desiguais com a mesma celeridade. Logo, o corpo glorioso se move num instante.
5. Demais. ─ Tudo o que se move ou é no tempo ou no instante. Ora, o corpo glorioso, depois da ressurreição, não se moverá no tempo porque então não haverá mais tempo, como diz a Escritura. Logo, há de mover-se no instante.
Mas, em contrário. ─ No movimento local o espaço, o movimento e o tempo se medem pela mesma divisão, como Aristóteles o demonstra. Ora, o espaço atravessado pelo corpo glorioso em movimento é divisível. Logo, tanto o seu movimento como o tempo que emprega são divisíveis. Ora, o instante é indivisível. Portanto, o movimento do corpo glorioso não se dá no instante.
2. Demais. ─ Um corpo não pode estar totalmente num lugar e parcialmente em outro. Porque então, uma das suas partes estaria simultaneamente em dois lugares, o que não pode ser. Ora, todo móvel está parte na origem e parte no termo do movimento, como o demonstra o Filósofo. Ora, tudo o que foi movido está totalmente no termo final do movimento. Logo, não pode simultaneamente estar em movimento e já ter-se movido. Ora, todo ser que se move num instante ao mesmo tempo que se move já se moveu. Logo, o movimento local do corpo glorioso não pode ser instantâneo.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria são muitas as opiniões.
Assim certos pretendem que um corpo glorioso pode passar de um lugar para outro sem passar pelas posições intermediárias, assim como a vontade de um lugar se transfere para outro sem passar por essas posições. Por isso, como o da vontade, pode o movimento de um corpo glorioso ser instantâneo. ─ Mas esta opinião é insustentável. Porque um corpo glorioso não deixa nunca de ser corpo. Além disso, quando dizemos que a vontade se move de um lugar para outro, não significa isso que se transfira essencialmente de um para outro lugar, pois nenhum desses lugares a contém na sua essência. Mas, dirige-se para um lugar depois de se ter em intenção dirigido para outro, sendo nesse sentido que dizemos que se move de um para outro lugar.
Por isso ensinam outros que o corpo glorioso é naturalmente próprio, como corpo, atravessar as posições intermediárias e, assim, de mover-se no tempo. Mas em virtude da glória, cuja virtude é de certo modo infinita em relação à da natureza, tem a faculdade de não precisar atravessar essas posições e de mover-se, assim, num instante. ─ Mas isto é inadmissível, porque implica em si contradição, como a seguir se verá. Seja o móvel Z, que se move de A para B. Quando está todo em A é claro que ainda não se move. Nem quando está todo em B, porque então já se moveu. Logo, se se move, não estará totalmente em A nem em B. Portanto, quando se move: ou não está em nenhum lugar; ou está parte em A e parte em B; ou todo num lugar intermediário; p. ex., C; ou parte em A e C; ou parte em C e B. Mas não é possível que não esteja em nenhum lugar, porque então teríamos o impossível de uma quantidade dimensiva não ocupar nenhum lugar. Nem se pode admitir que esteja parte em A e parte em B, sem ocupar nenhuma posição intermediária. Porque, sendo A um lugar distante de B, resultaria, desde que há um meio interjacente, que a parte de Z que estivesse em B não seria contínua com a que estivesse em A. Logo, só resta, ou que está Z totalmente C; Ou parte em C e parte noutra posição média entre C e A, p. ex., D; e assim por diante. Logo e necessariamente, não pode Z partir de A e chegar a B, sem primeiro ocupar todas as posições intermediárias. Salvo se se disser que parte de A e chega a B sem se ter movido; o que implica contradição, porque a sucessão mesma das posições é movimento local. E o mesmo raciocínio se aplica a qualquer mutação entre dois termos contrários, dos quais cada qual é um termo positivo. Diferentemente se dá, porém, com as mutações que tem só um termo positivo, sendo o outro uma simples privação. Porque entre uma afirmação e uma negação ou privação, não há nenhuma distância determinada. Por onde, o que está no termo negativo pode estar mais próximo ou mais afastado da afirmação, ou inversamente, em razão de uma causa geradora de um desses termos ou que dispõe para eles. E assim, da posição negativa, onde o móvel totalmente esteja, pode passar para a afirmativa, e ao inverso. Por onde, também neste caso o móvel primeiro se move para depois repousar no termo do movimento, como Aristóteles o prova. Nem há aqui nenhuma semelhança com o movimento angélico; porque só equivocam ente podemos dizer, de um corpo e de um anjo, que ocupam um lugar. Por onde, é claro que de nenhum modo pode um corpo passar de um lugar para outro, sem percorrer as posições intermediárias.
Por isso outros, apesar de o concederem, afirmam que o corpo glorioso se move no instante. ─ Mas daí resulta que um corpo glorioso iria ocupar, num mesmo instante, dois ou mais lugares simultaneamente; i. é, no termo último do seu movimento e em todas as posições intermediárias. O que não é possível.
Mas sustentam a sua opinião dizendo que, embora o instante seja realmente um mesmo, não o é contudo no conceito racional, como se dá com o ponto em que terminam linhas diversas. ─ Isto porém não basta. Porque o instante mede o que nele realmente se passa e não o que é objeto de uma consideração racional. Por onde, fazer considerações diversas sobre o instante não tornam possível que ele meça fatos que não se dão simultaneamente no tempo; assim como considerações diversas sobre o ponto não podem fazer com que um mesmo ponto local contenha cousas que ocupam outras posições espaciais.
Por isso outros, e com maior probabilidade, dizem que o corpo glorioso se move no tempo, mas num tempo imperceptível pela sua brevidade. E que contudo um corpo glorioso pode percorrer num tempo mais breve o mesmo espaço que outro; porque o tempo, por menor que seja, é divisível ao infinito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Ao que falta pouco é quase como se nada lhe faltasse, diz Aristóteles. Assim dizemos ─ faço já, o que vamos fazer só depois de algum tempo. E é este o sentido de Agostinho quando escreve: O corpo estará logo onde o quiser a vontade. ─ Ou devemos responder que a vontade dos bem-aventurados nunca será desordenada. Por isso não quererão nunca ter instantaneamente o corpo num lugar em que ele não possa assim estar. E assim, qualquer instante que a vontade determinar, nesse mesmo o corpo estará onde ela o quiser.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ Certos contradisseram à proposição estabelecida pelo Filósofo na obra citada, como diz o Comentador a esse lugar. E afirmavam que não é necessário haver proporção entre dois movimentos completos, fundada na proporção dos meios respectivos que hão de atravessar. Mas é necessário haver proporção entre os meios, que devem atravessar, e o retardamento que lhes resulta da resistência desses meios. Pois, o retardamento e a aceleração de um movimento durante um tempo determinado lhes resulta do impulso eficaz do motor sobre o móvel, mesmo sem nenhuma resistência da parte do meio. E bem o manifestam os corpos celestes a que nenhuma resistência lhes serve de obstáculo ao movimento; e contudo não se movem no instante, mas num tempo determinado, proporcionalmente ao impulso do motor sobre o móvel. Por onde é claro que, mesmo admitindo-se que um móvel se mova no vácuo, não resulta necessariamente que se mova no instante; mas num tempo determinado proporcionalmente ao poder do motor sobre o móvel. Por onde, é claro que, mesmo admitindo um móvel movendo-se no vácuo, isso não implica que se mova instantaneamente. Mas que, nesta hipótese, não devemos nada acrescentar à duração do tempo exigido pelo movimento, em virtude da referida proporção entre o impulso do motor e a resistência do móvel, porque nenhum retardamento sofreu o movimento.
Mas esta resposta, como o mostra o comentador, no mesmo lugar, procede de se imaginar falsamente que o retardamento, causado pela resistência do meio, é um acréscimo feito ao movimento natural, movimento este cuja quantidade é determinada pela proporção entre o motor e o móvel, do mesmo modo por que uma linha se acrescenta a outra, resultando assim, em virtude desse acréscimo, que a linha total não tem mais a mesma proporção das linhas acrescentadas entre si. E assim, também não haverá a mesma proporção entre o movimento totalidade do movimento sensível resultante dos retardamentos causados pela resistência do meio. Ora, como dissemos, essa imaginação é falsa. Porque cada parte do movimento tem a mesma velocidade que o movimento total, mas qualquer parte da linha não tem a mesma quantidade dimensiva que a linha total. Por onde, o retardamento ou a aceleração com que um movimento se realiza, lhe redunda para cada uma das partes, o que não se dá com as linhas. Portanto, o retardamento com que o movimento se efetua nenhum acréscimo lhe constitui, ao contrário do que se dá com o acréscimo feito à linha, que constitui uma parte dela.
Por isso, a fim de entendermos a prova do Filósofo, como expõe o Comentador, no mesmo lugar, devemos saber que, no caso vertente, o todo há de ser tomado na sua unidade, i. é, levando em conta a resistência oposta pelo móvel ao impulso do motor, e a resistência do meio onde se realiza o movimento, além de qualquer outra resistência, De modo que calculemos a intensidade do retardamento do movimento total, causado pela resistência oposta pelo móvel ou por um elemento estranho, proporcionalmente a essa resistência e ao impulso da causa motriz. Pois, há de sempre o móvel resistir de qualquer modo ao motor, porque motor e movido, agente e paciente são entre si contrários. ─ Mas pode também o móvel resistir ao motor por si mesmo. Ou por possuir uma virtude que o inclina para um movimento contrário, como no caso dos movimentos violentos; ou ao menos por ocupar um lugar contrário ao da intenção do motor, resistência essa que também os corpos celestes opõem aos seus motores. ─ Mas outras vezes o móvel resiste ao motor, não por si mesmo, senão por uma causa estranha. Tal o que se dá com o movimento natural dos corpos graves e leves, que em virtude da sua própria forma se inclinam a um determinado movimento; pois, a forma é uma impressão do agente gerador, que é também o princípio do movimento dos corpos graves e leves. A matéria porém não opõe nenhuma resistência, nem a proveniente de uma virtude, que inclinasse a um movimento contrário; nem a procedente da contrariedade de lugar, porque a matéria não ocupa lugar senão enquanto recebe da sua forma natural dimensões determinadas. Portanto, a resistência não pode provir senão do meio; e essa resistência é conatural à natureza mesma do movimento dos corpos de que tratamos. ─ Outras vezes porém a resistência procede tanto do móvel como do meio, como se dá com o movimento dos animais.
Quando, pois, a resistência ao impulso motor vem só do móvel, como se dá com os corpos celestes, então o tempo se mede proporcionalmente ao movimento de um e à resistência do outro. E em tal caso não procede o raciocínio do Filósofo, porque, removido totalmente o meio, ainda resta que esses corpos se movem no tempo. ─ Mas nos movimentos em que a resistência só provém do meio, a medida do tempo se funda só nessa resistência. Portanto, esta desaparece totalmente, desde que totalmente se elimine o meio. E então ou o corpo se moverá no instante, ou no mesmo tempo se moverá no vácuo como num espaço cheio. Pois, dado que se movesse no vácuo, empregando um certo tempo, este tempo seria de certo modo proporcional ao tempo que empregasse em se mover num espaço cheio. Assim, se imaginássemos, como é possível, um corpo mais subtil, na mesma proporção em que o é o corpo que enche o meio, e se com esse corpo mais subtil enchermos um espaço igual, o móvel atravessaria esse meio no mesmo tempo em que atravessasse o vácuo. Porque quanto mais subtil supusermos o meio tanto mais diminuiremos o tempo empregado em percorrê-la; e quanto subtil ele for tanto menos resistirá. ─ Mas em relação aos outros movimentos, onde a resistência nasce tanto do móvel como do meio, o tempo se calcula na proporção entre o agente motor, e à resistência móvel e do meio simultaneamente. E assim, nem por supor-se de todo removido o meio ou a sua resistência resulta que o movimento seja instantâneo, mas que o tempo do movimento se mede só pela resistência do móvel. Nem há inconveniente em mover-se o móvel empregando o mesmo tempo, tanto no vácuo como num espaço cheio de um corpo que imaginemos subtilissimo. Porque quanto maior for uma determinada subtileza do meio, tanto mais será de natureza a retardar o movimento. E assim podemos supor uma tal subtileza do meio de natureza a causar um retardamento menor que o causado pela resistência do móvel; e então a resistência do meio não tornará de nenhum modo o movimento retardado.
Por onde, é claro que embora o meio não resista aos corpos gloriosos, por poderem ocupar simultaneamente com outro o mesmo lugar, contudo o movimento deles não será instantâneo. Porque o móvel resiste ao impulso do motor só pelo fato de ocupar um lugar, como o dissemos a respeito dos corpos celestes.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a virtude da alma glorificada exceda inestimavelmente a da alma não glorificada, não a excede contudo infinitamente, porque ambas as virtudes são finitas. Donde não se segue que mova no instante. ─ Mas se, absolutamente falando, fosse de infinita virtude, daí não se seguiria que movesse num instante, senão superando de todo a resistência do móvel. E embora a resistência oposta pelo móvel ao motor ─ por causa da contrariedade que lhe opõe ao movimento do motor, em razão da sua inclinação para um movimento contrário ─ possa ser completamente superado por um motor de virtude infinita, contudo, a resistência que opõe, pela contrariedade que manifesta a ocupar o lugar a que o impele o movimento do motor, não pode ser totalmente superada, senão tirando-se ao móvel a possibilidade de ocupar um determinado lugar ou uma determinada posição. Pois, assim como o branco opõe resistência ao negro,em razão da sua brancura, e tanto mais quanto mais oposta For a brancura à negrura, assim um corpo resiste à ação de outro por ocupar um lugar oposto a este último, e tanto maior será a resistência quanto maior a distância entre eles. E não pode um corpo ser privado de ocupar um lugar ou posição, sem ser privado da sua corporeidade que o põe num lugar ou numa posição. Portanto, enquanto conservar a sua natureza corpórea, de nenhum modo poderá mover-se num instante, seja qual for a virtude do motor. Ora, os corpos gloriosos não perderão nunca a sua corporeidade. Logo, não poderão nunca mover-se instantaneamente.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A palavra celebridade, no texto citado de Agostinho, significa o excesso imperceptível de um movimento sobre outro; assim como imperceptível é o tempo do movimento total.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora depois da ressurreição não haja mais tempo, que é o número do movimento do céu, contudo haverá o tempo resultante das relações numéricas de anterioridade e posterioridade, que todo movimento supõe.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os santos não empregarão nunca a sua agilidade para moverem-se.
1. ─ Pois, segundo o Filósofo, o movimento é o ato de um ser imperfeito. Ora, nos corpos gloriosos não haverá nenhuma imperfeição. Logo, nem movimento nenhum.
2. Demais. ─ Todo movimento supõe uma indigência porque todo o ser que se move é em busca de algum fim. Ora, os corpos gloriosos não sofrerão nenhuma indigência; pois, como diz Agostinho, no céu terás tudo quanto quiseres e nada do que não quiseres. Logo, não se moverão.
3. Demais. ─ Segundo o Filósofo, o ser participante da divina bondade sem mover-se, dela participa mais nobremente do que outro que dela participa movendo-se. Ora, um corpo glorioso participa mais nobremente da divindade que qualquer outro corpo, Logo, como certos outros corpos permanecerão sem nenhum movimento, tais os corpos celestes, parece que com maior razão os corpos humanos.
4. Demais. ─ Agostinho diz, que a alma fundada em Deus nele fundará também o corpo, por consequência. Ora, a alma estará de tal modo fundada em Deus, que de maneira nenhuma dele será movida. Logo, também não causará nenhum movimento no corpo.
5. Demais. ─ Quanto mais nobre for o corpo, tanto mais nobre será o lugar que merece. Por onde, o corpo de Cristo, que é nobilíssimo, terá o lugar mais eminente de todos, segundo aquilo do Apóstolo: Foi feito mais elevado que os céus ─ em lugar e dignidade, diz a Glosa. E semelhantemente, cada corpo glorioso terá, pela mesma razão, um lugar conveniente à medida da sua dignidade. Ora, o lugar conveniente é dos que pertencem à glória. Logo, como depois da ressurreição a glória dos santos não variará para mais nem para menos, por estarem no fim absolutamente último, parece que os corpos deles nunca se arredarão do seu lugar determinado. E portanto não se moverão.
Mas, em contrário, a Escritura: Correrão e não se fatigarão, voarão e não desfalecerão. E noutro lugar: Como faíscas por um canavial discorrerão. Logo, de certo modo se moverão os corpos gloriosos.
SOLUÇÃO. ─ Devemos admitir que os corpos gloriosos podem mover-se; pois, o próprio corpo de Cristo moveu-se na ascenção e também os corpos dos santos, que hão de ressurgir da terra, subirão ao céu empíreo. Mas mesmo depois de subidos ao céu, é verossímil que poderão mover-se quando quiserem, para, exercendo um poder que tem, proclamarem a sabedoria divina. E também para repastar a vista na beleza das várias criaturas em que eminentemente resplandece a sapiência de Deus. Porque os sentidos não podem exercer-se senão na presença de um sensível, embora os corpos gloriosos possam ver de mais longe que os não gloriosos. Nem por se moverem perderão nada da sua felicidade, consistente na visão de Deus, que terão presente em toda parte; assim, dos anjos diz Gregório, que sejam enviados para onde for não perdem nunca a presença de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O movimento local não altera em nada o que é intrínseco à natureza intrínseca do móvel, mas só a sua posição, que lhe é extrínseca. Por onde, o ser movido pelo movimento local fica perfeito na sua constituição intrínseca, como diz Aristóteles. E o movimento local revela a sua imperfeição pelo lugar que ocupa, pois, enquanto está num é potencial em relação a outro, porque não pode, como só é possível a Deus, estar em vários lugares ao mesmo tempo. Mas essa imperfeição não repugna à perfeição da glória, como não lhe repugna a imperfeição da criatura, saída do nada. Por onde, tais imperfeições existirão nos corpos gloriosos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ De dois modos podemos dizer que um ser precisa de outro: absoluta e relativamente falando. Absolutamente falando um ser precisa daquilo sem o que não pode conservar a sua existência ou a sua perfeição. E assim não é por nenhuma indigência que os corpos gloriosos se moverão, pois plenamente lhes satisfaz a sua felicidade. Mas relativamente um ser precisa daquilo sem o que não pode alcançar completamente ou de tal modo o fim visado. E então será por indigência que se moverão os corpos gloriosos; pois, não poderão de fato manifestar a sua virtude motiva, senão movendo-se. Mas nenhum inconveniente há em os corpos gloriosos terem essa indigência.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção colheria se o corpo glorioso não pudesse, mesmo sem mover-se, participar da bondade divina muito mais perfeitamente que os corpos celestes ─ o que é falso. Por onde, os corpos gloriosos não se movem para poderem participar perfeitamente da bondade divina, da qual participam pela glória, mas para manifestarem uma virtude da alma. Pelo movimento dos corpos celestes porém não poderia manifestar-se senão a virtude que tem de mover os corpos inferiores para a geração ou para a corrupção; o que não cabe ao corpo no estado da glória. Logo, a objeção não procede.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O movimento local nenhum detrimento causa à imobilidade da alma unida com Deus, pois não atinge a constituição intrínseca do móvel, como dissemos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ É por um prêmio acidental que a cada corpo glorioso é atribuído um lugar segundo o grau da sua dignidade. Mas o estar ele fora desse lugar não lhe diminui em nada o prêmio pois, esse lugar não constitui prêmio, por envolver atualmente o corpo que o ocupa, porque em nada influi no corpo glorioso, mas ao contrário, participa-lhe do esplendor; mas enquanto, lhe é devido pelo seu mérito. Por isso, o gáudio resultante do lugar subsiste mesmo ao corpo glorioso que esteja fora dele.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os corpos gloriosos não serão ágeis.
1. ─ Pois, o que pode mover-se por si mesmo não precisa de ser movido por outro. Ora, os corpos glorificados serão arrebatados, pelos anjos, depois da ressurreição, nas nuvens a receber a Cristo nos ares, como diz uma glosa. Logo, os corpos gloriosos não serão ágeis.
2. Demais. ─ Não se pode chamar ágil um corpo que se mova trabalhosa e penosamente. Ora, assim se moverão os corpos gloriosos, pois, a alma, motor deles, os move contrariamente à natureza deles; do contrário seriam movidos sempre na mesma direção. Logo, não serão ágeis.
3. Demais. ─ Dentre todas as operações animais, a sensibilidade é mais nobre e mais própria que o movimento. Ora, não se atribui aos corpos gloriosos nenhuma propriedade que lhes de a perfeição de sentir. Logo, também não lhes deve ser atribuída a agilidade que lhes dá a perfeição de por si mesmos se moverem.
4. Demais. ─ A natureza dá aos diversos animais disposições orgânicas diferentes conforme às diversas virtudes deles; assim, não dá as mesmas disposições orgânicas ao animal tardo e ao veloz. Ora, Deus age muito mais ordenadamente que a natureza. Logo, como os corpos gloriosos tem os membros dispostos com a mesma figura e as mesmas dimensões que tinham nesta vida, parece que não serão de outro modo ágeis que agora o são.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória; i. é, móvel e vivo, diz a Glosa. Ora, a mobilidade outra cousa não é senão a agilidade no movimento. Logo, os corpos gloriosos serão ágeis.
2. Demais. ─ Nada repugna mais a um ente espiritual que o ser tardo. Ora, os corpos gloriosos serão espirituais por excelência, como diz o Apóstolo. Logo, serão ágeis.
SOLUÇÃO. ─ O corpo glorioso estará perfeitamente sujeito à alma glorificada. Não só por não resistir em nada à vontade do espírito, porque assim já era o corpo de Adão, mas também porque lhe deflui da alma glorificada uma perfeição, que o torna hábil para essa sujeição, perfeição chamada dote do corpo glorificado. Ora, alma está unida ao corpo, não só como forma, mas também como o seu princípio motor. E de ambos os modos o corpo glorioso há de ser sumamente sujeito à alma glorificada. Por onde, assim como pelo dote da subtileza lhe está totalmente sujeito, enquanto lhe dá ela o ser específico como sua forma que é, assim pelo dote da agilidade lhe está sujeito como ao principio motor. De modo que estará pronto e hábil a obedecer a todos os movimentos e ações da alma. ─ Certos porém dão como causa dessa agilidade a quinta essência, predominante depois da ressurreição nos corpos gloriosos. Mas já dissemos mais de uma vez que isto não é admissível. É preferível atribuir a causa da agilidade à alma, donde emana a glória do corpo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O dizer o Apóstolo que os corpos gloriosos serão levados pelos anjos e também nas nuvens, não significam que lhes seja isso necessário. Mas é apenas para designar a reverência com que os anjos e todas as criaturas tratarão os corpos gloriosos.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ Quanto mais a virtude motriz da alma domina sobre o corpo, tanto menos laborioso é o movimento, mesmo contrário à natureza do corpo. Por onde, aqueles corpos cujo princípio motor é mais forte e que, pelo exercício, são mais aptos a obedecer ao movimento do espírito, esses se movem menos laboriosamente. E como depois da ressurreição alma será perfeitamente governada pelo corpo, quer pela perfeição da sua virtude própria, quer pela aptidão do corpo glorioso a obedecer, em virtude da redundância nele da glória da alma, de nenhum modo será laborioso o movimento dos santos. E assim, podemos dizer que os seus corpos são ágeis.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pelo dote da agilidade o corpo glorioso torna-se capaz, não só do movimento local, mas também de sentir e de exercer todas as demais atividades da alma.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como a natureza da aos animais velozes disposições orgânicas diversas da dos outros animais, quanto à forma e o número dos membros, assim Deus dará aos corpos dos santos disposição diferente da que neste mundo tiveram, não quanto à forma e ao número dos membros, mas pela propriedade da glória chamada agilidade.
O sexto procede-se assim. ─ Parece que o corpo glorioso é impalpável em razão da sua subtileza.
1. ─ Pois, Gregório diz: O palpável é necessariamente corruptível. Ora, o corpo glorioso é incorruptível. Logo, será impalpável.
2. Demais. ─ Tudo o que é palpável opõe resistência a quem o apalpa. Ora, um corpo, que pode ocupar simultaneamente com outro um mesmo lugar, não lhe opõe nenhuma resistência. Logo, como um corpo glorioso pode ocupar simultaneamente com outro o mesmo lugar, não será palpável.
3. Demais. ─ Todo corpo palpável é tangível. Ora, todo corpo tangível tem qualidades tangíveis excedentes ao poder do agente que o toca. Logo, como as qualidades tangíveis dos corpos gloriosos nada tem de excessivo, mas são dotadas de um equilíbrio máximo, resulta que não são esses corpos tangíveis.
Mas, em contrário, o Senhor ressurgiu com um corpo glorioso; e contudo teve um corpo palpável, conforme aquilo do Evangelho: Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos. Logo, também os corpos gloriosos serão palpáveis.
2. Demais. ─ É a heresia de Eutíquio Constantinopolitano bispo, como refere Gregório, afirmar que o nosso corpo ressurrecto será impalpável.
SOLUÇÃO. ─ Todo corpo palpável é tangível, mas não ao inverso. Pois, tangível é todo corpo que tem qualidades naturais capazes de afetar o sentido do tato; assim, o ar, o fogo e corpos semelhantes são corpos tangíveis. Mas a idéia de palpável acrescenta o poder de resistir ao corpo tangente; por isso, o ar, que nunca opõe resistência a quem o atravessa, mas é de uma divisão facílima, é tangível, mas não palpável. Por onde é claro que por duas razões dizemos que um corpo é palpável: pelas suas qualidades tangíveis e pela resistência que opõe a ser atravessado pelo agente que o toca. Ora, as qualidades tangíveis são o calor, o frio e outras semelhantes, que só existem nos corpos graves e nos leves, que tem contrariedade entre si e por isso são corruptíveis. Por isso os corpos celestes, por natureza incorruptíveis, podem ser atingidos pela vista, mas não tangíveis e, portanto, nem palpáveis. Daí o dizer Gregório, que necessariamente é corruptível tudo o que é palpável.
Logo, o corpo glorioso tem por natureza qualidades capazes de atingir o tato. Contudo, como esse corpo está completamente sujeito ao espírito, do seu poder depende que essas qualidades atinjam ou não o tato. Semelhantemente, por natureza pode opor resistência à penetração de qualquer outro corpo, de modo que não pode ocupar simultaneamente com este o mesmo lugar. Mas isto pode dar-se milagrosamente por obra do poder divino, de modo que, conforme à sua vontade, possa ocupar simultaneamente com outro o mesmo lugar sem opor resistência à penetração deste. Por onde, um corpo glorioso é por natureza palpável; mas, por virtude sobrenatural, pode, quando quiser, não se deixar tocar por um corpo não-glorioso. Por isso Gregório acrescenta: O Senhor consentiu que o seu corpo fosse tocado, esse mesmo corpo que atravessou portas fechadas, para mostrar que, depois da ressurreição, o seu corpo tinha a mesma natureza, mas uma glória diferente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A incorruptibilidade do corpo glorioso não vem da natureza de nenhuns elementos componentes, que torna corruptível todo corpo susceptível de ser tocado, como do sobredito resulta. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora de algum modo seja possível um corpo glorioso ocupar um lugar ocupado ao mesmo tempo por outro, contudo tal corpo tem o poder de resistir a qualquer tangente quando quiser. E portanto pode ser tocado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As qualidades tangíveis dos corpos gloriosos não reduzem à mediania real pela equidistância dos extremos; mas a uma mediania proporcional, a mais conveniente a cada uma das partes na compleição do corpo humano. Por isso o contato com tais corpos será deleitabilissimo; porque uma potência se compraz sempre com o objeto que lhe convém, e sorri com o que lhe é desproporcionado.