Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os bem-aventurados na pátria não verão as penas dos condenados.
1. ─ Pois, maior distância há entre os condenados e os bem-aventurados que entre eles e os que vivemos neste mundo. Ora, os bem-aventurados não sabem o que se passa conosco nesta vida; donde o dizer a Escritura ─ Abraão não nos conheceu, o que a Glosa assim comenta: Não sabem os mortos, mesmo santos, o que fazem os vivos, mesmo sendo filhos. Logo, muito menos verão as penas dos condenados.
2. Demais. ─ A perfeição da visão depende da perfeição do visível. Por isso diz o Filósofo: A operação mais perfeita da vista se realiza quando esse sentido está na sua melhor disposição para perceber os objetos mais belos que estiverem ao seu alcance. Logo e ao contrário, um objeto visível mas vil redunda em imperfeição da visão. Ora, nenhuma imperfeição existirá nos bem-aventurados. Logo, não verão as misérias dos condenados, de suma vileza.
Mas, em contrário, a Escritura: Eles sairão e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim. Ao que diz a Glosa: Os eleitos sairão, pelo pensamento ou por uma visão manifesta, a fim de mais ardentes se tornarem em dar louvor a Deus.
SOLUÇÃO. - Os bem-aventurados não devem ficar privados de nada que lhes contribua para a perfeição da felicidade. Ora, conhecemos melhor uma cousa quando a comparamos com a sua contrária; porque os contrários postos em presença uns dos outros mais sobressaem. Por onde, para a beatitude dos santos lhes causar maior alegria e darem por ela maiores graças a Deus, é-lhes concedido conhecerem perfeitamente a pena dos ímpios.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Glosa citada se refere aos santos mortos, no que lhes é possível à natureza; pois, não hão mister de conhecer, por um conhecimento natural, tudo o que se passa com os vivos. Mas os santos que estão na pátria conhecem claramente tudo o que se passa conosco neste mundo e com os condenados. Por isso diz Gregório: Não devemos aplicar às almas santas aquele lugar de Job ─ Ou os seus filhos estejam exaltados ou abatidos, ele os não conhecerá, etc.; pois, os que no céu gozam da claridade de Deus de nenhum modo devemos crer que haja fora da mansão celeste algo que ignorem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a beleza do objeto visível contribua para a perfeição da visão, a vileza porém desse objeto pode não contribuir em nada para a imperfeição dela. Pois, na alma, as espécies das cousas, pelas quais conhece os contrários, não são contrárias. Por isso também Deus, que tem o perfeitíssimo dos conhecimentos, vê tudo ─ tanto as cousas belas como as vis.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as diversas moradas não se distinguem pelos diversos graus de caridade.
1. ─ Pois, diz o Evangelho: Deu a cada um segundo a sua capacidade. Ora, a capacidade de um ser se mede pela sua virtude natural. Logo, também os dons da graça e da glória se distribuem conforme os diversos graus de virtude natural.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Tu retribuirás a cada um segundo as suas obras. Ora, o que é distribuído é a medida da felicidade. Logo, os graus de beatitude se distinguem pela diversidade das obras e não pela da caridade.
3. Demais. - O prêmio é devido ao ato e não ao hábito; por isso não são os mais fortes os coroados, mas os que melhor lutaram, diz Aristóteles; e o Apóstolo diz, que não será coroado senão quem combateu conforme à lei. Ora, a beatitude é um prêmio. Logo, os diversos graus de beatitude se distinguirão pelos diversos graus das obras e não da caridade.
Mas, em contrário, quanto mais unido estiver um a Deus tanto mais feliz será. Ora, tal o modo da caridade, tal o da união com Deus. Logo, conforme as diferenças da caridade assim as da beatitude.
2. Demais. ─ Como o simples resulta do simples, assim o mais, do mais. Ora, terá a beatitude quem praticou a caridade. Logo, fruir de uma beatitude maior depende de se ter tido maior caridade.
SOLUÇÃO. ─ O princípio distintivo das moradas ou dos graus de beatitude é duplo: um próximo e outro remoto. O princípio próximo é as disposições diversas que terão os bem-aventurados, donde lhes resultará a diversidade da perfeição do ato no qual consiste a felicidade. O princípio remoto é o mérito, pelo qual alcançaram a beatitude. Ora, de acordo com o primeiro princípio as moradas se distinguem pela caridade da pátria, que quanto mais um santo a tiver perfeita tanto mais capaz será da claridade divina, conforme cujo aumento também aumentará a perfeição da visão divina. De acordo com o segundo princípio, distinguem-se as moradas segundo a caridade desta vida. Ora, os nossos atos não são meritórios pela substância mesma deles, mas só pelo hábito virtuosa que os informa. Ora, o princípio do mérito em todas as virtudes é a caridade, que tem como objeto o próprio fim último. Por onde, todas as diversidades de mérito vêm a fundar-se nas de caridade. E assim pela caridade desta vida se distinguem as moradas, quanto ao mérito delas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A palavra virtude no lugar aduzido não significa só a capacidade natural, mas pela capacidade natural acompanhada do esforço para ter a graça. E então, assim concebida, a virtude será a como disposição material que medirá a graça e a glória que devem ser recebidas. Ora, a caridade é o complemento termal do mérito para a glória. Por onde, a distinção dos graus de glória se funda antes nos graus da caridade que nos da referida virtude.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As nossas obras em nada merecem a retribuição da glória senão quando informadas pela caridade. E assim, conforme os diversos graus de caridade serão os diversos graus de glória.
RESPOSTA À TERCEIRA. - Embora o hábito da caridade ou de qualquer virtude não seja um mérito merecedor de prêmio, é contudo o princípio e a razão total de um ato ser meritório. Por isso conforme as diversidades deles assim lhes serão atribuídos os prêmios. ─ Embora também no gênero mesmo de um ato possamos fundar de certo modo o grau do mérito, isso será não em relação ao prêmio essencial, que é a felicidade consistente na posse de Deus; mas só em relação a algum prêmio acidental, que é a felicidade pela posse de algum bem criado.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os graus de beatitude não devem chamar-se moradas.
1. - Pois, beatitude implica idéia de prêmio. Ora, a idéia de mansão em nada se relaciona com a de prêmio. Logo, os diversos graus de beatitude não devem chamar-se moradas.
2. Demais. ─ Morada designa um lugar. Ora, o lugar onde os santos serão beatificados não é um lugar corporal, mas espiritual; pois, é Deus, que é único. Logo, não há mais que uma só morada. Logo, os diversos graus de beatitude não devem chamar-se moradas.
3. Demais. ─ Assim como na pátria haverá homens de méritos diversos, assim também atualmente os há no purgatório, e os houve no limbo dos Patriarcas. Ora, no purgatório e no limbo não se distinguem moradas diversas. Logo, também não devem distinguir-se na pátria.
Mas, em contrário, a Escritura: Na casa de meu Pai há muitas moradas, o que Agostinho expõe como sendo os vários graus de prêmios.
2. Demais. ─ Em toda cidade há uma ordenada distinção de moradas. Ora, a pátria celeste é comparável a uma cidade, como diz o Apocalipse. Logo, devemos distinguir nela diversas moradas segundo os diversos graus de felicidade.
SOLUÇÃO. ─ O movimento local tem prioridade sobre todos os outros movimentos. Por isso, segundo o Filósofo, as denominações de movimento, de distância e todas as mais a essas semelhantes, derivaram do movimento local para todos os outros movimentos. Ora, o termo do movimento local é o lugar onde, tendo-o atingido o móvel fica em repouso e nele se conserva. Por isso, ao descanso, no seu termo, de qualquer movimento, dizemos que é a colocação ou a morada do móvel. Donde, quando o nome de movimento derivou para os atos do apetite e da vontade, à consecução mesma do fim do movimento apetitivo se chama a sua morada a sua colocação no termo final. Daí o se chamarem moradas diversas os diversos modos de se conseguir o fim último. E assim a unidade da casa responde à da beatitude, fundada na unidade do objeto; e a pluralidade das moradas responde às diferenças de felicidade de que gozam os bem-aventurados. Assim como também vemos, na ordem natural, que é um só o lugar superior para onde tendem todos os corpos leves, mas cada um deles tanto mais se aproxima desse lugar quanto mais leve é; e assim ocupam moradas diversas, conforme as diferenças de leveza.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Morada implica idéia de fim; e assim, por consequência, a de prêmio, que é o fim do mérito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora seja um só o lugar espiritual, diversos porém são os graus de aproximação desse lugar. Donde a constituição de moradas diversas.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os que estarão no limbo ou os que atualmente estão no purgatório, ainda não alcançaram o seu fim. Por isso, no purgatório nem no limbo se distinguem moradas, mas só no paraíso e no inferno, fins dos bons e dos maus.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a beatitude dos santos não será maior depois do juízo que antes.
1. ─ Pois, quanto mais um ser é semelhante a Deus tanto mais perfeitamente participará da felicidade. Ora, a alma separada do corpo, é mais semelhante a Deus que quando unida com o corpo. Logo, maior será a sua beatitude antes de reassumir o corpo, que depois.
2. Demais. ─ A virtude unificada é mais potente que uma multiplicada. Ora, a alma separada do corpo tem maior unidade que quando unida a ele. Logo, a sua virtude é capaz de uma operação mais intensa. E portanto, participa mais perfeitamente da beatitude, que consiste numa atividade.
3. Demais. ─ A beatitude consiste num ato do intelecto especulativo. Ora, o intelecto não necessita, para exercer o seu ato, da cooperação de nenhum órgão corpóreo; e assim, o corpo reassumido em nada contribuirá para a alma conhecer mais perfeitamente. Logo, a beatitude da alma não será perfeitamente. Logo, a beatitude da alma não será maior depois da ressurreição que antes.
4. Demais. ─ Nada pode ser maior que o infinito; e assim o infinito acrescentado de uma quantidade finita nem por isso se torna mais infinito. Ora, a alma bem- aventurada, antes de reassumir o corpo, a beatitude lhe consiste no gozo de Deus, bem infinito; mas depois da ressurreição do corpo não terá outra felicidade senão talvez a proveniente da glória do corpo, que é um bem finito. Logo, a felicidade dos ressuscitados, depois de terem reassumido o corpo, não será maior que antes.
Mas, em contrário, aquilo da Escritura ─ Vi debaixo do olhar as almas dos que tinham sido mortos, etc., diz a Glosa: Atualmente as almas dos santos desfrutam uma dignidade inferior, i. é, menor, que a que hão de alcançar. Logo, também a felicidade dos santos será maior depois da ressurreição dos corpos, que antes.
2. Demais. ─ Assim como para os bons a felicidade lhe é a paga de um prêmio, assim para os maus a sua miséria. Ora, depois da ressurreição dos corpos, a miséria dos maus será maior que antes, pois hão de ser punidos, não só na alma, mas também no corpo. Logo, também a felicidade dos santos será maior depois, que antes da ressurreição dos corpos.
SOLUÇÃO. ─ Que a beatitude dos santos há de aumentar extensivamente, depois da ressurreição, é manifesto, porque a gozarão eles então não só no corpo mas também na alma. E mesmo a felicidade da alma será extensivamente maior, porque há de comprazer-se não só com o bem próprio, mas também com o do corpo. E podemos ainda dizer que a felicidade da alma crescerá também intensivamente. Pois, o nosso corpo pode ser considerado a dupla luz: enquanto perfectível pela alma, e enquanto contrário, de certo modo a ela, nas suas operações, quando ainda não de todo por ela aperfeiçoado. Ora, à primeira luz, a união da alma com o corpo acrescenta-lhe a ela uma perfeição, porque toda parte é imperfeita e se completa pelo seu todo, por isso o todo está para a parte como a forma para a matéria. Portanto, também a alma será mais perfeita no seu ser natural, quando integrada no todo, i. é, no homem composto de alma e de corpo, do que quando existe separada. Mas, à segunda luz, a união do corpo com a alma é um obstáculo à perfeição desta; por isso diz a Escritura - o corpo que se corrompe faz pesada a alma. Por onde, removido do corpo tudo quanto nele resiste à ação da alma, será esta, absolutamente falando, mais perfeita unida a um tal corpo, que dele separada. Pois, quanto mais perfeito um ser tanto mais perfeita a sua operação; por isso, a operação da alma unida a esse corpo será mais perfeita que separada dele. Ora, corpo dessa natureza será o glorioso, completamente submisso ao espírito. Portanto, como a beatitude consiste numa operação, mais perfeita será a felicidade da alma depois de reassumido o corpo, que antes. Pois, assim como a alma separada do corpo corruptível pode obrar mais perfeitamente que unida a ele, assim, depois de unida ao corpo glorioso, mais perfeita será a sua operação que quando dele separada. Pois, todo ser imperfeito busca a sua perfeição. Por isso a alma separada naturalmente deseja unir-se ao corpo. E por causa dessa tendência, derivada de uma imperfeição, menos intenso é o ato que a leva para Deus. E tal é o que diz Agostinho: O seu desejo de unir-se ao corpo impede a alma de tender para o sumo bem, com todas as suas forças.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A alma unida ao corpo glorioso é mais semelhante a Deus, que dela separada, porque, unida, tem o ser mais perfeito; e quanto mais perfeito é um ser tanto mais é semelhante a Deus. Assim o coração, cuja vida perfeita consiste no movimento, é mais semelhante a Deus quando se move que quando em repouso, embora Deus nunca se mova.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A potência que por natureza deve estar unida à matéria, melhor exerce a sua atividade unida à matéria, que dela separada; embora, absolutamente falando, separada da matéria, tenha maior poder de ação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora para o ato de inteligir a alma não precise da cooperação do corpo, contudo a perfeição do corpo de certo modo cooperará para a perfeição da operação intelectual, porque pela sua união com o corpo glorioso a alma será mais perfeita na sua natureza e por consequência de atividade mais eficaz. E a esta luz, o próprio bem do corpo cooperará, quase instrumentalmente, para a atividade na qual consiste a beatitude; e assim o Filósofo também diz, que os bens externos cooperam como instrumentos para a felicidade da vida.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora o finito acrescentado ao infinito não no torne maior, contudo faz algo de mais; porque finito e infinito são dois, ao passo que o infinito, em si mesmo considerado, é uma só realidade. Ora, a extensão da felicidade não se refere ao que nela fosse maior, senão só ao que é mais. Por onde, aumenta extensivamente a felicidade que a alma goza com a visão de Deus e com a glória do corpo, relativamente a que antes da ressurreição lhe advinha de Deus. Quanto à glória do corpo, ela cooperará para a intensidade da beatitude derivada, para a alma, de Deus, cooperando para maior perfeição do ato que transporta a alma para Deus. Pois, quanto mais perfeita for a operação própria a um ser, tanto maior será o prazer, como se concluí de um lugar do Filósofo.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os santos, vendo a Deus, vêem tudo o que Deus em si mesmo vê.
1. ─ Pois, como diz Isidoro, os anjos conhecem no Verbo de Deus todas as causas, antes de serem feitas. Ora, os santos serão iguais aos anjos, diz o Evangelho. Logo, vendo a Deus, vêem tudo.
2. Demais. ─ Gregório diz: No céu todos contemplarão a Deus no seio da mesma claridade; que há, pois, que aí não conhecerão ao que tudo sabe? Ora, refere-se aos santos, que vêem a Deus em essência. Logo, os que vêem a Deus em essência tudo conhecerão.
3. Demais. ─ Como diz Aristóteles, o intelecto, conhecendo o máximo, pode, com maior razão, conhecer o mínimo. Ora, Deus é o máximo inteligível. Logo, a visão de Deus aumentará ao máximo a potência do intelecto. Logo, o intelecto, vendo-o, inteligirá tudo.
4. Demais. ─ O intelecto só não pode entender o que o supera. Ora, nenhuma criatura supera o intelecto que vê a Deus; pois, como diz Gregório, toda criatura é mesquinha para a alma que vê o Criador. Logo, os que vêem a Deus por essência tudo conhecem.
5. Demais. ─ Toda potência passiva que não chega a atualizar-se é imperfeita. Ora, o intelecto possível da alma humana é uma potência passiva em relação a qualquer conhecimento; pois, o intelecto possível é o que se pode tornar em todas as cousas, como o define Aristéles. ─ Se, portanto, na beatitude celeste não inteligisse todas as cousas, ficaria imperfeito. O que é absurdo.
6. Demais. ─ Quem vê um espelho vê tudo o que ele reflete. Ora, no Verbo de Deus, como em um espelho, tudo se reflete, pois é ele a razão e a semelhança de todas as cousas. Logo; os santos, vendo a Deus em essência, verão todas as cousas criadas.
7. Demais. ─ Diz a Escritura: Aos justos se lhes concederá o seu desejo. Ora, os santos, desejam saber tudo, porque todos os homens naturalmente desejam saber; e a glória não aniquila a natureza. Logo, lhes concederá Deus, que tudo conheçam.
8. Demais. ─ A ignorância é uma penalidade em a vida presente. Ora, de toda penalidade os santos serão livres pela glória. Logo, também de toda ignorância. Logo, conhecerão tudo.
9. Demais. ─ A beatitude dos santos, antes de estar na alma está no corpo. Ora, os corpos dos santos serão reconstituídos na glória à semelhança do corpo de Cristo, como o diz o Apóstolo. Logo, também as almas serão aperfeiçoadas à semelhança da alma de Cristo. Ora, a alma de Cristo verá a tudo no Verbo. Portanto, todas as almas dos santos verão todas as cousas no Verbo.
10. Demais. ─ Como o sentido, também o intelecto conhece tudo o por cuja semelhança é informado. Ora, a divina essência mais expressivamente contém a imagem de qualquer ser que qualquer outra semelhança dele. Logo, como na visão da beatitude a essência divina será como a forma do nosso intelecto, parece que os santos, vendo a Deus, tudo verão.
11. Demais. ─ O Comentador diz, que se o intelecto agente fosse a forma do intelecto possível nós compreenderíamos todas as cousas. Ora, a essência divina representa mais claramente todas as cousas que o intelecto agente. Logo, o intelecto que vir a Deus em essência tudo conhecerá.
12. Demais. ─ É porque os anjos inferiores, na sua condição atual, não conhecem tudo, que são iluminados, para conhecerem o que ignorem, pelos anjos superiores. Ora, depois do dia de juízo, um anjo não mais iluminará a outro; pois, então, cessará toda superioridade, diz a Glosa a um lugar do Apóstolo. Logo, os anjos inferiores então conhecerão todas as cousas. E pela mesma razão todos os outros santos, que vêem a Deus em essência.
Mas, em contrário. ─ Como diz Dionísio, os anjos superiores purificam os inferiores da sua ignorância. Ora, os anjos inferiores vêem a essência divina. Logo, o anjo que vê a essência divina pode ignorar certas cousas. Ora, nenhuma alma verá a Deus mais perfeitamente que os anjos. Logo, as almas que vêem a Deus não conhecerão necessariamente todas as cousas.
2. Demais. ─ Só Cristo não tem o espírito por medida, como diz o Evangelho. Ora, só a Cristo, por não ter o espírito por medida, cabe ver todas as cousas no Verbo; por isso, o Evangelho diz no mesmo lugar: O Pai todas as cousas pôs na sua mão. Logo, a ninguém mais senão a Cristo cabe conhecer todas as cousas no Verbo.
3. Demais. ─ Quanto mais perfeitamente é conhecido um princípio, tanto mais lhe conhecemos os efeitos, por meio dele. Ora, aos que vêem a Deus por essência uns o conhecem mais perfeitamente que outros, a êle o princípio de todas as cousas. Logo, uns conhecem mais cousas que outros. E portanto, nem todos sabem tudo.
SOLUÇÃO. ─ Deus, vendo a sua essência, conhece todas as cousas que existem, existirão e existiram. E esse se chama o conhecimento de visão, porque, à semelhança da visão corporal, conhece todas as cousas como presentes, Além disso, conhece, na visão da sua essência, tudo o que pode fazer, embora nunca o tenha feito nem haja de fazer. Do contrário, não conheceria perfeitamente o seu poder. Pois, uma potência não pode ser conhecida sem se lhe conhecerem os objetos. E a isso se chama conhecer por conhecimento de simples inteligência.
Ora, é impossível a um intelecto criado conhecer, pela visão da essência divina, tudo o que Deus pode fazer. Porque, quanto mais perfeitamente é conhecido um princípio, tanto mais cousas nele conhecemos. Assim, num princípio de demonstração, quem tiver engenho mais perspicaz verá maior número de conclusões que outro, de inteligência mais tardonha. Ora, a extensão do poder divino se funda no que pode fazer. O intelecto, portanto, que visse na essência divina todas as cousas que Deus pode fazer, esse ato de intelecção seria tão perfeito na sua extensão, como a extensão do poder divino na produção dos seus efeitos. E portanto, uma tal inteligência compreenderia o poder divino. O que é impossível a toda inteligência criada. Mas todas aquelas cousas que Deus conhece pelo conhecimento de visão, há um intelecto criado ─ a alma de Cristo, que as conhece no Verbo. Quanto porém aos mais, que vêem a essência divina, há duas opiniões a respeito.
Assim, uns dizem que todos os que vêem a Deus em essência, vêem tudo o que Deus vê por ciência de visão. ─ Mas isto repugna ao ensinamento dos Santos Padres, que afirmam haver certas cousas que os anjos ignoram; e contudo sabemos, pela fé, que todos vêem a essência de Deus. Por isso outros dizem que todos os que vêem a Deus por essência não vêem por isso tudo o que Deus vê, por não compreenderem a divina essência. Pois, do fato de conhecermos uma causa não decorre necessariamente que lhe conheçamos todos os efeitos, salvo se compreendermos perfeitamente a causa; e isso, no caso de Deus, não é possível a nenhum intelecto criado. Por onde, cada um dos que vêem a Deus em essência tanto mais cousas nela verá, quanto mais clara a visão que dela tiver. Razão pela qual pode, sobre elas, um instruir a outro. E assim a ciência dos anjos e das almas dos santos pode crescer até o dia do juízo; como tudo o concernente ao prêmio acidental. Mas não mais progredirá depois desse dia, porque então tudo entrará no seu estado definitivo. E nesse estado é possível que todos conheçam tudo o que Deus conheça por ciência de visão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O dito de Isidoro ─ os anjos conhecem no Verbo todas as causas, antes de serem feitas ─ não pode referir-se ao que Deus conhece por ciência de simples inteligência, porque são cousas que nunca virão à existência; mas é referente só ao que Deus conhece por ciência de visão. E mesmo dessas não diz ele que todos os anjos as conheçam, senão só alguns. E ainda esses, que as conhecem, não as conhecem todas perfeitamente. Pois, numa mesma cousa podemos distinguir muitas razões de inteligibilidade, como as suas diversas propriedades e relações com outras cousas. E é possível que, de uma mesma cousa conhecida por dois em comum, um perceba mais razões de inteligibilidade que outro; que essas razões um a receba de outro. Por isso diz Dionísio que os anjos inferiores são instruídos pelos superiores, nas razões cognoscíveis das cousas. Por isso também os anjos, que conhecem todas as criaturas, nem por isso perceberão necessariamente tudo o que nelas pode ser inteligido.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As palavras, citadas de Gregório mostram que na visão dos bem-aventurados nada faltará, para o conhecimento de todas as cousas, a parte da divina essência, meio pelo qual a visão se exerce, e mediante a qual Deus vê todas as cousas. E se todas não são conhecidas será por defeito do intelecto criado, que não compreende a essência divina.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O intelecto criado não vê a essência divina ao modo pelo qual ela existe, mas ao modo próprio de ele conhecer, que é finito. Donde, da sua eficácia cognoscitiva, proveniente da referida visão, não resulta necessariamente que seja ampliado ao infinito, a ponto de conhecer todas as cousas.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A deficiência do conhecimento resulta não só do excesso e do defeito do cognoscível em relação ao intelecto, mas também da falta de união entre o intelecto e aquilo que é a razão da cognoscibilidade. Assim, a vista não verá uma pedra por não estar unida à espécie da pedra. Embora, pois, ao intelecto que vê a Deus esteja unida a própria essência divina, razão de ser de todas as cousas, não é enquanto razão de todas elas que lhe está o intelecto unido, mas enquanto razão só de certas cousas, e de tantas mais quanto a maior plenitude com que um intelecto vir a divina essência.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Quando uma potência passiva for perfectível por várias perfeições coordenadas entre si, desde que recebeu a sua última perfeição, não é mais considerada imperfeita, mesmo se lhe faltarem algumas disposições prévias. Ora, todo conhecimento, que aperfeiçoe o intelecto criado, ordena-se como ao fim, ao conhecimento de Deus. Por onde, quem vise a Deus por essência, mesmo que nada mais conhecesse, teria um intelecto perfeito. Nem é mais perfeito pelo fato de ter outro conhecimento concomitante com o da essência divina, salvo se, assim, conhecer também a Deus mais perfeitamente. Por isso, diz Agostinho: Infeliz do homem que, conhecendo tudo a mais, i. é, as criaturas, te ignora contudo a ti. Feliz porém da que te conhece a ti ainda que ignore tudo mais. Mas aquele que te conhecer a ti e às criaturas, não será par isso mais feliz, porque só par ti o é.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O Verbo de Deus é um espelho, mas dotado de vontade; e por isso, assim como se manifesta a quem quiser, assim manifestará em si o que quiser. Nem há símil com um espelho material, que não tem o poder de deixar-se ver Ou não. ─ Ou podemos responder, que num espelho material, tanto as cousas como o espelho são vistos na sua forma própria; embora o espelho seja visto mediante a forma refletida do objeto, p. ex., uma pedra, a qual a qual porém seria vista na sua forma própria refletida pelo espelho, cousa distinta dela. E assim, a mesma razão de conhecermos um é a de conhecermos outro. Mas no espelho incriado veremos as cousas pela forma mesma dele assim como conhecemos os efeitos pela semelhança com a causa, e não ao contrário. Mas daí não resulta necessariamente que, quem contemple o espelho eterno, veja tudo o que nele se reflete. Do mesmo modo que quem conhece uma causa não lhe conhece necessariamente todos os efeitos, salvo se tiver plena compreensão dela.
RESPOSTA A SÉTIMA. ─ O desejo dos santos de conhecerem todas as cousas será realizado pelo só fato de virem a Deus; assim como o desejo deles de terem todos os bens será satisfeito pela posse que terão de Deus. Pois, assim como Deus, pela sua bondade perfeita, satisfaz plenamente ao nosso desejo; e com a posse de Deus de certo modo possuímos tudo, assim a visão divina satisfaz plenamente ao intelecto, conforme aquilo do Evangelho: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta.
RESPOSTA A OITAVA. ─ A ignorância, no seu sentido próprio implica uma privação e, como tal uma pena, e consiste em não sabermos o que deveríamos ou teríamos a obrigação de saber. Ora, de nenhum destes modos os santos na pátria sofrerão detrimento na sua ciência. Mas a ignorância pode também ser tomada, num sentido geral, por qualquer espécie de nesciência. E então os anjos e os santos na pátria ignorarão certas cousas. Por isso Dionísio diz que serão purificados da nesciência, que, neste sentido, não é uma penalidade, mas apenas uma deficiência. Nem há de a glória necessariamente eliminar toda deficiência como essa; pois, a essa luz, poderíamos também considerar uma deficiência de Lino, para, de não ser alçado à mesma glória de Pedro.
RESPOSTA A NONA. ─ O nosso corpo se conformará com o de Cristo, na glória, por semelhança e não por igualdade; pois, será resplendente como o corpo de Cristo, mas não igualmente. Da mesma maneira, a nossa alma terá uma glória semelhante à da alma de Cristo, mas não em grau igual. Assim também terá a ciência, como a alma de Cristo, mas não na mesma extensão, a ponto de saber tudo, como o sabe a alma de Cristo.
RESPOSTA A DÉCIMA. ─ Embora a essência divina seja a razão da cognoscibilidade de todas as cousas, nem por isso, em quanto razão dessa cognoscibilidade universal está unida a qualquer intelecto criado. A objeção, pois, não colhe.
RESPOSTA À UNDÉCIMA. ─ O intelecto agente é uma forma proporcionada ao intelecto possível, assim como a potência da matéria é proporcionada à potência do agente natural. De modo que tudo o existente na potência passiva da matéria ou do intelecto possível também exista na potência ativa do intelecto agente ou do agente natural. Por onde, se o intelecto agente se tornar a forma do intelecto possível, necessariamente este último conhecerá todas as cousas que a virtude do intelecto agente puder atingir. Ora, a essência divina não é uma forma proporcionada desse modo, ao nosso intelecto. Logo, não há símil.
RESPOSTA À DUODÉCIMA. ─ Nada impede admitir-se que depois do dia de juízo, uma vez plenamente consumada a glória dos homens e a dos anjos, que todos os bem-aventurados conhecerão tudo o que Deus conhece pela ciência de visão. Mas de modo que nem todos verão tudo na essência divina. A alma de Cristo porém, como vê agora, verá nela então todas as cousas; ao passo que os outros santos nela verão mais ou menos cousas, conforme o grau de claridade com que conhecerem a Deus. E assim a alma de Cristo, do que, mais que os outros, vir no Verbo, iluminá-los-á a todos; donde o dizer a Escritura: A claridade de Deus iluminou a cidade de Jerusalém e a lâmpada dela é o Cordeiro. E semelhantemente, os superiores iluminarão os inferiores, não por uma nova iluminação, de modo que aumentasse a ciência dos inferiores; mas por uma iluminação continuada, como se supusesse o sol, em repouso, a iluminar o ar. Por isso diz a Escritura: Os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça, esses luzirão com as estréias por toda a eternidade. Quanto à superioridade de uma ordem sobre outra, o Apóstolo diz que cessará quanto à ação de Deus, nesta vida, sobre nós, mediante os ministérios das diversas ordens de anjos, como claramente o diz uma Glosa a esse lugar do Apóstolo.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os santos, depois da ressurreição, verão a Deus com os olhos do corpo.
1. ─ Pois, os olhos glorificados tem maior acuidade que os olhos não-glorificados. Ora, o santo homem Job viu a Deus com seus olhos, conforme ele próprio o diz: Eu te ouvi por ouvido de orelha, mas agora te vê o meu olho. Logo e com muito maior razão, os olhos glorificados poderão ver a Deus por essência.
2. Demais. ─ Diz ainda Job: Na minha própria carne verei o meu Salvador. Logo, na pátria veremos a Deus com os olhos do corpo.
3. Demais. ─ Agostinho, tratando da visão dos olhos glorificados, assim se exprime: Os olhos dos glorificados terão uma virtude mais excelente, não por serem dotados de vista mais aguda que a atribuída às serpentes ou à águia; pois, por máxima que seja a penetração do olhar desses animais não podem ver senão corpos. Ao passo que os olhos glorificados poderão também ver seres incorpóreos. Ora, toda potência cognoscitiva capaz de conhecer o incorpóreo, pode elevar-se até a visão de Deus. Logo, os olhos glorificados poderão ver a Deus.
4. Demais. ─ A mesma diferença existe entre um ser corpóreo e um incorpóreo e inversamente. Ora, olhos incorpóreos podem ver cousas corpóreas. Logo, os olhos do corpo podem ver o incorpóreo. Donde a mesma conclusão que antes.
5. Demais. ─ Aquilo de Job ─ Parou diante de mim um cujo rosto eu não conhecia, etc., diz Gregório: O homem que, se quisesse observar o preceito, havia de tornar-se espiritual na sua carne, pelo pecado tornou-se carnal até na alma. Ora, por ter-se tornado de espiritual a carnal, como diz no mesmo lugar, não tem outros pensamentos que os hauridos nessas imagens corpóreas. Logo, mesmo quando a sua carne for espiritualizada, como está prometido aos santos, depois da ressurreição, poderá ver as cousas espirituais mesmo com os olhos da carne. Donde a mesma conclusão de antes.
6. Demais. ─ Só Deus pode beatificar o homem. Ora, será o homem beatificado não só na alma senão também no corpo. Logo, poderá ver a Deus não só com os olhos do intelecto, mas também com os do corpo.
7. Demais. ─ Assim como Deus nos está presente no intelecto pela sua essência, assim também nos estará presente aos sentidos, pois, será, tudo em todos, na frase do Apóstolo. Ora, será contemplado pelo nosso intelecto pela união da sua essência com ele. Logo, poderá ser visto também pelos sentidos.
Mas, em contrário. ─ Diz Ambrósio: Deus não pode ser percebido pelos olhos do corpo, nem circunscrito pela vista, nem apalpado pelo tato. Logo, nenhum sentido corpóreo verá a Deus.
2. Jerônimo diz: Os olhos do corpo não poderão ver, não somente a divindade do Pai, mas nem a do Filho nem a do Espírito Santo; vê-lo-ão porém os olhos da alma, sendo por isso dito ─ Bem-aventurados os limpos de coração.
3. Demais. ─ Diz ainda Jerônimo: Os seres incorpóreos não podem ser vistos pelos olhos da carne. Ora, Deus é o ser incorpóreo por excelência. Logo, etc.
4. Demais. ─ Agostinho diz: A Deus nunca ninguém o viu tal como é, nem nesta vida, nem na vida dos anjos, assim como agora vemos as causas visíveis a este mundo, com os olhos do corpo. Ora, chama-se vida dos anjos a vida bem-aventurada, que viverão os ressuscitados. Logo, etc.
5. Demais. ─ A Escritura diz que o homem foi feito à imagem de Deus por ser destinado a contemplá-lo, como ensina Agostinho. Ora, é pela alma e não pela carne que o homem é a imagem de Deus. Logo, pelo intelecto e não pela carne que verá a Deus.
SOLUÇÃO. ─ Uma causa pode ser percebida pelos sentidos do nosso corpo de dois modos: em si mesmo e por acidente. Em si mesmo percebem o que, por si mesmo é capaz de lhes causar uma paixão. Ora, em si mesmo considerado pode um objeto causar uma paixão ou ao sentido como tal, ou a um determinado sentido como tal. Ora, o que, deste segundo modo, por si mesmo pode causar uma paixão no sentido, chama-se sensível próprio; assim a cor em relação à vista e o som, em relação ao ouvido. Mas como o sentido como tal tem que se servir de um órgão corpóreo, nada pode receber senão corporalmente, pois tudo o que um ser recebe ao seu modo o recebe. Por onde, todos os sensíveis causam paixão ao sentido como tal, na medida em que tem uma certa extensão. Por isso, a extensão e todos os seus consectários, como o movimento, o repouso, o número e atribuições semelhantes chamam-se sensíveis comuns, em si mesmos considerados. Por acidente porém sentimos o que não nos causa paixão ao sentido, nem como sentido, nem como um determinado sentido, senão enquanto em união com um sensível, capaz de por si mesmo influenciar o sentido. Assim Sócrates, filho de Diaris, amigos e idéias semelhantes, conhecidos em si mesmos e na sua universalidade pelo intelecto, e particularizadas pela potência imaginativa, no homem, e pela estimativa nos animais irracionais. Esses sensíveis dizemos que os sentidos externos percebem, por acidente embora, quando, a potência apreensiva, à que é próprio conhecer esses cognoscíveis, imediatamente e sem vacilar e sem nenhum discurso, os apreende mediante um sensível que é apreendido diretamente pelo sentido; do mesmo modo que concluímos ser uma pessoa viva o só fato de a vermos falar. Mas quando o conhecimento sensível se processa diversamente, não dizemos que o sentido percebe, mesmo acidentalmente.
Ora, digo que Deus de nenhum modo pode ser visto pelos olhos do corpo, nem percebido por nenhum sentido, como se fosse em si mesmo visível, nem nesta vida nem na pátria. Pois, se privarmos um sentido como tal, dos seus elementos constitutivos, já não será sentido; e se privarmos a vista do que como tal a constitui, deixará de ser vista. Ora, o sentido, como tal, percebe a extensão; e a vista, como um sentido determinado, percebe a cor. É, portanto, impossível à vista perceber o que não tem cor nem extensão, salvo se se tomasse a palavra sentido em acepção equívoca. Ora, como a vista e os outros sentidos hão de existir no corpo glorioso especificamente os mesmos que existiam no corpo não glorioso, não poderá a vista contemplar a essência divina como se lhe fosse um ser em si mesmo visível. Mas a verá como um visível por acidente. De tal modo que, de um lado, os olhos do corpo glorificado verão a imensidade da glória de Deus manifestando-se nos corpos, sobretudo nos gloriosos e, por excelência, no corpo de Cristo; e, de outro lado, o intelecto verá a Deus tão claramente, de maneira que, mediante a visão das causas materiais, perceberá a Deus, como pelo falar, de uma pessoa lhe percebemos a vida. Embora, pois, na pátria, o nosso intelecto não tenha a visão de Deus mediante as criaturas, contudo o verá manifesto nas criaturas vistas com os olhos do corpo. E esse modo de ser Deus visto com os olhos do corpo, Agostinho o admite, como facilmente se convencerá quem lhe atender as palavras seguintes. Podemos crer, diz, com grande verossimilhança, que, depois da ressurreição, veremos os corpos componentes do céu novo e da terra nova, de modo a percebermos a onipresença de Deus e o seu governo universal, com uma visão claríssima. Não como agora compreendemos as cousas invisíveis de Deus por aquelas que foram feitas, mas do modo pelo qual, quando vemos um homem, não o cremos vivo, mas o vemos imediatamente como tal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras citadas de Job entendem-se da visão espiritual, da qual diz o Apóstolo: Para que ele esclareça os olhos do nosso coração.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A autoridade aduzida não se entende como significando que havemos de ver a Deus com os olhos do corpo, mas que o veremos depois de ressuscitado o nosso corpo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Agostinho, nas palavras citadas, se exprime duvidosa e condicionalmente. Como é claro pelo que diz antes: Os olhos lhes terão um poder de visão muito diverso se puderem com eles ver essa natureza incorpórea. Depois acrescenta: Uma força portanto, etc.; para em seguida resolver a dúvida, como se disse.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Todo conhecimento supõe uma abstração da matéria. Por onde, quanto mais abstrata da matéria fora forma corpórea, tanto mais será um princípio de conhecimento. Por isso a forma unida à matéria de nenhum modo é princípio de conhecimento; a forma sensível já o é de certo modo, na medida em que está separada da matéria; e muito mais a existente em o nosso intelecto. Por onde, os olhos do espírito, isentos de tudo o que possa impedir o conhecimento, podem perceber um ser material. Mas daí não resulta que os olhos do corpo, de capacidade cognitiva limitada, por estarem ligados à matéria, possa ter conhecimento perfeito dos cognoscíveis incorpóreos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora o intelecto feito carnal não possa conhecer senão mediante os sentidos, contudo conhece de maneira imaterial. Semelhantemente, os olhos do corpo tudo o que apreendem hão de apreender de modo material. Portanto, não podem ver o que não pode ser materialmente percebido.
RESPOSTA À SEXTA. ─ A beatitude é a perfeição do homem enquanto homem. Ora, o homem não o é pelo seu corpo, mas sobretudo pela alma; o corpo lhe pertence à essência senão enquanto aperfeiçoado pela alma. Por onde, a beatitude do homem não consiste principalmente senão no ato da alma, donde deriva para o corpo por uma certa redundância, como do sobredito se colige. Portanto, uma certa beatitude do nosso corpo consistirá em ver a Deus manifesto nas criaturas sensíveis e sobretudo no corpo de Cristo.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ O intelecto pode perceber o espiritual, mas não os olhos do corpo. Por onde, o intelecto poderá conhecer a essência divina a que está unida, mas não o podem os olhos da carne.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o intelecto humano não pode chegar a ver a essência de Deus.
1. ─ Pois, diz o Evangelho: Ninguém jamais viu a Deus. E, segundo a exposição de Crisóstomo, nem as próprias essências celestes, i. é, os Querubins e os Serafins, não puderam nunca ver a Deus tal como é. Ora, aos homens não foi prometida senão a igualdade com os anjos: Serão como os anjos de Deus no céu, diz o Evangelho. Logo, nem os santos na pátria verão a essência de Deus.
2. Demais. ─ Dionísio assim argumenta: Não podemos ter conhecimento senão do que existe. Ora, tudo o que existe é finito, por pertencer a um gênero determinado. E assim, Deus. Sendo infinito, é superior a tudo quanto existe. Ora, não podemos conhecê-lo por estar acima do nosso conhecimento.
3. Demais. ─ Dionísio mostra que o modo perfeitissimo pelo qual o nosso intelecto pode unir-se com Deus é quando se lhe une como ao desconhecido. Ora, o que vemos em essência não nos é desconhecido. Logo, é impossível o nosso intelecto ver a Deus em essência.
4. Demais. ─ Dionísio diz: As trevas de que Deus se rodeia, a que chama luz superabundante, estão encobertas a qualquer luz e escondidas a todo conhecimento; e quem, vendo a Deus, compreendeu o que viu, não o viu a ele, propriamente, mas somente alguma cousa de Deus. Logo, nenhum intelecto criado poderá ver a essência de Deus.
5. Demais. ─ Como diz Dionísio, Deus é certamente invisível na sua existência por causa da superabundância da sua claridade. Ora, a sua claridade, assim como sobreexcede o intelecto do homem nesta vida, também o sobreexcederá na pátria. Logo, sendo invisível ao homem neste mundo, sê-lo-á também na pátria.
6. Demais. ─ Sendo o inteligível a perfeição do intelecto, há de haver uma proporção entre o inteligível e o intelecto, o visível e o visto. Ora, não é possível nenhuma proporção entre o nosso intelecto e a essência divina, distantes uma do outro ao infinito. Logo, o nosso intelecto não poderá atingir a essência divina.
7. Demais. ─ Mais dista Deus, do nosso intelecto que o inteligível criado, do sentido. Ora, os sentidos de nenhum modo podem chegar a ver uma criatura espiritual. Logo, nem o nosso intelecto pode chegar a ver a divina essência.
8. Demais. ─ Todo intelecto que em ato intelige um objeto há de necessariamente ser informado pela semelhança do objeto inteligido, princípio da operação intelectual nesse determinado caso, como o calor é o princípio da calefação. Se, portanto, o nosso intelecto inteligir a Deus, há de ser necessariamente por uma semelhança informadora do intelecto. Ora, tal não pode ser a essência divina em si mesma, porque a forma e o informado devem constituir um só ser; mas a essência difere do nosso intelecto, por si mesma e pela sua existência. Logo, a forma informadora do nosso intelecto, quando intelige a Deus, há de por força ser uma semelhança impressa por Deus em o nosso intelecto. Ora, essa semelhança, sendo algo de criado, não pode levar ao conhecimento de Deus senão como o efeito leva ao conhecimento da causa. Logo, é impossível ao nosso intelecto ver a Deus, senão apoiando-se num efeito dele. Ora, ver a Deus mediante os seus efeitos não é vê-lo por essência. Logo, o nosso intelecto não poderá ver a Deus em essência.
9. Demais. ─ A essência divina dista mais do nosso intelecto, que qualquer anjo ou inteligência separada. Ora, como diz Avicena, o ser que uma inteligência tem em nosso intelecto não é a essência mesma dessa inteligência, nele existente, porque então a ciência, que dessa inteligência tivéssemos, seria substancial e não acidental. Mas esse conhecimento consiste na impressão do ser dessa inteligência em nosso intelecto. Logo, Deus não está em nosso intelecto, para poder ser por este inteligido, senão enquanto uma impressão produzida no intelecto. Ora, essa impressão não no pode conduzir ao conhecimento da divina essência, porque distando desta ao infinito, degeneraria noutra espécie muito mais que se a espécie do branco degenerasse na do preto. Logo, como não dizemos que vê o branco aquele em cuja vista a espécie do branco degenerasse na do preto, por má disposição do órgão, assim também o nosso intelecto, que pela referida impressão é que inteligiria a Deus, não pode ver a essência divina.
10. Demais. ─ Nos seres separados da matéria o intelecto e o inteligido se identificam, diz Aristóteles. Ora, Deus é por excelência o ser separado da matéria. Logo, como um intelecto criado não pode chegar a se identificar com a essência incriada, não é possível o nosso intelecto ver a Deus em essência.
11. Demais. ─ Tudo o que vemos em essência nós o conhecemos na sua quididade. Ora, o nosso intelecto não pode saber o que é Deus, mas somente o que não é, como dizem Dionísio e Damasceno. Logo, o nosso intelecto não poderá ver a Deus em essência.
12. Demais. ─ Todo infinito, como tal, nos é desconhecido. Ora, Deus é omnimodamente infinito. Logo, é de nós absolutamente desconhecido. Portanto, não pode ser visto na sua essência por nenhum intelecto criado.
13. Demais. ─ Agostinho diz, que Deus é por natureza invisível. Ora, o que em Deus existe pela sua natureza mesma não é susceptível de mudança nenhuma. Logo, não pode Deus ser visto na sua essência.
14. Demais. ─ O que tem um modo de existir mas é visto de outro modo, não é visto tal como é. Ora, Deus existe de um modo e é visto pelos santos na pátria de outro. Pois, tem o seu modo próprio de existir, mas os santos na pátria o vêem ao modo deles. Logo, não será visto pelos santos tal como é. Portanto, não será visto em essência.
15. Demais. ─ O que é mediatamente visto não é em essência. Ora, Deus na pátria será visto mediante o lume da glória, conforme aquilo da Escritura: No teu lume veremos o lume. Logo, não será visto em essência.
16. Demais. ─ Deus na pátria será visto face a face, como diz o Apóstolo. Ora, um homem a quem vemos face a face por semelhança o vemos. Logo, Deus na pátria será visto por uma semelhança. Portanto, não por essência.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Nós agora vemos a Deus como por um espelho, em enigmas; mas então face a face. Ora, o que vemos face a face por essência o vemos. Logo, Deus será visto em essência pelos santos, na pátria.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele, porquanto nós outros o veremos bem como ele é. Logo, em essência o veremos.
3. Demais. ─ Aquilo do Apóstolo ─ Quando tiver entregado o reino a Deus e ao Padre, diz a Glosa: Onde, i. é, na pátria, a essência do Padre, do Filho e do Espírito Santo será vista; é a suma beatitude, só concedida aos puros de coração. Logo, os bem-aventurados verão a Deus por essência.
4. Demais. ─ O Evangelho diz: Aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei também e me manifestarei a ele. Ora, o que se manifesta é visto em essência. Logo, Deus será visto em essência na pátria, pelos bem-aventurados.
5. Demais. ─ Aquilo da Escritura ─ Nenhum homem me verá e depois viverá, Gregório refuta a opinião dos que diziam, que nesse país da felicidade Deus poderá ser visto no seu resplendor, mas não poderá ser contemplado na sua natureza mesma; pois, não difere o seu resplendor, da sua natureza. Ora, a sua natureza é a sua essência. Logo, Deus será em visto em essência.
6. Demais. ─ O desejo dos santos de nenhum modo pode ser frustrado. Ora, o desejo comum dos santos é ver a Deus em essência, conforme o diz a Escritura: Mostra-me a tua glória. E noutro lugar: Mostra-nos o teu rosto e seremos salvos. E o Evangelho: Mostra-nos o Pai e isso nos basta. Logo, os santos verão a Deus em essência.
SOLUÇÃO. ─ Assim como, de acordo com a fé, pomos como o fim último da vida humana a visão de Deus, assim os filósofos consideravam como a felicidade última do homem inteligir no seu ser mesmo as substâncias separadas da matéria. Por onde, nesta questão, a mesma dificuldade e a mesma diversidade se encontram entre os filósofos e entre os teólogos.
Assim, certos filósofos eram de opinião que o nosso intelecto possível nunca pode chegar à intelecção das substâncias separadas. Tal Alfarabío, no fim da sua Ética; embora tivesse ensinado o contrário no livro do intelecto, como o refere o Comentador. Semelhantemente, alguns teólogos ensinaram que o intelecto humano não pode chegar nunca a ver a essência de Deus. E tanto esses filósofos como esses teólogos os levou a pensarem assim a distância entre o nosso intelecto e a essência divina Ou as outras substâncias separadas. Pois, como o intelecto em ato de certo modo se identifica com o inteligível em ato, parece difícil, que de algum modo o intelecto criado venha a ser a essência incriada. Donde o dizer Crisóstomo: Como poderá uma criatura ver o incriado? E maior dificuldade encontram, nesta matéria, os que ensinam ser o intelecto possível sujeito à geração e à corrupção, como uma faculdade dependente do corpo, não só no exercício da visão divina, mas também no da visão de quaisquer substâncias separadas.
Mas esta doutrina é absolutamente insustentável. ─ Primeiro, porque repugna à autoridade da Escritura canônica, como diz Agostinho. ─ Segundo, porque, sendo inteligir a operação por excelência própria ao homem, há de ser ela o fundamento de se atribuir a cada um a sua beatitude; a qual se realizará quando essa operação se lhe exercer em toda sua plenitude. Ora, sendo a perfeição do ser que intelige em ato o objeto mesmo inteligido, se pela operação perfeitíssima do nosso intelecto não chegássemos a ver a essência divina, mas um outro ser, deveríamos necessariamente de concluir que esse outro, e não Deus, seria a causa da nossa beatitude. E, como a perfeição última de qualquer ser consiste na união com o seu princípio, resulta que outro ser, e não Deus, é o princípio criador do homem. O que, segundo pensamos, é absurdo. Como também caem no mesmo absurdo os filósofos que ensinam emanarem as nossas almas das substâncias separadas, de modo que finalmente possamos um dia inteligi-las. Por isso, devemos admitir, segundo pensamos, que o nosso intelecto chegará um dia a ver a essência divina; e, segundo os filósofos, que chegará a ver a essência das substâncias separadas.
Mas como será isso possível, é o que resta indagar.
Assim, certos, como Alfarábio e Avempace, afirmaram que pelo fato mesmo de o nosso intelecto inteligir quaisquer inteligíveis, chega a ver a essência das substâncias separadas. E para o demonstrarem recorrem a uma dupla demonstração. ─ A primeira é a seguinte. Assim como a natureza específica não se diversifica nos diversos indivíduos senão enquanto unida aos princípios individuantes, assim uma forma inteligida não se diversifica entre um sujeito e outro, senão enquanto unida a diversas formas imaginárias. Portanto,quando o intelecto separa a forma inteligida, das formas imaginárias, resta a quididade inteligida, que é uma mesma nos diversos sujeitos que inteligem. E tal é a quídidade da substância separada. Por onde, quando o nosso intelecto chega à abstração suma de uma quididade inteligível qualquer, intelige então a quidídade da substância separada que lhe é semelhante. ─ A segunda é a seguinte. Ao nosso intelecto é natural abstrair a quidídade de todos os inteligíveis, que a têem. Se, portanto, a quidídade abstraída, de um determinado ser que tem quididade, for uma quidídade, mas sem quidídade, inteligindo o intelecto intelige a quidídade da substância separada, disposta de tal maneira. Porque as substâncias separadas são quididades subsistentes, sem quididade; pois, como diz Avicena, a quididade de um ser simples é esse ser simples mesmo. Se, portanto, a quididade abstraída de um objeto particular sensível fôr uma quidídade com quidídade, o intelecto poderá então abstrair essa quídídade. Por onde, como não é possível proceder ao infinito, teremos que chegar a uma quididade sem quididade, pela qual o intelecto intelige a quidídade separada.
Mas estes argumentos não colhem. ─ Primeiro, porque a quididade da substância material, que o nosso intelecto abstrai, não é da mesma natureza que a quididade das substâncias separadas. Portanto, do fato de o nosso intelecto abstrair as quididades das cousas materiais e as conhecer, não se conclui que conheça a quididade das substâncias separadas; e muito menos a essência divina, de natureza absolutamente diversa de toda quidídade criada. ─ Segundo, porque, dado que fosse da mesma natureza, contudo, conhecida a quidídade de um ser composto, nem por isso se conheceria a da substância separada, senão mediante o gênero remotíssimo da substância. Ora, este conhecimento, sem se chegar às propriedades do ser, é imperfeito. Assim, quem só conhece o homem como animal, não o conhece senão enquanto existente em potência; e muito menos o conhecerá, se não lhe conhecer senão a natureza da substância.
Por onde, conhecer assim a Deus ou as outras substâncias separadas não é ver a essência divina nem a quididade das substâncias separadas; mas é conhecer mediante o efeito e quase num espelho.
Por isso, Avicena introduz um outro modo de conhecer as substâncias separadas e é o seguinte. As substâncias separadas são por nós conhecidas mediante as imagens (intentiones) das suas quididades, que são umas semelhanças destas, não delas abstraídas, pois são imateriais, mas por elas impressas nas nossas almas.
Mas esta explicação também não da suficientemente conta da visão divina, de que ora tratamos. Pois, como sabemos, tudo o recebido por um recipiente o é ao modo deste. Por onde, a semelhança da essência divina impressa em o nosso intelecto o será ao modo deste. Ora, o modo de receber, do nosso intelecto, não tem capacidade para receber plenamente a semelhança divina. Ora, a falta de perfeita semelhança pode se dar de tantos modos quantos os de dissemelhança. Assim, primeiro, a semelhança é falha, quando a forma é participada na mesma essência específica que tem, mas não no seu mesmo modo de perfeição; assim, um objeto pouco branco se assemelha defeituosamente a outro, muito branco. Outro modo, ainda mais defeituoso, é quando a semelhança não reproduz a mesma essência genérica. Tal a semelhança entre dois objetos ─ um de cor cítrica ou amarelada, e outro de cor branca. Enfim, outro modo ainda mais deficiente é quando a semelhança não reproduz a mesma essência genérica, senão só analógica ou proporcionalmente; tal a semelhança entre a brancura e um homem fundada apenas no fato de ambos constituírem seres. Pois, para a nossa vista conhecer a brancura é preciso que os nossos olhos recebam a semelhança dela na sua natureza específica, embora não no seu mesmo modo de ser, pois, tem modos diferentes de existir a forma no sentido e no objeto exterior à alma; assim, se os olhos recebessem a forma de um limão não diríamos que viam a brancura. Assim também para o nosso intelecto inteligir uma quididade, é necessário que receba a semelhança dela na sua essência específica, embora talvez não sejam os mesmos o modo de existir da semelhança e o da quididade. Pois, a forma existente no intelecto ou no sentido não é princípio de conhecimento ao modo de existir que essa forma tem em nós e fora de nós, mas pela razão que lhe dá uma comunidade com o objeto externo. Por onde é claro que por nenhuma semelhança em si recebida pode um intelecto criado inteligir a Deus a ponto de lhe ver imediatamente a essência. Por isso também certos, apesar de afirmarem que a essência divina só pode ser vista desse modo referido, disseram contudo que não é a essência em si mesma que é vista, mas um quase fulgor ou raio dela. Portanto, esse modo de explicar a visão de Deus não satisfaz ao que, no caso vertente, entendemos por tal visão.
Devemos, pois, recorrer a outra explicação, também dada por outros filósofos, como Alexandre de Afrodísias e Averroes, e é a seguinte. Todo conhecimento supõe necessariamente uma forma pela qual conhecemos ou vemos o objeto. Ora, a forma pela qual o intelecto recebe a perfeição de ver as substâncias separadas, não é a quididade que o nosso intelecto abstrai dos seres compostos, como ensina a, primeira opinião; nem nenhuma impressão recebida da substância separada pelo nosso intelecto, como pretende a segunda; mas é a própria substância separada, que se une ao intelecto como forma, de modo que essa substância separada é a um tempo o que inteligimos e o meio por que inteligimos. E seja o que for das outras substâncias separadas, contudo é este modo referido de conhecer o que devemos admitir para explicar a visão da essência divina; do contrário, qualquer outra forma que nos informasse o intelecto, não no poderia levar à visão da essência divina.
O que não se deve entender como se a essência divina fosse a verdadeira forma do nosso intelecto; ou que a essência divina e o nosso intelecto se identificassem, absolutamente falando, como, na ordem da natureza, à forma e a matéria se unem. Mas que a essência divina é proporcionada ao nosso intelecto como a forma o é à matéria. Pois, sempre que dois, seres, dos quais um é mais perfeito que outro, são recebidos por um terceiro, a proporção desses dois seres entre si, do mais perfeito para o menos perfeito, é como a proporção entre a forma e a matéria. Assim, a luz e a cor recebidas por um corpo diáfano, a luz está para a cor, como a forma para a matéria. Do mesmo modo, quando a alma recebe a luz intelectiva e a própria essência divina, que vem habitar em nós, embora não as receba a ambas do mesmo modo, a essência divina estará para o intelecto ─ como a forma para a matéria.
E que isso basta para o nosso intelecto poder, mediante a divina essência, ver a essa mesma essência, podemos prová-lo do modo seguinte. Assim como uma forma natural, que dá a existência a um ser, e a matéria, constituem absolutamente falando, um mesmo ser, assim a forma, pela qual o intelecto intelige, e o próprio intelecto constituem uma identidade, no ato de intelecção. Ora, na ordem natural, um ser por si subsistente não pode ser forma de matéria nenhuma, se esse ser tiver a matéria como uma das suas partes; porque não pode a matéria ser forma de nenhum ser. Mas se esse ser por si subsistente for só forma, nada lhe impede ser forma de uma determinada matéria e tornar-se o princípio de existência do ser composto; tal o caso da alma. Ora, no intelecto é mister considerar o intelecto potencial, como a matéria; e a espécie inteligível como a forma; e sendo o ato mesmo de inteligir como o composto da matéria e forma. Por onde, se há um ser por si subsistente, nada contende além da sua própria inteligibilidade, um tal ser pode ser a forma mediante a qual o intelecto intelige. Ora, um tal ser é inteligível pelo que tem de atual e não pelo que tivesse de potencial, como o ensina Aristóteles; e a prova é que é necessário abstrair a forma inteligível, da matéria e de todas as propriedades da matéria. Logo, sendo a divina essência um ato puro, pode ser a forma pela qual o intelecto intelige. E tal será a visão beatífica. Por isso diz o Mestre, que a união da alma e do corpo é um exemplo da beatifica união pela qual o espírito se une a Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A autoridade citada é susceptível de tríplice explicação, como o expõe Agostinho. ─ Num sentido, exclui a visão corpórea pela qual ninguém vê nem verá jamais a Deus em essência. ─ Noutro, excluem-se da visão intelectual da essência de Deus os que ainda vivem neste mundo. ─ Enfim noutro, exclui-se a visão compreensiva, do intelecto criado. E é neste sentido que entende o texto Crisóstomo. Por isso acrescenta: No lugar em questão o Evangelista entende por conhecimento uma certíssima contemplação e uma compreensão tão perfeita como a tem o Padre e o Filho. Tal é o sentido do Evangelista. Por isso acrescenta: O unigênito, que está no seio do Pai, esse é quem o deu a conhecer, querendo assim mostrar, pela compreensão do Filho, que é Filho de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como Deus, pela sua essência infinita, excede todos os seres de existência limitada, assim o seu conhecimento, pelo qual conhece, supera todo e qualquer conhecimento. Por onde, a mesma proporção existente entre o nosso conhecimento e a nossa essência criada é a que existe entre o conhecimento divino e a essência infinita. Ora, para o conhecimento concorrem dois elementos, a saber, o sujeito conhecente e o meio pelo qual conhece. Ora, a visão pela qual veremos a Deus por essência é a mesma pela qual Deus se vê, no concernente ao princípio dessa visão; porque, assim como ele se vê pela sua essência, assim também nós o veremos a ele. Mas há diversidade quanto ao sujeito conhecente entre o intelecto divino e o nosso. Pois, no conhecimento, o objeto conhecido depende da forma pela qual conhecemos; assim, pela forma de uma pedra é que a vemos. Mas a eficácia de um conhecimento depende da virtude do sujeito conhecente; assim quem tem vista mais aguda vê melhor. Por onde, na visão do céu veremos o mesmo que Deus vê, i. é, a sua essência, mas não com a mesma eficácia.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Dionísio se refere, no lugar citado, ao conhecimento que temos de Deus nesta vida, mediante alguma forma criada, que nos informa o intelecto para o elevar à visão divina. Mas, como diz Agostinho, Deus transcende a qualquer forma do nosso intelecto; porque seja qual for a forma concebida por ele, essa não no pode alçar ao conhecimento da essência de Deus. Por isso Deus não pode ser atingido pela nossa inteligência. Mas, já neste mundo nós o conhecemos perfeitissimamente, sabendo que transcende tudo o que o nosso intelecto possa conceber; e assim a ele nos unimos como ao quase desconhecido. Mas na pátria nós o veremos pela forma da sua essência; e lhe estaremos unidos como o estamos ao que conhecemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A luz é Deus, como diz o Evangelho. Ora, o lume é a impressão da luz num objeto iluminado. E como a essência divina tem uma modalidade de ser diferente que a de qualquer semelhança dela impressa em o nosso intelecto, por isso diz que as trevas divinas estão encobertas a qualquer luz, porque a essência divina, a que chama trevas por causa da sua superabundante luz, permanece indemonstrável pela só impressão recebida em o nosso intelecto. E assim fica essa essência inacessível a todo conhecimento por onde tudo o que conceba na inteligência quem quer que veja a Deus, nada disso é Deus, mas algum dos efeitos divinos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O lume divino, embora excede qualquer forma de que seja nesta vida susceptível o nosso intelecto, não excede contudo a própria essência divina, que será na pátria a quase forma do nosso intelecto. Por onde, presentemente nos seja invisível, então nos há de ser visível.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Embora não haja nenhuma proporção entre o finito e o infinito, porque o excesso do infinito sobre o finito não é determinado, pode contudo haver entre ambos a relação de semelhança de proporções; pois, assim como um finito é adequado a outro, assim o infinito ao infinito. Mas para podermos conhecer totalmente um objeto, há umas vezes necessidade de proporção entre este e o sujeito; pois, é forçoso a faculdade do sujeito conhecente adequar-se à cognoscibilidade do objeto conhecido. Ora, essa igualdade é uma proporção. Pode porém se dar que a cognoscibilidade do objeto conhecido exceda a virtude intelectiva do sujeito conhecente; assim, quando conhecemos a Deus, ou inversamente, como quando ele conhece as criaturas. E então não pode haver proporção entre o sujeito conhecente e o objeto conhecido, mas apenas uma proporcionalidade; de modo que como está o sujeito para a sua virtude cognoscitiva, assim esteja o objeto conhecido para a sua cognoscibilidade. E essa proporcionalidade basta para o infinito ser conhecido pelo finito ou inversamente. ─ Ou podemos responder que a proporção, na sua acepção primária, significa a relação entre duas quantidades fundada num certo excesso, ou igualdade; mas depois passou a significar qualquer relação entre uma cousa e outra. Neste sentido, dizemos que a matéria deve ser proporcionada à forma; e nada impede então dizermos que o nosso intelecto, embora finito, é proporcionado à visão da essência infinita; mas não a compreendê-la, por causa da imensidade dessa essência.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Há duas espécies de semelhança e de dissemelhança. ─ Uma fundada na conveniência natural. E então mais difere Deus de um intelecto criado que um inteligível criado, dos nossos sentidos. ─ Outra, fundada na proporcionalidade. E então, dá-se o inverso do primeiro caso; pois os nossos sentidos não são proporcionados a conhecer o imaterial, como o intelecto é proporcionado a conhecer qualquer objeto imaterial. E esta semelhança é necessária para o ato do conhecimento, mas não a primeira; pois, como sabemos, o intelecto, que intelige uma pedra não tem a mesma semelhança do ser natural dela. Assim também a vista pode perceber a cor amarelada do mel e do fel, embora não perceba a doçura do mel; porque há maior conveniência, quanto à visibilidade, entre o amarelado do fel e o do mel, do que entre o mel e a sua doçura.
RESPOSTA À OITAVA. ─ Na visão pela qual havemos de ver a essência de Deus, será a própria essência a como forma pela qual o intelecto inteligira. Nem é necessário, que a essência divina e o nosso intelecto se identifiquem, absolutamente falando; mas apenas que constituam uma unidade relativamente ao ato de inteligir.
RESPOSTA À NONA. ─ No sentido exposto não admitimos a doutrina de Avicena; pois, também os outros filósofos a repelem. Salvo se quisermos dizer que Avicena se refere ao conhecimento das substâncias separadas, enquanto conhecidas pelos hábitos das ciências especulativas e pelas semelhanças dos outros seres. E isso o diz para mostrar que a ciência não é em nós uma substância, mas um acidente. ─ E contudo a divina essência, embora mais difira, nas suas propriedades naturais, do nosso intelecto, que deste difere a substância do anjo, contudo é de natureza mais inteligível; pois, é ato puro, sem mesela de nenhuma potência, o que não se dá com as outras substâncias separadas. Nem o conhecimento, pelo qual veremos a Deus em essência, será, relativamente ao objeto visto, do gênero do acidente, senão só quanto ato mesmo da intelecção, que não será a substância mesma do sujeito inteligente nem a do objeto inteligido.
RESPOSTA À DÉCIMA. ─ A substância separada da matéria tanto pode inteligir-se a si mesma como os demais seres; e em ambos os sentidos pode verificar-se a autoridade citada. Pois, como a essência mesma da substância separada seja inteligível por si mesma e em ato, por estar separada da matéria, resulta que, quando se intelige a si mesma, o sujeito inteligente e o objeto inteligível absolutamente se identificam; porquanto ela não se intelige por nenhuma espécie intencional diversa de si, como se dá conosco quando inteligimos as causas materiais. E este é o modo de pensar do Filósofo, como está claro pelo que diz o Comentador, no lugar aduzido. Mas quando a inteligência separada intelige as outras causas, o intelecto em ato forma uma unidade com o objeto inteligido em ato, porque a forma do objeto inteligido torna-se a forma do intelecto enquanto atuallzado, e não por ser a essência mesma do intelecto, como o prova Avicena. Porque a essência do intelecto permanece a mesma sob as duas formas, pois, intelige dois objetos sucessivamente, do mesmo modo por que a matéria-prima permanece a mesma sob formas diversas. Por isso o Comentador também compara o intelecto possível, neste ponto, com a matéria-prima. Donde, pois de nenhum modo se segue que o nosso intelecto, vendo a Deus, se transforme na própria essência divina; mas que esta ela para ele como a perfeição e a forma.
RESPOSTA À UNDÉCIMA. ─ A autoridade citada e todas as semelhantes devem entender-se do conhecimento pelo qual conhecemos a Deus neste mundo, pela razão já aduzída.
RESPOSTA À DUODÉCIMA. ─ O infinito, privativamente considerado, nos é desconhecido, como tal; pois, não exprime então senão a ausência de qualquer complemento, pelo qual temos o conhecimento das causas. Por onde, o infinito se reduz à matéria sujeita à privação, como esta claro em Aristóteles. Mas o infinito, considerado negativamente, pela remoção da matéria que o determina; pois, a forma também é de certo modo determinada pela matéria. Por onde, o infinito neste sentido é o ser cognoscível por excelência. E deste modo é que Deus é infinito.
RESPOSTA À DÉCIMA TERCEIRA. ─ Agostinho se refere à visão corpórea pela qual nunca veremos a Deus. O que é claro pelo que disse antes: Do modo pelo qual vemos as chamadas causas sensíveis deste mundo, desse nunca ninguém verá a Deus nem poderá vê-la; pois, é por natureza invisível, como incorruptível. Ora, assim como por sua natureza é o ser soberano, assim é em si mesmo considerado o ser inteligível por excelência. E só por deficiência nossa é que não o inteligimos. Por onde, o fato de chegarmos a vê-la, sem que antes isso nos tivesse sido possível, não é por nenhuma mudança dele, senão nossa.
RESPOSTA À DÉCIMA QUARTA. ─ Deus na pátria será visto pelos santos tal como é, considerado o modo de ser do objeto visto; pois, os santos o verão na modalidade de existência que realmente é a sua. Mas se esse modo se refere ao sujeito conhecente então não será visto tal como é; pois, o intelecto criado não terá uma acuidade de visão igual à inteligibilidade da essência divina.
RESPOSTA À DÉCIMA QUINTA. ─ Há três espécies de meios que tornam possível a visão corporal e intelectual. ─ O primeiro é o sob o qual vemos. Este é o que torna a vista apta para ver, em geral, sem lhe determinar a visão a nenhum objeto especial. Tal é a luz material para a visão corpórea e o lume do intelecto agente para o intelecto possível. ─ O segundo é o meio pelo qual vemos. E esse é a forma visível, pela qual tanto a visão corpórea como a intelectual se determina a um objeto especial; assim pela forma de uma pedra nós a conhecemos. ─ O terceiro é o meio no qual vemos. Este é o pela vista do qual a visão atinge um determinado objeto. Assim, olhando para um espelho vemos o que ele reflete; e vendo uma imagem conhecemos o objeto a que ela pertence. Assim também o intelecto, pelo conhecimento da causa é levado ao do efeito e inversamente. ─ Ora, na visão da pátria não haverá o terceiro meio: não conheceremos a Deus mediante espécies dos outros seres, como agora o conhecemos, razão pela qual dizemos que agora vemos num espelho. Nem haverá o segundo meio, porque será pela própria essência divina que o nosso intelecto verá a Deus. Mas só haverá o primeiro, que elevará o nosso intelecto de modo a poder unir-se à substância incriada da maneira por que dissemos. Ora, nem por supor esse meio se poderá dizer que o nosso conhecimento é mediato; porque não é um meio existente entre o sujeito conhecente e o objeto conhecido, mas é o que dá ao sujeito a virtude cognoscitiva.
RESPOSTA À DÉCIMA SEXTA. ─ Não podemos dizer das criaturas corpóreas que são vistas imediatamente, senão quando ao que há nelas que possa unir-se à vista, a esta se une. Ora, não podem unir-se à vista pela sua essência mesma, em razão da sua materialidade. Por isso, então são vistas imediatamente, quando a semelhança delas se une à vista. Ora, Deus pode, pela sua essência, unir-se ao intelecto. Por onde, não seria visto imediatamente, sem a sua essência unir-se ao nosso intelecto. E essa visão imediata se chama ─ visão face a face. Além disso, a semelhança de uma cousa corpórea é recebida pela vista com a mesma essência que tem no objeto, embora não segundo o mesmo modo de existir; por isso tal semelhança conduz diretamente ao conhecimento da cousa. Ora, nenhuma semelhança pode desse modo conduzir-nos o intelecto à visão de Deus, como do sobredito se colhe. Não há, portanto, símil.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que as plantas e os animais subsistirão nessa renovação.
1. ─ Pois, nada deve ser subtraído aos elementos do que lhes constitui a beleza. Ora, diz-se com razão que os animais e as plantas fazem a beleza dos elementos. Logo, não desaparecerão na renovação do mundo.
2. Demais. ─ Assim como os elementos serviram ao homem, assim também os animais, as plantas e os corpos minerais. Ora, por causa do referido ministério os elementos serão glorificados. Logo, glorificados também serão os animais, as plantas e os corpos minerais.
3. Demais. ─ O universo ficará imperfeito se ficar privado de alguma das suas perfeições. Ora, as várias espécies de animais, de plantas e de corpos minerais contribuem para a perfeição do universo. Logo, como não podemos admitir a imperfeição do mundo depois da sua renovação, parece forçoso admitir que as plantas e os animais subsistirão.
4. Demais. ─ Os animais e as plantas tem mais nobre forma que os elementos. Ora, o mundo, depois da sua renovação final, terá maior perfeição. Logo, por serem mais nobres, devem subsistir antes os animais e as plantas, que os elementos.
5. Demais, ─ É inadmissível afirmar-se que uma tendência natural possa ser vã. Ora, os animais e as plantas tem a tendência natural a se perpetuarem, senão individualmente, ao menos especificamente; e a isso se lhes ordena a contínua geração, como o diz o Filósofo. Logo, é inadmissível dizer que essas espécies hão de desaparecer.
Mas, em contrário. ─ Se as plantas e os animais hão de subsistir, ou o serão todos ou certos. Se todos, então os brutos já mortos terão também de ressurgir, como os homens. O que não pode admitir-se, porque tendo-se-lhes a forma reduzido a nada, não pode reconstituir-se na sua individualidade. Se não todos, mas apenas certos, como não há maior razão de subsistir um indivíduo em vez de outro, parece que nenhum subsistirá perpetuamente. Ora, tudo o que permanecer depois da renovação do mundo durará sempre, uma vez cessada a geração e a corrupção. Logo, as plantas e os animais de nenhum modo subsistirão depois da renovação do mundo.
2. Demais. ─ Segundo o Filósofo, as espécies dos animais, das plantas, e de outros seres assim corruptíveis, não se conservarão perpetuamente senão pela continuidade do movimento celeste. Ora, então este cessará. Logo, essas espécies não poderão conservar-se perpetuamente.
3. Demais. ─ Desaparecido o fim, necessariamente desaparecerão os meios a ele conducentes. Ora, os animais e as plantas foram feitos para sustento da vida animal do homem. Por isso diz a Escritura: Eu vos entreguei todas estas cousas como as viçosas hortaliças. Ora, depois da renovação, já o homem não terá a vida animal. Logo, não deverão subsistir nem as plantas e nem os animais.
SOLUÇÃO. ─ Como a renovação do mundo se fará em vista do homem, há de conformar-se com a renovação deste. Ora, o homem renovado passará do estado de corrupção para o de incorrupção e perpétuo repouso, conforme aquilo do Apóstolo: Importa que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade. Por onde, o mundo será totalmente renovado, de modo que, desaparecida toda corrupção, permaneça em repouso perpétuo. Portanto, nada poderá participar dessa renovação senão o que poderá se tornar incorruptível. Ora, tais são os corpos celestes, os elementos e os homens. Os corpos celestes são por natureza incorruptíveis, tanto no seu todo como nas suas partes. Quanto aos elementos, são corruptíveis nas partes, mas incorruptíveis no todo. O homem é sujeito à corrupção, tanto nas suas partes como no todo; mas isso só em relação à matéria, não quanto à forma, i. é, a alma racional, que depois da morte permanece incorrupta. Os brutos, enfim, as plantas e os minerais e todos os corpos mistos são corruptíveis no todo e nas partes, tanto em relação à matéria, que perde a forma, quanto em relação à forma que não permanece atual; e assim de nenhum modo podem ser incorruptíveis. Portanto, na futura renovação do mundo não subsistirão, senão só os seres que foram mencionados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Diz-se que os animais e as plantas servem de embelezar os elementos, enquanto que as virtudes ativas e passivas gerais, que os elementos encerram se condensam em ações especiais. Por isso os animais e as plantas concorrem para a beleza deles no seu estado de atividade e de passividade. Ora, esse estado dos elementos desaparecerá. Donde o não ser necessário subsistirem nem os animais nem as plantas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nem os animais, nem as plantas nem quaisquer outros corpos, não tendo livre arbítrio, nada podem merecer por servirem ao homem. Assim, quando se diz que certos, corpos serão remunerados, é no sentido que o homem mereceu fossem renovados os susceptíveis de fazerem parte da nova ordem. Ora, nem as plantas nem os animais podem entrar nessa renovação do mundo corruptível. Por isso o homem não lhes podia merecer a renovação; pois, ninguém pode merecer para outrem o de que este não é susceptível, como não é possível nessas condições ninguém merecer para si mesmo. Por onde, mesmo dado que os brutos merecessem; por terem servido ao homem, não devem por isso ser renovados.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como a perfeição do homem é susceptível de muitas modalidades, pois há a da natureza criada e da natureza glorificada, assim também a perfeição do universo é dupla ─ uma própria ao estado de mutabilidade deste mundo; outra própria do mundo futuro renovado. Ora, as plantas e os animais pertencem à perfeição do mundo na sua mutabilidade presente; mas não ao estado da renovação futura, para o qual não são ordenados.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora os animais e as plantas sejam, quanto a outros aspectos, mais nobres que os elementos, contudo, por se ordenarem à incorrupção, mais nobres são os elementos, como do sobredito se colhe.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A tendência natural a perpetuarem-se, ínsita nos animais e nas plantas, deve ser considerada na sua dependência do movimento do céu, de modo que durem enquanto durar esse movimento. Pois, não pode um efeito ter a tendência de subsistir mais do que a sua causa. Por onde, se cessado o movimento do primeiro móvel, as plantas e os animais não continuarem a subsistir nas suas espécies, daí não se segue que fiquem frustradas as suas tendências naturais.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que os elementos não serão renovados pela recepção de nenhuma claridade.
1. Pois, como a luz é uma qualidade própria dos corpos celestes, assim o calor, o frio e a secura são qualidades próprias dos elementos.
Logo, assim como o céu será renovado pelo aumento de claridade, assim os elementos o devem ser pelo aumento das suas qualidades ativas e passivas.
2. Demais. ─ A rarefação e a condensação são qualidades dos elementos, as quais eles não perderão na renovação do mundo. Ora, a rarefação e a condensação são obstáculos à claridade. Porque um corpo claro há de ser condensado; donde vem que a rarefação do ar é incompatível com a claridade. Semelhantemente, não é susceptível de claridade a terra, por causa da sua densidade, que a torna impermeável à luz. Logo, não poderão os elementos ser renovados por nenhum aumento de claridade.
3. Demais. ─ Sabemos que os condenados serão encarcerados no centro da terra. Ora, estarão imersos nas trevas, não só interiores, mas também exteriores. Logo, na renovação do mundo a terra não será dotada de claridade; e pela mesma razão nem os outros elementos.
4. Demais. ─ A multiplicação da claridade nos elementos lhes multiplica também o calor. Se, portanto, na renovação do mundo, os elementos tiverem maior claridade que a de agora, terão por consequência também maior calor. E assim terão transformadas as suas qualidades naturais, que as tem numa certa medida. O que é absurdo.
5. Demais. ─ O bem do universo, consistente na ordem e na harmonia, é mais nobre que qualquer bem de uma natureza particular. Ora, o fato de uma criatura tornar-se mais perfeita tolhe o bem do universo, porque lhe perturba a harmonia. Logo, se os corpos elementares, que, segundo o grau da sua natureza, em que estão colocados no universo, devem ser desprovidos de claridade, vierem a recebê-la, isso acarretará antes detrimento que acréscimo à perfeição do universo.
Mas, em contrário, o Apocalipse: Eu vi um céu novo e uma terra nova. Ora, o céu será renovado por uma claridade maior. Logo, também a terra. E semelhantemente os outros, elementos.
2. Demais. ─ Tanto os corpos terrestres como os celestes se destinam ao uso do homem. Ora, a criatura corpórea será remunerada pelo ministério que prestou ao homem, conforme uma Glosa. Logo, tanto os elementos como os corpos celestes serão clarificados.
3. Demais. ─ O corpo humano é composto de elementos. Logo, as partes elementares que o compõem, glorificado o homem serão também glorificadas pela recepção da claridade. Ora, a disposição do todo é a mesma das partes. Logo, também os elementos serão dotados de claridade.
SOLUÇÃO. ─ Assim está a ordem dos espíritos celestes para os terrestres, i. é, humanos, como a dos corpos celestes para os terrestres. Logo, tendo sido feita a criatura corporal para a espiritual, que a governa, hão de as criaturas corpóreas ser dispostas do mesmo modo que as espirituais. Ora, na consumação última das causas, os espíritos terrestres receberão as propriedades dos celestes, porque os homens serão como os anjos do céu, na expressão do Evangelho. E isto será pela elevação à máxima perfeição do que o espírito humano tem de comum com o angélico. Por onde e semelhantemente, como os corpos terrestres não tem de comum com os celestes senão a sua natureza luminosa e diáfana, como diz Aristóteles, é mister os corpos terrestres atingirem a sua máxima perfeição luminosa. Por onde, todos os elementos serão revestidos de uma certa claridade. Não todos igualmente, mas cada um a seu modo; assim, afirma-se que a terra terá a sua superfície externa transparente como o vidro; a água será como um cristal; o ar, como o céu, o fogo, como os lampadários celestes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como dissemos, a renovação do mundo se ordena a manifestar, de certo modo mesmo sensivelmente aos olhos do homem, os indícios claros da divindade, por meio dos corpos. Ora, dos nossos sentidos o mais espiritual e subtil é a vista. Por onde, quanto às qualidades visuais, cujo princípio é a luz, é mister todos os corpos terrestres serem aperfeiçoados em sumo grau. Quanto às qualidades elementares, elas pertencem ao tato, dos sentidos o mais material; e a ação excessiva delas sobre os órgãos causa antes dor que prazer. Mas o excesso de luz é deleitável, pois não contraria o órgão senão pela fraqueza deste, que na ressurreição desaparecerá.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O ar não será claro a ponto de projetar raios, mas como um corpo diáfano iluminado. A terra porém, embora seja de natureza opaca por falta de luz, contudo, por virtude divina, terá revestida da glória da claridade a sua superfície, sem prejuízo da sua condensação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No lugar onde se acha o inferno a terra não será glorificada pela claridade; mas em lugar de tal glória essa parte da terra conterá os espíritos racionais dos homens e dos demônios, que embora ínfimos por causa da culpa, são contudo, pela dignidade da sua natureza, superiores a qualquer qualidade corpórea. ─ Ou devemos responder que, mesmo se toda a terra for glorificada, contudo os réprobos serão imersos nas trevas exteriores; porque o fogo do inferno, que de certo modo os iluminará, de outro não lhes poderá luzir.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa claridade esses corpos a terão como a tem os corpos celestes, nos quais não causa calor. Porque tais corpos serão então inalteráveis, como agora o são os celestes.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A perfeição dos elementos não tolherá em nada a ordem do universo. Porque também as outras partes dele serão aperfeiçoadas, subsistindo pois a mesma harmonia.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que com a renovação do mundo não aumentará a claridade dos corpos celestes.
1. ─ Pois, essa renovação se dará, nos corpos terrestres, pela purificação do fogo. Ora, o fogo purificador não atingirá os corpos celestes. Logo, estes não serão renovados pela suscepção de uma claridade maior.
2. Demais. ─ Assim como os corpos celestes, pelo seu movimento, são a causa da geração dos corpos terrestres, assim também pela sua luz. Ora, cessada a geração, cessará o movimento, como se disse. Logo e semelhantemente, longe de aumentar, a luz dos corpos celestes se extinguirá.
3. Demais ─ Se a renovação do homem acarreta a dos corpos celestes, por força corrompendo-se aquele também se corromperão estes. Ora, isto não é provável, por ser invariável a substância de tais corpos. Logo, também a renovação do homem não acarretará a deles.
4. Demais. ─ Se se corrompessem eles, então, necessariamente havia de sê-lo na mesma medida em que se aperfeiçoariam com a renovação do homem. Ora, a Escritura diz, que no mundo renovado, a luz da lua será como a do sol. Logo, também no seu estado primitivo, antes do pecado, a lua luzia quanto o sol atualmente. Logo, sempre que a lua estava acima do horizonte terrestre, produzia o dia, como o faz agora o sol. O que é manifestamente falso, pelo dito da Escrita, quando refere que a lua foi feita para presidir à noite. Logo, o pecado do homem não acarretou nenhuma diminuição da luz dos corpos celestes. Portanto, nem, segundo parece, lh'as aumentará a glorificação do homem.
5. Demais. - A claridade dos corpos celestes, como a outras criaturas, se ordena ao uso do homem. Ora, depois da ressurreição a claridade do sol não será mais para uso dele, conforme aquilo da Escritura: Tu não terás mais o sol para luzir de dia nem o resplendor da lua te alumiará. E o Apocalipse: E esta cidade não há de mister sol nem lua que alumiem nela. Logo, a claridade não lhes aumentará.
6. Demais. ─ Não seria um artífice experimentado o que fizesse instrumentos enormes para executar uma pequena obra. Ora, o homem é um corpo mínimo em relação aos corpos celestes, cuja grandeza lhe excedem o tamanho quase incomparavelmente. Ainda mais, o volume total da terra esta para o céu como o ponto para a esfera, como dizem os astrólogos. Ora, sendo Deus sapientíssimo, parece que não podia constituir o homem em fim da criação. Portanto, parece que o pecado do homem em nada fez degenerar o céu; como também este nada aproveita com a glorificação do homem.
Mas, em contrário, a Escritura: A luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vezes maior.
2. Demais. ─ Todo o mundo será renovado para melhor. Ora, o céu é a parte mais nobre do mundo dos corpos. Logo, será renovado para melhor. Mas, isto não pode ser senão resplandecendo com maior claridade. Logo, será mais perfeito e a claridade lhe aumentará.
3. Demais. ─ Toda criatura, que geme e está com, dores de parto, espera a revelação da glória dos filhos de Deus, na linguagem do Apóstolo. Ora, tais são os corpos celestes, como o explica a Glosa a esse lugar. Logo, esperam a glória dos santos. Ora, não na esperariam se daí não lhes adviesse nenhuma vantagem. Portanto, terão a sua clareza, aumentada, que lhes é a principal beleza.
SOLUÇÃO. ─ A renovação do mundo tem por fim tornar Deus como que sensível à vista do homem, pela prova palpável de um mundo novo. Ora, a criatura conduz a Deus sobretudo pelo seu brilho e esplendor, que manifestam a sabedoria do seu autor e governador. Donde o dizer a Escritura: Pela grandeza da formosura e da criatura se poderá visivelmente chegar ao conhecimento do Criador dela. Mas, a beleza dos corpos celestes está principalmente na sua luz, donde ainda o dito da Escritura: A refulgência das estrelas é a formosura do céu; o Senhor é que esclarece o mundo desde as alturas. Por onde, sobretudo na sua claridade é que os corpos celestes serão aperfeiçoados. Ora, o modo e a extensão da perfeição serão conhecidos só pelo Autor da perfeição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo purificador não causará a forma da renovação, mas apenas disporá para ela, purgando-a da mácula do pecado e da impureza da mescla, que não podem contaminar os corpos celestes. Logo, embora estes não devam ser purificados pelo fogo, há de lhes subsistir o esplendor, mas não o movimento.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O movimento não implica qualquer perfeição no que é movido, se considerado em si mesmo, pois é ato do imperfeito; mas pode pertencer à perfeição do corpo, enquanto é causa de algo. Mas a luz pertence à perfeição do corpo luminoso, mesmo considerado em sua substância. Por isso, depois que o corpo celeste deixa de ser causa de geração, permanece sua claridade, mas não seu movimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Aquilo da Escritura ─ será a luz da lua como a luz do sol ─ diz a Glosa: Todas as cousas feitas para o homem sofreram detrimento com a queda do mesmo, ficando o sol e a lua diminuídos na sua luz. Diminuição essa que certos entendem como uma diminuição real de luz. Nem obsta que os corpos celestes sejam por natureza imutáveis, porque essa alteração lhes foi feita pelo poder divino. ─ Outros porém, e com maior probabilidade, entendem que essa diminuição não foi realmente um decréscimo de luz, senão só quanto ao uso do homem, que, depois do pecado, já não colhia da luz dos corpos celestes o mesmo benefício de antes. Pelo que diz também a Escritura: A terra será maldita na tua obra, ela te produzirá espinhos e abrolhos. É verdade que já antes germinava espinhos e abrolhos, mas não redundavam em pena do homem. ─ Mas do fato de a luz dos corpos celestes não terem diminuído na sua essência depois do pecado do homem não se deduz que não poderão aumentar com a glorificação dele. Pois, o pecado do homem não alterou a constituição do universo, porque, tanto antes como depois do pecado, vivia uma vida animal, que precisa para se manter do movimento e da geração das criaturas corpóreas. Mas a glorificação dele mudará o estado de todas estas criaturas, como dissemos. Logo, não há símil.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa diminuição, segundo é mais provável, não foi na substância, mas só no efeito. Donde não se segue que a lua, estando acima do horizonte, iluminasse a terra com a luz do dia, mas sim, que então o homem tiraria tanta vantagem da luz da lua como agora tira da do sol. Mas depois da ressurreição, quando a luz da lua realmente aumentar, não haverá mais trevas na superfície da terra, mas só no centro dela, onde será o inferno. Porque então, como dissemos, a lua luzirá quanto luz atualmente o sol, e este sete vezes mais que agora; e os corpos dos bem-aventurados sete vezes mais que o sol, embora nada disto esteja provado por nenhuma autoridade ou razão.
RESPOSTA À QUINTA. ─ De dois modos pode uma cousa servir ao uso do homem. ─ Ou para lhe obviar a uma necessidade. E então nenhuma criatura servirá mais ao uso do homem porque de Deus terá ele então satisfeitos todos os seus desejos. Tal é o sentido do lugar citado do Apocalipse, quando diz que essa cidade não há de mister sol nem lua. ─ Outro uso é o que serve para se atingir uma perfeição maior. E então o homem usará das outras criaturas; não porém como de meio necessário para conseguir o seu fim, como nesta vida usa delas.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Esse é um raciocínio de Rabbi Moisés, visando refutar, como absolutamente errônea, a opinião de que o mundo foi feito para o homem. E assim, o que lemos no Velho Testamento sobre a renovação do mundo, como na autoridade citada de Isaías, isso, diz ele, tem sentido puramente metafórico. Pois, assim como dizemos que o sol se obscureceu para um indivíduo acabrunhado de veemente tristeza, a ponto de não saber o que faz ─ modo de exprimir-se habitual na Escritura ─, assim também ao inverso, dizemos que lhe luz o sol e todo o mundo se lhe renova, quando o seu estado de tristeza se lhe converte em intensa exultação. ─ Mas isto colide com as autoridades e as exposições dos Santos Padres. ─ Por isso ao raciocínio aduzido devemos responder o seguinte. Embora os corpos celestes sobrepujem incomparavelmente o corpo humano, contudo muito mais os sobrepuja a alma racional, do que eles a ela. Não há pois, nenhum inconveniente em afirmar que os corpos celestes foram feitos para o homem; não porém como se fosse o fim principal deles esse; porque o fim principal de todas as causas é Deus.