O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os corpos dos condenados ressurgirão com as suas deformidades.
1. ─ Pois, o que foi estabelecido como pena do pecado não pode cessar senão com a remissão dele. Ora, a falta de membros, causada pela mutilação, é uma consequência da pena do pecado; e semelhantemente todas as mais deformidades do corpo. Logo, os condenados não ficarão isentos dessas deformidades, depois da ressurreição, que não foram perdoados dos pecados.
2. Demais. ─ Assim como a ressurreição dos santos será a consumação da felicidade deles, assim a dos ímpios, a da sua miséria. Ora, os santos ressurrectos não ficarão privados de nada que lhe possa constituir uma perfeição. Logo, também os ímpios ressuscitados não ficarão privados de nenhum dos seus defeitos ou misérias. Ora, tais lhes são as deformidades. Logo, etc.
3. Demais. ─ Assim como a deformidade, a lentidão é um defeito do corpo passível. Ora, os corpos dos condenados ressuscitados não perderão a sua lentidão, pois não terão o dote da agilidade. Logo e pela mesma razão também não perderão a sua deformidade.
Mas, em contrário. ─ Diz o Apóstolo: Os mortos ressuscitarão incorruptíveis. E comenta a Glosa: Os mortos, i. é, os pecadores, ou em geral todos os mortos, ressurgirão incorruptos, i. é, sem nenhuma diminuição de membros. Logo, os maus ressurgirão sem as suas deformidades.
2. Demais. ─ Os condenados nada terão que os possa impedir de sentir dores. Ora, a doença impede de as sentirmos, pois nos debilita os órgãos da sensibilidade. Semelhantemente, a falta de um membro não permitiria mais que a dor fosse sentida por todo o corpo. Logo, os condenados ressurgirão sem tais defeitos.
SOLUÇÃO. ─ O corpo humano é susceptível de duas espécies de deformidade.
Uma vem da falta de algum membro; assim, dizemos que os mutilados são disformes, por lhes faltar a proporção devida entre as partes e o todo. E essa deformidade nenhuma dúvida há, que os corpos dos condenados não na sofrerão; porque todos os corpos, tanto o dos bons como o dos maus, ressurgirão íntegros.
Outra espécie de deformidade é a resultante da má disposição das partes, na sua grandeza, na sua qualidade ou pelo lugar que ocupam. O que também não se coaduna com a proporção devida entre as partes e o todo. E quanto a essas deformidades e defeitos semelhantes, como as febres de doenças com elas, que são às vezes causas de deformidades, dessas Agostinho deixa indeterminado e duvidoso se os condenados estão isentos, como o refere o Mestre.
Mas, entre os doutores modernos duas opiniões há a respeito.
Certos dizem que tais deformidades e defeitos permanecerão nos corpos dos condenados, considerando que, condenados, caem num estado de miséria suma, a que nenhum mal pode faltar. ─ Mas não é racional esse modo de pensar. Pois, na reconstituição do corpo ressuscitado mais é de atender-se à perfeição da natureza do que a sua condição anterior; por isso, os que morreram antes de chegar à idade perfeita ressurgirão na idade viril. Assim também os que tiveram certos defeitos naturais no corpo, ou deformidades dele provenientes, ressurgirão sem esses defeitos ou deformidades. Mas, a modalidade da pena depende da medida da culpa. Pode porém acontecer que um pecador que deve ser condenado por pecados mais leves, tenha certas deformidades ou defeitos que não teve outro que deve ser condenado por pecados mais graves. Por isso, se o que teve deformidades nesta vida ressurgir com elas, sem com elas ressurgir outro que deve sofrer mais grave pena, pelas nesta vida não ter, o modo da pena não corresponderia à gravidade da culpa e, antes, resultaria que seria mais punido quem nesta vida já sofreu penas; o que é absurdo.
Por isso outros com mais razão dizem, que o Autor da natureza restituirá integramente ao corpo a sua natureza, na ressurreição. Portanto, todos os defeitos ou deformidades corporais provenientes da corrupção ou debilidade natural ou dos princípios naturais, como a febre e semelhantes, tudo isso desaparecerá elo corpo ressuscitado. Mas os defeitos que o corpo humano padece provenientes dos seus princípios naturais, como a gravidade, a passibilidade e outros, esses subsistirão nos corpos do condenados; defeitos esses que a glória da ressurreição tornará isentos os corpos dos eleitos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como em qualquer foro uma pena é infligida segundo as condições dele, as penas infligidas por algum pecado nesta vida temporal são temporais e não ultrapassam os termos dela. Por onde, embora aos condenados não lhes tenham sido perdoados os pecados, nem por isso hão de sofrer no outro mundo as mesmas penas que sofreram neste; mas a divina justiça exige que sejam na outra vida atormentados por penas mais graves.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não se dá o mesmo com os bons e com os maus, porque um ser pode ser absolutamente bom, mas não absolutamente mau. Por isso, a felicidade consumada dos santos requere sejam totalmente imunes de qualquer mal; ao contrário, a miséria suprema não exclui completamente o bem, porque o mal que fosse completo se destruiria a si mesmo, como ensina o Filósofo. Por onde e necessariamente, a miséria dos condenados terá como substrato o bem da natureza; e o Criador, que é a perfeição mesma, também restaurará a natureza na perfeição mesma da sua espécie.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A lentidão é de aqueles defeitos naturalmente consequentes aos princípios do corpo humano; não porém a deformidade. Não há, pois, semelhança de razões.