O segundo discute-se assim. ─ Parece que a claridade de um corpo glorioso pode ser vista por olhos não-gloriosos.
1. ─ Pois, deve haver proporção entre o objeto visível e a vista. Ora, olhos não glorificados não são proporcionados a contemplar a claridade da glória, por ser de gênero diverso da luminosidade da natureza. Logo, a claridade de um corpo glorioso não poderá ser vista por olhos não-gloriosos.
2. Demais. ─ A claridade do corpo glorioso será maior que presentemente a do sol; pois, no século futuro, também a do sol será mais intensa do que agora, como diz a Escritura. Mas muito maior será a do corpo glorioso, por causa do qual o sol e todo o mundo brilharão com maior brilho. Ora, os olhos não-gloriosos não podem fixar o disco solar por causa da intensidade da sua luz. Logo e com maior razão, não poderá ver a claridade de um corpo glorioso.
3. Demais. ─ Um objeto, visível colocado em frente aos nossos olhos necessariamente o veremos se não tivermos maus olhos. Ora, a claridade do corpo glorioso colocado em face de olhos não gloriosos não é necessariamente vista por eles; assim se deu com os discípulos, que viram o corpo do Senhor depois da ressurreição, sem lhe contemplarem a claridade. Logo, essa claridade não será visível por olhos não-gloriosos.
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo ─ Conforme ao seu corpo glorioso, diz a Glosa: Será comparável à claridade que teve na transfiguração. Ora, essa claridade foi vista pelos olhos não-glorificados dos discípulos. Logo, também a claridade do corpo glorificado não será visível por olhos não-gloriosos.
2. Demais. ─ No dia do juízo os ímpios serão glorificados quando virem a glória dos justos, como o concluímos de um lugar da Escritura. Ora, não lhes veriam plenamente a glória se não lhes vissem também a claridade dos corpos. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ Certos opinaram que a claridade de um corpo glorioso não pode ser vista por olhos não-gloriosos senão por milagre. Mas isto não pode ser senão tomando a claridade em sentido equívoco. Porque a natureza da luz, como tal, é mover-nos a vista; e à vista, como tal, é natural perceber a luz, assim como a verdade tem relação natural com o intelecto e o bem, com o afeto. Por isso, uma vista que de nenhum modo pudesse perceber qualquer luz, seria tomada em sentido equívoco ou aquela ou esta. O que não podemos dizer no caso vertente; porque, do contrário, nada daríamos a conhecer afirmando que os corpos gloriosos hão de ser luminosos, assim como quem diz que lá no céu um cão nada significa a quem como cão só conhece o animal desse nome. Donde devemos concluir que a claridade de um corpo glorioso não poderá vista por olhos não gloriosos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A claridade da glória será de gênero diverso da claridade da natureza, quanto à sua causa, mas não quanto à espécie. Por onde, assim como a claridade, em razão da sua natureza específica é proporcionada à vista, o mesmo se dará com a claridade gloriosa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como a natureza de um corpo glorioso não pode sofrer nenhuma paixão senão mediante a alma, assim, pela sua propriedade gloriosa não age senão mediante a alma. Ora, uma claridade intensa não ofende a vista quando atua por meio da alma, pois, então, cama prazer mais vivo, mas à ofende agindo por ação natural, aquecendo e dilatando o órgão da vista Ou desagregando os espíritos vitais. Por onde, a claridade de um corpo glorioso, embora exceda à do sol, contudo, longe de por sua natureza ofender a vista, causa-lhe prazer. Pois, essa claridade a Escritura a compara à do jaspe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A claridade do corpo glorioso resulta do mérito da vontade. Por isso depende do império da vontade deixar-se ver ou não; e no poder do corpo glorioso esta manifestar ou ocultar a sua claridade. Tal era a opinião de Prepositivo.