Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o fruto não é devido à só virtude da continência.
1. ─ Pois, aquilo do Apóstolo ─ Uma é a claridade do sol, etc., diz a Glosa: A claridade do sol é comparável a dignidade dos que receberam sessenta vezes mais; e enfim à das estrelas a dos que receberam trinta vezes mais. Mas, essas diversas claridades, no pensamento do Apóstolo, se referem a todos os graus de beatitude. Logo, os diversos frutos não devem corresponder à só virtude da continência.
2. Demais. ─ Fruto vem de fruição. Ora; à fruição concerne ao prêmio essencial, correspondente a todas as virtudes. Logo, etc.
3. Demais. ─ O fruto é devido ao trabalho, segundo aquilo da Escritura: O fruto dos bons trabalhos é glorioso. Ora, maior trabalho custa a fortaleza que a temperança ou a continência. Logo, o fruto não corresponde só à continência.
4. Demais. ─ É mais difícil não exceder no uso dos alimentos, que são necessários à vida, do que no das relações sexuais, sem o que não pode conservar-se a vida. Portanto, maior esforço exige a parcimônia que a continência. Logo, à parcimônia corresponde, mais que à continência, o fruto.
5. Demais. ─ Fruto implica a idéia de repouso. Ora, o repouso é no fim que se perfaz. Logo, como as virtudes teologais tem como objeto o fim, que é o próprio Deus, parece que a eles devem sobretudo corresponder os frutos.
Mas, em contrário, a Glosa a um lugar do Evangelho, atribui os frutos à virgindade, à viuvez e à continência conjugal, que são partes da continência.
SOLUÇÃO. ─ O fruto é um prêmio devido ao homem quando deixa a vida carnal pela espiritual. Por isso aquela virtude sobretudo corresponde o fruto, que principalmente livra a alma da sujeição à carne. Ora, tal é o efeito da continência porque é sobretudo pelos prazeres sensuais que a alma se escraviza à carne; a ponto de, conforme Jerônimo, no ato carnal o Espírito de profecia não tocar o coração dos profetas, nem, como o ensina o Filósofo, ser possível, sob o império do prazer venéreo, exercer-se a inteligência. Por onde à continência mais responde o fruto que às outras virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Glosa citada toma a palavra fruto na sua acepção lata, pela qual toda remuneração se chama fruto.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Fruição não deriva de fruto, por aquela semelhança fundada no fruto na acepção em que ora o consideramos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fruto, na acepção em que agora o tomamos, não corresponde ao trabalho, em razão da fadiga que ele causa, mas por ser o meio pelo qual as sementes frutificam. Donde o chamar o Evangelho trabalhos às próprias sementeiras, porque são elas o alvo do trabalho ou são conseguidas pelo trabalho. Quanto à semelhança do fruto, enquanto nascido da semente, mais se aplica à continência que à fortaleza, porque as paixões, sobre as quais a fortaleza se exerce, não escravizam o homem à carne, como as sobre que versa a continência.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora os prazeres da mesa sejam mais necessários que os venéreos, não são contudo igualmente veementes. Por isso não escravizam o homem à carne.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Fruto aí não se toma no sentido em que se diz que quem frui repousa no fim, mas noutro sentido referido. Por isso a objeção não colhe.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a auréola não difere do fruto.
1. ─ Pois, ao mesmo mérito não podem ser devidos prêmios diversos. Ora, ao mesmo mérito corresponde a auréola e o fruto do cêntuplo, i. é, o da virgindade, como o diz a Giosa a um lugar do Evangelho. Logo, a auréola é o mesmo que o fruto.
2. Demais. ─ Agostinho diz, que o fruto centuplicado é o devido ao mártir. Ora, também esse mesmo fruto é devido à virgem. Logo, o fruto é um prêmio comum às virgens e aos mártires. Mas também a eles lhes é devida a auréola. Logo, a auréola é o mesmo que o fruto.
3. Demais. ─ Na beatitude só há dois prêmios ─ o essencial e o acidental, acrescentado ao essencial. Ora, esse prêmio acrescentado ao essencial é o que se chama auréola, como se conclui de um lugar da Escritura onde se fala da auréola acrescentada à coroa de ouro. Ora, o fruto não é um prêmio essencial, porque, se o fosse, seria devido a todos os bem-aventurados. Logo, é o mesmo que a auréola.
Mas, em contrário, ─ Coisas que não tem a mesma divisão também não têem a mesma razão de ser. Ora, o fruto e a auréola não tem a mesma divisão; pois, aquela se divide em auréola das virgens, dos mártires e dos doutores; ao passo que os frutos são os dos casados, das viúvas e das virgens. Logo, o fruto e a auréola não são idênticos.
2. Demais. ─ Se fruto e auréola fossem o mesmo, a quem fosse devido o fruto sê-lo-ia também a auréola. Ora, isto é evidentemente falso, pois, o fruto é devido à viuvez, mas não a auréola. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ Palavras tomadas em sentido metafórico são susceptíveis de várias acepções, conforme as suas aplicações às diversas propriedades do objeto onde essas palavras derivaram. Ora, na ordem natural, fruto propriamente é o que nasce da terra. Donde, segundo as diversas condições em que possam encontrar-se os frutos da terra, assim as diversas acepções dos frutos espirituais. Ora, o fruto da terra tem uma doçura nutritiva, e por isso os homens usam dele. E também a produção última a que chega a obra da natureza. E é enfim o que o agricultor espera pelo semear ou de quaisquer outros modos.
Outras vezes, porém, o fruto é tomado em sentido espiritual, pelo último fim, em que descansamos. Assim, dizemos ─ fruir de Deus ─ perfeitamente, na pátria; imperfeitamente, neste mundo. Desse sentido, deriva a fruição, que é um dote. Mas não é neste sentido que agora tratamos dos frutos.
Outras vezes ainda, o fruto é tomado em sentido espiritual, para significar que refazem a alma com a pureza da sua doçura, na expressão de Ambrósio. Tal o sentido dessa palavra no lugar seguinte do Apóstolo: Mas o fruto do espírito é a caridade, o gozo, etc. E neste sentido também tratamos aqui dos frutos.
Mas podemos também tomar a palavra fruto em sentido espiritual, por semelhança com os frutos da terra. E assim como estes são o proveito esperado do trabalho da agricultura, fruto também se chama o prêmio que o homem colhe dos seus trabalhos nesta vida. E então todo o prêmio que recebermos na vida futura, dos nossos trabalhos, chama-se fruto. Tal o sentido desse vocábulo no lugar seguinte do Apóstolo: Tendes o vosso fruto em santificação e por fim a vida eterna. E ainda este não é o sentido em que agora empregamos a palavra fruto.
Mas do fruto tratamos como significando o que nasce da semente; é assim que o Senhor entende o fruto, quando se refere à semente que produz trinta, sessenta e cem por um. Ora, nesta acepção, o fruto pode provir da semente, porque tem ela uma virtude eficaz para converter os humores da terra na sua natureza; e quanto mais eficiente for essa virtude e a terra melhor amanhada, tanto mais rica será a frutificação. Ora, a semente espiritual semeada em nós é a palavra de Deus. Por onde, quanto mais espiritual e afastada da carne for a vida que vivermos, tanto mais frutos produzirá em nós a palavra divina. Neste sentido, pois, o fruto difere da coroa de ouro e da auréola, porque a coroa de ouro consiste na alegria com a posse de Deus; a auréola no gáudio com as obras de perfeição; mas os frutos, o gáudio que tem o agente com o seu próprio ato, conforme o grau de espiritualidade a que ascendeu por virtude da semente da palavra de Deus.
Certos porém distinguem entre a auréola e o fruto, dizendo que a auréola é devida ao lutador, segundo aquilo do Apóstolo: Não será coroado senão quem combater conforme à lei. Ao passo que o fruto é o resultado de quem trabalha, segundo o lugar da Escritura: O fruto dos bons trabalhos é glorioso. Mas outros pretendem que a coroa de ouro respeita a conversão para Deus; ao passo que a auréola e o fruto são meios para a consecução do fim, mas de modo que o fruto respeita mais principalmente a vontade, enquanto que a auréola concerne antes o corpo.
Mas como o trabalho e o combate tem um só e mesmo objeto e são considerados na mesma relação, e o prêmio do corpo depende do da alma, de acordo com a opinião supra-referida não haveria distinção, entre fruto, coroa de ouro e auréola, senão lógica. O que não pode ser, pois, a certos se atribuem frutos, a que não se atribui a auréola.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não há inconveniente em atribuir prêmios diversos a um mesmo mérito, conforme os elementos diversos que ele encerra. Assim, à virgindade corresponde a coroa de ouro, quando conservada por amor de Deus e sob o império da caridade; a auréola porém, enquanto obra de perfeição equiparável a uma vitória excelente; o fruto enfim, porque a virgindade alça o homem a um como estado espiritual, afastando-o da carnalidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O fruto, na sua acepção própria, em que agora o tomamos, não significa um prêmio comum ao martírio e à virgindade, mas aos três graus de continência. Quanto à Glosa citada, que considera o fruto centuplicado como devido aos mártires, toma o fruto em sentido lato, em que a toda remuneração se dá esse nome. Assim, o fruto centuplicado designa a remuneração devida a quaisquer obras de perfeição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a auréola seja um prêmio acidental acrescentado ao essencial, contudo nem todo prêmio acidental é auréola; mas só o prêmio devido às obras de perfeição, pelas quais o homem se conforma soberanamente com Cristo, pela vitória perfeita. Não há, pois, nenhum inconveniente em que possa merecer um prêmio acidental quem se absteve da vida carnal, prêmio que se chama fruto.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a auréola não é nada de diferente do prêmio essencial chamado coroa de ouro.
1. Pois, o prêmio essencial é a própria beatitude. Ora, a felicidade, segundo Boécio, é o estado perfeito pela reunião de todos os bens. Logo, o prêmio essencial inclui todos os bens possuídos na pátria. E assim, a auréola está incluída na coroa de ouro.
2. Demais. ─ O mais e o menos não diversificam a espécie. Ora, os que observam os conselhos e os preceitos são mais premiados que os que só observam os preceitos; nem em nada lhes difere o prêmio, senão por maior um que o outro. Logo, como já a auréola designa o prêmio devido às obras de perfeição, parece que ela nada tem de distinto da coroa de ouro.
3. Demais. ─ O prêmio corresponde ao mérito. Ora, a raiz de todo mérito é a caridade. Logo, como à caridade corresponde a coroa de ouro, parece que na pátria não haverá outro prêmio distinto deste.
4. Demais. ─ Todos os bem-aventurados são admitidos nas ordens dos anjos, como diz Gregório. Ora, entre os anjos, embora alguns possuam certos dons de um modo eminente, nada há porém que não seja comum a todos; pois tudo existe em todos, embora não igualmente, porque os dons que todos têm uns os tem de modo mais sublime que os outros, como também diz Gregório. Logo, todos os bem-aventurados outro prêmio não terão além do comum a todos. Portanto, a auréola não é um prêmio distinto da coroa de ouro.
5. Demais. ─ A um mérito mais excelente mais excelente prêmio é devido. Se, pois, uma coroa de ouro é devida às obras de preceito, e uma auréola às de conselho, a auréola será mais perfeita que a coroa de ouro e, portanto, esta não devia ter uma significação diminutiva. Logo, parece que a auréola não é um prêmio distinto da coroa de ouro.
Mas, em contrário, àquilo da Escritura ─ Farás sobre esta outra pequena coroa de ouro, diz a Glosa: A essa coroa cabe a honra do cântico novo, que só as virgens cantam na presença do Cordeiro. Donde se conclui que a auréola é uma coroa concedida, não a todos, mas a certos em especial. Ao passo que a coroa de ouro é concedida a todos os bem-aventurados. Logo, a auréola difere da coroa de ouro.
2. Demais. ─ A luta sucedida da vitória é devida uma coroa de ouro; pois, conforme aquilo do Apóstolo, não será coroado senão quem combateu conforme à lei. Logo, a luta que se reveste de um caráter particular merece uma coroa especial. Logo, devem receber uma coroa diferente da das outras, e a essa chamamos auréola.
3. Demais. ─ A Igreja militante descende da triunfante, conforme àquilo do Apocalipse: Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, etc. Ora, na Igreja militante aos que praticam obras especiais dão-se prêmios especiais; ao passo que aos vencedores se confere a coroa, prêmio dos que correm. Logo, o mesmo deve dar-se na Igreja triunfante.
SOLUÇÃO. ─ O prêmio essencial do homem, que é a sua felicidade, consiste na perfeita união da alma com Deus, pelo : gozar perfeitamente contemplando-o e amando-o. E este prêmio se chama, em sentido metafórico coroa ou coroa de ouro. Quer por causa do mérito, que se ganha depois de uma certa luta, conforme aquilo da Escritura ─ A vida do homem sobre a terra é uma guerra; quer também por causa do prêmio, que nos torna de certo modo participantes da divindade e, por consequência, do poder real, segundo o Apocalipse: Tem-nos feito para o nosso Deus reino etc. Ora, á coroa é o sinal próprio do poder real. E pela mesma razão o prêmio acidental, acrescentado ao essencial, deve ser uma espécie de coroa. Pois, a coroa significa uma perfeição por causa da sua natureza circular; sendo por isso também apropriada à perfeição dos bem-aventurados. Mas, como ao essencial nada se lhe pode acrescentar, que não lhe seja inferior, por isso o prêmio acrescentado se chama auréola. Ora, ao prêmio essencial chamado coroa de ouro pode se fazer duplo acréscimo: um fundado na condição da natureza do premiado, e assim à felicidade da alma se lhe acrescenta a glória do corpo, donde o chamar-se às vezes auréola a glória do corpo. Por isso aquilo da Escritura ─ Farás sobre esta outra pequena coroa de ouro, diz uma Glosa que ao fim se superpõe a auréola, pois, conforme a Escritura, os eleitos terão uma glória mais sublime quando reassumirem o corpo. Mas não é neste sentido que agora tratamos da auréola. ─ De outro modo pode a coroa de ouro receber um acréscimo em razão da obra meritória. Esse mérito tem uma dupla raiz donde também lhe procede a sua bondade. Uma é a caridade, porque concerne ao fim último, sendo-lhe por isso devido o prêmio essencial, i. é, a consecução do fim último, chamado coroa de ouro. Outra é o gênero mesmo do ato, digno de um certo louvor pelas circunstâncias que o rodeiam, pelo hábito donde nasce e pelo fim próximo: e por isso lhe é devido o prêmio acidental chamado auréola. E é neste sentido que agora tratamos da auréola. Donde, pois, devemos concluir que a auréola significa algo de acrescentado à coroa de ouro, i. é, certa alegria pelas obras que praticamos, e que se revestem do aspecto de uma vitória excelente; alegria diversa da pela qual nos comprazemos da união com Deus, gáudio esse que se chama coroa de ouro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A felicidade inclui em si todos os bens necessários à perfeita vida do homem, consistente na sua atividade perfeita. Mas é susceptível de certos acréscimos, não quase necessários a essa atividade perfeita, como se sem eles não pudesse ela existir; mas por lhe concorrerem para o maior esplendor. Constituem, assim, a felicidade na sua essência plena e um como ornato dela. Do mesmo modo que a beatitude temporal se adorna com a nobreza do nascimento, a beleza do corpo e dotes semelhantes, sem os quais não pode existir, como diz Aristóteles. E assim está a auréola para a beatitude da pátria.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Quem observa os conselhos e os preceitos sempre merece mais que quem só observa os preceitos, desde que se considere a razão do mérito relativamente no gênero das obras. Mas nem sempre, se se atende à razão do mérito relativamente à caridade em que se ele radica; pois, pode um observar somente os preceitos mas com caridade maior que a de outro que, além deles, observa também os conselhos. No mais das vezes porém se dá o contrário, porque a prova do amor é a obra feita, como diz Gregório. Não é, logo, o prêmio essencial mesmo, mas mais intenso, que se chama auréola, mas o que se acrescenta ao prêmio essencial, sendo indiferente se o prêmio essencial de quem recebe a auréola é maior, menor ou igual ao prêmio essencial de quem não na tem.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A caridade é o princípio primeiro do mérito; mas os nossos atos são como os instrumentos pelos quais merecemos. Ora, para conseguirmos um efeito, não só é necessário tenha o motor primeiro a disposição devida, mas também que o instrumento esteja bem disposto. Por isso, todo efeito implica dois elementos ─ a parte do princípio primeiro, que é a principal; e o que provém do instrumento, que é o elemento secundário. Assim, também no prêmio: uma é a parte da caridade ─ a coroa de ouro; outra, a do gênero da obra ─ a auréola.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Todos os anjos mereceram a sua beatitude por atos do mesmo gênero, i. é, por se terem convertido para Deus; por isso não tem nenhum qualquer prêmio particular que de certo modo também não tenham os outros. Ao passo que os homens merecem a felicidade por atos de diversos gêneros; e portanto não há símil. ─ Contudo, o que um dentre os homens tem de maneira especial, de certo modo também todos o tem em comum, enquanto que, pela caridade perfeita, cada qual considera seu o bem de outrem. Entretanto, esse gáudio pelo qual um se alegra com os outros, não pode chamar-se auréola; porque não lhe é dado como prêmio de vitória sua, mas antes, da vitória alheia. Assim também a coroa é dada aos vitoriosos, e não aos que se comprazem com a vitória.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Maior é a excelência do mérito resultante da caridade, que a procedente do gênero do ato. Assim, o fim, a que se a caridade ordena, prevalece sobre os meios, que são o objeto próprio dos nossos atos. Por onde, o prêmio correspondente ao mérito fundado na caridade, por pequeno que seja, é maior que qualquer prêmio correspondente a um ato em razão do seu gênero. Por isso a auréola se diz como um diminutivo de áurea coroa.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que não se distinguem acertadamente três dotes da alma: a visão, a dileção e a fruição.
1. ─ Pois, a alma se une com Deus pelo intelecto; porque é imagem da Trindade pela memória, pela inteligência e pela vontade. Ora, a dilecção pertence à vontade; a visão à inteligência. Logo, há de atribuir-se também à memória a sua atividade própria, desde que a fruição não lhe pertence a ela, mas antes, à vontade.
2. Demais. ─ Os dotes da beatitude se consideram como correspondentes às virtudes que praticamos nesta vida, que são a fé, a esperança e a caridade, virtudes cujo objeto é Deus mesmo. Ora, a dileção corresponde à caridade, e a visão à fé. Logo, devia haver também um dote correspondente à esperança, pois, a fruição pertence antes à caridade.
3. Demais. ─ De Deus não gozamos senão pelo amor e pela visão; pois, fruímos daquilo que diretamente gozamos, como diz Agostinho. Logo, a fruição não deve ser considerada dote diferente da dileção.
4. Demais. ─ A beatitude, na sua perfeição, requer a posse do seu objeto, conforme aquilo do Apóstolo: Cerrei de tal maneira que alcanceis. Logo, é forçoso admitir-se um quarto dote.
5. Demais. ─ Anselmo diz que a beatitude da alma inclui: a sabedoria, a amizade, a concórdia, o poder, a honra, a segurança, e a alegria. ─ Donde se conclui que a enumeração supra, dos dotes, é incompleta.
6. Demais. ─ Conforme Agostinho, na beatitude celeste veremos a Deus sem fim, amá-lo-emos sem enfado e incansavelmente o louvaremos. Logo, o louvor também deve entrar na referida enumeração dos dotes.
7. Demais. ─ Boécio distingue na beatitude cinco elementos: a suficiência, resultante das riquezas; a alegria, resultante do prazer; a celebridade, que nasce da fama; a segurança, filha do poder; a reverência, cuja fonte é a dignidade. Donde se conclui que esses, e não os enumerados, é que se deviam considerar dotes.
SOLUÇÃO. ─ Todos, em geral, admitem como dotes da alma os supra-enumerados, mas diversamente. Assim, uns dizem que três são os dotes da alma: a visão, a apreensão e a fruição. Outros: a visão, a apreensão e a fruição. Outros ainda: a visão, a deleitação e a posse. Mas essas três enumerações se reduzem a uma só; e todos concordam quanto ao número delas.
Ora, como dissemos, o dote é algo de inerente à alma, que a ordena ao ato em que consiste a felicidade. Mas esse ato compreende dois elementos: a substância mesma dele, que é a visão; e a sua perfeição, que é a deleitação; pois, a felicidade há de ser uma atividade perfeita. Ora, uma visão pode ser deleitável a dupla luz: por causa do objeto visto, que causa prazer; e por parte da visão mesma, cujo ato é em si mesmo deleitável, como quando nos comprazemos em ver o mal, embora este não nos deleite. E como a atividade, em que consiste a felicidade última, deve ser perfeitíssima, há de por força a visão, de que se trata, ser, a ambas as luzes, deleitável. Mas, para uma visão ser, como tal, deleitável, é necessário que seja conatural, por algum hábito, ao sujeito que vê. Para ser deleitável, porém, por parte do objeto visível, há de ter este com a vista conveniência e união.
Assim, pois, para a visão, como tal, ser deleitável, é necessário um hábito donde ela proceda. Donde um dote, a que todos chamam visão. Por outro lado, o objeto visível requer duas condições: a conveniência, resultante do afeto, e daí o dote a que uns chamam dileção e outros fruição, dizendo esta respeito ao afeto, pois, o que soberanamente amamos a isso do mesmo modo estimamos como convenientíssimo. Por parte do objeto visível é também necessária a união; donde o dote da apreensão, segundo certos, que não é senão possuir efetivamente a Deus e o ter em si; mas outros introduzem a fruição ou deleitação, enumerando de outro modo. Pois, a fruição perfeita, como a teremos na pátria, inclui em si tanto a deleitação como a apreensão. Por isso, certos reduzem esses dois dotes a um só, e outros os consideram como distintos.
Outros porém atribuem esses três dotes às três potências da alma: a visão, à alma racional; a deleitação, à alma concupiscível; e a fruição à irascível, porque supõe uma vitória para a alcançarmos. ─ Mas isto não é acertado. Porque o irascível e o concupiscível não pertencem à parte intelectiva, mas à sensitiva; ora, os dotes da alma têm a sua sede no intelecto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A memória e a inteligência tem uma atividade comum; ou por ser aquela uma operação desta, ou, se aquela for considerada uma potência, a memória não exercerá a sua atividade senão mediante a inteligência, porque é próprio da memória reter os conhecimentos. Por isso também à memória e à inteligência não corresponde senão o hábito do conhecimento. Por onde, a ambas corresponde só o dote da visão.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A fruição corresponde à esperança enquanto inclui a apreensão, que sucede à esperança. Pois, o esperado ainda não é possuído; daí um certo sofrimento causado pela esperança, por causa da ausência do objeto amado. Por isso, não mais existirá na pátria, sendo substituída pela apreensão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A fruição, enquanto inclui a apreensão, distingue-se da visão e da dileção; mas de modo diverso do pelo qual a dileção difere da visão. Pois, dileção e visão designam hábitos diversos, dos quais um pertence ao intelecto e outro, ao afeto. Ao passo que a apreensão, Ou a fruição como parte dela, não implica nenhum hábito diverso dos dois supra-referidos, mas só a remoção dos obstáculos que impediam a alma de se unir efetivamente com Deus. O que se dá pelo fato de o hábito mesmo da glória liberar a alma de todas as suas deficiências, pois, a torna capaz de conhecer sem fantasmas, a ter domínio sobre o corpo e outros privilégios semelhantes, exclusivos dos obstáculos, que nos fazem vivermos ausentes do Senhor.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Deduz-se do que foi dito.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Em sentido próprio, dotes são os princípios imediatos da atividade em que consiste a perfeita beatitude, pela qual a alma se une com Cristo. Ora, tal não se dá com a enumeração de Anselmo, cujas partes ou são concomitantes ou consequentes à beatitude, não só em relação ao esposo, a quem, na enumeração de Anselmo, só lhe cabe a sabedoria, como também em relação aos outros. E estes, quer sejam nossos iguais, aos quais concerne a amizade, quanto à união dos afetos, e a concórdia, quanto ao consenso no agir; quer nos sejam inferiores, aos quais concerne o poder, pelo qual estes recebem dos superiores a sua disposição, e a honra, prestada pelos inferiores aos superiores; e enfim, relativamente a nós mesmos, dizendo-nos respeito então a segurança, quanto à remoção do mal, e a alegria, quanto à consecução do bem.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O louvor, a terceira das cousas, que, segundo Agostinho, existirão na pátria, não é uma disposição para a beatitude, mas é antes uma consequência dela. Pois, por isso mesmo que a alma está unida a Deus, no que consiste a beatitude, resulta o prorromper em louvores. Por isso, o louvor não é da natureza do dote.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ As cinco cousas enumeradas por Boécio são umas condições da felicidade, e não disposições para o ato em que ela consiste. Porque a beatitude, em razão da sua perfeição, só e singularmente tem por si mesma tudo o que os homens buscam nos diversos bens materiais, como está claro no Filósofo. E assim, Boécio mostra que as cinco as abrange a verdadeira felicidade, pois, são as cinco que os homens buscam, na felicidade temporal. As quais, ou concernem à isenção do mal, o que é garantido pela segurança; ou à consecução do bem ─ conveniente, donde nasce a alegria, ou perfeito e por isso mesmo dotado de suficiência; ou concerne à manifestação do bem, ─ donde ─ a celebridade, quando o bem de um chega ao conhecimento de muitos, e a reverência, quando se dá uma prova desse conhecimento ou desse bem, pois, a reverência consiste na atribuição da honra, que é uma prova de virtude. Por onde, é claro que a enumeração de Boécio não inclui cinco dotes, mas sim cinco condições da beatitude .
O quarto discute-se assim. ─ Parece que os anjos tem dotes.
1. ─ Pois, àquilo da Escritura ─ Uma só e a minha pomba, diz a Glosa: Uma só é a Igreja, a dos homens e a dos anjos. Ora, a Igreja é a esposa; e assim os membros da Igreja devem ter dotes.
2. Demais. ─ Aquilo do Evangelho: E sede vós outros semelhantes aos homens que esperam ao seu senhor ao voltar das bodas, diz a Glosa: O Senhor foi às núpcias, quando depois da ressurreição, feito homem novo, unia-se à multidão dos anjos. Logo, a multidão dos anjos é a esposa de Cristo. E portanto, os anjos devem ter dotes.
3. Demais. ─ O matrimônio espiritual consiste numa união espiritual. Ora, a união espiritual não é maior entre os anjos e Deus, que entre Deus e os santos. Logo, como os dotes, de que agora tratamos, são conferidos em razão do matrimônio espiritual, parece que os devem ter os anjos.
4. Demais. ─ O matrimônio espiritual supõe um esposo e uma esposa espirituais. Ora, a Cristo, como espírito por excelência, mais são conformes por natureza os anjos que os homens. Logo, o matrimônio espiritual será antes o dos anjos que o dos homens com Cristo.
5. Demais. ─ Maior conveniência deve haver entre a cabeça e os membros, que entre o esposo e a esposa. Ora, a conformidade entre Cristo e os anjos basta para Cristo ser considerado a cabeça deles. Logo e pela mesma razão, basta para lhes ser chamado o esposo.
Mas, em contrário. ─ Orígenes distingue quatro pessoas: o esposo e a esposa, as moças que acompanham a esposa e os companheiros do esposo. E diz que os anjos são os companheiros do esposo. Logo, como dotes não os deve ter senão a esposa, parece que não convém aos anjos.
2. Demais. ─ Cristo desposou a Igreja pela incarnação e pela paixão; e é assim figurado naquele lugar da Escritura: Tu és para mim um esposo sanguinário. Ora, pela incarnação e pela paixão Cristo não se uniu aos anjos diferentemente do que antes. Logo, os anjos não pertencem à Igreja no sentido em que é chamada esposa, Logo, não podem ter dotes.
SOLUÇÃO. ─ O que se entende por dotes da alma não há dúvida que convém tanto aos anjos como aos homens. Mas, no sentido literal do vocábulo não convém a uns e a outros do mesmo modo; porque não podem os anjos ser esposas, no sentido próprio dessa palavra, como o convém à natureza humana, pois, entre esposo e esposa há de haver conformidade de natureza, i. é, hão de ser da mesma espécie. Ora, essa relação a tem os homens com Cristo por ter este assumido a natureza humana, por cuja assunção veio a assemelhar-se a todos os homens, pela natureza da espécie humana. Com os anjos porém não comunica pela unidade específica, nem pela natureza divina, nem pela humana. Por onde, ter dotes não convém aos anjos pela mesma razão por que o convém aos homens. ─ Contudo, os vocábulos empregados metaforicamente, não se possa predicar uma cousa de outra. E assim, pela razão referida, não se pode afirmar, em sentido absoluto, que os anjos não devem ter dotes; mas só que não os têem, como os homens, no sentido próprio deles, em razão da referida semelhança.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora os anjos pertençam à unidade da Igreja, não são contudo membros dela, no sentido em que ela é esposa por conformidade de natureza. E assim não lhes convém ter dotes, no sentido próprio destes.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esses desposórios se tomam em sentido lato, pela união onde não há conformidade de natureza específica. E assim também nada impede, tomando os dotes nessa acepção lata, que os atribuamos aos anjos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora no matrimônio espiritual não há senão uma união espiritual, contudo os que se unem hão de convir especificamente, para haver matrimônio perfeito. Por isso não se pode, em sentido próprio, falar em desposórios, em relação aos anjos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa conformação pela qual os anjos se conformam com Cristo, enquanto Deus, não é tal que baste a constituir um matrimônio real; por não haver conveniência específica, mas antes, permanecer infinita entre Cristo e os anjos uma distância infinita.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Nem mesmo Cristo é considerado, em sentido próprio, cabeça dos anjos, no sentido em que ser cabeça supõe conformidade de natureza entre ela e os membros. Contudo, é mister saber, que embora a cabeça e os outros membros sejam de um indivíduo de uma mesma espécie, contudo, considerando-se cada membro à parte, não são todos da mesma espécie; assim, as mãos diferem especificamente da cabeça. Por onde, considerando os membros em si mesmos, não é necessário haja entre eles outra conveniência a não ser a de proporção, pela qual uns recebam a ação dos outros e se sirvam reciprocamente. E assim a conveniência existente entre Deus e os anjos serve mais de fundamento, que a de esposo, à noção de cabeça.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que também Cristo terá dotes.
1. ─ Pois, os santos se conformarão com Cristo pela glória; donde o dizer o Apóstolo ─ O qual reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso. Logo, também Cristo terá dotes.
2. Demais. ─ No matrimônio espiritual dão-se dotes à semelhança do matrimônio corporal. Ora, em Cristo há de certo modo matrimônio espiritual que lhe é próprio ─ a das duas naturezas na unidade de pessoa; por isso se diz que nele a natureza humana foi desposada pelo Verbo, conforme o diz o Glosa aquilo da Escritura ─ No sol pôs o seu tabernáculo, etc. ─ E o Apocalipse: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Logo, também Cristo deve ter dotes.
3. Demais. ─ Como diz Agostinho, Cristo, segundo a regra de Ticónio, por causa da unidade do corpo místico entre o corpo e os membros, também se denomina esposa e não só esposo, conforme aquilo da Escritura: Como o esposo aformoseado com a sua coroa e como a esposa ornada dos seus colares. Logo, como os dotes são devidos à esposa, como se sabe, também devemos atribuir dotes a Cristo.
4. Demais. ─ Todos os membros da Igreja devem ter dotes, porque a Igreja é a esposa. Ora, Cristo é membro da Igreja, segundo aquilo do Apóstolo: Vós outros sois corpo de Cristo e membros uns dos outros. E a Glosa: i. é, de Cristo. Logo, também Cristo deve ter dotes.
5. Demais. ─ Cristo goza da visão, da fruição e da deleitação perfeitos. Ora, são três dotes. Logo, etc.
Mas, em contrário. ─ Entre esposo e esposa há necessariamente distinção de pessoas. Ora, em Cristo nada é pessoalmente distinto do Filho de Deus, que é esposo, conforme aquilo do Evangelho: O que tem a esposa é o esposo. Logo, como os dotes são constituídos para a esposa, ou em favor dela, parece que Cristo não deve ter dotes.
2. Demais. ─ Não pode a mesma pessoa dar e receber dotes. Ora, Cristo é quem confere os dotes espirituais. Logo, não deve ter dotes.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria duas são as opiniões.
Uns dizem que há em Cristo tríplice união: a consentânea, pela qual está unido a Deus pela união de amor; a dignativa, pela qual a natureza humana está unida à divina; e a terceira, pela qual Cristo está unido à Igreja. E assim, ensinam que pelas duas primeiras uniões Cristo deve ter dotes, no sentido próprio destes: mas pela, terceira união, embora Cristo possua em grau eminente o que constitui o dote, este não lhe cabe contudo no seu sentido próprio, porque, nessa união, Cristo é o como esposa da Igreja, a esposa: ora, o dote é dado à esposa para que tenha a propriedade e o domínio dele, embora seja constituído para o uso do esposo. ─ Mas esta opinião não é aceitável. Pois, essa união pela qual Cristo mesmo como Deus está unido ao Pai pelo consentimento do amor, não se pode considerar como matrimônio, porque não há aí nenhuma sujeição como a que deve haver entre esposa e esposo. Nem também pela união da natureza humana com a divina, que é uma união pessoal; nem pela conformidade da vontade, pode haver dote no seu sentido próprio, por três razões. ─ Primeiro, porque o matrimônio, em que se constituem dotes, exige a conformidade de natureza entre esposo e esposa; e isto não se dá na união da natureza humana com a divina. Segundo, porque é necessária a distinção de pessoas; e a natureza humana não é pessoalmente distinta do Verbo. Terceiro, porque o dote é dado na ocasião em que a esposa é levada para a casa do esposo; e assim vem a pertencer à esposa que, solteira antes, está doravante unida ao marido; ora a natureza humana assumida pelo Verbo na unidade de pessoa, nunca deixou de estar perfeitamente unida com ele.
Por isso, segundo outros, ou se deve dizer que o dote, como tal, de nenhum modo se pode atribuir a Cristo; Ou não lhe deve atribuir no mesmo sentido em que o é aos santos. Mas os chamados dotes eles os têm em grau excelentíssimo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A referida conformação deve entender-se considerado o dote no seu sentido próprio, e não no sentido em que convém a Cristo. Pois aquilo por que nos conformamos com Cristo não é forçoso exista do mesmo modo em Cristo e em nós.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não é em sentido literal que a natureza humana é chamada esposa, na união com que está unida ao Verbo; pois não há nessa união a distinção de pessoas necessariamente existente entre esposo e esposa. Mas quando às vezes se diz que a natureza humana foi desposada pelo Verbo por se lhe ter este unido, isso só é porque, à semelhança do que se dá com a esposa, está com o Verbo inseparavelmente unida. E porque nessa união a natureza humana é inferior ao Verbo, e é por ele governada como o é a esposa pelo esposo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quando às vezes se diz que Cristo é esposa, não significa isso que o seja no seu sentido próprio; mas enquanto para si assume a pessoa da Igreja, sua esposa, que lhe está espiritualmente unida. E assim, nada impede que, de conformidade com esse modo de falar, possamos dizer que Cristo tem dotes; não pelos ter ele, mas sim a Igreja.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A palavra Igreja, é susceptível de dupla acepção. ─ Assim, às vezes designa somente o corpo unido a Cristo como cabeça. E então só a Igreja compete ser a esposa: e Cristo não é membro dela, mas a cabeça influente em todos os seus membros. ─ Noutra acepção, a Igreja designa a cabeça e os membros que lhe estão unidos. E assim dizemos que Cristo é membro da Igreja, enquanto tem uma função distinta de todos os outros membros e que é lhes influir a vida. Embora não possa ser chamado membro muito propriamente, porque membro implica a idéia de parte, e em Cristo bem espiritual não é parcial, mas totalmente íntegro. Por onde, é ele o bem total da Igreja; nem os outros membros juntos com ele são algo de maior que ele isoladamente. Ora, considerando assim a Igreja, ela não só designa a esposa, mas o esposo e a esposa enquanto deles resulta uma unida pela conjunção espiritual. Por onde, embora Cristo seja de certo modo considerado membro da Igreja, de maneira nenhuma podemos porém dizê-lo membro da esposa. Não lhe convém, pois, nesse sentido ter dote, na acepção própria deste.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Nessa sequência há o sofisma de acidente. Pois, essa enumeração não se aplica a Cristo senão enquanto constitui dotes, no sentido próprio deste.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que dote é o mesmo que beatitude.
1. ─ Pois, como resulta da definição anterior do dote, o dote é um ornato do corpo e da alma, que dura perpetuamente, na eterna beatitude. Ora, a beatitude da alma é um ornato dela. Logo, a beatitude é um dote.
2. Demais. ─ O dote é o meio de a esposa se unir aprazívelmente ao esposo. Ora, tal é a beatitude do matrimônio espiritual. Logo, a beatitude é um dote.
3. Demais. ─ A visão, segundo Agostinho, é a substância total da beatitude. Ora, a visão é considerada como um dos dotes. Logo, a beatitude é um dote.
4. Demais. ─ O gozo torna feliz. Ora, o gozo é um dos dotes. Logo, dote é a beatitude.
5. Demais. ─ Segundo Boécio, a felicidade é um estado perfeito pela reunião de todos os bens. Ora, o estado dos bem-aventurados se completa pelos dotes. Logo, os dotes são partes da beatitude.
Mas, em contrário. ─ O dote é dado sem méritos. Ora, a beatitude não é dada, mas é uma recompensa pelos méritos. Logo, dote não é a beatitude.
2. Demais. ─ A beatitude é uma só, ao passo que os dotes são vários. Logo, a beatitude não é dote.
3. Demais. ─ A beatitude o homem a goza pelo que tem de mais elevado, como diz Aristóteles. Ora, de dote também é susceptível o corpo. Logo, dote e beatitude não são o mesmo.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há uma dupla opinião.
Certos pretendem que beatitude e dote são realmente idênticos, mas diferem pelo conceito racional; porque o dote concerne o matrimônio espiritual entre Cristo e a alma; não porém a beatitude. ─ Mas isto é indefensável, como é fácil compreender; pois, ao passo que a beatitude consiste numa operação, o dote não é nenhuma operação, mas antes, uma qualidade ou disposição.
Por isso dizem outros, que beatitude e dote diferem também realmente, chamando-se beatitude o ato perfeito, em si mesmo, pelo qual a alma bem aventurada se une a Deus; ao passo que se denominam dotes os hábitos, disposições ou quaisquer outras qualidades, ordenados a esse ato perfeito. De modo que os dotes antes se ordenam à beatitude do que se incluem nela como partes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A beatitude, propriamente falando, não é um ornato da alma, mas algo procedente do ornato da alma, pois, é um ato; ao passo que ornato se chama um certo adorno do bem-aventurado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A beatitude não se ordena à união, mas é a união mesma da alma com Cristo, mediante um ato. Ao passo que os dotes são dons que dispõem para essa união.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Uma visão pode ser apreciada à dupla luz. ─ Primeiro, atualmente, i. é, como o ato mesmo da visão. E assim o dote não é visão, mas é a própria beatitude. ─ Noutro sentido, pode ser tomado habitualmente, i. é, como um hábito de que deriva o ato referido; ou pelo esplendor mesmo da glória com que Deus ilumina a alma para que o possa contemplar. E então o dote é o princípio da beatitude, mas não é a beatitude mesma.
E o mesmo devemos responder à quarta objeção a respeito do gozo.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A beatitude é a reunião de todos os bens, não como partes essenciais dela, mas como de certo modo ordenados para ela.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não devemos atribuir nenhuns dotes aos bem-aventurados.
1. ─ Pois, o dote, segundo o direito, é o que é dado ao esposo para obviar aos encargos do matrimônio. Ora, os santos não desempenham o papel de esposa, mas antes de esposo, enquanto membros da, Igreja. Logo, não se lhes dão dotes.
2. Demais. - Segundo o direito, os dotes são dados não pelo pai do esposo, mas pelo da esposa, Ora, todos os dons da beatitude são dados aos santos pelo Pai do Esposo, i. é, Cristo, segundo aquilo da Escritura: Toda a dádiva em extremo excelente e todo o dom perfeito vem lá de cima e desce do Pai das luzes, etc. Logo, esses dons conferidos aos bem-aventurados não se devem chamar dotes.
3. Demais. ─ No matrimônio carnal os dotes são dados para mais facilmente se suportarem os encargos do matrimônio. Ora, o matrimônio espiritual não comporta nenhuns encargos, sobretudo no estado da Igreja triunfante. Logo, não se lhe devem atribuir quaisquer dotes.
4. Demais. ─ Dotes não se dão senão em vista do matrimônio. Ora, o matrimônio espiritual é contraído com Cristo, pela fé, segundo o estado da Igreja militante. Logo e pela mesma razão, se certos dotes convêm aos bem-aventurados, convirão também aos santos que ainda vivem neste mundo. Ora, a estes não convêm. Logo, nem aos bem-aventurados.
5. Demais. ─ Os dotes fazem parte dos bens exteriores chamados bens de fortuna. Ora, os prêmios dos bem-aventurados serão bens internos. Logo, não devem chamar-se dotes.
Mas, em contrário. ─ O Apóstolo diz: Este sacramento é grande, mas eu digo em Cristo e na Igreja. Donde se conclui que o matrimônio espiritual é significado pelo carnal. Ora, no matrimônio carnal a noiva dotada é levada à casa do noivo. Logo, como os santos, quando entram na bem-aventurança, são levados à mansão de Cristo, parece que com certos dotes hão de ser dotados.
2. Demais. ─ Dão-se dotes, no matrimônio carnal, para lhe aliviar os encargos. Ora, o matrimônio espiritual é mais deleitável que o corporal. Logo, a ele sobretudo se lhe devem atribuir dotes.
3. Demais. ─ Os ornatos das noivas fazem parte do dote. Ora, os santos o ornato lhes consiste em serem introduzidos na glória, conforme aquilo da Escritura: Ele me cobriu com vestidura de salvação como a esposa ornada dos seus colares. Logo, os santos na pátria terão dotes.
SOLUÇÃO ─ Sem duvida aos bem-aventurados, quando introduzidos na glória. Deus, lhes dá certos dons que lhes constituem ornatos; e esses ornatos o Mestre lhes chama dotes. Daí a seguinte definição do dote, no sentido em que agora dele tratamos: O dote é o ornato perpétuo do corpo e da alma, suficiente à vida e que dura perenemente na eterna beatitude. E essa noção se funda na semelhança do dote corporal com que se orna a esposa e providencia os meios com que possa o esposo sustentar suficientemente a ela e aos filhos. E contudo o dote pertence à esposa, que nunca poderá ser dele privada, de modo que a ela reverterá, uma vez dissolvido o matrimônio.
Mas quanto à significação da palavra, variam as opiniões.
Assim, uns dizem que a significação do dote não se funda em nenhuma semelhança do matrimônio corpóreo; mas no uso comum de falar pelo qual chamamos dote a toda perfeição ou ornato de qualquer homem. Assim, dizemos que é dotado de ciência quem é realmente sábio. Nesse sentido usou Ovídio do vocábulo, no verso:
Agrada com o dote com que puderes agradar.
Mas esta explicação não convém totalmente. Porque sempre que empregamos um nome para significar alguma cousa, não costumamos tomá-lo em sentido translato, senão fundados em alguma semelhança. Por onde, como na sua aplicação primária a palavra dote foi usada para significar o matrimônio carnal, é forçoso que qualquer outra significação desse vocábulo se funde nalguma semelhança com a significação principal.
Por isso outros dizem que a semelhança se funda em que o dote propriamente significa um dom, que no matrimônio corporal é dado à esposa pelo esposo, quando é levada para a casa deste e que lhe constitui a ela um ornato. O que se deduz das palavras de Sichem a Jacó e aos seus filhos: Aumentai o dote e pedi dádivas. E noutro lugar da Escritura: Se alguém seduzir a uma donzela que ainda não está desposada e dormir com ela, dotá-la-á e a terá por mulher. Por isso o ornato dado por Cristo aos santos, que alcançarem o dom da glória, se chama dote.
Mas esta explicação colide manifestamente com o que dizem os juristas, a quem compete decidir nesta matéria. Assim, dizem que o dote é propriamente uma doação feita pela mulher ao marido para suportar os encargos do matrimônio. Quanto ao que o noivo dá à noiva, chama-se doação por causa de núpcias. E este sentido tem a palavra dote no lugar da Escritura, onde diz que Faraó, rei do Egito, veio e tomou Gazer e o deu em dote à sua filha, esposa de Salomão, ─ Nem colhem contra esta explicação as autoridades citadas. Pois, embora fosse costume ser o dote constituído pelo pai da noiva, pode contudo se dar que o noivo ou o seu pai constituam o dote em lugar do pai da noiva. O que de dois modos pode dar-se. Ou pelo seu grande afeto para com ela, como no caso de Hemor, pai de Sichem, que quis dar o dote que devia receber, por causa do seu filho para com a noiva deste; ou tal se da como uma pena para com o noivo, que deve dar, de seus bens, um dote à virgem que corrompeu, dote que deveria ter sido constituído pelo pai da moça. E tal é o sentido da autoridade citada de Moisés.
Por isso, segundo outros, devemos dizer que, no matrimônio corporal chama-se propriamente dote o que é dado pelos parentes da mulher aos parentes do marido, para obviar aos encargos do matrimônio, como se disse.
Mas então subsiste a dificuldade, de como adaptar essa significação ao nosso propósito; porque os ornatos, na beatitude, são dados à esposa espiritual pelo pai do esposo. O que se tornará manifesto nas respostas aos argumentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora, no matrimônio carnal o dote é dado ao esposo para que dele use, contudo o domínio e a propriedade dele pertence à esposa. O que resulta do fato de, segundo o direito, ser o dote conservado à esposa, uma vez dissolvido o matrimônio. E assim também no matrimônio espiritual, os ornatos mesmos dados à esposa espiritual, i. é, à Igreja e aos seus membros, são por certo propriedades do esposo, enquanto lhe redundam em glória e honra dele; mas da esposa, enquanto que com eles se adorna.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O pai do Esposo, i. é, de Cristo, é só a pessoa do Pai; ao passo que o Pai da esposa é toda a Trindade. Pois, a ação sobre as criaturas pertence a toda a Trindade. Por isso tais dotes, no matrimônio espiritual, são dados, propriamente falando, antes pelo pai da esposa que pelo Pai do esposo. ─ Mas essa calação, embora feita por todas as Pessoas da Trindade, pode contudo apropriar-se a cada uma das Pessoas, de certo modo. A Pessoa do Pai, como ao que dá; porque nele reside a autoridade; a ele também é própria a paternidade em relação à criatura, de modo que assim o mesmo é o Pai do esposo e da esposa. É própria também ao Filho, enquanto feita por causa dele e por meio dele. Ao Espírito Santo enfim enquanto feita nele e segundo ele; pois o amor é a razão de toda doação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Ao dote convém, essencialmente, o efeito que causa, a saber, suportar os encargos do matrimônio. Mas, acidentalmente, os obstáculos que remove, a saber, o ônus do matrimônio, que fica mais leve. Assim, como o efeito essencial da graça é tornar alguém justo; mas o acidental será fazer do ímpio um justo. Embora, pois, no matrimônio espiritual não haja nenhuns ônus, é acompanhado porém da suma felicidade. E para consumar plenamente essa felicidade dotes são feitos à esposa, .de modo que, por eles se una deleitavelmente com o esposo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Não era costume dar dotes à esposa quando era desposada, senão quando conduzida à casa do esposo para que realmente este tomasse posse dela. Ora, enquanto estamos nesta vida, vivermos ausentes do Senhor. Por onde, os dons, feitos aos santos neste mundo, não se chamam dotes; senão só aqueles que lhes são feitos quando alcançam a glória, onde gozam do Esposo face à face.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O matrimônio espiritual requer a beleza interior, conforme aquilo da Escritura: Toda a glória da que é filha do Rei é de dentro. Ora, o matrimônio espiritual requer a beleza interior. Por onde, não é necessário que tais dotes sejam dados, no matrimônio espiritual, como o são no carnal.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os bem aventurados não se alegram com as penas dos ímpios.
1. ─ Pois, alegrar-se com o mal de outrem só pode ser por ódio. Ora, os bem-aventurados não terão nenhum ódio. Logo, não se alegrarão com as misérias dos condenados.
2. Demais. ─ Os santos na pátria serão sumamente conformes a Deus. Ora, Deus não se deleita com os nossos males, diz a Escritura. Logo, nem os santos se deleitarão com as penas dos condenados.
3. Demais. ─ O que é repreensível nos que ainda vivemos neste mundo de nenhum modo pode se conceber nos que gozam da visão divina.
Ora, neste mundo é culposo por excelência alegrar-mo-nos com as penas alheias; e o que há de mais louvável é condoermo-nos delas. Logo, os bem-aventurados de nenhum modo se alegram com as penas dos condenados.
Mas, em contrário, a Escritura: Alegrar-se-á o justo quando vir a vingança.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Servirão de espetáculo a toda a carne, até ela se fartar de ver semelhante objeto. Ora, o fartar-se designa a saciar do coração. Logo, os bem-aventurados se alegrarão com as penas dos ímpios.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos pode uma coisa nos ser motivo de alegria. ─ Em si mesma, quando nos comprazemos com uma causa, como tal. E, neste sentido, os santos não se alegrarão com a pena dos ímpios. ─ Ou por acidente, i. é, em razão de um bem que os acompanha. ─ E neste sentido, os santos hão de alegrar-se com as penas dos condenados, considerando neles a ordem da divina justiça gozando o prazer de se verem livres delas. Assim, pois, a divina justiça e o contentamento de se se sentirem livres de tais penas serão para os santos causa de alegria; mas essas penas em si mesmas só por acidente lhes produzirão alegria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Alegrarmo-nos com o mal de outrem, como tal, constitui ódio; mas não alegrarmo-nos com ele em razão de um elemento a ele anexo não o constitui. Deste último modo podemos nos alegrar com o mal próprio nosso; assim quando nos comprazemos nos nossos sofrimentos próprios, enquanto lhes redunda em mérito para a vida eterna, conforme aquilo da Escritura: Tende por um motivo ela maior alegria para vós as diversas tribulações que vos sucedem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora Deus não se deleite com os nossos males, como tais, contudo com eles se deleita enquanto ordenados pela sua justiça.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não seria louvável, aos que vivemos nesta vida deleitarmo-nos com os males alheios, em si mesmos considerados; é louvável porém alegrarmo-nos com eles pelo bem que os acompanha. ─ Contudo não se dá conosco, neste mundo, o que se dá com os que vêem a Deus. Pois, as nossas paixões frequentemente se revoltam contra o discernimento racional. Toda via essas paixões são às vezes dignas de louvor, enquanto revelam boas disposições da alma; tal o caso do pudor, da misericórdia e da penitência pelo mal cometido. Ao passo que nos santos não podem existir paixões senão submetidas ao juízo da razão.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os bem-aventurados se compadecem das misérias dos condenados.
1. ─ Pois, a compaixão procede da caridade. Ora, os bem-aventurados terão uma caridade perfeita. Logo, mais que ninguém, se compadecerão das misérias dos condenados.
2. Demais. ─ Os bem-aventurados nunca, estarão mais afastados da compaixão, que Deus. Ora, Deus de certo modo se compadece das nossas misérias, e por isso é chamado misericordioso; assim também os anjos. Logo, os bem-aventurados se compadecem.
Mas, em contrário. ─ Quem se compadece de outrem de certo modo lhe participa da miséria. Ora, os bem-aventurados não podem compadecer-se da miséria de ninguém. Logo, não se compadecem das misérias dos condenados.
SOLUÇÃO. ─ A misericórdia ou a compaixão pode alguém tê-las de dois modos: a modo de paixão e a modo de eleição. Ora, nos bem-aventurados não haverá certamente nenhuma compaixão na parte inferior da alma, senão consequente à eleição da razão. Portanto, não terão eles compaixão nem misericórdia senão segundo a eleição da razão. E assim, da eleição da razão nasce a misericórdia ou a compaixão, quando queremos livrar a outrem do mal que padece; por onde, males que não queremos, de conformidade com a razão, repelir, não provocam em nós nenhuma compaixão. Ora, os pecadores, enquanto neste mundo, em tal estado vivem que, sem prejuízo da divina justiça, podem, do estado de miséria e de pecado, passar para o de beatitude. Por isso podem ser objeto de compaixão, tanto pela eleição da vontade, e assim dizemos que Deus, os anjos e os santos deles se compadecem por lhes querer a salvação; como pela paixão, e assim deles se compadecem os bons que ainda vivem neste mundo. Mas, na vida futura, não mais poderão sair do seu estado de miséria. Por onde, não pode haver compaixão para com eles fundada numa eleição reta. Portanto, os santos na glória nenhuma compaixão terão dos condenados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A caridade é então princípio de compaixão quando, fundados nela, podemos querer que alguém fique livre da sua miséria. Ora, os santos, pela caridade, não o podem querer, em relação aos condenados, pois, isso repugna à divina justiça. Portanto, a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Dizemos que Deus é misericordioso por vir em auxílio daqueles que, na ordem da sua sabedoria e da sua justiça, convém livrar da miséria em que jazem. Não que se compadeça dos condenados, senão talvez pelos punir menos do que mereceriam.