Category: Anônimo
11.0 A proclamação de um “direito à liberdade religiosa” fundado na “própria dignidade da pessoa humana tal como a faz conhecer a palavra de Deus e a própria razão “; direito que, enquanto “direito da pessoa”, deve ser reconhecido pela organização jurídica positiva como um “direito civil” (Dignitatis Humanae 2).
Esta proclamação é apresentada como estando de acordo com o magistério pré-conciliar, quando ao contrario, os textos de Pio XII e Leão XIII citados em nota em DH 2 mostram que o direito da pessoa para professar livremente sua fé, invocado por eles, concerne unicamente à profissão da verdadeira religião, portanto à fé católica e se refere à liberdade de consciência das almas cristãs, e não a uma “liberdade religiosa” simpliciter, sem maior precisão, se aplicando a todas as religiões.
11.1 O principio de que a verdade em “matéria religiosa” deve ser procurada “por uma livre procura, com a ajuda do magistério, isto é do ensino, da troca e do dialogo pelo qual uns expõem aos outros a verdade que eles encontraram ou pensam ter encontrado” considerando a “lei divina eterna, objetiva e universal [falta o adjetivo “revelada” – ndr] pela qual Deus, em seu designo de sabedoria e amor, regula, dirige e governa o mundo inteiro e dispõe as vias da comunidade humana” ( DH 3).
Este princípio faz consistir a verdade “em matéria religiosa” em qualquer coisa que é “descoberta”, achada pela consciência individual na procura com “os outros”, na “troca e no dialogo” recíprocos, onde os outros (alii) não são simplesmente os outros católicos, mas os outros em geral, todos os outros homens, a qualquer credo que pertençam, procura que, significativamente, tem por objeto a lei divina eterna, objetiva, etc...colocada por Deus nos corações, a lex aeterna da moral natural, à maneira dos deistas (implicando todos, com efeito, ela não pode ter por objeto a Verdade Revelada, negada in toto pelos não cristãos e em parte pelos heréticos).
Esta apresentação doutrinal contradiz abertamente o ensino tradicional, segundo o qual, para o católico, a verdade “em matéria religiosa” (e na moral) é uma verdade revelada por Deus e conservada no deposito da fé guardado pelo Magistério, verdade que requer, exige pois o assentimento de nossa inteligência e de nossa vontade, assentimento possível com a ajuda determinante da Graça: tal verdade exige ser reconhecida e apropriada pelo crente, não ser “encontrada”por ele por suas próprias forças (não se fala da ajuda do Espírito Santo no texto conciliar), nem em uma procura comum com os heréticos, os não cristãos, os infiéis!
Ao critério objetivo e propriamente católico da verdade “em matéria religiosa”, que é tal porque revelada por Deus, substitui-se assim o critério subjetivo (de origem protestante e típico do pensamento moderno) de uma verdade que é tal porque “encontrada” pela consciência individual na sua “procura” em comum com os “outros” porque é o resultado da “procura” do sujeito, individual e coletiva. Assim abriu-se a porta para uma erupção no Catolicismo de uma “religiosidade” individual anômala, uma “religiosidade” da “procura”, do “coração”, do “sentimento da humanidade”, da “consciência”, do “dialogo”, xaroposa, falsa e dulçurosa, à maneira de Jean-Jacques Rousseau.
11.2 Uma noção da “consciência moral” pintada de pelagianismo, considerada como fundamento da idéia da “verdade como procura”, por sua vez fundamento da “liberdade religiosa” defendida pelo Concilio (cf. § 11.1).
Em Gaudium et Spes 16, pode-se ler, com efeito: “Por fidelidade à consciência, os cristãos, unidos aos outros homens, devem procurar juntos a verdade e a solução justa de tantos problemas morais que perturbam tanto a vida particular como a vida social. Mais a consciência reta predomina, mais as pessoas e os grupos se afastam de uma decisão cega e tendem a se conformar com as normas objetivas da moralidade”.
De que verdade trata-se aqui? Parece ser aquela que concerne à religião e aos costumes. E esta verdade não deveria resultar do ensino infalível da Igreja, da Tradição? Mas à possessão certa da verdade da fé e dos costumes, estabelecida pelo Magistério no curso dos séculos, o Concilio substitui a “procura” da verdade como critério geral, da verdade em geral; alguma coisa indeterminada, mas conforme, nós o sabemos, ao espírito do Século, que ama a “procura”, a experiência, a novidade, o movimento perpetuo. Mas isto não é tudo. Esta procura, sempre de acordo com o espírito do Século, deve ter lugar em união “com os outros homens” e, pois, também e sobretudo com os não católicos e os não cristãos, com aqueles que negam todas ou quase todas as verdades ensinadas pela Igreja. Como uma procura desse gênero pode chegar a resultados positivos para a fé e para os crentes, se ela deva ser aplicada também “aos problemas morais”? Estes problemas morais, os “cristãos”, os católicos deverão de agora em diante resolver ecumenicamente, no dialogo com os outros e não aplicando as regras transmitidas por sua fé e sua moral. Com efeito, o entendimento “com os outros homens” está confiado à certeza da existência de “normas objetivas da moralidade”, que podem ser achadas em comum por todos os homens de boa vontade que se fiam em sua consciência moral.
O absurdo desta tese é evidente. Não se pode compreender como, por exemplo, uma norma moral, comum para uma vida familiar sã poderia ser encontrada por católicos, para quem a indissolubilidade do matrimonio é um dogma de fé, e pelos protestantes e os ortodoxos que, ao contrario, a negam (sem falar naqueles que admitem a poligamia, a concubinagem, o repudio, o casamento provisório). Mas o que é importante, é, sobretudo o principio afirmado: as “normas objetivas” da moralidade não dependem mais da Revelação, mas da “consciência moral”, que as encontra na procura comum com os “outros homens”!
O artigo 16 em questão faz naturalmente referencia à “lei escrita por Deus no coração” do homem, in corde suo: essa lei seria aquela que se verifica nas “normas objetivas” da moralidade. No entanto não é a Verdade Revelada, mas a consciência (dialogante) que faz emergir a lei das profundezas do “coração”; a consciência é, pois a autoridade que determina no fim as normas da moralidade a aplicar: vê-se aparecer novamente a sombra de Rousseau, da “profissão de fé do Vigário da Sabóia” deista e pelagiano.
O texto conciliar esclarece que, quando a “reta” consciência predomina, os homens se afastam da “decisão cega” das paixões, das tentações, etc...mas para isso não é preciso a ajuda da Graça? A verdade católica foi sempre esta, fundada na Tradição e nas Escrituras: sem a Graça, sem a ajuda do Espírito Santo, não se chega a observar nem a moral natural nem a moral revelada que a aperfeiçoa. Mas a esta Graça, o texto do Concilio não faz nenhuma alusão. A “conformidade” com as normas “objetivas” da lei moral, posta por Deus nos nossos corações, depende atualmente, para os católicos também, exclusivamente da “retidão” da consciência, e, pois, do individuo, mergulhado na “procura da verdade” com todos os outros. Assim se afirma de fato, à maneira dos deistas, que a “consciência moral” une os homens para alem e acima das religiões positivas. E a consciência, na verdade, não representa no mais alto grau aquilo que é humano, esses “valores humanos” tão caros à ala progressista do Vaticano II? Ala que chega a afirmar que nós não possuímos ainda a “verdade”, mesmo aquela que é preciso aplicar nas questões morais praticas (não se tira isto de um Magistério infalível de dezenove séculos), mas que ela deve resultar do esforço comum e comunitário da “consciência” de cada um.
Eis, pois o espírito do Vaticano II sobre a natureza efetiva do qual tanto se dissertou.
11.3 A afirmação do principio, coerente com as noções não católicas de consciência e de verdade que acabamos de expor, segundo a qual é preciso conceder “o livre exercício da religião na sociedade” a todos os homens, compreendidos como indivíduos, sem o que isto seria “injuriar a pessoa humana”, desde que “a ordem publica justa [terminologia vaga] seja salvaguardada” (DH 3); e que é preciso conceder aos “grupos religiosos” o culto publico do “numen supremum” (expressão que lembra o Ser Supremo dos deistas e dos revolucionários, de Robespierre), sempre com o único limite genérico das “justas exigências de ordem publica” (DH 4). Esses “grupos” têm o direito de não serem entravados pelo poder civil em sua autonomia organizacional e jurídica, na sua liberdade de movimento (DH 4) e enfim – a coisa mais importante – não devem ser “impedidos de manifestar livremente a eficácia singular de sua doutrina para organizar a sociedade e vivificar toda a atividade humana” (DH 4).Segundo a noção afirmada aqui, evidentemente o Catolicismo está também incluído nos “grupos religiosos”, em um plano de perfeita igualdade com os outros, donde resulta que a “virtude singular” da Religião revelada não é, de acordo com o Concilio, própria para faze-la ocupar uma posição de supremacia absoluta em relação às outras religiões, que não são reveladas! Isto resulta em afirmar que todas as outras religiões têm o mesmo direito que o catolicismo de manifestar publicamente seu culto, o que contradiz abertamente a proposição 78 do Silabus, que condena este direito.
Trata-se de um grave desvio doutrinal, que dá aos erros os mesmos direitos que os da única Verdade Revelada, fazendo desaparecer, para os crentes, a diferença entre Verdade e erro, entre a Luz e as trevas. O ensino constante da Igreja foi sempre no sentido de uma tolerância de fato das falsas religiões – em posição de necessária inferioridade jurídica em relação à única Religião Revelada – por razões de oportunidade, concernentes a paz social, a ordem publica e sob a reserva de que seus cultos não comportem aspectos imorais. E, com efeito, o Papa, em seus Estados e em toda a cristandade, sempre tolerou o culto judeu, protegendo-o contra possíveis excessos de zelo ou tentativas de perseguição: mas tratava-se de tolerar um erro, não de lhe reconhecer a mesma liberdade de manifestação que a da verdade revelada.
11.4 Da injusta inclusão paritaria da Igreja nos “grupos religiosos”, quer dizer, da equalização do catolicismo com as falsas “religiões”, o Concilio tira a conclusão lógica de que a liberdade religiosa, que pertence de direito á Igreja Católica, não passa de um caso particular de liberdade religiosa, que se deve conceder a todos os “grupos religiosos” sem distinção. Esta conclusão resulta da frase: “a Igreja reivindica a liberdade enquanto associação de homens tendo o direito de viver, na sociedade civil, segundo os preceitos da fé cristã” (DH 13), frase que parece extraída de uma carta de Pio XI (Firmissimam constantiam de 28/3/1937, AAS 29/ 1937, p. 196), mas onde o Papa se limita a expor um argumento ad hominem em relação a esses Estados que negam, mesmo à Igreja, o simples direito de existência, direito que o Papa quer, ao contrario, que lhe seja justamente reconhecido, como a toda outra associação legitima.
Vaticano II, ao contrario, transforma este pedido de uma liberdade mínima e preliminar, em um princípio fundamental de direito publico da Igreja, como se pedisse para a Igreja apenas uma liberdade de direito comum, “como se ela fosse simplesmente uma associação comparável a outras associações existentes no Estado” (Immortale Dei 1/11/1885 Leão XIII Acta vol. V p.118).
Trata-se de grave erro doutrinal, sempre condenado pelos Papas, já que desconhece a natureza superior da Igreja, que é uma societas perfecta, e sua necessária primazia sobre todas as outras societates, ex sese imperfectae, que concorrem de modo subordinado para prover a “comunidade política” com o bem comum temporal. Trata-se de mais uma incrível regressão no o plano histórico: em pleno século XX, a Hierarquia pede que a Igreja, mesmo nos paises onde é reconhecida como única religião do Estado, seja reduzida à simples condição de religio licita e aceita a este titulo: um culto permitido ao lado de todos os outros, como no tempo do edito de Constantino que pôs fim às perseguições (AD 313).
11.5 A falsa afirmação de que “a liberdade da Igreja”, entendida assim como vimos, é um “princípio fundamental nas relações da Igreja com os poderes civis e toda a ordem civil” (DH13).
A afirmação é errada, porque o princípio fundamental do Direito publico da Igreja é, desde sempre, o princípio segundo o qual o Estado tem o dever de reconhecer a realeza do Cristo (Leão XIII Immortale Dei; São Pio X Carta sobre o Sillon 29/8/1910). Trata-se de o “oportet Illum regnare” (1 Cor. 15,25), nas relações entre o Estado e a Igreja e no seio da própria sociedade, princípio que a Hierarquia deixou cair no esquecimento a partir de Vaticano II. Isto significa reduzir ilegitimamente a ajuda que o Estado deve levar para a Igreja apenas ao reconhecimento de sua liberdade, de sua independência, apenas ao aspecto negativo do não impedimento, enquanto que, ao contrario, a Igreja tem igualmente direito a uma ajuda positiva, que consiste em sustenta-la de todos os modos possíveis.
10.0 Uma noção de “vida política” que não é católica, mas que, ao contrario, parece conforme ao principio leigo de humanidade: “Para instaurar uma vida política verdadeiramente humana, nada é mais importante do que desenvolver o sentido interior de justiça, de bondade, de devotamento ao bem comum e de reforçar as convicções fundamentais sobre a verdadeira natureza da comunidade política, como sobre o fim, o bom exercício e os limites da autoridade publica (Gaudium et Spes 73)”.
Não se preocupam, aqui, com uma “vida política” marcada pelos valores cristãos, mas com uma “vida política” marcada pelos valores humanos. Quer dizer, em toda sua generalidade, “o sentido interior de justiça, de bondade, o devotamento ao bem comum”. Realmente, não se trata da adesão da inteligência e da vontade aos princípios da “justiça”, da “bondade”, do “devotamento”, fundados em uma Verdade revelada, princípios objetivamente estabelecidos por Deus e ensinados pela Igreja ao curso dos séculos e que exigem nosso assentimento, mas do simples “sentido interior” (interiorem...sensum) que o individuo possa ter desses princípios, fundados por conseqüência no individuo, sobre essas opiniões: concepção subjetivista da “vida política”, da práxis em geral ou da ortopraxis (politicamente correto) típico do pensamento moderno, totalmente estranho ao Catolicismo e mesmo fatalmente contrario a ele. Essa “vida política verdadeiramente humana” ostenta, pois uma finalidade unicamente terrestre.
10.1 A definição da “verdadeira natureza da comunidade política”, que deve contribuir para a instauração da “vida política verdadeiramente humana” (GS 73 cit.) se põe na mesma perspectiva impregnada do laicismo e do imanentismo não católico. Com efeito, não se diz o que seja em si a “comunidade política”, mas somente que ela existe “em função do bem comum”, que “compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos homens, às famílias e aos agrupamentos se realizarem mais completamente e mais facilmente” (GS74).
É esta uma concepção do bem comum em harmonia com o ensinamento tradicional da Igreja? Não, porque esta concepção identifica o bem comum com as “condições de vida social” permitindo uma “realização” individual e coletiva que não mostra nenhuma ligação com o sobrenatural. Isto constitui um erro doutrinal. A Igreja, com efeito, sempre insistiu sobre o fato de que a procura do bem comum temporal, se bem que goze de uma certa autonomia, deve, no entanto sempre concorrer para a procura do “bem supremo”, que constitui para cada um a salvação e a Visão Beatifica: “Favorecendo a prosperidade publica, a sociedade civil [...] deve prover o bem dos cidadãos não somente não opondo nenhum obstáculo, mas assegurando todos os meios possíveis para a procura e aquisição desse bem supremo e imutável ao qual eles aspiram. O primeiro destes meios consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da religião pela qual os atos justos unem o homem a Deus (Leão XII Imortale Dei 1/11/1885, e Santo Tomás De Reg. Princ. I, XV).
A “realização” de que fala o Concilio concerne, ao contrario, os valores humanos e não os valores cristãos, se bem que a existência da autoridade, que preside á realização do bem comum, é justificada com essa reserva de que ela não exerça sua função “de uma maneira mecânica[?] ou despótica, mas agindo antes de tudo como uma força moral(vis moralis) que se apóia sobre a liberdade e o sentido da responsabilidade” (GS 74). Quer dizer, com uma reserva em favor da democracia, que se exprime na acentuação posta na “liberdade” e no “sentido de responsabilidade”, compreendidos como valores determinando em absoluto o exercício da autoridade.
Somente depois desta especificação é que o texto conciliar lembra Rom. 13, 1-5, que estabelece a origem divina de toda autoridade constituída, mas lembra essa passagem deformando-a, invertendo-a, porque afirma: “Com toda evidencia, a comunidade política e a autoridade publica encontram pois seu fundamento na natureza humana e tiram daí uma ordem fixada por Deus [...] (Rom. 13, 1-5)”, (GS 74). A distorção, e mesmo a inversão se encontram na afirmação de que a “comunidade política” e a autoridade acham seu fundamento “na natureza humana” e pois (ideoque) a “tiram de uma ordem fixada (praefinitum) por Deus”, o que torna a colocar o homem diante de Deus e a considerar o “fundamento” da comunidade política do tipo democrática na “natureza humana” (porque fundada na “liberdade” e no sentido de responsabilidade”) como condição substancial para “pertencer” à ordem fixada por Deus. Mas esta não é a noção expressa pelo Apostolo dos Gentios, por quem o Espírito Santo nos ensina que todo potestas vem de Deus, qualquer que seja sua forma de governo, em conseqüência do que ela encontra seu “fundamento” na natureza humana e na natureza humana corrompida pelo pecado original, que sempre precisou da espada do poder civil para ser refreada. (Rom. 13, 4).
10.2 A obscura precisão segundo a qual “o exercício da autoridade política” tanto no nível das “comunidades” como no do Estado, “deve desdobrar-se nos limites da ordem moral, em vista do bem comum (mas concebido de uma maneira dinâmica) etc”. (GS 74).
Precisão obscura porque não se diz de que “ordem moral” se trata e não se compreende o que significa exatamente um bem comum “concebido de uma maneira dinâmica”. O que quer que seja, esse dinamismo tão desejado tem como pano de fundo o mito do progresso, do crescimento, da expansão da atividade humana no universo (cf. § 6), em resumo os valores do Século e não os valores católicos.
10.3 Um tipo de individuo ideal (que a “comunidade política” assim concebida deve “formar”), que não tem nada de católico já que se trata de um “homem cultivado (excultum), pacifico, benevolente em relação a todos, para a vantagem de toda família humana” (GS 74). Comparemos esse retrato com o retrato do perfeito franco-maçom tal como aparece em uma das numerosas Constituições da Ordem: “O maçom é um sudito pacifico dos poderes civis, onde reside ou onde trabalha e não deve nunca se misturar a complôs ou conspirações contrárias à paz publica ou ao bem das nações, nem desobedecer a seus superiores” (Grande Loja das Sete Províncias Unidas dos Paises Baixos, S’Gravenhage, 1761, em anexo a B. Fay, A Franco-maçonaria e a revolução intelectual do século XVIII. Gaudium et Spes, no artigo 43, convida os cristãos a se comportarem como “cidadãos do mundo”; cf. §17.5).
10.4 Uma definição de amor pela pátria que vai mais no sentido do humanitarismo e da fraternidade maçônicas do que no sentido da tradição católica: “que os cidadãos cultivem com magnanimidade e lealdade o amor da pátria, mas sem estreiteza de espírito, quer dizer, de tal maneira que ao mesmo tempo levem sempre em consideração o bem de toda a família humana que reúne raças, povos e nações unidos por toda sorte de laços (bonum totius familiae humanae quae varis nexibus inter stirpes, gentes ac nationes coniungitur)” (GS 75)”. A tradição católica nunca viu na “família humana” um valor superior àquele que é inerente às sociedades e às nações cristãs, que deviam ao contrario serem defendidas – às vezes militarmente – contra o assalto do mundo hostil a Cristo (por exemplo no caso da expansão islâmica na Europa).
10.5 Um tipo ideal do político (aquele que exerce a “arte política”) que não tem, tão pouco, nada de católico, já que reproduz o estereotipo do político democrata, então (e hoje) corrente: “Eles [os políticos] lutarão com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o absolutismo e a intolerância, sejam de um homem ou de um partido político; e eles se devotarão ao bem de todos com sinceridade e retidão, bem mais, com o amor e a coragem requeridos pela vida política” (GS 75).
Este é um retrato retórico e xaroposo, genérico, banal no qual falta em todo caso a qualidade fundamental própria de toda figura de homem de estado católico, tal como deveria estar no espírito de um concilio ecumênico: o compromisso para a defesa e a afirmação da religião católica e da moral ensinada por ela.
10.6 A idéia de que a independência da “comunidade política” é tal que exclui toda subordinação mesmo indireta em relação à Igreja. Se é justo lembrar, de maneira geral, que “no terreno que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes uma da outra e autônomas” (GS 76), porque, do ponto de vista da organização, são estruturas independentes (cfImortale Dei,DZ 1866/3168), é falso ao contrario afirmar que elas só têm em comum o fato de estarem “a serviço” de uma genérica “vocação pessoal e social dos proprios homens”, o que deve conduzi-los à procura de “uma cooperação sã, levando em conta circunstancias de tempo e de lugar” (GS 76), o que vale dizer, segundo um simples critério de oportunidade.
Esta doutrina contradiz todo o ensinamento anterior, o qual sempre afirmou a primazia da Igreja, enquanto societas perfecta, sobre a sociedade civil ou sobre a dita “comunidade política” e, pois, sua potestas indirecta sobre esta ultima (cf. § 2.9); primazia justificada, no que concerne ao fim, pela necessária subordinação do bem comum temporal, para o qual tende a “comunidade política”, ao bem supremo para o qual tende a Igreja. Mas o fim que o Vaticano II atribui à Igreja é na realidade, já o vimos, um fim terrestre; assim seu fim não é diferente do fim da “comunidade política”, como aparece em GS 76, onde se repete, citando Lúmen Gentium 13, que o “dever” da Igreja “é favorecer e elevar tudo o que se encontra de verdadeiro, de bom, de belo na comunidade humana” (cf. seção 6).
A “colaboração sã” da “comunidade política” com a Igreja Católica não pode ser deixada ao sabor das circunstancias de fato, nem em função dos ditos “valores humanos”. Ao contrario, é preciso reafirmar que esta “colaboração” é um dever para os Estados, porque estes têm a obrigação de defender a única verdadeira religião revelada e de realizar o Reino social do Cristo, imprimindo no bem comum a marca dos valores católicos. É preciso também lembrar que a falsa doutrina de independência e de separação da “comunidade política” e da Igreja já foi condenada por Pio IX na proposição 55 do Syllabus, assim como por São Pio X na encíclica Pascendi contra o modernismo.
9.0 A falsa atribuição a todas as religiões não cristãs de uma fé no Deus criador, semelhante à nossa: “Com efeito, a criatura sem criador se desvanece. Alem disto, todos os crentes, qualquer que seja a religião a que eles pertencem (cuiuscumque sint religionis) sempre escutaram a voz de Deus e sua manifestação, na língua das criaturas” (Gaudium et Spes, 36). A atribuição é falsa, porque o hinduismo e o budismo, para dar somente dois exemplos, ignoram completamente a noção de um Deus que criou a partir do nada e que “se manifesta” nas suas criaturas, já que eles estão convencidos de que a realidade procede por emanação de uma força cósmica impessoal e eterna que se repete identicamente em todas as coisas, da qual tudo vem e à qual tudo volta nela se dissolvendo.
9.1 A atribuição paralela e inconcebível de um certificado de verdade e de santidade a todas as religiões não cristãs, embora estas não contenham a verdade revelada mas sejam o fruto do espírito humano e, enquanto tais, não resgatam nem salvam ninguém: “A Igreja Católica não rejeita nada do que é verdadeiro e santo (Vera et sancta) nestas religiões. Ela considera com sincero respeito estas maneiras de agir e de viver, estas regras e estas doutrinas que apesar de diferirem em muitos pontos do que ela mesma sustenta e propõe, no entanto trazem muitas vezes um lampejo da Verdade que ilumina todos os homens” (Nostra Aetate 2).
É preciso notar a contradição contida nesta frase em tom manifestadamente deista: se estas religiões “diferem em muitos pontos” do ensino da Igreja Católica, como pode “trazer muitas vezes um lampejo da Verdade que ilumina todos os homens”? Isto significa que para o Concilio, a verdade “que ilumina todos os homens” pode ser trazida por regras e doutrinas que diferem, “em muitos pontos”, do ensinamento da Igreja! (Como um autentico Concilio ecumênico da Igreja Católica pode ter inspirado uma tal noção?).
9.2 A afirmação sem fundamento, sempre negada pela Tradição e pela Escritura (Sal. 95 (96), v. 5: “ Porque todos os deuses das gentes são ídolos vãos”; 1 Cor. 10, 20) segundo a qual as religiões pagãs , passadas e presentes, teriam sido de alguma forma incluídas na salvação.
O artigo 18 do decreto Ad Gentes, sobre a atividade missionária, afirma, com efeito, que os “Institutos religiosos” nos paises de missão, alem de adaptar seus “tesouros místicos” ao gênio e ao caráter de cada nação, “devem examinar como as tradições ascéticas e contemplativas, cujos germes (semina) foram algumas vezes espalhados por Deus nas civilizações antigas [em geral, e pois também em suas religiões] antes da pregação do Evangelho, podem ser assumidas na vida religiosa cristã”. As “civilizações antigas”, cujos deuses eram “ídolos”, cujos sacrifícios eram oferecidos” aos ídolos e não a Deus” (1 Cor.10, 20), são aqui injustamente revalorizadas pelo Concilio, que quer reconhecer nelas uma presença salutar das “semina Verbi”, dos “germes da Verdade revelada”. Mas isto viola uma verdade que sempre foi considerada como pertencente ao deposito da fé. (A mesma noção é aplicada a todos os povos não cristãos contemporâneos, ai compreendendo então os pagãos, na Lumen Gentium 17 e Ad Gentes 11: os missionários devem descobrir os “germes escondidos do Verbo” entre os povos confiados à sua evangelização).
9.3 A falsa descrição do hinduismo, porque se pode ler, em Nostra Aetate 2, que “no hinduismo, os homens escrutam o mistério divino e o exprimem pela fecundidade inesgotável dos mitos e pelos esforços penetrantes da filosofia; procuram a libertação das angustias de nossa condição, seja pelas formas da via ascética, seja pela meditação profunda, seja pelo refugio em Deus com amor e confiança”.
Falsa descrição, porque induz o católico a considerar como validas a mitologia e a filosofia hindus, como se elas “escrutassem” efetivamente o “mistério divino” e como se a ascese e a meditação hindus realizassem alguma coisa de semelhante à ascese cristã. Sabemos ao contrario que a mistura de mitologia, de magia e de especulação que caracteriza a espiritualidade hindu desde a época dos Veda (séculos XVI –X a.C.) é responsável por uma concepção da divindade e do mundo completamente monista e panteísta pois, concebendo Deus como uma força cósmica impessoal, ignora a noção de criação e por conseqüência não faz a distinção entre a realidade sensível e a realidade sobrenatural, entre a realidade material e a realidade espiritual, entre o todo e os elementos particulares, dissolvendo toda existência individual na indistinção do Um cósmico, de onde tudo emana e ao qual tudo retorna na eternidade, enquanto que o eu individual seria em si uma pura aparência. O que falta a esse pensamento, “penetrante” segundo o texto conciliar, é, por força das circunstâncias, a noção da alma individual (bem conhecida dos gregos, em contrapartida) e do que nós chamamos vontade e livre arbítrio.
Acrescentemos a esta doutrina a noção de reencarnação, concepção particularmente perversa (explicitamente condenada no esquema de constituição dogmática De deposito fidei pure custodiendo, que foi elaborado durante a fase preparatória do Concilio e que os progressistas e João XXIII fizeram encalhar durante o Concilio por seu caráter pouco “ecumênico”), e o fato de que a dita “ascese” hindu não é mais do que uma forma de epicurismo para brâmanes, uma procura egoísta e requintada de uma indiferença espiritual superior em relação a todo desejo, mesmo o bom e em relação a toda responsabilidade, indiferença justificada pela idéia de que todo sofrimento purga as faltas de uma vida anterior, etc...O que podem aprender de bom os católicos com tal concepção do mundo? Gostaríamos realmente saber.
9.4 A falsa representação do budismo, variante autônoma parcialmente purificada do hinduismo. Pode-se, com efeito, ler em Nostra Aetate 2, que no budismo “a insuficiência radical deste mundo mutante é reconhecida e se ensina uma via pela qual os homens, com um coração devoto e confiante, poderão ou adquirir o estado de liberdade perfeita, ou atingir a iluminação suprema por seu próprio esforço ou por um socorro vindo do alto”.
É a imagem de um budismo à la de Lubac, revista e corrigida para ser apreciada por católicos ignorantes que não sabem que “a insuficiência radical deste mundo” é enquadrada pelos budistas numa verdadeira “metafísica do nada”, segundo a qual o mundo e o eu são existências ilusórias e aparentes (e não simplesmente caducas e passageiras mas bem reais, como para o cristão). Para o budista, tudo “se compõe e se decompõe” ao mesmo tempo, a vida é um escoamento continuo cheio da dor universal e para ultrapassar esta dor é preciso se persuadir de que tudo é vão, é preciso se libertar de todo desejo e se fiar em uma iniciação intelectual, uma gnose semelhante à dos hindus (permitindo até o uso da “magia sexual” no budismo tântrico), gnose que deve fazer-nos chegar à indiferença completa de tudo, o Nirvana (“desaparecimento”, “extinção”): uma condição final de privação absoluta na qual só há o nada, o vazio, na qual o eu se extingue totalmente para se dissolver de modo anônimo no Tudo e no Um. Eis o “estado de libertação prefeita” ou de “iluminação suprema” que o Vaticano II ousou propor à atenção e ao respeito dos católicos!
9.5 A afirmação segundo a qual “a proposta da salvação (propositum salutis) engloba também aqueles que reconhecem o Criador e entre eles, primeiramente (in primis), os muçulmanos que declaram que guardam a fé de Abraão, adoram conosco o Deus único, misericordioso, que julgará os homens no ultimo dia (qui fidem Abrahae se tenere profitentes, nobiscum Deum adorant unicum etc...)” (Lumen Gentium 16).
Esta afirmação atribui falsamente aos muçulmanos a adoração de nosso Deus e os inclui enquanto tais na proposta da salvação; afirmação contraria ao dogma de fé, já que aquele que não adora o verdadeiro Deus não pode ser incluído no plano da salvação.E os muçulmanos não adoram o verdadeiro Deus porque se bem que reconheçam a Deus (Alá: “o Deus”) a criação do “mundo” e do “homem” a partir do nada, assim como os atributos tradicionais de onipotência e de onisciência e se bem que o reconheçam como Juiz do gênero humano no fim dos tempos,não o concebem como Deus pai, que na sua bondade criou o homem à Sua “imagem e semelhança” (Gen.1,26; Deut. 32, 6 etc...), e não crêem na Santíssima Trindade, da qual têm horror repetindo o erro dos judeus; negam por conseqüência a Graça, a divindade de Nosso Senhor, a Encarnação, a Redenção, a morte na cruz, a Ressurreição: negam todos os nossos dogmas e recusam ler o Antigo e o Novo Testamento, já que os consideram como textos falsificados, não contendo evidentemente nenhuma menção de Maomé.
Alem disso, os muçulmanos recusam o livre arbítrio (defendido somente por alguns exegetas minoritários considerados como heréticos), professando um determinismo absoluto, que não deixa lugar no mundo para as verdadeiras relações de causa e efeito, já que todas as nossas ações, boas e más, foram “criadas” pelo insondável decreto de Alá (Alcorão 54: 52-53).
9.5.0 O reconhecimento de LG 16 é repetido na declaração Nostra Aetate de modo mais detalhado e mais grave: “A Igreja olha também com estima os muçulmanos, que adoram o Deus uno, vivo e subsistente, misericordioso e todo poderoso, criador do céu e da terra, que falou aos homens (qui unicum Deum adorant etc..., homines allocutum). Procuram se submeter com toda sua alma aos decretos de Deus, mesmo se estão ocultos (cuius occultis etiam decretis toto animo se submittere student), como Abraão foi submisso a Deus, a quem a fé islâmica se refere com boa vontade” (NA 3). Aqui se chega a afirmar que o Deus em que crêem os muçulmanos “falou com os homens”! O Concilio mostra então que considera como autentica a “revelação” transmitida por Maomé no Alcorão? Se for assim, não é uma apostasia implícita da Fé cristã que temos aqui, sabendo que a “revelação” exposta no Alcorão contradiz expressamente todas as verdades fundamentais cristãs?
Além do mais, se descreve a maneira de crer dos muçulmanos precisamente como eles a entendem, dando a entender que o Concilio a aprova. Com efeito, se emprega a imagem da “submissão a Deus”, que é o sentido do termo “islã” (submissão) e cujo adjetivo substantivado é muslim, muçulmano = submisso (a Deus). A frase inteira parece repetir o Alcorão 4:124: “E quem tem uma religião melhor que aquele que se remete inteiramente a Alá, faz o bem e segue a crença de Abraão, como um puro monoteísta (hanif)?” Enfim, a alusão à obediência aos decretos de Alá “mesmo os ocultos” tem um perfume fortemente islâmico, pois ela nos lembra que no Alcorão, Alá é definido como “o visível e o oculto” (57:3), visível em suas obras e oculto em seus decretos: como se o Concilio tivesse querido que compreendêssemos que sua “estima” não recuava em face do caráter ambíguo, perturbador, impenetrável da entidade que fala no Alcorão.
O elogio do Vaticano II à “fé” de Abraão professada pelos muçulmanos, como se ela constituísse uma característica que os aproxima de nós, esconde a verdade, já que se sabe que o Abraão do Alcorão, impregnado de elementos legendários e apócrifos, não corresponde ao verdadeiro Abraão, que é evidentemente aquele da Bíblia, porque o Alcorão atribui a Abraão um “monoteísmo puro” ou antitrinitário, anterior ao monoteísmo judaico e cristão e Maomé, enquanto profeta árabe, descendente de Abraão graças a Israel, teria sido enviado para restaurar esse monoteísmo puro, libertando-o das assim chamadas falsificações judias e cristãs!
9.5.1 Nostra Aetate toma também seriamente em consideração a veneração que os muçulmanos professam por Jesus e a Santa Virgem: “Se bem que não reconheçam Jesus como Deus, veneram-no como profeta; honram sua mãe virginal, Maria, e às vezes até a invocam com piedade” (NA 3)
Mas se sabe que a “cristologia” do Alcorão se funda sobre o Jesus alterado e deformado dos evangelhos apócrifos e das heresias gnosticas de toda sorte que pululavam na Arábia no tempo de Maomé. Mostra um Jesus (Isa) nascido de uma virgem, pela intervenção divina (do anjo Gabriel), profeta particularmente apreciado por Alá, um simples mortal a quem Alá permitiu fazer numerosos milagres, profeta que pregou o mesmo monoteismo que é atribuído a Abraão (57: 26-27), cuja formula declara: “não há nenhum Deus se não Deus, o único, o dominador” (38:65). É por isto que Jesus foi, para os muçulmanos, um servidor de Deus (19:31), um submisso a Alá, quer dizer um muslim, um muçulmano, como Abraão, a ponto de anunciar, como Abraão, a vinda de Maomé (51:6)!Quando os muçulmanos veneram Jesus como profeta, eles o entendem como “profeta do islã”, mentira que nenhum católico, tendo ainda a fé, pode evidentemente aceitar (cf. R. Arnaldez, Jesus filho de Maria, Profeta do islã,Paris, 1980, ps. 11-22, 129-141).
9.5.2 No que concerne à veneração muçulmana em relação à Santa Virgem, que “invocam às vezes com piedade”, é preciso dizer que é um “culto”, praticamente insignificante, de fundo supersticioso; um “culto”, qualquer que seja, que é prestado a Maria enquanto mãe de um “profeta do islã”, e não enquanto mãe de Deus; um “culto” que é então “ofensivo” para as orelhas católicas.
Além disso, é preciso tornar a dizer que a “mariologia” do Alcorão também é inteiramente corrompida, porque vem de uma mistura de fontes apócrifas e heréticas. A existência de São José e do Espírito Santo são completamente ignoradas. Alem disso, Maria é chamada “irmã de Aarão”, irmão de Moisés, e “filha de Inrão” (em hebreu Amrão) que era seu pai (Num. 26,59), confusão com a profetisa Maria (Ex. 15,21), que viveu mais ou menos doze séculos antes de Cristo! E como se isso não bastasse, ela é introduzida na Trindade dos cristãos, tão detestada e que é recusada com raiva porque ela é constituída, segundo o Alcorão, de Deus (Pai), Maria (Mãe) e Jesus (Filho): “Jesus não disse nunca: tomai-me a mim e a mãe como duas divindades, junto de Deus” (5: 116)!
9.5.3 Enfim, Nostra Aetate 3 parece louvar os muçulmanos e os dar como exemplo aos católicos, porque eles “esperam o dia do julgamento onde Deus retribuirá a todos os homens ressuscitados” e porque eles “têm estima pela vida moral e rendem um culto a Deus, sobretudo pela prece, a esmola e o jejum”; razão pela qual – conclui o artigo – uma vez esquecidas as “numerosas dissensões e inimizades” que caracterizavam o passado, “o Concilio exorta a todos a esquecerem o passado e a se esforçar sinceramente à compreensão mutua, assim como proteger e promover juntos, para todos os homens, a justiça social, os valores morais, a paz e a liberdade”
Revoluciona-se aqui também o sentido dos fatos históricos, já que as lutas sangrentas, longas e cruéis, fé contra fé, que tivemos de sustentar no curso dos séculos para afastar o assalto do islamismo, são jeitosamente levadas para a dimensão de simples “dissensiones et inimicitiae”. Alem disso são passadas em silencio as diferenças abismais que existem entre a escatologia católica e a escatologia muçulmana (a ausência de uma verdadeira Visão Beatifica, a luxúria do paraíso, a eternidade das penas infernais reservada apenas aos infiéis), assim como as diferenças abismais entre a concepção muçulmana e a nossa sobre a “vida moral” e o “culto”: o islamismo é uma religião que não somente admite instituições moralmente inaceitáveis, como a poligamia, com todos os seus corolários, mas pretende também garantir a salvação pelas simples praticas legais do culto; religião exterior e legalista, mais ainda do que o farisaísmo condenado formalmente por Nosso Senhor: cf. Mt. 6,5. Tudo isto foi silenciado para nos convidar a uma colaboração impossível, pela simples razão de que os muçulmanos só dão às noções de “justiça social”, “paz”, “liberdade, etc..., o sentido que se pode tirar do Alcorão ou daquilo que foi dito e feito por Maomé, sentido dado no curso dos séculos pela interpretação “ortodoxa”: um sentido “islâmico, totalmente diferente do nosso”. Os muçulmanos, por exemplo, não compreendem a paz do modo como o atual Pontífice reinante a compreende. Eles não admitem que os muçulmanos possam viver sob os infiéis; dividem o mundo em duas partes: a parte onde domina o islamismo (casa do islamismo) e todo os resto, necessariamente inimigo enquanto não estiver convertido e submisso (casa da guerra); daí a comunidade muçulmana se considerar sempre em guerra. A paz não é para eles um fim em si, que permite os Estados e as religiões diferentes coabitarem; é somente um meio, imposto pelas circunstancias, que obrigam fazer armistícios com os infiéis. A paz deve ter uma duração limitada: não deverá nunca ultrapassar dez anos,; cada vez que se tem os meios, a guerra deve ser retomada – é uma obrigação moral religiosa jurídica para o muçulmano – até a inevitável vitória final, a instauração de um Estado islâmico mundial.
NOTA
A afirmação segundo a qual “os muçulmanos adoram conosco o Deus único, etc...”, parece ser justificada pelo Concilio pela citação em nota da carta pessoal de agradecimento que São Gregório VII, Papa de 1073 a 1085, escreveu em 1076 a Anazir, emir da Mauritânia, que se mostrava bem disposto em face de certos pedidos do Papa e generoso em relação a alguns prisioneiros cristãos que ele tinha devolvido. Nesta carta, o Papa afirmava que esse “ato de bondade” tinha sido “inspirado por Deus”, que exige o amor do próximo e o exige especialmente “de nós e de vós... que cremos e confessamos o mesmo Deus, se bem que de modo diferente (licet diverso modo), que louvamos e veneramos todos os dias o Criador dos séculos e senhor deste mundo” (PL, 148, 451 A). Como explicar tais afirmações? Pela ignorância que havia nessa época da religião fundada por Maomé.
No tempo de São Gregório VII, o Alcorão não havia ainda sido traduzido em latim, por isso os aspectos fundamentais de seu “credo” não eram compreendidos. Sabia-se que os muçulmanos, esses inimigos encarniçados do nome cristão, saídos subitamente dos desertos da Arábia em 633 com uma violência de conquistadores, mostravam, no entanto um certo respeito por Jesus, como profeta apenas e pela Santa Virgem; que eles acreditavam em um Deus único, no caráter inspirado das Sagradas Escrituras, no Julgamento e em uma vida futura. Podiam por conseqüência ser tomados por uma seita cristã herética (a “seita maometana”) equivoco que se manteve por muito tempo já que Dante, no começo de século XIV, colocou Maomé no inferno entre os heréticos e os cismáticos (Inferno XXVIII, v.31 ss).
É neste contexto que deve ser colocado o elogio pessoal dirigido por Gregório VII ao emir: a um suposto “herético” que nessa ocasião se comportava caridosamente, como se o verdadeiro Deus em que se considerava que ele acreditava, tivesse tocado seu coração. Com efeito, pode-se dizer de um herético que ele confesse o mesmo Deus que o nosso, mas de uma maneira diferente. O elogio, no entanto não impediu São Gregório VII de defender, com perfeita coerência, a idéia de uma expedição de todos os paises cristãos contra os muçulmanos, para socorrer a cristandade oriental ameaçada de aniquilamento, idéia realizada pouco depois de sua morte com a primeira cruzada, pregada por Urbano II.
A primeira tradução latina do Alcorão só ocorreu em 1143, cinqüenta e oito anos depois da morte de São Gregório VII, pelo inglês Robert de Chester para o abade de Cluny, Pedro o Venerável, que acrescentou a ela uma firme refutação ao credo islâmico; tratava-se na realidade de um resumo do Alcorão, que ficou como a única tradução durante séculos, até a versão critica e completa do padre Marracci em 1698. O Cardeal de Cusa se serviu dessa primeira tradução para escrever sua celebre Cribatio Alcorani (exame critico do Alcorão) na primeira metade do século XV, que precedeu de pouco a bula emanada, em outubro de 1458, de Pio II (Enea Silvio Piccolomini) para lançar uma cruzada (que nunca se realizou) contra os turcos que penetravam nos Bálcãs depois de terem se apoderado de Constantinopla; bula na qual o Papa se referia aos muçulmanos como aos discípulos do “falso profeta Maomé”, noção que ele reafirmou em 12 de setembro de 1459, em notável discurso pronunciado na catedral de Mantua, para onde tinha sido convocada a Dieta encarregada de aprovar a cruzada, discurso no qual se referiu de novo a Maomé como um impostor, dizendo que se o sultão Mehmed não parasse, este, depois de ter sujeitado todos os príncipes do Ocidente, teria “destruído o Evangelho de Cristo e imposto ao mundo todo a lei de seu falso profeta”(cf. C. De Frede A primeira tradução italiana do Alcorão,Nápoles, 1967; F. Babinger, Maomé o conquistador). Aí está a clara e forte condenação do Islamismo e de seu profeta pelo Magistério pontifical, uma vez eliminado o equivoco que teria feito dele uma “heresia” cristã.
9.6 As proposições: “Ainda que as autoridades judias, com seus partidários, tenham levado à morte o Cristo, aquilo que foi cometido durante sua paixão não pode ser imputado nem indistintamente a todos os judeus então vivos, nem aos judeus de nosso tempo. Se é verdade que a Igreja é o novo povo de Deus, os Judeus não devem por isto, ser apresentados como reprovados por Deus nem malditos, como se isto decorresse das Sagradas Escrituras”(NA 4).
É preciso notar aqui a tentativa de limitar a responsabilidade do deicidio a um circulo estreito de pessoas quase particular, quando o Sinédrio, suprema autoridade religiosa, representava todo o judaísmo e por isso comprometia, na rejeição ao Messias e Filho de Deus, a responsabilidade coletiva da religião judia e do povo judeu, como isso aparece de modo indiscutível na Sagrada Escritura (“A partir desse momento, Pilatos procurou libertá-lo. Mas os judeus gritavam : “Se o soltas não és amigo de César”...” João 19,12 e Mt. 27,25: “Seu sangue caia sobre nós e nossos filhos”).
Ficamos chocados pela a afirmação segundo a qual “os judeus... não devem ser apresentados como reprovados por Deus nem malditos, como se isto decorresse da Sagrada Escritura”. Falta aqui a distinção necessária entre os indivíduos e a religião judia. Se falarmos dos judeus indivíduos, a afirmação é verdadeira e demonstrada pelo grande numero de convertidos do judaísmo em todas as épocas. Mas se falamos do judaísmo como religião, a afirmação é errada e ilógica: errada porque contradiz os textos evangélicos e a fé constante da Igreja desde as origens (cf. Mt, 21,43: “Por isso vos digo que vos será tirado o reino de Deus e será dado a um povo que produza os frutos dele”); ilógica, porque se Deus não rejeitou a religião judia ou o povo judeu no sentido religioso (o que era uma só e mesma coisa no tempo de Jesus), então a antiga Aliança deve ser considerada como ainda valida, em concorrência com a Nova, assim como a espera injustificada do Messias, ainda alimentada na hora atual pelos judeus! Tudo isto constitui uma apresentação totalmente mentirosa do judaísmo e de sua relação com o cristianismo.
9.6.0 A afirmação inaceitável, contraria à doutrina eterna da Igreja como a toda exegese católica, segundo a qual os livros do Antigo Testamento esclarecem e explicam o Novo, quando sempre foi ensinado que é o contrario que é verdadeiro, sem reciprocidade e que pois é o Novo testamento que esclarece e explica o Antigo: “...no entanto em sua totalidade os livros do Antigo Testamento utilizados na pregação evangélica adquirem e apresentam no Novo Testamento sua significação completa [afirmação até aqui correta – ndr], e reciprocamente o esclarecem e o explicam [afirmação falsa, em contradição com a precedente] (illud vicissim illuminant et explicant)” (Dei Verbum 16).
9.7 A inversão da missão dos católicos em relação aos praticantes de outras religiões.
Em lugar de exortar os fieis a um impulso renovado para converter o maior numero possível de infiéis, arrancando-os das trevas em que se encontram, o Concilio exorta os católicos a “reconhecer, preservar e fazer progredir os valores espirituais, morais e sócio- culturais que neles se encontram (quae apud eos invenientur)” (NA 2). A bem dizer, se esforçar para que os budistas, os hindus, os muçulmanos, os judeus, etc...continuem budistas, hindus, muçulmanos e judeus e mesmo “progridam” nos “valores” de suas respectivas religiões e culturas, todas hostis à verdade revelada! Esta exortação exprime um principio geral indicado pelo Concilio à “Igreja” que devia nascer de suas reformas e que se autodefine como “Igreja conciliar” (cardeal Benelli); principio pelo qual se mostra ao “povo de Deus” – padres e leigos – a atitude que devem ter em relação aos “irmãos separados” e a todos os não cristãos. Esta exortação pastoral e outras semelhantes (por exemplo, em LG 17; GS 28; UR 4) constituem uma traição aberta à ordem dada por Jesus ressuscitado aos Apóstolos ( “Ide e ensinai a todas as nações”, Mt. 28, 19), ordem que mutatis mutandis, é valida para todo crente, segundo suas capacidades, porque todo crente, em quanto miles Christi, deve dar testemunho de sua fé, segundo as obras de misericórdia corporal e espiritual.
Como se espantar do fato de que, pela aplicação desta funesta exortação, centenas de milhares de católicos já se tornaram budistas ou muçulmanos, enquanto que as conversões de budistas ou de muçulmanos para o catolicismo são praticamente inexistentes? Como negar que esta exortação é uma das provas do fato de que a crise pós-conciliar encontra suas raízes nas falsas doutrinas que penetraram nos textos do Concilio?
8.0 A tese historicamente infundada e doutrina perniciosa, segundo a qual “comunidades consideráveis” (haud exiguae) se separaram da Igreja Católica, melhor dizendo tornaram-se heréticas e cismaticas também por culpa de homens da Igreja: “muitas vezes por culpa das pessoas de uma e de outra parte” (Unitatis Reintegratio 3).
8.1 A afirmação “Os que hoje nascem em tais comunidades e que vivem da fé em Cristo, não podem ser acusados de pecado de divisão” (UR 3).
A afirmação é teologicamente errada, já que o “pecado de divisão” se consuma ainda hoje, quando o cismático e herético, que “vive” não da “fé em Cristo”, mas das doutrinas de sua seita, quando chega à idade adulta, dá a estas doutrinas a adesão consciente de sua inteligência e de sua vontade, passando do estado de herético e cismático material, de quem está no erro de boa fé, ao estado de herético e cismatico formal, de quem por um ato positivo pessoal, se recusa a submeter-se à doutrina revelada por Cristo e à autoridade que ele instituiu.
8.2 A afirmação “os que crêem no Cristo e receberam validamente o batismo, se acham em uma certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja Católica (quadam communione etsi non perfecta)” (UR 3) e a afirmação semelhante do artigo 4, segundo a qual os cismáticos e os heréticos “estão unidos pelo batismo” (baptismate appositi) à Igreja, “mas estão separados de sua plena comunhão” (UR 4), ambas contradizem a tradição universal da Igreja, reafirmada por Pio XII em Mystici corporis, a saber que” só se pode contar no numero dos membros da Igreja os que receberam o batismo de regeneração e que professam a verdadeira fé e não se separaram, infelizmente, deste corpo por si mesmos ou que, por faltas gravíssimas, dela estão separados pela autoridade legitima”. E isto é valido para todos os heréticos e cismaticos públicos, mesmo que estejam de boa fé (heréticos e cismaticos materiais).
Estes últimos, no entanto, diferentemente dos heréticos e cismáticos formais, são, por sua disponibilidade de professar a verdadeira fé na verdadeira Igreja (votum Ecclesiae), “ordenados”, “por um certo desejo inconsciente, ao Corpo místico do Redentor” e, se bem que se encontrem fora da entidade visível deste corpo, podem pertencer-lhe de modo invisível e chegar assim à justificação e à salvação. Entretanto, ficam “privados desses numerosos dons e dessas ajudas celestes dos quais só lhes é dado gozar na Igreja Católica”. Foi por isso que Pio XII, como seus predecessores, os convidaram “a favorecer os movimentos interiores da graça e saírem de seu estado, no qual não podem estar seguros de sua salvação”: “Que entrem então na unidade católica” (AAS 35 (1943) 242-243; DZ 2290/ 3821).
É preciso em seguida notar a falsidade da frase seguinte, contida na UR 3: “No entretanto, justificados pela fé recebida no batismo, [os “irmãos separados”] estão incorporados ao Cristo e levam a justo titulo o nome de cristãos”; frase pela qual se introduz a idéia de que em virtude só do batismo, os não católicos estão “incorporados ao Cristo” e que podem ser contados no número dos membros da Igreja, independentemente da profissão da verdadeira fé e da obediência aos Pastores legítimos.
A frase é o resultado da manipulação de uma passagem do Concilio de Florença (1439), ao qual se faz referencia em nota, extraída do celebre decreto pro Armenis que restabeleceu a unidade com a Igreja armeniana. Mas o decreto em questão ilustra os sete Sacramentos, tais como devem ser compreendidos pelos Católicos, sem fazer nenhuma referencia ao batismo dos heréticos e à sua significação: “O primeiro de todos os sacramentos é o batismo, porta da vida espiritual: graças a ele nos tornamos membros do Cristo e parte do Corpo da Igreja (per ipsum enim membra Christi ac de corpore efficiamur Ecclesiae)” (DZ696/1314). Aqueles que estão “incorporados” ao Cristo, à Igreja, são aqui católicos e não os heréticos e os cismaticos.
8.3 A ilustração na Lúmen Gentium 8 (cf.§2.0) da falsa noção segundo a qual o patrimônio de valores dos “irmãos separados”, estaria incluido nos “elementa plura sanctificationis et veritatis” que, fora da Igreja Católica, “pertencem de direito à única Igreja do Cristo” (UR 3). Esses “elementos de santificação e de verdade” seriam: “a palavra de Deus escrita, a vida da graça, a fé, a esperança e a caridade e outros dons interiores do Espírito Santo e de outros elementos visíveis”. Deveria-se, então, concluir que “essas Igreja e comunidades separadas, se bem que as cremos vitimas de deficiências [a heresia e o cisma tornaram-se simples “deficiências”], não são, de maneira nenhuma, privadas de significação e de valor no mistério da Salvação. O Espírito do Cristo, com efeito, não recusa se servir delas como meios de salvação cuja força deriva da plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica” (UR 3).
Não se chega a compreender como a “vida da graça” e as três virtudes teologais (fé, esperança e caridade) possam ser conservadas em comunidades heréticas e cismáticas, rebeldes à autoridade da única Igreja legitima do Cristo, sabendo-se que aqui se trata de “comunidades”, organismos estrangeiros e opostos à única Igreja do Cristo e não de indivíduos (para os quais cf. §8.1 e 8.2) Alem disso, gostaríamos de saber quais as possibilidades de “santificação” e quais as “verdades” que estão contidas nas doutrinas e no modo de viver dessas comunidades heréticas e cismáticas orgulhosamente opostas ao Pontífice Romano e a tudo o que é católico e nas quais muitos negam a própria idéia de “santificação” e defendem uma noção inteiramente subjetiva da verdade incluindo a verdade revelada.
8.4 A afirmação segundo a qual os “cristãos não católicos” (que são heréticos e cismáticos formais ou aos menos materiais) gozariam, em quanto tais, de “uma união real no Espírito Santo, (immo vera quaedam in Spiritu Sancto coniunctio), pois o Espírito age igualmente neles por seus dons e suas graças com seu poder santificador; e ele deu a alguns dentre eles uma virtude que os fortificou até a efusão de seu sangue” (LG 15).
Afirmação doutrinariamente falsa porque os “irmãos separados” são “separados” precisamente porque se rebelaram contra o ensino da Igreja, resistindo assim ao Espírito Santo, que não pode então nem “se unir” a eles enquanto comunidades “separadas” e revoltadas, nem conferir a heréticos e cismáticos, enquanto os são, o dom do martírio pela verdadeira fé, que eles não professam e que até mesmo combateram. Os missionários protestantes mortos porque missionários não podem ser considerados como mártires, quer dizer testemunhos da verdadeira fé.
Certamente, um herético formal pode, pela graça de Deus, se converter e morrer pela verdadeira fé, mas então ele morre católico; um herético material pertence, de maneira invisível, pelo votum Ecclesiae, à Igreja Católica e pois, se for martirizado, morre também católico, não herético nem cismatico (mas isso – como diz Pio IX – é “o segredo de Deus”).Mas não é isso que os artigos citados querem dizer: estes afirmam suficientemente claro, ao contrario, que os “não católicos” seriam assistidos enquanto tais pelo Espírito de Verdade, a ponto de, alguns entre eles, terem “derramado seu sangue”, quer dizer suportado o martírio por sua fé, o que implicariam em dizer: por seus erros! Os textos se prestam a pior interpretação, que é essa de querer, por sua alusão aos “mártires” sem referir a sua “fé”, se referir também aos heréticos obstinados, tenazes corruptores de almas, justamente condenados no passado pela Igreja (ver também Dignitatis Humanae, que condena o uso da força para defender a fé, que foi praticada outrora pela Igreja).
8.5 O novo dever pastoral confiado à Igreja de “colaborar com o gênero humano [no lugar de o converter ao Cristo] para a instauração de uma fraternidade universal” (GS 3); daí a exortação dirigida aos católicos (em realidade uma ordem) para colaborar com os heréticos e os cismaticos (os “irmãos separados”) para elaborar traduções ecumênicas das Santas Escrituras (Sacrosantum Concilium 22); para colaborar na obra do apostolado cristão, em nome do “patrimônio evangélico comum”, que comportaria até “o dever comum (officium) do testemunho cristão” (Apostolicam Actuositatem 27; UR 24); para orar com eles em certas circunstancias especiais (UR 8).
Trata-se de uma pastoral totalmente nova, porque ensina exatamente o contrario do que foi ordenado pelos Apóstolos quanto à atitude que se deve ter em relação aos heréticos: “Foge do homem herege, depois da primeira e segunda correção; sabendo que um tal homem está pervertido e peca, condenado pelo seu próprio juízo”(Tito 3, 10-11); “Se alguém vem a vós e não traz esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda, participa das suas obras más” (2 João, 10-11).
O erro doutrinal que subentende a “nova” pastoral é evidente: não existe e não pode existir “patrimônio comum” e “valores comuns” com os heréticos e os cismáticos. Os protestantes não reconhecem a Tradição como fonte do dogma, nem reconhecem a verdade de fé segundo a qual é o Magistério da Igreja, assistido pelo Espírito Santo, que define “o sentido e a interpretação das Escrituras” (DZ786/1507), Escrituras que eles deformam de mil modos, se fiando no livre exame individual, ao qual ousam submeter a aceitação de tal ou qual verdade revelada. Lutero, seu chefe, destruiu tudo o que ele pôde no dogma e na moral: negou a autoridade do Papa, da Tradição, o sacerdócio, alterou as Escrituras desnaturou a própria noção de Igreja, reduziu o numero dos Sacramentos de sete para dois e estes dois são abastardados, negou a transubstanciação e o sentido propiciatório do Santo Sacrifício, o Purgatório, a virgindade de Maria depois do parto, ridicularizou o principio da Santidade, a virgindade e a castidade, admitiu o divorcio, negou o livre arbítrio e o valor meritório da obras, fomentou os ódios entre cristãos incitando-os alem disso contra o principio da autoridade. Os anglicanos conservaram o episcopado, mas é como se não o tivessem porque suas consagrações e ordenações são nulas. Leão XIII declarou-o pelo julgamento dogmático em 1896 (DZ 1963/3315 ss. e 3317 a-b): são nulas por defeito de forma e de intenção.Os anglicanos são uma seita submissa ao poder político, uma “religião civil” com fachada cristã. Entre os protestantes está hoje espalhada a presença de “sacerdotisas”, forma de neopaganismo no qual os heréticos caíram depois da penetração do feminismo e que querem instaurar também na Igreja católica, tornada “ecumênica” (sobre os “ortodoxos” ver abaixo 8.6).
8.6 A terminologia ambígua “Igrejas ou comunidades eclesiais” ou ainda “Igrejas e comunidades separadas”, relacionadas “às denominações não católicas: “suas próprias Igrejas ou comunidades” (LG 15); “...estas Igrejas e comunidades separadas...” (UR 3).
Uma tal terminologia qualifica de “Igrejas” as seitas heréticas e cismáticas com um erro teológico evidente já que somente a Igreja católica é a Igreja fundada por Cristo. Nenhuma comunidade separada desta Igreja, fundada por Cristo sobre Pedro, pode pretender ser, nem individualmente nem reunida nas outras comunidades separadas, esta Igreja única e católica que Jesus Cristo instituiu; nenhuma pode, alem disso, pretender ser membro ou parte desta, estando visivelmente separada da unidade católica o que é também a situação dos Orientais cismaticos, como foi reafirmado, contra as pretensões do ecumenismo não católico, por todos os Pontífices Romanos, de Pio IX a Pio XII.
8.7 A exortação dirigida aos teólogos católicos, a fim de que “expondo a doutrina, lembrem-se de que há uma ordem ou uma “hierarquia” das verdades da doutrina católica, em razão de suas diferentes relações com os fundamentos da fé cristã” (UR 11).
Esta exortação contem a idéia errada, expressamente condenada por Pio XI em “Mortalium animos” (1929 DZ 2199/1683), da existência de verdades reveladas, de dogmas, que sejam mais ou menos importante aceitar, quando, em razão da autoridade de Deus, temos de aceitar, com a mesma obrigação, todas as verdades contidas na Revelação Divina, porque “à razão repugna que não se creia mesmo que seja em uma só coisa se foi dita por Deus” (Leão XIII Satis Cognitum).
A exortação leva à conclusão absurda de que, no “dialogo ecumênico”, se possa discutir com os hereges as “verdades doutrinais” que nessa pretensa “hierarquia”, ocupem uma posição menos importante; esta exortação desemboca, na continuação, no falso principio contido na conclusão do artigo 11, do qual falaremos no próximo parágrafo.
8.8 O principio segundo o qual, expondo as doutrinas da Igreja em face àquelas dos irmãos separados, levando em conta a “hierarquia” (inexistente) das verdades doutrinais, “será traçada a via que conduzirá a todos, por esta emulação fraterna, a um conhecimento mais profundo e uma manifestação mais evidente das insondáveis riquezas do Cristo (Efesios, 3,8)” (UR11).
Principio inaudito, no limite da heresia, porque confia o dever de “um mais profundo conhecimento” e “uma manifestação mais clara” das “insondáveis riquezas do Cristo” ao estudo teológico em comum com os heréticos. Como se não fosse o Magistério infalível encarregado de transmitir fielmente e de definir claramente a Verdade revelada e como se a Verdade católica pudesse andar ao par com os erros dos membros das seitas e dos cismáticos e até se colocar em uma “emulação fraterna” para nos fazer conhecer melhor as riquezas insondáveis de Nosso Senhor! São Paulo nos diz em Efesios 3,8 (traiçoeiramente citado pelo Concilio) que “lhe foi dada a graça de anunciar aos Gentios a insondável riqueza do Cristo”: de anuncia-la pela pregação da sã doutrina (2 Tim. 4,2-3), não pelo “dialogo” com os heréticos e os cismáticos, expressamente interdito por ele e por São João (e por todos os Papas) (cf. § 8.5)
8.9 O enfraquecimento, a deminutio, para satisfazer os protestantes, do dogma definido pelo Concilio de Trento, segundo o qual só a Igreja é encarregada de “julgar a verdadeira significação e interpretação das Santas Escrituras” (DZ 786/507). O enfraquecimento deste dogma tem lugar na frase: “segundo a fé católica, o magistério autentico ocupa um lugar particular (peculiarem locum) para a explicação e a pregação da Palavra de Deus escrita” (UR 21). Somente um “lugar particular” na “explicação” e na “pregação” da Palavra escrita? Mas é bem mais do que isto que cabe ao Magistério, porque ele é sobrenaturalmente fundado e assistido, é o único juiz da “verdadeira significação e da interpretação das Escrituras”.
8.10 A afirmação errada segundo a qual os protestantes “querem, como nós, se apegarem à Palavra do Cristo como a fonte da força cristã, etc...” (UR 23). Esta afirmação está errada porque os protestantes querem, na realidade, se prenderem à “palavra do Cristo” não como católicos, quer dizer, não como a Igreja Católica ensina, mas segundo o falso principio do “livre exame”, que permite “proclamar livremente tudo o que [lhes] parecer verdadeiro” (confidenter confitendi quidiquid verum videtur) principio formalmente condenado como herético em 1520 por Leão X, na bula Exurge Domine, que condenou as heresias de Lutero (DZ769/1479).
7.0. Uma variação na doutrina do matrimônio contrário ao ensino constante da Igreja.
Efetivamente, a instituição do casamento passa a ser concebida, em primeiro lugar, como “comunhão de vida e de amor” dos esposos (GS 48), da qual a procriação é o fim próprio: “É por sua própria natureza que a instituição do casamento e o amor conjugal são ordenados à procriação e à educação que, como um cume, constituem sua coroação”. (GS cit.). Nota-se que não acham na prole sua razão de ser, mas sua “coroação”. Assim, o fim constituído pelo aperfeiçoamento mútuo, de secundário se torna o principal, enquanto que o verdadeiro fim primeiro, o fim da procriação, torna-se secundário porque colocado como conseqüência ou coroação do valor personalista do matrimônio.
7.1. Uma definição do amor conjugal no artigo 49 de GS, que abre o caminho para o erotismo no casamento, contra toda a tradição da Igreja.
Depois de ter revelado que “muitos de nossos contemporâneos [?] exaltam também o amor autêntico entre marido e mulher...”, frase que fere, por sua generalidade, sua evidência e sua inutilidade, o Concílio prossegue: “Eminentemente humano (amor, utpote eminenter humanus) já que vai de uma pessoa para uma outra em virtude de um sentimento voluntário, esse amor envolve o bem da pessoa inteira; pode, portanto enriquecer com uma dignidade particular as expressões do corpo e da vida psíquica (ideoque corporis animique expressiones) e as valorizar como os elementos e sinais específicos da amizade conjugal”. No texto em língua vernácula, por exemplo, em italiano, no lugar de “amor eminentemente humano” se encontra “ato eminentemente humano”, tradução que confere, nos parece, um sentido equívoco a todo o parágrafo citado. Mas mesmo deixando o original “amor”, permanece o sentido de que esse amor, porque é “eminentemente humano” (o que significa isso?), “enriquece com uma dignidade particular as expressões do corpo”, etc. Expressões do corpo: isto só pode se referir ao conjunto de atos pelos quais os esposos chegam ao “ato conjugal”. Aqui, esses atos, essas “expressões”, são justificadas e de modo indiferenciado, exclusivamente enquanto manifestação corporal, quer dizer, sensual, de amor conjugal e, portanto, por seu valor erótico. A Igreja, ao contrário, sempre ensinou que esses atos são admitidos e somente nos justos limites, unicamente como atos que favorecem o estreitamento conjugal, compreendido como ato natural votado à procriação; admitidos, portanto, em relação ao fim primeiro do matrimônio, que é a procriação e não para a satisfação em si do amor conjugal, compreendida como remedium concupiscentiae, no fim secundário do casamento e, portanto, limitado pelo fim primário deste (Casti Connubii DZ 2241/3718). Atribuir uma “dignidade particular” e “valorizar” os atos de relações íntimas entre os esposos parece, aliás, ridículo, pode ser mesmo inconveniente, em todo caso, isso não está de acordo com o sentido católico do pudor.
7.2. A afirmação segundo a qual “Deus não criou o homem solitário: desde a origem, “Ele os criou homem e mulher” (Gn. 1,27). Esta sociedade do homem e da mulher é a “expressão primeira da comunhão das pessoas” (GS 12 como também 50), afirmação formalmente correta, mas incompleta, e, portanto, fonte de erro doutrinal, porque, não citando o que está escrito em Gn 2, 18 seg., cria a falsa impressão de que Deus criou o homem e a mulher ao mesmo tempo, tornando-os por isso mesmo totalmente iguais.
O Gênese, ao contrário, resume primeiro a obra de Deus (Gn. 1, 27 cit.), depois expõe com detalhe como as coisas efetivamente se passaram (Gn. 2, 18 seg.). E na exposição inicial, inspirado pelo Espírito de Verdade, o hagiógrafo põe justamente o homem e a mulher no mesmo plano, para nos lembrar que ambos foram feitos por Deus à sua imagem e, portanto, são iguais diante de Deus: “E Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, e criou-os homem e mulher” (Gn. 1, 27 cit.). Mas esclareceu, em seguida, que a mulher foi criada depois do homem, a partir de sua costela, para ser sua companheira: “Não é bom que o homem esteja só: façamos-lhe um adjutório semelhante a ele” (Gn 2, 18). Semelhante, mas não igual, como nos explica São Paulo, falando em nome do Senhor na célebre passagem de I Cor. 11, 3 seg., que não é nunca citada pelo Vaticano II e que hoje se deixa cair em esquecimento: “Porém quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo homem; e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo... O homem na verdade não deve cobrir sua cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem [se bem que sendo sempre imagem de Deus, não do homem, porque, na sua diferença e sua subordinação, ela é ordenada a Deus e à salvação, não ao homem — N. do Trad.]. Porque o homem não foi feito da mulher, mas a mulher do homem. E o homem não foi criado por causa da mulher, mas sim a mulher por causa do homem... Contudo, nem o homem existe sem a mulher, nem a mulher sem o homem, no Senhor. Porque assim como a mulher foi tirada do homem, também o homem é concebido pela mulher; mas todas as coisas vêm de Deus.”
Toda a pastoral do Vaticano II sobre o matrimônio (GS 47-52) passa em silêncio a diferença natural entre os sexos estabelecida por Deus e é conduzida sob o signo da idéia não católicade uma igualdade natural e total entre os esposos, considerados em abstrato como “pessoas”, como seres que se exprimem livremente na “comunidade de amor” matrimonial, ignorando por completo o ensinamento de São Paulo e da Igreja no curso dos séculos, segundo o qual, como vimos, o homem é o chefe natural da mulher e portanto da família, e ignorando o princípio desde sempre afirmado que a vocação fundamental da mulher é de ser in primis esposa e mãe, de por no mundo crianças e de dar-lhes uma educação cristã.
7.3. O acolhimento dos dogmas preliminares do feminismo, forma de sub-cultura contemporânea perversa, votada, com o nome de igualdade, à destruição do casamento e da família, à exaltação da libertinagem e da homossexualidade. Essa abertura é evidente no reconhecimento implícito da pretensão absurda das mulheres de nosso tempo da “paridade com os homens, não somente de direito mas também de fato” (GS 9); no reconhecimento implícito da pretensão de que as escolhas de vida das mulheres sejam aceitas porque são expressões de supostos “direitos fundamentais da pessoa” (GS 29); no reconhecimento de um pretenso direito que elas teriam de serem educadas em uma “cultura humana conforme a dignidade da pessoa” (GS 60); na aceitação da pretendida necessidade de sua “legítima promoção social” (GS 52); em um augúrio, enfim, de uma “maior participação” das mulheres “nos diferentes campos de apostolado da Igreja” (Apostolicam Actuositatem 9), não por uma necessidade de caráter religioso, mas pelo simples fato de que “as mulheres tomem uma parte cada vez mais ativa em toda a vida social” (art. cit.); participação mais ativa provocada em grande parte pelos falsos “dogmas” que acabamos de lembrar e realizada sob seu selo, participação que foi, ao contrário, condenada por Pio XI como “grave desordem a ser eliminada a todo preço” (pessimus vero est abusus et omni conatu auferendus) na encíclica Quadragesimo Anno, porque subtrai as “mães de família” a seus deveres próprios (AAS 23 (1931) 200).
6.0. Alteração da tradicional noção da “dilatação” ou “crescimento” do Reino de Deus sobre a Terra pela Igreja visível.
Efetivamente, essa “dilatação ou extensão” é confiada ao “povo de Deus, que é a Igreja”, a qual, “introduzindo (inducens) esse Reino, não diminui em nada o bem temporal (bonum temporale) dos povos, quaisquer que sejam; ao contrário, favorece e assume (fovet et assumit), na medida em que estas coisas são boas, os talentos, as riquezas, os costumes dos povos (facultates et copias moresque populorum) e assumindo-as, purifica-as, fortifica-as e as eleva” (LG 13).
Aqui se introduz um elemento estranho, representado pelo “bem temporal dos povos” como parte integrante (elevada e purificada) do “povo de Deus” e, portanto, do Reino de Deus que se realiza na terra; noção ambígua e inadmissível, pois esse “bem temporal” é constituído não só pelos “costumes”, mas também pelas “riquezas” e pelos “recursos”, quer dizer, pelos bens materiais de um povo. Os bens materiais, elevados e purificados (?), também fariam, portanto, parte do Reino de Deus que se realiza na terra; conceito absurdo, que exprime uma visão naturalista do Reino de Deus, totalmente contrária ao depósito da fé.
6.1. Conseqüência: a inconcebível visão coletivista do próprio Reino.
Efetivamente, decorre de LG 13 que a individualidade coletiva de cada povo, com seu (ambíguo) “bem temporal”, faz parte enquanto tal, como um valor em si, do “povo de Deus” (da Igreja), de tal modo que ela se encontra “introduzida” no Reino que se realiza nesse mundo.
6.2. A contribuição mal compreendida dos fieis leigos à “dilatação” do Reino de Deus na terra “afim de que o mundo seja impregnado (imbuatur) do espírito do Cristo” (notar o vago “impregnado”, bem longe da idéia de conversão).
Essa contribuição, com efeito, é compreendida inevitavelmente e erradamente como uma contribuição a um progresso antes de tudo material, à maneira da cultura leiga ou “civil”, que deve, por sua vez, fazer avançar no mundo inteiro a liberdade humana e cristã: “Por sua competência... e por sua ação... devem com todas as suas forças contribuir para a valorização dos bens criados (bona creata)... e isto graças ao trabalho humano, à técnica e à obra civilizacional (arte technica, civilique cultura), para a utilidade de todos os homens sem exceção. Eles trabalharão também para repartir mais eqüitativamente esses bens entre os homens e fazer servir esses mesmos bens para o progresso universal, na liberdade humana e cristã” (LG 36). Ao naturalismo apontado no § 6.0. vem se misturar aqui outro elemento estranho representado pelo mito leigo do progresso, com sua habitual exaltação do trabalho, da técnica, da cultura “civil”, do igualitarismo, da liberdade (“humana e cristã”, qualquer que seja seu significado real).
6.3. A incrível afirmação segundo a qual o Espírito Santo, que nos foi enviado pelo Cristo ressuscitado, “não suscita apenas [em nós] o desejo do século futuro, mas, por isso mesmo (sed eo ipso) anima também, purifica e fortifica “nossa aspiração” a tornar nossa vida mais humana e submeter a este fim a terra inteira” (Gaudium et Spes 38).
O texto parece querer dizer que pelo próprio fato de nos inspirar o desejo da glória futura, o Espírito Santo nos inspira também desejos de felicidade terrestre, evocados pela expressão “tornar nossa vida mais humana”.
6.4. A afirmação incompreensível segundo a qual “o Mistério pascal eleva à sua perfeição a atividade humana”.
Efetivamente a Santa Eucaristia é definida como “este sacramento da fé, na qual os elementos da natureza cultivados pelo homem (naturae elementa, ab hominibus exculta), são mudados (convertuntur) no Corpo e no Sangue glorioso do Cristo, em uma refeição (coena) de comunhão fraterna que é uma antecipação do banquete celeste” (GS 38). Segundo seu estilo habitual, o Vaticano II não nomeia a transubstanciação e introduz uma concepção protestante da Santa Missa.
Mas de que modo, segundo o texto conciliar, o “mistério pascal” eleva à sua perfeição a atividade humana? Graças ao fato de que isso que é “mudado” em Corpo e Sangue Glorioso, são “elementos naturais cultivados pelo homem”! Cultivando a terra, a atividade do homem produz o pão e o vinho, que são depois “mudados” em Corpo e Sangue, etc. Uma tal contribuição só pode tornar perfeita a atividade do homem!
É de se ficar estupefato com um raciocínio desse gênero, que parece mesmo ridículo. Quando o Magistério alguma vez disse tais coisas? Quando alguma vez procurou estabelecer relações tão injustificadas? Essas relações, contudo, visam um fim preciso: insinuar a falsa idéia de uma participação, qualquer que seja, da atividade do homem na conversio (mais exatamente transubstantiatio) do Pão e do Vinho no Corpo e no Sangue de Cristo pelo padre. Essa idéia se encontra igualmente na “liturgia eucarística” da Missa do Novus Ordo: “Tu és bendito, Senhor, Deus do universo: de tua bondade recebemos este pão, fruto da terra e do trabalho dos homens: que nós te apresentamos para que ele se torne para nós alimento de vida eterna”.]
6.5. O funesto artigo 39 de Gaudium et Spes que, na conclusão do capítulo III, consagrado à “atividade humana no universo” (GS 33-39), propõe em aparência a visão final tradicional sobre a “nova terra” e os “novos céus”.
Na realidade, assistimos à perversão final da concepção do Reino de Deus ensinada pela Igreja. Há aqui, de fato, um esboço da idéia de uma salvação coletiva da humanidade e mesmo “de toda essa criação que Deus fez para o homem”, alterando Rm. 8,21 e lhe fazendo dizer, graças a um acréscimo, que obterão igualmente a salvação eterna “todas essas criaturas”, que Deus criou “propter hominem”, para servir ao homem. Introduziu-se assim a idéia anormal, nunca antes ensinada, de que todas as criaturas entrarão indistintamente no Reino, mesmo essas destinadas ao serviço e à utilidade do homem como os animais!
Imediatamente depois, o artigo afirma que a “nova terra” já está figurada na “terra presente”, já que “aqui cresceu o corpo da nova família humana, que já oferece algum esboço do século futuro”. Nota-se, portanto, que a prefiguração do Reino não é dada pela Igreja militante, o que é o ensinamento ortodoxo, mas pelo “crescimento” do “corpo da nova humanidade”: a prefiguração é dada pela humanidade em crescimento, graças ao progresso universal, à fraternidade universal, à liberdade “humana e cristã” etc. (LG 13, 36; GS 30, 34, 38 cit.). O Reino de Deus, que se realiza parcialmente neste mundo, não é mais constituído pela Igreja, mas pela Humanidade! A Humanidade (“nova”) é o sujeito que realiza o Reino e que lá entrará em bloco um dia. E efetivamente — conclui o artigo 39 — nós lá encontraremos, transfigurados e purificados, os “bens” e os “frutos” que “propagamos sobre a terra segundo o mandamento do Senhor e no seu Espírito”; bens, no entanto, profanos tais como a “dignidade do homem, a comunhão fraterna e a liberdade”, e “todos esses excelentes frutos de nossa natureza e de nossa indústria” (GS 39 cit.). Os “bens” e os “frutos” realizados por nossa “indústria” terrestre, sem excluir os “bons frutos da natureza”: visão naturalista, milenarista, que lembra a religião da Humanidade, completamente estranha ao Catolicismo, em nítida antítese com a realidade exclusivamente sobrenatural do Reino de Deus e de sua consumação no fim dos tempos que nos foi revelada por Nosso Senhor e foi sempre mantida pela Igreja.
Nota:
GS 39 não hesita em afirmar que “o progresso terrestre” é “de grande importância para o Reino de Deus”, remetendo em nota à encíclica Quadragesimo Anno de Pio XI (AAS 23 (1931) 207), como se o valor científico suposto do “progresso terrestre” tivesse sido proclamado por esse Papa. Mas nem na página 207 citada, nem no resto da encíclica, se constata a existência de uma afirmação desse gênero.
5.0. Um conceito errado da Encarnação.
Efetivamente, se afirma que, por sua Encarnação, o Filho de Deus está de algum modo unido a todo homem (cum omni homine quodammodo Se univit) (Gaudium et Spes 22), como se a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-Se em um homem real, em um indivíduo que existiu historicamente, estaria, por isso mesmo, unido a todos os outros homens, e como se cada homem, só pelo fato de ser homem, de ter nascido, se encontraria unido ao Cristo, sem o saber. Desta maneira, se deforma a noção da Santa Igreja, que não é mais o “Corpo místico do Cristo” e portanto dos crentes em Cristo, dos batizados: o “povo de Deus”, que é a Igreja (do “Cristo”), tende a coincidir, sic et simpliciter, com a humanidade.
5.1. Um conceito errado da Redenção.
Efetivamente, se lê em Lumen Gentium que “na natureza humana que a si uniu o Filho de Deus, alcançando vitória sobre a morte por sua morte e sua ressurreição, Ele resgatou o homem e o transformou para dele fazer uma nova criatura” (Lumen Gentium 7). Aqui, a redenção não está apresentada corretamente, quer dizer, como possibilidade dada a todo homem pela Encarnação e pelo Sacrifício da Cruz de Nosso Senhor, possibilidade perdida para sempre para quem não se torna ou não quer se tornar sinceramente cristão, salvo nos casos de ignorância invencível (só Deus conhece o número deles), onde a Graça age por intermédio do batismo de desejo. A redenção é considerada como já realizada para cada homem, a partir do momento em que se declara que o homem foi transformado “em uma nova criatura” não porque se tornou cristão com a ajuda do Espírito Santo, sob a moção da Graça atual, mas só pelo fato do advento da Encarnação e da “morte e ressurreição” do Cristo. É a teoria bem conhecida dos cristãos anônimos, já apresentada por Blondel e desenvolvida por de Lubac e em particular por Karl Rahner (cf. alocução de João XXIII e § 2.3. desta sinopse). Trata-se de gravíssimo erro doutrinal, porque se declara já realizada a justificação pessoal, subjetiva, de cada homem, sem nenhuma participação de sua vontade, de seu livre arbítrio e, portanto, sem necessidade de se converter, sem necessidade nem da fé, nem do batismo, nem das obras. Uma redenção garantida para todos, como se a Graça Santificante estivesse ontologicamente presente em cada homem enquanto tal. O próprio Lutero não foi tão longe!
Essa falsa doutrina nega o fato do pecado original, porque o dogma da fé nos ensina que os homens não possuem a Graça ao nascer, tendo herdado o pecado original com o qual vêm ao mundo.
5.2. A exaltação injustificada e não católica do homem enquanto tal.
Efetivamente, se afirma que o Cristo se encarnando, “manifesta plenamente o homem a si mesmo e lhe descobre a sublimidade de sua vocação”, elevando “a natureza humana” a uma “dignidade sem igual” (GS 22). Como se Nosso Senhor não tivesse vindo nos salvar do pecado e da danação eterna, mas nos fazer tomar “plenamente” consciência da “dignidade sem igual” que seria por natureza inerente ao homem!
A afirmação do Concílio contradiz abertamente o ensino constante da Igreja segundo o qual Jesus veio ao mundo para salvar o homem e não, certamente, para o exaltar, mas para que tome “plenamente” consciência do fato de que ele é um pecador condenado à danação eterna se não se arrepender e não se converter a Ele. Não se trata de redescobrir uma “dignidade sem igual”!
5.3. O manifesto erro teológico contido no artigo 24 de Gaudium et Spes onde se pode ler que o homem é a “única criatura sobre a terra que Deus quis por ela mesma (hominem, qui in terris sola creatura est quam Deus propter seipsam voluerit)”, como se o homem possuísse um valor tal que esse valor teria induzido Deus a cria-lo (Romano Amerio Iota Unum).
Aqui colocamos o dedo na reviravolta antropocêntrica feita por Vaticano II. Trata-se de uma afirmação manifestadamente absurda e incompatível com a própria noção de criação divina a partir do nada, que constitui um dogma de fé. Deus infinitamente justo (sempre foi ensinado), criou todas as coisas, inclusive o homem, “para Ele mesmo”, para Sua própria glória e não por causa de um valor possuído intrinsecamente pelas coisas e, portanto, independentemente de Deus que as fez. Um tal desvio doutrinário altera também a significação exata que é preciso atribuir à Criação. Além disso, altera a verdadeira significação que é preciso atribuir aos mandamentos cristãos de amar nosso próximo como a nós mesmos e de todos nos considerarmos como irmãos, já que esses mandamentos não são mais justificados pelo amor de Deus que quer de nós essa caridade para com o próximo (já que nós somos todos pecadores) e também pelo fato de que nós descendemos todos de Deus, Deus Pai, mas passam a ser justificados pela dignidade superior do homem enquanto homem.
A Igreja nunca negou a dignidade superior do homem em relação às outras criaturas, dignidade que lhe vem por ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Mas esta dignidade perdeu seu caráter “sublime”, que vinha de sua “semelhança” com Deus, por causa do pecado original, que despojou o homem dessa semelhança e portanto da Graça santificante, a qual o torna capaz de conhecer e amar sobrenaturalmente a Deus e portanto de gozar da visão beatífica. No sentido católico, a dignidade do homem não pode ser considerada como uma característica ontológica, como se ela pudesse impor respeito por todas as escolhas (o que é a concepção leiga). Essa dignidade depende da vontade reta, voltada para o Bem, é pois um valor “relativo”e não absoluto.
5.4. Um conceito errado da igualdade entre os homens, fundado na falsa concepção da redenção exposta acima (cf. 5.1.).
“Todos os homens, redimidos pelo Cristo, gozam de uma mesma vocação e de um mesmo destino divino: deve-se, portanto e sempre mais, reconhecer sua igualdade fundamental (fundamentalis aequalitas inter omnes magis magisque agnoscenda est)” (GS29).
A Igreja sempre ensinou que os homens são todos iguais diante de Deus, mas certamente não porque creia que todos os homens já estejam objetivamente redimidos, já salvos pela Encarnação! Essa é uma igualdade concebida de maneira bem pouco ortodoxa, colocada como fundamento da “dignidade da pessoa”, em nome da qual o Concílio defendeu uma liberdade religiosa do tipo protestante, porque fundada na liberdade de consciência, quer dizer, na opinião individual em matéria de fé e não no princípio católico de autoridade (cf. infra § 11).
5.5. A desvalorização e o obscurecimento da noção de pecado original.
Efetivamente, Gaudium et Spes, no artigo 22, afirma que o Cristo “restaurou na descendência de Adão a semelhança divina, alterada desde o primeiro pecado (a primo peccato deformatam)”. Mas essa não é a doutrina católica, que, ao contrário, sempre ensinou que depois do pecado original essa semelhança, quanto à Graça, foi perdida por Adão e sua descendência. Isto não foi uma simples “alteração”! Declarar que essa semelhança foi conservada, mesmo imperfeitamente, implica em abrir caminho para a concepção heterodoxa da Encarnação que acabamos de lembrar (L Dörmann Declaratio Dominus Jesus und die Religionem, in Theologisches Katolische Menateschrift, Nov-Dez 2000, call. 445-460).
4.0. Uma concepção errônea do sacerdócio, rebaixado à função de “povo de Deus”, com o qual se quer arbitrariamente identificar a Igreja (cf. §2.4). Lê-se efetivamente em Lumen Gentium que “... o Povo de Deus não apenas se reúne a partir de diversos povos, mas se compõe de diversas categorias diferentes (ex variis ordinibus confletur). Efetivamente, existe entre seus membros (membra) uma diversidade, seja nos cargos (officia), certos membros ocupando função sagrada (sacro ministerio) em vista do bem de seus irmãos, seja ainda em um estado de vida e de orientação em que muitos, vivendo em um estado religioso, tendem à santidade por uma via mais rigorosa e estimulam seus irmãos por seu exemplo.” (LG 13)
A “função sagrada” é, portanto, concebida como um “ordo” do “povo de Deus”, termo que literalmente exprime a idéia de classe, de ordem, de estado, em si e no interior de uma entidade maior, da qual ele representa, segundo a mens progressista que foi imposta pelo Concílio, não somente uma parte, mas também e sobretudo uma função (termo que não tem equivalente em latim). Essa “função” se realiza em diferentes “officia” ou “munera” (Presbyterorum Ordinis 2,4). Ela é officium e, portanto, múnus antes mesmo de ser potestas (lembrada em diversas partes, mas ausente da noção específica da “função” sacerdotal). Mas deste modo, o padre não é mais o padre de Deus, ele é, ao contrário, o padre do povo de Deus, que o legitima na sua “função”.
Isto é contrário a toda a tradição e à constituição divina da Igreja (cf. S.E. D.B. Fellay, A crise do sacerdócio, balanço do Concílio Vaticano II, conferência feita no IV Congresso Internacional de Si Si No No, Roma, 3-5 de Agosto de 2000).
4.1. A afirmação, contrária à verdade histórica atestada pela Tradição e pelo Novo Testamento, segundo a qual Nosso Senhor teria, desde o começo, estabelecido alguns de seus fiéis como ministros: “Mas o próprio Senhor querendo fazer dos cristãos um só corpo, onde “nem todos os membros têm a mesma função” (Rm. 12,14), estabeleceu entre eles ministros (inter fideles... quosdam instituit ministros) que, na comunidade dos cristãos, seriam investidos da Ordem do poder sagrado de oferecer o Sacrifício e de perdoar os pecados...” (PO 2 cit.).
O texto citado procura legitimar a atribuição do “poder da Ordem” pela exigência de unidade da sociedade dos cristãos, de faze-la depender em substância das supostas exigências de uma suposta “comunidade” ou “povo de Deus”. Mas Nosso Senhor não tirou ministros da “comunidade dos cristãos”; ao contrário, ele começou por escolher seus ministros (os Apóstolos) e os formou afim de que, por sua vez, eles formassem os cristãos. Ele escolheu Seus “ministros” antes mesmo que existisse uma “comunidade dos cristãos”. Ele não constituiu a milícia cristã começando pelos simples soldados: começou pelos oficiais, afim de que estes formassem os soldados (como é o caso em todos os exércitos bem ordenados).
4.2. A ilegítima equalização do sacerdócio no sentido próprio (dito “ministerial” ou “hierárquico”) com o “sacerdócio comum dos fiéis”no artigo 10 de Lumen Gentium. Efetivamente, lê-se ali que “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico se se diferenciam essencialmente (essentia) e não somente em grau, são, no entanto, ordenados um ao outro (ad invicem tamen ordinantur), já que tanto um como o outro participa a seu modo do único sacerdócio do Cristo... (LG 10 cit. e 62).
As duas formas de “o único sacerdócio do Cristo” são assim colocadas no mesmo plano. Não se fala mais em “subordinação”, mas em “ordenação recíproca”: trata-se de duas funções evidentemente paritárias de “um único sacerdócio do Cristo”. Esta equalização, que já é em si contrária ao depósito da fé, parece esconder uma subordinação do sacerdócio “hierárquico” ao dos fiéis, já que os fiéis parecem constituir, para o Concílio, o “povo de Deus” no sentido próprio e que o sacerdócio é legitimado enquanto é uma simples “função”. Além disso a diferença de essência e de grau entre os dois sacerdócios nunca é explicada: permanece no estado de simples enunciação verbal.
4.3. A definição insuficiente do padre. Os padres (presbyteri) são considerados antes de tudo por sua qualidade de “cooperadores dos bispos” (PO 4): “A função (officium) dos padres, enquanto está unida (coniunctum) à ordem episcopal, participa da autoridade (auctoritatem) pela qual o próprio Cristo constrói, santifica e governa seu Corpo” (PO 2; ver também LG 28).
O Vaticano II parece querer, por assim dizer, comprimir a figura do padre no “povo de Deus”, diminuindo, de um lado, o mais possível sua diferença com os fiéis e, considerando, de outro, sobretudo sua qualidade de subordinado “cooperador” do bispo.
4.4. A falsa afirmação, contrária a toda a Tradição assim como ao Concílio de Trento (Sessão XXIII, cap. I, DZ 957/1764), segundo a qual, entre as “funções” sacerdotais, o primeiro lugar cabe à pregação e não à celebração da Santa Missa: “... os padres, como cooperadores dos bispos, têm por primeira função (primum habent officium) anunciar o Evangelho de Deus a todos os homens” (PO 4).
A Missão do padre se define, ao contrário, em primeiro lugar, “pelo poder de consagrar, oferecer e distribuir o “Corpo e Sangue” do Cristo e em segundo lugar pelo “poder de perdoar ou reter os pecados” (Trento, cit.). A pregação não é necessária para a definição da figura do padre. O que pensar dos grandes santos cuja missão se realizou, sobretudo, pelo ministério da confissão como, por exemplo, São Leopoldo de Pádua e o santo Padre Pio de Pietrelcina: quantas pregações terão feito em suas vidas? Bem poucas, na verdade.
4.5. A desvalorização do celibato eclesiástico em PO 16, onde se pode ler que “a prática da continência perfeita e perpétua para o Reino dos céus recomendada por Cristo Senhor (Mt. 19,12)”, se bem que “a Igreja a tenha tido sempre em alta estima para a vida sacerdotal... certamente não é exigida pela natureza do sacerdócio (non exigitur quidem sacerdotio supte natura), como mostra a prática da Igreja primitiva” (segue a citação de 1 Tm. 3, 2-5 e de Tito. 1,6).
Que o celibato eclesiástico “não seja exigido pela natureza do sacerdócio” é falso, porque contrário a toda a tradição, que sempre interpretou neste sentido a “recomendação” do Cristo em Mt. 19,12. E que a opinião da Igreja primitiva fosse a mesma nos é confirmado por São Paulo, que exalta o celibato virtuoso, considerando-o como o melhor estado para “se dar às coisas do Senhor”, tanto para os homens como para as mulheres (I Cor. 7,1; 29 seg., 32 seg.). Dizer que o celibato não seja necessário à natureza do sacerdócio significa somente que um homem casado pode se tornar padre conservando o estado jurídico do matrimônio mas não seu uso, se separando de sua mulher; isto não significa de maneira nenhuma que os padres possam se casar e ter filhos, como os ministros heréticos e os cismáticos. As passagens de I Tm. 3,2, e Tito. 1,6, nas quais São Paulo escreve que aquele que quer se tornar bispo, entre outros, “só deve ter tomado mulher uma vez”, sempre foram interpretadas como definindo a exigência, para os bispos e para os padres, de não serem viúvos que se tenham casado outra vez.
4.6. A indicação repetida do padre como “presidente da assembléia”, como se tal qualificação fosse essencial para o que concerne a “função” do padre na Santa Missa: cf. Sacrosantum Concilium 33; Lumen Gentium 26 (“santa presidência do bispo”); Presbyterorum Ordinis 2 (os padres “convocam e reúnem” o povo na Santa Missa, para que os fiéis possam “se oferecer eles mesmos” a Deus); Presbyterorum Ordinis 5.
3.0. A adoção da obscura noção do "mistério pascal", cavalo de batalha da nova teologia. A redenção se teria realizado praecipue "no mistério pascal da paixão, da ressurreição e da ascensão" do Cristo (Sacrosantum Concilium 5); portanto ela não resultaria mais, principalmente, de sua Crucifixão, do valor que esta Crucifixão tem de sacrifício expiatório pelo qual a justiça divina foi satisfeita. Além disso, a Santa Missa fica identificada ao "mistério pascal", já que o Concílio declara que a Igreja, desde os primeiros tempos, sempre se reuniu em assembléia "para celebrar o mistério pascal" (SC 6) e que ela "celebra o mistério pascal todos os oitavos dias" (SC 106).
Em seguida se diz que pelo batismo "os homens são enxertados no mistério pascal do Cristo" (SC 6), e não que Ele os faz entrar na Santa Igreja, como se "o mistério pascal" fosse a mesma coisa que a Igreja, o Corpo Místico do Cristo. Trata-se de uma definição vaga, indeterminada, irracional que permite, precisamente por essas características, alterar a significação da redenção e da Missa, ocultando a natureza sacrifical e expiatória desta última, pondo o acento na ressurreição e na ascensão, no Cristo Glorioso, contra o dogma de fé afirmado em Trento.
3.1. A definição reticente e incompleta da Santa Missa como "refeição durante a qual se recebe o Cristo" e memorial da morte e da ressurreição do Senhor (morte e ressurreição colocadas no mesmo plano), sem a menor menção do dogma da transubstanciação e do caráter de sacrifício propiciatório da própria Missa (SC 47, 109). Por causa deste silêncio, essa definição cai no caso condenado solenemente por S.S. Pio VI em 1794, por ser "perniciosa, infiel à exposição da verdade católica sobre o dogma da transubstanciação, favorável aos heréticos" (Const. Apost. Auctorem fidei, DZ 1529 / 2629), e introduz uma falsa concepção da Santa Missa, concepção que, em seguida, serve de fundamento à nova liturgia desejada pelo Concílio, graças à qual os erros da "Nova Teologia" chegaram até os fiéis.
A cor protestante dessa definição da Santa Missa aparece de modo ainda mais claro no artigo 106 da constituição Sanctorum Concilium: "a Igreja celebra o mistério pascal todo o oitavo dia, que é chamado com justeza o dia do Senhor ou domingo. Efetivamente, nesse dia os fiéis devem se reunir para que, ouvindo a palavra de Deus e participando da Eucaristia, eles se lembrem da paixão, da ressurreição e da glória do Senhor Jesus e rendam graças a Deus, etc". O texto latino mostra sem sombra de dúvida que o fim da Santa Missa é, segundo SC, o memorial e o louvor: "Christi fideles in unum convenire debent ut verbum Dei audientes et Eucharistiam participantes, memores sint (..) et gratias agant (...)". Ver também, como prova, Ad Gentes 14: os catecúmenos participam da Santa Missa, quer dizer que eles "celebram com todo o povo de Deus o memorial da morte e da ressurreição do Senhor", onde se constata que a Santa Missa é simpliciter o memorial da morte e da ressurreição do Cristo, celebrada por todo o povo cristão. Nem a menor menção do Sacrifício renovado de modo incruento para a expiação e perdão de nossos pecados.
Nota:
Já se encontra nestes artigos a definição da Missa que será dada em seguida pelo funesto artigo 7 do Institutio Novi Missalis Romani (1969), ainda em vigor: "A Ceia do Senhor ou Missa é a santa assembléia ou reunião do povo de Deus que se reúne sob a presidência do padre para celebrar o memorial do Senhor"; definição que, na época, suscitou protestos tão angustiados quanto inúteis de numerosos fiéis e padres e a célebre tomada de posição dos cardeais Bacci e Ottaviani em razão de seu caráter manifestadamente protestante, isto é, herético. Comparemos essa definição com aquela, ortodoxa, contida no Catecismo de São Pio X: "No. 159. O que é a Santa Missa? A Santa Missa é o Sacrifício do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo que sob as espécies do pão e do vinho, são oferecidos pelo padre a Deus sobre o altar em memória e renovação do Sacrifício da Cruz".
3.2. A elevação da assembléia eucarística presidida pelo padre para ser o centro da Igreja visível: "assim, é a assembléia eucarística (Eucharistica Synaxis) que é o centro da comunidade cristã presidida pelo padre. Os padres ensinam, pois, aos cristãos a oferecer a vítima divina a Deus o Pai no sacrifício da Missa e com ela fazer o oferecimento de sua vida" (Presbyterorum Ordinis 5).
A função dos padres na Santa Missa se reduziria, portanto, à de "ensinar" (edocent) aos fiéis o oferecimento da vítima divina e deles mesmos "em união" com aquela vítima. Mas o que significa, então, neste contexto, "ensinar a oferecer a vítima divina" e calar o fato de que o oferecimento é feito antes de tudo pelo padre in persona Christi, que é o oferecimento dos homens pecadores, que é feito para expiação de nossos pecados, que depende de ser aceito por Deus? Vê-se também aparecer aqui a idéia da concelebração do padre e do povo, expressamente condenada pelo magistério preconciliar (v. infra 3.3.), idéia fundada sobre a falsa concepção protestante segundo a qual os fiéis já são todos padres depois do batismo, de onde tiram que não pode haver verdadeira distinção entre "sacerdócio dos fiéis" e "sacerdócio hierárquico" (v. infra 4.3). A exaltação abusiva da "santa Synaxis" sempre foi condenada. Foi condenada pela última vez, na Mediator Dei (A.A.S. 39 (1947) 562 DZ 2300-3854).
3.3 O realce particular atribuído à "Liturgia da palavra", alcance não mais limitado à pregação, ao sermão, mas considerado capaz de realizar ex sese a presença do Cristo na Santa Missa! "[O Cristo] está presente em sua palavra, porque é Ele que fala quando se lêem na Igreja as Escrituras Santas". (Sacrosantum Concilium 7). A palavra é um dos sinais sensíveis pelos quais "a santificação do homem é significada e é realizada [!] de uma maneira própria para cada um deles" (SC 7; v. também SC 10). Esta é a razão pela qual a necessidade da "pregação da palavra" vale especialmente "para a liturgia da palavra na celebração, onde estão inseparavelmente unidos (inseparabiliter uniuntur) o anúncio da morte e da ressurreição do Senhor, a resposta do povo que escuta, a própria oblação do Cristo selando com seu Sangue a Nova Aliança e a comunhão dos cristão nessa oblação pela oração e a recepção do sacramento" (Presbyterorum Ordinis 4).
Deduz-se claramente desta passagem, no mínimo tortuosa, assim como dos textos já citados, que "a Escritura assim considerada não tem mais como fim próprio a instrução da fé, de onde decorre a experiência mística, considerada como capaz de produzir o alimento cognitivo da fé" (Frat. Sac. São Pio X, O problema da reforma litúrgica. A Missa do Vaticano II e de Paulo VI). Concepção irracional e de origem protestante em desacordo com o depósito da fé, já que conduz a considerar a Santa Missa como um simples alimento espiritual do coletivo dos fiéis.
3.4. A desvalorização indevida da Missa dita "privada", que sempre foi admitida pela Santa Igreja, celebrada sem a presença e a participação ativa dos fiéis, mas "de modo individual e quase privada", desvalorização expressamente desaprovada por Pio XII na Mediator Dei (AAS, 39 (1947) 556-557, DZ 2300/3853). Esta desvalorização está contida na afirmação conciliar segundo a qual "uma celebração comunal" da Santa Missa e dos Sacramentos "deve prevalecer na medida do possível" (SC 27). (Lutero foi particularmente hostil à "missa privada", e, estranhamente, atribuía ao diabo a inspiração que tinha tido de combatê-la).
3.5. A adaptação do rito à cultura profana, ao temperamento e às tradições dos diversos povos, à sua língua, sua música, sua arte, pela criatividade e experiências litúrgicas (SC 37,38,39,40,90,119) e pela simplificação do próprio rito (SC 21,34) contra o constante ensino do Magistério segundo o qual cabe à cultura dos povos se adaptar às exigências do rito católico, sem que se tenha de conceder o que quer que seja à criatividade ou à experiência ou aos modos de sentir do homem do Século.
3.6. A competência nova e inaudita atribuída às Conferências episcopais em matéria litúrgica, compreendendo uma ampla faculdade de experimentar novas formas de culto (SC 22 §2, 39, 40), contra o constante ensinamento do magistério, que sempre reservou ao Soberano Pontífice toda competência nessa matéria e sempre foi hostil a qualquer inovação no domínio litúrgico (v. Gregório XVI Inter Gravissimas, 3 de fevereiro de 1832).