Category: Anônimo
[O opúsculo DOS COSTUMES DIVINOS é o LXII da EDIÇÃO ROMANA das obras de Santo Tomas de Aquino (publicada em 1570 por ordem de São Pio V).
Hoje, não mais se atribui este texto ao Doutor Angélico, sendo desconhecido o seu autor. Contudo, quem quer que o tenha escrito, é interprete fiel de sua doutrina e, por sua elevação e ingenuidade, remetem-nos ao próprio santo Tomás.]
“Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). A Santa Escritura nunca nos ordena e nos aconselha algo de impossível. Por essa palavra, o Senhor Jesus não nos manda fazer as próprias obras e os costumes de Deus, os quais ninguém pode atingir de maneira perfeita.
Mas nos convida a nos calcarmos neles o mais possível procurando imitá-los. Nos o podemos, com o socorro da graça, e devemos. E como diz o bispo João, nada convém mais ao homem do que imitar seu criador e executar, segundo a medida de seu poder, a obra de Deus. (Leia mais)
Continuamos nosso trabalho de denúncia dos erros do Concílio Vaticano II. Consideramos ser este tipo de denúncia teológica a única saída, em termos humanos, para a crise que nos atormenta já há décadas, visto que da parte das autoridades do vaticano, os erros continuam a ser ensinados e difundidos.
O trabalho que a Permanência realiza há 50 anos procura denunciar os erros e publicar a Verdade, para que nossos leitores compreendam que, decididamente, Vaticano II não foi um concílio católico. Ele deve ser rejeitado, sim, e o será um dia pela autoridade suprema do Vigário de Cristo. Por enquanto ele ainda é a pedra de tropeço para tantas comunidades religiosas e padres que, acreditando ser possível manter a Tradição e aderir ao Concílio, aceitam acordos que sempre terminaram por inserir estes padres e fiéis no ambiente pervertido, heretizante e modernista que reina no Vaticano.
A presente Sinopse dos Erros de Vaticano II é a tradução da versão francesa do jornal SiSiNoNo, publicada a partir do número 247, de julho-agosto de 2002.
Relativamente à aparição da Santíssima Virgem em "La Salette", como a qualquer outra manifestação do Céu sobre a terra, nossa curiosidade humana procura saber o que o Céu foi levado a dizer à terra. Mas é antes o atrativo do divino e a solicitude com a nossa santificação que nos deveria impelir a conhecer estas revelações. Por isso, daremos, duma parte, "in extenso", as revelações feitas por Maria a 19 de setembro de 1846, em La Salette, doutra parte esperamos que tendo sido a inteligência instruída com estas coisas, a vontade será então fortificada, para que daí venha a santificação das almas: é o objetivo de Nossa Senhora, o qual deve ser o nosso. Que os curiosos sem desejo de santidade se abstenham de continuar a ler, pois se arriscariam de não compreender a Santíssima Virgem; os que, porém, querem se santificar que tirem proveito disso.
A 19 de setembro de 1846, duas crianças, Maximino Giraud e Melânia Calvat, originário de Corps no departamento de Isère, na França, guardam as suas vacas nos arredores do lugarejo de La Salette. Eis aqui o que Melânia escreverá desde 1860 e que publicará em 1875, com o "imprimatur" de Dom Zola, bispo de Lecce na Itália. Aí ela confia o texto do seu segredo que havia escrito e transmitido, como Maximino fizera com o seu, ao Papa Pio IX, em julho de 1851. Leia mais
Sì Sì No No
Examinemos agora, brevemente, as principais mudanças no sentido filo-protestante implementadas na “Missa de Paulo VI”, seja na arquitetura das igrejas, seja no rito propriamente dito.
Naturalmente trataremos apenas daquelas que são mais facilmente percebidas até mesmo pelos simples fiéis, para que todos possam ter uma ideia clara da discrepância que existe entre o novo rito e o rito tradicional.
Mudanças arquitetônicas nas igrejas
1) Abolição sistemática das balaustradas que delimitam o espaço sagrado do Presbitério. A área deste último, antes reservada aos sacerdotes e outros ministros sagrados, agora está aberta a todos: clérigos e leigos. Resultado: abolição do conceito de "lugar sagrado", dessacralização do sacerdote, progressiva equiparação prática de clero e leigos.
2) Mudança para a celebração de Missa “voltada para o povo”. O sacerdote já não se dirige a Deus para oferecer-lhe o divino Sacrifício em favor dos fiéis, mas sim ao povo no contexto de uma simples reunião de oração.
Deve-se notar que nem mesmo na antiguidade o altar esteve "voltado para o povo", mas sim em direção ao Oriente, símbolo de Cristo, como também testemunha a orientação topográfica de muitas Basílicas antigas. O altar, ou melhor, a mesa “voltada para o povo” é, por outro lado, uma criação inteiramente pessoal de Lutero e dos outros pseudo-reformadores do século XVI.
3) Desenho do altar quase sempre em forma de mesa – trata-se de uma mesa para uma ceia. A Missa não é mais o sacrifício expiatório, mas uma simples ceia fraterna. O altar, com efeito, lembra a ideia do Sacrifício oferecido a Deus, a mesa, ao contrário, lembra uma refeição comum no contexto de um simples “memorial”. Por isso nos “templos” protestantes – onde existe – usa-se sempre uma mesa, e jamais um altar.
4) O Tabernáculo, segundo as novas rubricas da "Missa de Paulo VI", pode ser retirado do centro do presbitério. Disposições recentes, como, por exemplo, as da Conferência Episcopal Italiana, foram além, prevendo a sua passagem gradual para uma capela lateral especial. Para não irritar os protestantes; assim, a Presença permanente de Nosso Senhor Jesus Cristo no Tabernáculo não mais perturbará "o irreversível caminho ecumênico".
5) No centro do presbitério, em geral no lugar do Tabernáculo, fica agora a cadeira do sacerdote celebrante. O homem toma o lugar de Deus, enquanto a Missa se torna um simples encontro fraterno entre a assembleia e seu “presidente”, ou seja, o ex-padre, que agora é reduzido a um simples diretor, “animador litúrgico” da nova “Igreja Conciliar” antropocêntrica.
Neste ambiente festivo, com a aprovação entusiástica dos Bispos, insere-se várias orquestras paroquiais mais ou menos juvenis, destinadas a aquecer o ambiente com vários ritmos e danças (em não poucas "eucaristias conciliares", dança-se agora para todos os efeitos).
Mudanças dogmáticas/litúrgicas no rito da Missa
1) São abolidas as orações iniciais ao pé do altar, ao final das quais, entre outras coisas, o sacerdote se reconhecia indigno de entrar no Santo dos Santos para oferecer o divino Sacrifício, e invocava a intercessão dos Santos para ser purificado de todo o pecado.
Em seu lugar, na Missa Nova antropocêntrica, o "presidente da assembleia" derrama um discurso preliminar de boas-vindas, muitas vezes um simples prelúdio para o desencadear de uma "criatividade litúrgica" mais ou menos anárquica.
2) É abolido o duplo Confiteor (o primeiro era recitado apenas pelo celebrante, o segundo posteriormente pelo povo) que distinguia o sacerdote dos fiéis, que se dirigiam a ele como "pater", "pai".
Na "Missa Nova", na qual o Confiteor é recitado uma única vez, o sacerdote passa a não ser mais um "pater" para os fiéis, mas um simples "irmão" igual a eles, democrática e protestantemente inserido. Lê-se, precisamente, no atual "Confesso-me a Deus Todo-Poderoso e a vós irmãos…". Ou seja, somos "todos irmãos...".
3) As leituras bíblicas também podem ser proclamadas (hoje podemos dizer que são invariavelmente proclamadas) por simples leigos, homens e mulheres.
Tudo isso vai contra a proibição que remonta à Igreja dos primeiros séculos, que sempre reservou essa tarefa apenas para membros do clero a partir do Leitorado, que era, de fato, uma das Ordens menores através das quais formavam-se clérigos. Entre os protestantes, no entanto, não há clero, mas somente ministros e ministérios (por isso a "reforma de Paulo VI" aboliu o que eram as Ordens clericais menores, e em seu lugar instituiu, de fato, alguns ... Ministérios: leitorado e acolitado) e qualquer pessoa - homem ou mulher - tem acesso ao ambão...
4) No Ofertório da antiga Missa, o sacerdote oferecia Cristo como Vítima ao Pai em propiciação e expiação pelos pecados, com palavras inequívocas: "Recebei, Pai santo, Deus onipotente e eterno, esta hóstia imaculada, que eu, vosso indigno servo, Vos ofereço a Vós... pelos meus inumeráveis pecados... e por todos os fiéis, vivos e defuntos, para que tanto a mim como a eles aproveite para a salvação e vida eterna.”
Essa aberta ênfase no aspecto propiciatório da culpa e expiatório da pena na Missa sempre foi indigesto para os protestantes, tanto que as primeiras partes da antiga Missa Romana suprimida por Martinho Lutero eram precisamente as orações do ofertório. Agora, no Ofertório da "Missa Nova" de Paulo VI, o "presidente da assembleia" - um ex-sacerdote - oferece somente pão e vinho para que se tornem um indeterminado "alimento de vida eterna" e uma muito vaga "bebida da salvação". A própria ideia de Sacrifício propiciatório e expiatório é cuidadosamente cancelada.
5) Na "Missa de Paulo VI" o Cânon Romano é, sim, mantido, apenas para salvar as aparências, mas de forma mutilada. No entanto, juntou-se a ele, com o claro objetivo de suplantá-lo gradualmente, outras três novas "orações eucarísticas" (II, III, IV) mais atualizadas, fruto da colaboração de seis "peritos" protestantes, nas quais - por assim dizer - o "presidente da assembleia agradece a Deus “por nos ter admitido à sua presença para realizar o serviço sacerdotal" (Oração II), fundindo o seu papel e o dos simples fiéis num único "sacerdócio comum" de memória luterana; ou mesmo, ainda, ele se volta para Deus louvando-o porque Ele continua "a reunir ... um povo, que (na edição latina diz-se ut, isto é "para que") de uma fronteira a outra da terra ofereça .. . o Sacrifício perfeito" (Oração III), onde o povo - e não apenas o sacerdote – parece se tornar o fator determinante para que a consagração aconteça.
Na segunda fase do plano de protestantização, outras quatro "Orações eucarísticas" foram inseridas no "Missal de Paulo VI" que vão ainda mais longe.
Afirma, de fato, que Cristo "nos reúne para a santa ceia" (conceito e terminologia completamente protestantes), enquanto o "presbítero-presidente conciliar" não pede mais que o pão e o vinho "se tornem" o Corpo e o Sangue de Cristo (como ainda fazia nas "Orações" II, III e IV), mas apenas que "Cristo esteja presente em nosso meio com seu corpo e sangue". Uma simples e vaga "presença" de Cristo "entre nós". Não há mais transubstanciação, nenhum sacrifício expiatório e propiciatório. Sem os quais, no entanto - seria supérfluo lembrar - não há sequer a Missa.
O "sacrifício", do qual se fala posteriormente na mesma "Oração Eucarística", deve, portanto, necessariamente ser entendido apenas como um "sacrifício de louvor" (algo ainda aceito por Lutero e seus companheiros, que rejeitaram absolutamente a ideia de um sacrifício expiatório e propiciatório).
6) No novo rito de Paulo VI, em todas as "Orações eucarísticas" (incluída a primeira), fez-se desaparecer o ponto tipográfico que precede as palavras da Consagração. No antigo Missal Romano, este ponto fixo obrigava o sacerdote a interromper a simples "memória" dos eventos da Última Ceia, para começar a "fazer", ou seja, a renovar de forma incruenta, mas real, o divino Sacrifício.
O presbítero-presidente conciliar encontra-se agora na presença de dois pontos tipográficos, que acabarão por impeli-lo - psicológica e logicamente - a continuar apenas a recordar e, portanto, a pronunciar as fórmulas da Consagração com intenção apenas comemorativa (exatamente como na chamada "santa ceia" protestante).
7) A genuflexão do sacerdote é abolida imediatamente após a Consagração de cada uma das duas Espécies, genuflexão com a qual ele expressou sua fé na transubstanciação ocorrida devido às palavras de consagração recém-pronunciadas. Isto é absolutamente inaceitável para os Protestantes, que, como se sabe, negam o Sacerdócio derivado do Sacramento da Ordem, com todos os poderes espirituais especiais que dele derivam.
Agora, porém, na "Missa Nova" de Paulo VI, o "presidente da assembleia" ajoelha-se apenas uma vez, e não imediatamente após a consagração, mas somente depois de ter elevado cada uma das duas Espécies para mostrá-las aos fiéis presentes, o que é plenamente aceitável para os Protestantes, para os quais Cristo se faz presente (sem qualquer transubstanciação) na "mesa" da "santa ceia", exclusivamente graças à fé da assembleia.
É evidente que, pela enésima vez, o “novo rito” dos conciliares vai, em grande medida, de encontro aos ditos “irmãos separados”.
8) A aclamação dos fiéis no final da Consagração, embora retirada do Novo Testamento, é naquele momento completamente inadequada e enganosa: introduz, na verdade, mais um elemento de ambiguidade apresentando um povo "à espera da Tua [de Cristo] vinda", no preciso momento em que Ele, por outro lado, está realmente presente no altar como Vítima do recém-renovado Sacrifício expiatório / propiciatório.
Isso - como o restante das outras modificações e inovações – se torna mais evidente quando colocado no contexto geral de todas as outras mudanças.
9) No antigo Rito Romano, no momento da Comunhão, os fiéis, humildemente ajoelhados, repetiam à imitação do centurião (Mt 8, 8): "Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e minha alma será salva”, uma expressão de fé explícita na Presença real de Nosso Senhor sob as Espécies sagradas.
Na "Missa de Paulo VI", porém, os fiéis apenas dizem que não são dignos de "participar" da "sua mesa", expressão completamente indeterminada, mas perfeitamente aceitável em ambiente protestante.
10) Na antiga Missa Romana, a Eucaristia era obrigatoriamente recebida de joelhos, sobre a língua, e tomando todas as precauções para evitar a queda de fragmentos (com o uso da patena).
Na "Missa de Paulo VI", por outro lado, de acordo com a habitual tática modernista rastejante, começou-se a prever "ad experimentum" a simples possibilidade de receber a Comunhão de pé. Em pouco tempo, a Comunhão de pé tornou-se praticamente obrigatória. Posteriormente, por meio das várias Conferências Episcopais, foi introduzida a Comunhão na mão, entusiasticamente propagada por um “clero conciliar” sem mais fé e completamente indiferente aos inevitáveis sacrilégios, voluntários ou não, aos quais o Corpo de Cristo está assim sujeito. Com a “Pandemia” de 2020, a Comunhão na mão se tornou quase obrigatória em todos os lugares.
11) A distribuição da Sagrada Eucaristia já não é reservada ao Sacerdote ou ao Diácono, conforme estabelecido desde a era apostólica; com a autorização do Bispo, agora também as religiosas ou simples leigos gozam da mesma faculdade.
Conclusão
Recordamos aqui, para concluir, a grave advertência feita pelo famoso estudioso da sagrada Liturgia que foi Dom Prosper Guéranger. “A primeira característica da heresia anti-litúrgica é o ódio à Tradição nas fórmulas do culto divino. Todo sectário que deseja introduzir uma nova doutrina, encontra-se infalivelmente na presença da Liturgia, que é a Tradição em seu poder máximo, e não poderia descansar sem ter silenciado esta voz, sem ter arrancado estas páginas que contêm a fé dos séculos passados".
(Sì Sì No No, Agosto 2022)
Pauper peregrinus
Para ir para o céu, precisamos de três virtudes teológicas: fé, esperança e caridade. Para convivermos bem com o próximo, porém, qualidades mais básicas bastam: simpatia, doçura, decência e honestidade básicas. Porém, como vemos o próximo e não vemos o céu, as pessoas facilmente imaginam que essas qualidades mais básicas são “o que realmente conta”. Partindo desse pensamento, basta um pequeno salto para supor que todo mundo que não seja um completo canalha provavelmente acabará indo para o céu.
Esse tipo de pensamento é a morte da evangelização. Se nosso irmão não católico, e mesmo não cristão, provavelmente está bem do jeito que está, por que se dar ao trabalho de tentar trazê-lo para a Igreja? Não será melhor deixá-lo em paz, uma vez que, tornando-se católico, terá de crer, fazer e evitar uma série de coisas que até então desconhecia? Por essa lógica, seria cruel levar-lhe a luz!
Obviamente, esse pensamento é ilógico. A verdade nos liberta e o erro nos aprisiona. O Evangelho não é um fardo do qual queremos poupar o próximo; é a graça de Deus e vida eterna. Jesus Cristo não é apenas mais um entre outros, nem mesmo um “caminho privilegiado”, como disse recentemente certo bispo americano: Ele é o caminho para o Pai, e não podemos atravessar esse caminho sem O conhecer.
Infelizmente, o indiferentismo, apesar de ter sido condenado em termos muito severos por vários papas do século XIX, infiltrou-se na Igreja Católica no século XX e tornou-se intelectualmente respeitável. Um dos que reagiram com força contra ele foi o padre jesuíta, Leonard Feeney (1897-1978). Sua história é bem conhecida: insistindo na interpretação literal do axioma “fora da Igreja não há salvação”, ele se tornou um bem sucedido capelão para estudantes na Universidade de Harvard. Pais protestantes estavam irritados ao ver seus filhos convertendo-se a Roma. O Cardeal Cushing, Arcebispo de Boston, sentiu que o Pe. Feeney e seus seguidores estavam se expressando de modo muito enfático e solicitou uma carta do Santo Ofício acerca do caso.
A carta chegou no dia 8 de Agosto de 1949. Ela demonstrava espanto com os ensinamentos do Padre Feeney e explicava que, em certas circunstâncias, uma pessoa poderia fazer parte da Igreja Católica por um “desejo implícito” de pertencer a ela. O próprio Padre Feeney foi convocado a Roma. Antes de ir perguntou, de modo bastante razoável, se estava sendo convocado para um julgamento e, em caso afirmativo, por qual crime seria julgado. Finalmente, em 1953, recebeu sua resposta: um decreto de excomunhão. Ele foi condenado não por faltar contra a fé, mas por recusar as convocações de Roma. Frank Sheed, amigo do padre excomungado e fundador da publicação Sheed & Ward, chegaria a comentar: “O Pe. Feeney foi silenciado, mas não recebeu sua resposta”.
Essa história um tanto trágica transformou-se em farsa em novembro de 1972. Um bispo, enviado da Santa Sé, veio ver o padre, já velho e doente, para buscar sua reconciliação. Alguém sugeriu que o Pe. Feeney e sua comunidade cantasse o Credo Atanasiano. Trata-se do credo que começa com as palavras: “Quem desejar ser salvo, precisa, antes de tudo, ter a Fé Católica”. Quando terminaram o cântico, foi-lhe dito que finalmente se reconciliara com a Igreja. Ele morreu no dia 30 de janeiro de 1977.
É difícil não simpatizar com Leonard Feeney. Nenhum protestante jamais se converteu ao ouvir que poderia perfeitamente estar em ignorância invencível. É dever dos padres explicar aos homens a mensagem divina na sua totalidade, o que inclui o dever de crer nessa mensagem e de entrar na Igreja Católica se quiserem salvar suas almas. “Renunciamos coisas que a vergonha manda ocultar”, dizia São Paulo, “[não] adulterando a palavra de Deus”.
Há, porém, três questões distintas que não podem ser confundidas, embora o sejam com frequência, até por alguns teólogos: (1) É possível salvar-se sem o batismo de água? (2) É possível salvar-se sem ser católico, ou ao menos sem a intenção explícita de se tornar? (3) É possível salvar-se sem a crença explícita em Cristo? No que segue, responderei às perguntas, deixando as posições do Padre Feeney sobre cada uma dessas questões a seus biógrafos.
1. Deixando de lado o caso especial do martírio, que os Padres da Igreja exaltam por seu poder de remover o pecado, podemos dizer que há provas para crer no “batismo de desejo” na Igreja primitiva, mas que ninguém considerava isso um ponto de fé. Os dois Padres mais citados nesse tema são Santo Agostinho e Santo Ambrósio. O Imperador Valentiniano II, que havia bravamente resistido às demandas de senadores pagãos para restaurar sua antiga religião, queria ser batizado, mas morreu violentamente enquanto ainda era catecúmeno. Santo Ambrósio falou, em um panegírico funeral, que ele havia sido lavado por seu desejo, assim como os mártires o são pelo sangue. Ainda assim, o mesmo santo afirma, em outro lugar, ao menos como regra geral, que, embora os catecúmenos já possam crer no poder da Cruz, seus pecados não são lavados sem a água batismal.
Santo Agostinho, em uma obra sobre o batismo, diz que, após refletir sobre o tema, parece-lhe que a fé e a conversão do coração podem suprir o batismo se alguma crise repentina impede que o sacramento seja ministrado antes da morte. Ainda assim, ele, como Santo Ambrósio, também afirma a regra geral de que, por mais avançado que esteja um catecúmeno, não estará livre do peso de seus pecados sem o batismo. Ele não retratou nenhuma das opiniões no fim de sua vida, no livro que escreveu para corrigir erros que haviam sido cometidos em sua extensa obra.
Essa posição nuançada veio a ser adotada no Ocidente de forma geral. São Bernardo, no Século XII, surpreendeu-se ao ouvir pessoas negando peremptoriamente a possibilidade de salvação dos catecúmenos, e Santo Tomás de Aquino concorda com ele. Ainda assim, esse “batismo de desejo”, aparentemente, não é mencionado pelos padres orientais, e sua existência não foi definida pela Igreja. Os católicos estão livres para crer que Deus, de alguma forma, garantirá que todos aqueles predestinados serão lavados nas águas batismais antes de morrerem; mas não podem alegar que isso faça parte da fé.
2. Todos esses santos, porém, referiam-se a católicos catecúmenos. É possível encontrar, em seus escritos, algo que indique que as pessoas batizadas em corpos não católicos podem ser salvas? Dificilmente. Santo Agostinho chega a mencionar de passagem que devemos pensar de modo muito diferente sobre aqueles que cresceram em tais corpos do que aqueles que abandonaram a Igreja para se juntar ou fundá-los. Mas o que devemos pensar deles? Se pessoas nascidas dentro desses grupos são validamente batizadas e recebem os ensinamentos corretos acerca da Trindade ou da Encarnação, e, especialmente, se têm os sacramentos da confissão e da Santa Eucaristia para ajudá-los a obedecer os mandamentos, não podemos excluir a possibilidade de que ao menos alguns deles estejam em estado de graça, e, portanto, que suas almas, embora não seus corpos, estejam na Igreja. Eles seriam como soldados irregulares, combatendo do lado correto, porém sem saber quem são seus comandantes.
3. Quando, porém, se trata daqueles que não conhecem Cristo, não podemos ter sequer essa esperança incerta. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho não tem a vida. Não podemos nos tornar amigos de Deus, salvo ao aceitar Sua oferta de perdão. Antes da Sexta-Feira Santa, a humanidade foi convidada a aceitar a redenção que viria um dia. Desde a Sexta-Feira Santa, a humanidade é convidada a aceitar a redenção que já chegou: mas ninguém pode fazer isso sem ter ouvido sobre o Redentor. Como poderão crer nAquele de quem não ouviram, indaga São Paulo. Até mesmo o Papa João Paulo II, apesar de seus encontros transviados em Assis, declarou em seu ensinamento oficial: “A distinção entre a fé teológica e o tipo de crença das outras religiões deve ser mantida com firmeza” (Dominus Iesus, 17). E, como o Concílio de Trento ensina, ecoando São Paulo, a fé teológica é necessária para que o homem seja justificado e agrade a Deus.
Ainda assim, essas pessoas, sendo detentoras do Espírito Santo, responderão, mais cedo ou mais tarde, à pregação da Igreja, de Quem Ele é a alma. O que é mais uma razão para que os pastores da Igreja os convidem de volta ao lar! É impossível aprovar o costume moderno de padres e bispos católicos de pregar a grupos de não católicos e não fazer esse convite.
Fora da Igreja, não há salvação. Os teólogos podem oferecer explicações aqui ou ali sobre essas gloriosas palavras. Mas os pregadores, como Noé, deveriam simplesmente convidar os homens a entrar nela antes que seja tarde demais.
(The Angelus, Maio 2022)
As considerações anteriores mostraram que a Mãe de Deus não apenas era virgem antes, durante e após o nascimento de seu Filho Jesus Cristo, mas que fez um voto de castidade por inspiração do Espírito Santo. Nessas condições, é natural indagar-se se deveria ter um marido.
Na verdade, o Arcanjo Gabriel foi enviado "a uma virgem desposada por um homem cujo nome era José, da Casa de Davi" (Lc 1,27). Esse detalhe, expressamente descrito na Sagrada Escritura, bem como nos relatos do Evangelho, mostra a vontade de Deus nesse ponto. Mas os Padres e teólogos questionaram o que motivou o plano divino. Santo Tomás resume a questão com sua clareza habitual.
Em consideração com a Encarnação do Filho de Deus
O Verbo assumiu a natureza humana em todos os seus aspectos, com exceção daquilo que seria contrário a Sua dignidade; ele, portanto, tinha vida social e, em primeiro lugar, vida familiar: por isso Ele nasceu em uma família.
Era igualmente importante que o Messias não fosse rejeitado como um filho ilegítimo: "Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?" (Jo 6,42).
A filiação era essencial para os judeus do Antigo Testamento. Isso pode ser observado nas genealogias que a Sagrada Escritura faz até mesmo no Evangelho. Mas ela deve ser realizada, de acordo com o costume, pela linha paterna.
Finalmente, Deus quis que a divina criança tivesse um protetor e um pai. O papel de pai consiste, no plano especial da Redenção, dar ao Verbo Encarnado a possibilidade de levar uma vida oculta.
Em consideração com a Mãe de Deus
Uma jovem que falhasse no cumprimento de seus deveres era apenada com apedrejamento. O nascimento de Cristo na Sagrada Família fez essa ameaça desaparecer.
E, presumindo que essa pena não fosse aplicada, o nascimento de Jesus protegeu Maria da infâmia de ser uma mãe solteira. A desonra, ainda que aparente, teria passado, de alguma maneira, para o Filho de Deus.
Finalmente, esse casamento assegurou à Santíssima Virgem o auxílio de São José. E sabemos quão precioso esse auxílio foi depois.
Em consideração com os homens
Os costumes judeus não permitiriam que uma mulher não se casasse, devido às regras de transmissão da herança e ao dever de gerar o povo de Israel. De fato, para evitar a passagem de uma porção da herança a outra tribo, as mulheres se casavam dentro de sua tribo.
O testemunho de São José eloquentemente confirma a concepção virginal do Salvador. De fato, era incumbência dele denunciar o adultério. Essa hesitação de José mostra a virtude da Virgem Maria.
O testemunho de Maria afirmando sua virgindade, porém, tem maior autoridade. Se a Virgem diz que foi concebida sem perder sua virgindade, seu testemunho é digno de maior confiança sendo ela casada que solteira.
Também era necessário que a Mãe de Deus fosse um exemplo às jovens. Se ela tivesse concebido carnalmente sem ser casada, sua reputação poderia ser -- erroneamente -- maculada. A concepção virginal de uma mulher casada protege sua reputação e serve de exemplo a todas as mulheres.
Desse modo, a Virgem se torna uma maravilhosa imagem da Igreja Católica: ela é virgem, esposa e mãe.
Finalmente, em Maria, a virgindade e o casamento estão honrados na mesma pessoa: assim, a dignidade desses dois estados é garantida.
Nossa Senhora preservou sua virgindade por toda sua vida. Os Padres da Igreja se indagaram se Maria fez um voto de virgindade. Santo Tomás resume seus pensamentos sobre essa questão.
O ponto de partida dessa reflexão é a resposta de Maria ao Arcanjo Gabriel, que anunciou sua maternidade: "Como isso se dará, se não conheço homem?" (Lc 1,26). Para compreender adequadamente essa resposta, devemos lembrar que o verbo "conhecer" é empregado pela Sagrada Escritura para se referir a relações carnais.
Como a Virgem Maria estava noiva de São José -- noivado esse que, entre os judeus do Antigo Testamento, praticamente equivalia a um casamento -- essa pergunta significa que Nossa Senhora tinha a intenção de preservar sua virgindade em espírito de consagração a Deus.
É assim que Santo Agostinho compreende a passagem: "Na anunciação do Anjo, Maria responde: 'Como isso se dará, se não conheço homem?' Resposta essa que ela, certamente, não teria dado se ela não tivesse consagrado sua virgindade a Deus previamente" (De Sancta Virginitate, citada por Santo Tomás). Muitos Padres seguem Santo Agostinho.
A bela explicação do Doutor Comum
Ao expor a adequação desse voto, Santo Tomás aplica o princípio da atribuição de privilégios: é necessário presumir o mais perfeito possível na Santíssima Virgem; ora, a virgindade consagrada pelo voto é mais perfeita que a virgindade não consagrada. Então ela fez esse voto.
O Doutor Angélico, em outra passagem, explica que "o que é feito pelo voto se torna mais perfeito. Mas o principal fim do voto é fortalecer a vontade no bem". Ele também diz que a "uma vontade já santificada como a de Nossa Senhora, que goza de perfeita virtude, não é útil fazer muitos votos".
Portanto ele se indaga: "Por que o voto de virgindade, se a prática da castidade perfeita já era suficiente?" A resposta é clara e belíssima: "porque ele [o voto] fixa um estado de vida", para que, nesse voto, possa-se doar a própria vida.
Ele prossegue: "Se o comparamos [o voto de castidade] com os outros votos de religião, o de obediência é suficientemente substituído pelo casamento sob a autoridade de São José, e o voto de pobreza não é prudente para uma mãe de família"
Porém, ele observa que as regras sociais da época não aceitariam que uma mulher não se casasse, porque todos os membros do povo escolhido eram obrigados a participar da propagação da espécie. Então ele crê, com alguns Padres, que a Virgem, primeiramente, noivou com São José, e então, de mútuo acordo, ambos fizeram voto de castidade.
Mas também é possível, de acordo com outros autores, que o acordo de José e Maria aconteceu antes do noivado, e que eles fizeram o voto antes de se casarem.
O Cardeal Caetano -- um grande comentador de Santo Tomás -- acrescenta: "Não é natural que creiamos que esse Santo marido, ao aceitar que sua esposa dedicasse sua virgindade a Deus na constância do casamento, fez ele mesmo esse voto?"
É necessário levar em conta ainda, acima de tudo, a Divina Providência, que teria que inspirar José com essa resolução, para que a Santíssima Virgem tivesse, como companhia e guardião, um esposo que fosse também virgem. Além disso, Maria não seria "cheia de graça" se essa graça, que ela desejava acima de tudo em sua santidade, estivesse ausente em seu marido.
Portanto, a Virgem Maria, de acordo com a opinião comum, foi a primeira a fazer o voto de castidade de acordo com o tempo e de acordo com a perfeição do ato.
A Tradição distingue a virgindade em Nossa Senhora antes do parto, durante o parto e após o parto (ante partum, in partu e post partum). A presente questão diz respeito ao terceiro aspecto: virgindade post partum. A Mãe de Cristo permaneceu virgem após o nascimento de Seu Divino Filho?
Algumas pessoas quiseram ver, nos "irmãos de Cristo", mencionados em São João, outros filhos de Maria. A propaganda modernista [N.T.: e protestante] apresentou esse argumento. Mas outros textos do Evangelho também sugerem essa ideia: em São Mateus, Nosso Senhor é chamado de "primogênito de Maria" (Mt 1,25).
Deve-se asseverar que a Sagrada Escritura frequentemente chama de irmãos a outros parentes que não nasceram da mesma mãe. Nesse sentido, os "irmãos de Jesus" tiveram inveja dEle (Mc 6, 4); deram-lhe conselhos (Jo 7,1); tentaram levá-Lo para casa (Mc 3,21). Na Igreja Oriental, isso só seria compreensível se eles fossem mais velhos que Ele. Mas Nosso Senhor foi o primogênito.
O termo "primogênito" tem um certo sentido absoluto, independentemente de haver nascimentos posteriores. É um status jurídico. Em 1930, por exemplo, descobriu-se o túmulo de uma jovem mulher em Jerusalém em um cemitério judeu do Século I, que morreu dando à luz seu primogênito.
Mas, no relato da Anunciação, a Santíssima Virgem indaga ao Anjo: "Como isso se dará, se não conheço homem?" Conhecer, no sentido bíblico, refere-se a relações carnais. A objeção de Maria só faria sentido se ela tivesse a intenção de permanecer sem conhecer homem no futuro.
Os Padres da Igreja
Eles repetem essas verdades frequentemente. Santo Efrém afirma que Maria permaneceu virgem após o parto. São Zenão resume essa doutrina: "Maria foi concebida sem corrupção, ela gerou permanecendo virgem e permaneceu virgem após a Natividade". E Santo Ambrósio fulmina: "Alguns negaram que ela permaneceu virgem (após o parto). Preferimos desprezar tal sacrilégio".
São Sirício, papa, afirma: "Não podemos negar que Maria não teve outros filhos, e é com boas razões que sua santidade rejeita que, do mesmo ventre virginal, do qual Cristo nasceu de acordo com a carne, outro filho tenha nascido. O Senhor Jesus não teria escolhido nascer de uma virgem se a julgasse tão incontinente a ponto de profanar o palácio do Eterno Rei"
Portanto, é de fide que a Mãe de Deus permaneceu virgem post partum.
Razões disso
Elas estão enumeradas por São Tomás de Aquino na Suma Teológica (III, 28, 3):
- É adequado que Aquele que é o Filho do Pai, gerado na eternidade, seja o único filho perfeito de sua Mãe no tempo;
- Não seria apropriado que o corpo virginal de Maria, que havia se tornado o Santuário do Verbo através de obra do Espírito Santo, viesse a ter uma nova concepção. Isso implica dizer que a concepção virginal de Jesus foi uma nova consagração de Nossa Senhora a Deus, para que ela estivesse inteiramente dedicada à glória de Deus. Usar o relacionamento conjugal nessas condições seria uma violação. Maria é o modelo da vida religiosa;
- Não estaria de acordo com a gratidão que Maria, tendo a honra e graça de ser Mãe de tal Filho, conhecesse um homem e gerasse outro filho; de maneira semelhante, a santidade de José respeitava a pureza de Maria.
A maternidade divina da Mãe de Deus é integralmente virginal. A virgindade é uma característica tão própria de Maria, que se tornou um de seus títulos mais comuns: a Virgem Maria.
“Assim como foi dito aos antigos egípcios em tempos de fome: ‘Ide a José’, para receberem dele abundância de trigo e nutrirem seus corpos, assim também hoje nós dizemos a todos que desejam a verdade: ‘Ide a Tomás, e pedi a ele que vos dê de sua abundância o alimento da doutrina substancial com a qual podeis nutrir vossas almas para a vida eterna.’” (Papa Pio XI – Encíclica Studiorum Ducem – 29 de Junho de 1923)
“Invoquei (o Senhor) e veio a mim o espírito da sabedoria. Preferia-a aos cetros e aos tronos, e julguei que as riquezas nada valiam em sua comparação.” (Sb 7, 7-8)
Introdução
O século XIII foi um período de extraordinária atividade intelectual, mas não foi isento de perigos. Na busca entusiasmada por conhecimento, os estudantes reuniam-se aos milhares nas grandes universidades, que apesar de serem escolas de fé, foram também muitas vezes escolas de infidelidade. Os filósofos da época deviam tudo a um único mestre, que fora um pagão. “Aristóteles”, diz Lacordaire, “foi tomado como representante da sabedoria, mas, infelizmente, ele e o Evangelho nem sempre concordam um com o outro”. E muitos, entrando no oceano inexplorado do pensamento sem nenhum guia, naufragaram sem esperança a sua religião. Grandes professores, que eram tidos como os “oráculos do dia”, nem sempre souberam resistir às seduções da vaidade, e algumas vezes buscaram o renome propondo audaciosas teorias em assuntos em que a especulação original era raramente amigável à fé.
Foi em meio à confusão dessas novas opiniões que Santo Tomás foi dado ao mundo para demarcar os limites da filosofia cristã e para integrar, em uma estrutura grande e completa, as matérias de teologia dogmática, moral e especulativa, que até então estavam separadas. Ao mesmo tempo, enriqueceu a liturgia da Igreja com algumas de suas mais belas devoções, e mostrou, em sua vida e em seu caráter, todas as virtudes que as graças de um santo produzem.
1. Nascimento e infância
Situada de um modo pitoresco no sul da Itália, no topo de um penhasco escarpado, flanqueando o pico dos Apeninos e divisando as águas correntes de Melfi, lá estava em tempos medievais a fortaleza de Roccasecca. Ali nasceu Santo Tomás por volta do ano de 1225 – os autores não chegaram a um consenso acerca da data precisa – e devido ao condado vizinho de Aquino, ele recebeu seu sobrenome. O conde, seu pai, era sobrinho do imperador Frederico Barba-Roxa, e pelo lado de sua mãe, era descendente dos barões normandos que haviam conquistado a Sicília dois séculos antes. A família Aquino arrogava-se de parentesco com São Gregório Magno e era ligada pelo sangue a São Luís de França e a São Fernando de Castela. A futura vocação e santidade do pequeno Tomás foram preditas à sua mãe, a condessa Teodora, por um santo eremita de nome Bonus, e quando ainda era uma criança, a Providência vigilante de Deus sobre ele já estava manifesta de uma maneira surpreendente: uma terrível trovoada rebentou no castelo, fulminando sua babá e sua irmã no mesmo quarto em que Santo Tomás dormia, ficando ele ileso. Essa circunstância explica o grande medo de trovão e relâmpago que diziam ter Santo Tomás durante toda a sua vida, e que o fazia freqüentemente se refugiar na igreja durante uma trovoada, a ponto de inclinar sua cabeça contra o tabernáculo para se colocar o mais próximo possível sob a proteção de Nosso Senhor.
Ave Maria foram as primeiras palavras que se ouviu pronunciar por seus lábios de bebê. Muito antes de aprender a ler, descobriu-se que um determinado livro era um meio infalível de enxugar suas lágrimas e suas mágoas infantis. Ele costumava se deleitar em manuseá-lo, passando suas páginas com uma gravidade pueril.
2. Educação Primária
Quando tinha apenas cinco anos de idade, Santo Tomás começou a ser educado pelos monges da famosa Abadia Beneditina do Monte Cassino, que ficava a poucas milhas de Roccasecca. Os monges descobriram que seu novo pupilo era uma criança grave e quieta, que amava passar a maior parte de seu tempo na igreja, e nunca estava sem um livro nas mãos. Ele tinha uma considerável influência sobre seus jovens colegas, aos quais estava sempre pronto a ajudar e a quem a doçura de sua disposição o fazia muito querido. Porém, importava-se pouco com os divertimentos da infância, e raramente participava deles. Um dia, quando o restante dos colegas brincava alegre pelos bosques, Santo Tomás se isolou em silenciosa meditação. O monge encarregado dos garotos indagou o motivo de suas reflexões, e ele, levantando a cabeça, disse: “Diga-me, mestre, o que é Deus?” Essa foi a pergunta mais repetida por ele, o que mostrava que toda a tendência de sua mente e de seu coração estava já voltada para o Céu.
Aos dez anos, tinha progredido tanto em seus estudos que seus pais resolveram enviá-lo, sob os cuidados de um tutor, à recentemente fundada Universidade de Nápoles. Antes, levaram-no para passar algumas semanas em companhia deles em outro castelo de sua propriedade, em Loreto – um local destinado depois a ser tão famoso como o lugar de repouso da Santa Casa de Nazaré. Na época, uma fome assolou a cidade, e Santo Tomás se deleitou em distribuir as abundantes esmolas que seus caridosos pais tinham reservado para os pobres. Ele levou sua liberalidade tão longe, que o mordomo do castelo reclamou ao seu pai. O conde então surpreendeu o menino enquanto ele se apressava para o portão e perguntou severamente o que estava escondendo embaixo da capa. Santo Tomás a desdobrou e deixou cair no chão não o alimento que carregava, mas uma profusão de flores adoráveis e docemente perfumadas.
Em sua chegada a Nápoles, os extraordinários talentos dos quais ele já havia dado provas a seus professores beneditinos tornaram-se mais e mais manifestos, ao mesmo tempo em que progredia rapidamente na ciência dos santos. Era continuamente tomado como modelo para seus colegas estudantes, o que feria muito sua humildade, mas a modéstia, a doçura, e a gentileza de seu caráter o preservaram da inveja, fazendo-o unanimemente querido. Ele afastava-se de todas as más ocasiões e devotava suas horas de lazer à oração e às boas obras.
3. Junta-se aos Dominicanos
A igreja dominicana em Nápoles tornou-se um de seus refúgios favoritos, e enquanto ele derramava sua alma em oração diante do altar, foram vistos mais de uma vez cintilantes raios de luz emitidos de seu semblante. Um santo frade chamado João de São Julião, que testemunhou o maravilhoso sinal, disse um dia ao pio jovem: “Deus vos deu à nossa Ordem.” Santo Tomás atirou-se aos seus joelhos, dizendo que há muito desejava ardentemente tomar o hábito, mas que temia ser indigno de tão grande graça. A comunidade, então, alegremente admitiu o jovem estudante, e quando ainda era praticamente um garoto, vestiu publicamente o hábito branco de São Domingos.
A novidade logo chegou aos ouvidos da condessa Teodora, sua mãe, que, reconhecendo no evento a realização da profecia do santo eremita, correu a Nápoles para felicitar o filho. Porém, Santo Tomás e os irmãos, ignorantes das disposições dela, ficaram muito alarmados com a ideia da iminente visita, e em observância às suas fervorosas súplicas, o noviço apressou-se ao Convento de Santa Sabina em Roma. Para lá sua mãe o seguiu, mas não pôde induzi-lo a consentir em uma entrevista. O superior da Ordem, João Germano, estava prestes a partir para Paris e resolveu levar Santo Tomás e outros três companheiros com ele, e assim deixaram Roma. Quando Teodora se viu assim frustrada, enfureceu-se contra os frades e enviou ordens a dois de seus filhos mais velhos, que estavam servindo no exército do imperador na Itália, para surpreender o irmão e trazê-lo de volta. O pequeno grupo de frades foi alcançado e surpreendido enquanto tirava seu descanso do meio-dia às margens de uma fonte. Os rudes soldados tentaram rasgar o hábito de Santo Tomás, mas sua forte resistência os impeliu a desistirem do intento. Seus companheiros foram impedidos de seguir viagem, enquanto o jovem noviço foi levado de volta para junto de seus irados pais em Roccasecca.
4. Prisão e Fuga
A condessa estava determinada a jamais permitir que Santo Tomás fosse um dominicano. E seu pai, que alegremente aceitaria que ele assumisse o hábito beneditino – como um de seus tios, ele poderia chegar ao grau de Abade do Monte Cassino – estava igualmente determinado a não permitir que ele pertencesse à desprezível ordem mendicante que tinha abraçado. Lágrimas, ameaças e súplicas foram ineficazes para fazer abalar a resolução do santo, e ele foi aprisionado em uma das torres do castelo, onde teve de passar frio, fome, e todo tipo de privação. Suas duas irmãs, Marieta e Teodora, a quem ele era ternamente apegado, tentaram em vão com afetuosas carícias induzi-lo a ceder aos desejos da mãe, mas elas próprias se renderam a uma vida de perfeição, e ambas posteriormente morreram em odor de santidade, uma como abadessa beneditina, e a outra casada como condessa de São Severino. Através da intervenção delas, Santo Tomás conseguia obter livros e roupas de seus irmãos (dominicanos) em Nápoles. Durante seu cativeiro, que durou consideravelmente mais de um ano, ele conseguiu confiar à memória toda a Bíblia e os quatro livros das Sentenças, o compêndio teológico da época. Diz-se que seus primeiros escritos pertencem a esse mesmo período.
Com a chegada de seus irmãos, a constância de Santo Tomás foi posta à prova de modo ainda mais terrível. Os dois jovens oficiais conceberam o projeto infernal de introduzir uma mulher de má reputação dentro de seu quarto. Mas, apanhando da lareira um ferrete em chamas, o santo furiosamente retirou-a de sua presença. Com o mesmo ferrete, ele então traçou uma cruz na parede e lançando-se de joelhos diante dela, suplicou a Deus para conceder-lhe a graça da castidade perpétua. Enquanto rezava, caiu em um êxtase durante o qual dois anjos lhe apareceram e o cingiram com uma corda miraculosa dizendo: “Viemos da parte de Deus para te revestir com o cinto da castidade perpétua. O Senhor ouviu tuas orações e aquilo que a fragilidade humana nunca poderá merecer é assegurado para ti pela irrevogável graça de Deus”. Os anjos o cingiram tão firmemente que ele soltou um involuntário grito de dor, fazendo com que alguns empregados viessem ao lugar. Porém, Santo Tomás manteve o segredo para si mesmo, revelando-o somente em leito de morte para seu confessor, o padre Reginaldo, declarando que a partir daquele dia, nunca tinha sido permitido ao espírito das trevas se aproximar dele. O cinto foi usado pelo santo até sua morte e ainda é preservado no Convento de Chieri, em Piemonte.
Nesse período, a família de Santo Tomás compreendeu que sua firmeza não seria vencida pela perseguição. A contragosto, reconhecerem que foram derrotados e consentiram em sua fuga. Assim como São Paulo, ele foi descido da torre em uma cesta, e os frades, como haviam combinado, esperavam-no embaixo. Eles levaram seu tesouro resgatado para Nápoles, onde foi imediatamente admitido ao ofício.
5. Seus Estudos em Colônia
Mais uma tentativa foi feita para abalar a constância de Santo Tomás, dessa vez através de um apelo ao papa, que o convocou a Roma. Mas o santo advogou tão bem em sua própria causa que o Santo Padre se convenceu da realidade de sua vocação. Entretanto, para satisfazer a família dele, e assegurar em um posto importante os serviços de uma pessoa tão agraciada, o papa propôs fazê-lo abade do Monte Cassino mesmo sendo dominicano. Porém, Santo Tomás implorou tão fervorosamente para continuar sendo um simples religioso na ordem que escolhera que Sua Santidade concedeu e proibiu estritamente qualquer outra interferência em sua vocação.
Para afastá-lo de outros aborrecimentos, o superior geral da ordem levou Santo Tomás consigo para Colônia, onde se tornou discípulo de Santo Alberto Magno, o renomado professor dominicano. Quando Santo Tomás achou-se seguro dentro das paredes do convento, devotou-se com ardor à obra de sua santificação. Seu tempo era dividido entre oração e estudo, e sua humildade fez com que ele escondesse sua vasta inteligência, e mantivesse absoluto silêncio em todas as disputas escolásticas. Sua alta estatura e a imponência de sua figura levaram seus colegas a chamarem-no “o boi mudo da Sicília”. Um dos estudantes, jovem de boa índole e seu colega, oferecia-se para lhe explicar as lições diárias – oferecimento esse que o santo humilde e gratamente aceitava. Um dia, porém, o jovem professor se deparou com uma difícil passagem que interpretou erroneamente. Então, a caridade do santo e o amor à verdade triunfaram sobre sua humildade; pegando o livro, explicou a passagem com a máxima clareza e precisão. O colega, atônito, implorou para dali em diante ser ele o aluno, ao que Santo Tomás consentiu sob a condição de que mantivesse o sigilo. Pouco depois desse episódio, um artigo escrito pelo santo contendo uma solução magistral de uma complicadíssima questão caiu acidentalmente nas mãos de Santo Alberto. Admirado com o gênio que o artigo revelava, Santo Alberto no dia seguinte pôs o conhecimento de seu virtuoso discípulo a uma prova pública, e exclamou diante dos alunos reunidos: “Nós chamamos o irmão Tomás ‘o boi mudo da Sicília’, mas eu vos digo que um dia ele fará com que seus mugidos sejam ouvidos em todos os confins da terra!”
6. Seus Estudos em Paris
No verão de 1245, um ano depois da chegada de Santo Tomás a Colônia, o Capítulo Geral da Ordem Dominicana ordenou que Santo Alberto partisse para Paris para receber o título de doutor na universidade daquela cidade, e ele obteve permissão de levar o irmão Tomás como seu companheiro. Os dois santos partiram a pé, de cajado na mão, tendo como bagagem principal o breviário e a Bíblia, aos quais Santo Tomás juntou o livro das Sentenças.
Ao meio dia, eles paravam para descansar às margens de alguma fonte para comer o alimento que pediam pelo caminho. À noite, geralmente encontravam abrigo nos quartos de hóspedes de algum monastério. Desse modo, chegaram ao convento de São Tiago em Paris, onde Santo Tomás se tornou um modelo para toda a comunidade pelo seu espírito de oração, sua profunda humildade, perfeita obediência e caridade universal. Ele tentava imitar as virtudes que observava em seus irmãos e julgava-se totalmente indigno de viver em tão santa companhia. Nunca se ouviu dizer que ele pronunciasse alguma palavra frívola; quando falava, a beleza de seu divino discurso enchia de consolação espiritual todos os que o ouviam. Uma graça celestial irradiava de seu belo semblante, de modo que alguns diziam que bastava contemplá-lo para sentir dentro de si uma renovação de fervor.
Um jovem franciscano de nome Boaventura estava nessa época estudando em Paris. A ele, Santo Tomás liga-se numa amizade muito próxima. Os dois, que foram posteriormente honrados pela Igreja como os Doutores Seráfico e Angélico, tornaram-se muito caros um ao outro na terra assim como Jônatas e Davi, e depois de seus três anos de estudo, receberam juntos o título de Bacharel em Teologia em 1248.
7. Recebe o Título de Doutor
Em novembro daquele mesmo ano, Santo Alberto foi enviado de volta a Colônia acompanhado de Santo Tomás, que ensinava sob sua orientação. Os intelectuais não demoraram a descobrir que os dois professores dominicanos excediam todos os outros, e a nova escola em Colônia rapidamente encheu-se a ponto de transbordar. As aulas de Santo Tomás corroboravam completamente os cinco princípios de ensino que ele mesmo tinha estabelecido, a saber: clareza, brevidade, utilidade, doçura e maturidade. Ele possuía uma admirável graça de comunicar o conhecimento, de modo que se aprendia mais rapidamente com ele em poucos meses do que com outros em muitos anos.
Foi logo após o retorno a Colônia que Santo Tomás ascendeu ao sacerdócio; daquele momento em diante, ele parecia mais próximo de Deus do que nunca. Costumava passar muitas horas do dia e uma grande parte da noite na igreja. Enquanto oferecia o Santo Sacrifício, derramava abundantes lágrimas, e o ardor de sua devoção comunicava-se com aqueles que assistiam à Missa.
Após ensinar por quatro anos em Colônia, a Santo Tomás foi ordenado pelo Capítulo Geral que se preparasse para receber o título de doutor. Foi um golpe terrível para sua humildade, pois julgava-se sinceramente indigno de tal honraria. A caminho de Paris, para onde ele tinha de se dirigir, pregou na corte da Duquesa de Brabante, a pedido de quem escreveu um tratado cheio de sabedoria e moderação sobre o governo dos judeus. A partir de então, ele era constantemente consultado nos mais importantes assuntos de Estado, especialmente por São Luís de França, que era ternamente afeiçoado a ele. Santo Tomás chegou a Paris em 1252, e desde o primeiro momento seu sucesso no ensino foi tão grande que os vastos salões do convento de São Tiago não podiam conter seu público. A Universidade (de Paris) parabenizou a Ordem pela aquisição de tão grande tesouro e propôs garantir-lhe imediatamente a licença preliminar para doutorar-se, embora estivesse quase dez anos abaixo da idade requerida pelos estatutos.
Esta etapa, porém, foi atrasada por uma disputa entre os frades e os doutores seculares. A querela começou com a recusa dos primeiros em fazer um juramento para fechar suas escolas, e isso se acalorou com a publicação de um livro intitulado Os Perigos dos Últimos Tempos, no qual as novas Ordens mendicantes eram atacadas nos termos mais caluniosos e escandalosos. Essa obra, que veio da pena de um doutor parisiense chamado Guilherme de Saint-Amour, um homem violento e de opiniões heréticas, foi remetida por São Luís para ser julgada pelo papa. Santo Tomás e São Boaventura foram convocados pelo Tribunal Papal para atuarem como defensores dos regulares, e a pena de Santo Alberto Magno foi também requisitada. A eloqüência de Santo Tomás obteve a condenação do livro, salvou as ordens mendicantes da destruição, e pelos esforços em conjunto do papa e de São Luís, a Universidade foi obrigada a se render e readmitir os frades em suas cadeiras teológicas.
Em 23 de Outubro de 1257, os dois santos puderam doutorar-se. A humildade de Santo Tomás tinha sido tão atingida pela ideia dessa promoção que ele não conseguiu preparar o discurso preliminar até a véspera do dia em que seria proferido. Então, por inspiração divina, ele escolheu para seu texto as palavras do Salmo 103:13: “Regas os montes (do alto) das tuas moradas, com o fruto das tuas obras é saciada a terra” – palavras que em sua interpretação se referiam a Jesus Cristo, que como a cabeça dos homens e dos anjos, rega os espíritos celestes com glória, enquanto enche a Igreja Militante na terra com os frutos de suas obras através dos Sacramentos, que aplicam os méritos de sua sagrada Paixão às nossas almas. Porém, o evento deu a esse texto o caráter de profecia em relação à própria futura carreira do santo.
8. O Trabalho em Sua Ordem e na Igreja
Em 1259, Santo Tomás foi incumbido, juntamente com Santo Alberto Magno e outros homens doutos da Ordem, de elaborar regras para regular os estudos dos irmãos. Um ou dois anos depois, ele foi convocado à Itália para ensinar nas escolas ligadas à Corte Papal. Como essas escolas seguiam o papa de lugar em lugar, muitas das grandes cidades da Itália e muitos conventos de sua ordem desfrutaram por um tempo o privilégio dos ensinamentos do santo.
Após ter ficado por um período em Roma, em 1269 foi novamente indicado para ensinar em Paris. Os doutores da Universidade referiram a ele uma controvérsia que tinha se levantado sobre as espécies sacramentais na Sagrada Eucaristia. Depois de uma longa e fervorosa oração, o santo expôs por escrito sua opinião sobre o assunto, colocou o manuscrito aos pés do crucifixo no altar do Santíssimo Sacramento e rezou: “Senhor Jesus, que estais verdadeiramente presente e fazeis maravilhas neste adorável Sacramento, rogo-Vos que me concedais que, se o que escrevi for verdadeiro, Vós me habiliteis a ensiná-lo; mas que se houver algo contrário à Fé, Vós me impeçais de prosseguir em declará-lo.” Então, os outros frades, que estavam assistindo, contemplaram o próprio Nosso Senhor descendo e posicionando-se sobre o manuscrito, e ouviram de Seus Divinos lábios estas palavras: “Tomás, tu escreveste bem sobre o Sacramento de Meu Corpo.” O santo imediatamente entrou em êxtase, o que fez com que ele levitasse um cúbito do chão.
Em 1271, Santo Tomás retornou à Itália e começou a ensinar em Roma. Durante a Semana Santa daquele ano, ele pregou em São Pedro sobre a Paixão de Nosso Senhor, e aqueles que o escutaram na Sexta-Feira Santa foram levados às lágrimas e não cessaram de chorar até o Domingo de Páscoa, quando seu sermão Pascal encheu a todos de júbilo. Naquele dia, enquanto ele descia do púlpito, uma pobre mulher, doente há muito tempo, e sem esperanças de cura, beijou a barra de seu manto e ficou imediatamente curada. Nesse ínterim, as Universidades de Paris e de Nápoles estavam competindo entre si para obter a posse do grande Doutor. Nápoles levou a melhor, e o santo a premiou até o final do verão de 1272 com os últimos atos de seu trabalho como professor.
Durante todos esses ativos anos de ensino, a pena de Santo Tomás trabalhou infatigavelmente, enriquecendo as escolas e a Igreja com inestimáveis tratados que encheram muitos volumes. Dentro do estreito limite destas páginas, é impossível fazer mais do que citar alguns de seus mais importantes escritos. Ele comentou as obras de Aristóteles e livrou o texto do filósofo pagão de tudo o que era contrário às verdades da Fé. Ao mesmo tempo, adotou os termos da filosofia de Aristóteles como a classificação mais científica das ideias humanas e assim, estabeleceu um sistema completo de filosofia Cristã. Sua Suma Contra os Gentios (Summa Contra Gentiles) foi escrita a pedido de São Raimundo de Pennaforte, o terceiro Superior da Ordem, para combater as falsas doutrinas filosóficas introduzidas pelos sarracenos na Espanha e que estavam penetrando nas universidades da Europa. Nessa obra, Santo Tomás demonstra a verdade da Religião revelada e prova de modo triunfal que a Cristandade não pode ser contrária à sã razão. O Santo Doutor escreveu tratados sobre o Pai Nosso, a Ave Maria e o Credo, comentários sobre as várias partes da Sagrada Escritura, e respostas a diversas questões propostas a ele para que as solucionasse. O Papa Urbano IV encarregou-o da tarefa de reunir todas as mais belas passagens dos escritos dos Padres da Igreja sobre os Evangelhos, e o resultado foi sua Catena Aurea, ou A Corrente de Ouro, que é inteiramente composta de citações, e escrita em grande parte de memória. Como viajava de convento em convento, o santo lia as obras dos Padres, uma aqui, outra ali, e sua maravilhosa memória fez com que ele guardasse e transcrevesse as passagens tendo em mente cada assunto. A mais famosa de suas obras é sua Suma Teológica (Summa Theologica), na qual ele trabalhou, nos intervalos entre o ensino e a pregação, pelos últimos nove anos de sua vida, mas que não viveu o suficiente para terminar.
Desse trabalho é dito que o Papa João XXII afirmou que Santo Tomás havia feito tantos milagres quanto a Suma continha artigos, e seu valor é talvez mais bem atestado pelo ódio com o qual ela sempre foi considerada pelos hereges. Em 1520, Lutero fê-la ser queimada em público na praça de Wittenberg, e outro dos chamados reformadores, Martin Bucer, exclamou: “Suprimi Tomás e eu destruirei a Igreja!” “Um desejo vão”, observa Leão XIII, “mas não um vão testemunho.” No Concílio de Trento, apenas três obras de referência foram colocadas na mesa do salão de reunião. Eram elas: as Sagradas Escrituras, os Atos Pontificais e a Suma de Santo Tomás. Foi por causa da Suma que o Catecismo do Concílio de Trento foi escrito por três padres dominicanos e outros teólogos.
9. A Festa de Corpus Christi
A obra de Santo Tomás mais amada e venerada pelos fiéis talvez seja a participação que teve na instituição da Festa de Corpus Christi. Quando ele apresentou ao Papa Urbano IV a primeira parte de sua Catena Aurea, por volta de 1263, o Pontífice maravilhado quis, em sinal de gratidão, elevá-lo ao episcopado. Porém, Santo Tomás atirou-se-lhe aos pés e implorou ao Santo Padre que lhe concedesse como única recompensa pelo seu trabalho que a Festa do Santíssimo Sacramento, já estabelecida na Alemanha e nos Países Baixos pelas orações da Bem-aventurada Santa Juliana e pela influência do cardeal dominicano Hugo de São Cher, fosse estendida para a Igreja Universal. O papa alegremente consentiu e ordenou que Santo Tomás escrevesse o ofício da festa. Nesse ofício, cada responsório nas Matinas é composto de duas frases, uma retirada do Antigo Testamento e outra do Novo, que assim são feitas para darem um único testemunho ao grande mistério central da Fé Católica. Seus hinos Verbum Supernum e Pange Lingua nos são familiares, especialmente suas últimas estrofes, O Salutaris e Tantum Ergo, sempre cantados na Bênção, e desde a infância nossos corações são tocados de emoção enquanto caminhamos nas procissões do Santíssimo Sacramento pela força do Lauda Sion.
Antes de apresentar seu ofício ao papa, Santo Tomás o colocou diante do sacrário, e o milagre anteriormente ocorrido em Paris repetiu-se: as palavras de aprovação procederam dos lábios de um crucifixo ainda venerado em Orvieto. Um testemunho semelhante da aprovação divina foi concedido ao santo em Nápoles, e foi visto por um dos frades. Nessa ocasião, também Nosso Senhor falou com ele de um crucifixo, que é preservado na Igreja de São Domingos Maior, dizendo: “Tu escreveste bem de Mim, Tomás. Que recompensa terás?” Ao que o Santo fervorosamente respondeu: “Nenhuma além de Vós, ó Senhor!”
Também devemos à pena de Santo Tomás o Adoro Te, algumas belas devoções antes e depois da Santa Comunhão, e muitas outras orações sólidas em doutrina e belas em expressão. É tradição dizer que ele compôs a tão famosa “Alma de Cristo, Santificai-me” (Anima Christi), que era a oração favorita de Santo Inácio e que foi introduzida por ele em seu livro Exercícios Espirituais, embora deixando de fora a amável súplica “Luz da Sagrada Face de Jesus, brilhai sobre mim”, que é encontrada nas formas mais antigas da oração. Essa súplica ocorre na versão de Anima Christi encontrada em um antigo livro de orações chamado Horas York, onde se afirma ter sido indulgenciada pelo Papa João XXII quando ele a recitou após a elevação na Missa. Esse livro de orações foi publicado em 1517, quatro anos antes da conversão de Santo Inácio.
10. Traços Pessoais
Santo Tomás era alto e forte, de cabeça fina e sólida, fronte elevada, traços refinados e belos, olhos grandes e brandos que irradiavam benevolência. Suas maneiras eram singularmente encantadoras e graciosas, e suas prodigiosas faculdades mentais eram acompanhadas de uma inocente simplicidade de caráter, que juntamente com a pureza de sua doutrina renderam-lhe o título de “Anjo das Escolas”. Embora estivesse muito acima dos outros por sua enorme inteligência, ele era o mais doce e o mais caridoso dos mestres e dos padres, sempre pronto a curvar-se diante da capacidade dos mais jovens e dos mais estultos de seus colegas. Independentemente da importância dos afazeres nos quais estava engajado, sua cela estava sempre aberta para seus irmãos todas as vezes que queriam falar com ele, e alegremente deixava a mais exaustiva ocupação para dar-lhes sua inteira atenção. Ele os ouvia em suas dificuldades, explicava suas dúvidas e confortava-os em suas aflições. Nada que dizia respeito a seus irmãos era banal aos seus olhos, e ele nunca se mostrou cansado de suas interrupções, nem de suas inconveniências. Em troca, seus irmãos lhe davam a mais terna afeição: Doctor noster (Nosso Doutor) era como eles amavam chamá-lo, e a sinceridade de sua amizade era largamente provada pela amarga tristeza de todos quando ele se ausentava.
Muito depois de sua morte, aqueles que o tinham conhecido nunca falavam dele sem lágrimas, tão ternamente o amavam. Verdadeiro filho de São Domingos, cuidou apenas de falar de Deus ou com Deus, e não conseguia entender como um religioso poderia interessar-se por outro assunto. Se a conversa mudava para outros temas, ele cessava de participar e confessava para seus colegas que o surpreendia que um religioso pudesse pensar em outra coisa que não fosse Deus. Também era completamente incompreensível para ele o fato de alguém em estado de pecado mortal conseguir comer, dormir, ou alegrar-se. Quando os seculares vinham buscar conselho e consolação, ele lhes dava ouvidos de boa vontade, e após tirar suas dúvidas e consolá-los em suas dores, nunca deixava de contar-lhes alguma pia história ou falar-lhes algumas palavras edificantes, e em seguida dispensava-os, ficando eles com os corações ardendo de júbilo espiritual e amor divino.
Podemos imaginar Santo Tomás desfrutando da simples distração de subir e descer o claustro de seu convento, ocasionalmente levado por seus irmãos para tomar ar fresco no jardim, mas certamente logo sendo encontrado em algum canto isolado, absorto em pensamentos. Dessas distrações, são contadas algumas anedotas, como a que no-lo mostra jantando com São Luís e de repente esmurrando a mesa, exclamando: “Há um argumento conclusivo contra os maniqueus!” Seus colegas gentilmente esforçaram-se para lembrá-lo da presença real, enquanto o amável rei imediatamente convocou um secretário para anotar o convincente argumento que se apresentava à mente de seu santo hóspede.
De volta a Nápoles, o cardeal legado e o arcebispo de Cápua vieram visitar Santo Tomás. Ele, por sua vez, foi recebê-los no claustro, mas no caminho, ficou tão absorto na solução de uma dificuldade teológica que, quando chegou, tinha se esquecido dos afazeres e dos visitantes, e ficou como alguém que está sonhando. O arcebispo, que tinha anteriormente sido seu aluno, assegurou ao cardeal que aqueles devaneios eram muito familiares para todos aqueles que conheciam os hábitos do santo. Essas distrações às vezes faziam-no insensível à dor, como quando uma vela queimou sua mão enquanto ele permanecia absorto, inconsciente do fato.
A vida austera de Santo Tomás e seus incessantes trabalhos aumentaram a delicadeza natural de sua constituição, e fizeram com que ele freqüentemente caísse doente. Contudo, isso não pareceu tê-lo feito desistir de seu trabalho de composição. Cirurgias eram mal feitas no século XIII, e sua extrema sensibilidade fizeram com que as operações lhe fossem ainda mais terríveis. Em uma ocasião, quando se viu obrigado a passar por uma cauterização, implorou ao enfermeiro para avisá-lo quando os cirurgiões viessem. Quando se deitou em seu leito, imediatamente entrou em êxtase, permanecendo imóvel enquanto sua carne era queimada com ferros em brasa.
Suas roupas eram sempre as mais pobres do convento e seu amor pela santa pobreza era tão grande que sua Summa Contra Gentiles foi escrita no verso de cartas antigas e em pedaços de papel. Em vão os soberanos pontífices insistiram que ele aceitasse o arcebispado de Nápoles e outras honras eclesiásticas juntamente com amplos rendimentos. Nada pôde abalar sua determinação de viver e morrer como um simples religioso, e eles foram obrigados a retirar suas propostas, não querendo afligir alguém tão caro para eles. Ele, que era o oráculo de seu tempo, amava pregar aos pobres e aos humildes, e é sabido que eles sempre o ouviam alegremente e com muito fruto para suas almas. Ele era cheio de compaixão pelas suas necessidades e fazia-lhes o donativo de suas próprias roupas para vesti-los.
11. Sua Humildade e Mansidão
A humildade sempre foi a virtude característica de Santo Tomás. Ele percebia tão perfeitamente a grandeza de Deus e sua própria insignificância que em um momento de intimidade, ele disse a um amigo: “Graças sejam dadas a Deus! Nunca meu conhecimento, meu título de doutor, nem nenhum dos meus atos acadêmicos despertaram em mim um único movimento de vanglória sequer. Se algum movimento tiver sido despertado, a razão instantaneamente o reprimiu”. Da humildade brotava a extrema modéstia na expressão de sua opinião. Nunca, no calor de um debate ou em qualquer outra ocasião, se soube que ele tenha perdido a imperturbável serenidade de temperamento, ou que tenha dito alguma palavra que pudesse ferir os sentimentos de alguém, e ele suportou os mais incisivos insultos com uma calma igualmente imperturbável. Sua vida é cheia de exemplos de seu espírito de humildade e obediência religiosa. Uma vez, ainda como um jovem religioso, quando estava lendo no refeitório de Paris, o corretor oficial lhe pediu para pronunciar uma palavra de um modo evidentemente incorreto. Santo Tomás obedeceu e pronunciou a quantidade errada. Quando lhe perguntaram como ele consentiu em um engano tão óbvio, ele respondeu: “Pouco importa se uma sílaba seja longa ou breve, mas muito importa que se pratique a humildade e a obediência”. Anos mais tarde, quando o santo estava ensinando em Bolonha, um irmão leigo obteve a licença do prior para tomar como companheiro o primeiro irmão religioso que encontrasse livre. Vendo Santo Tomás, que era um estranho para ele, subindo e descendo no claustro, foi em direção a ele dizendo que o prior queria que ele o acompanhasse pela cidade, onde tinha negócios a realizar. O santo, embora coxeando e estando perfeitamente consciente de que o leigo estava enganado, imediatamente obedeceu ao chamado e foi mancando pela cidade atrás de seu companheiro, que de vez em quando reclamava de sua lentidão. Quando o leigo descobriu seu engano, desculpou-se copiosamente, mas o santo respondeu: “Não se incomode, meu caro irmão. Eu sou o culpado. Apenas sinto muito de não ter podido ser mais útil”. Para aqueles que perguntaram o porquê de ele não ter explicado o engano, ele deu esta preciosa resposta: “A obediência é a perfeição da vida religiosa; por ela, o homem se submete ao seu próximo por amor a Deus, como Deus fez-se a si mesmo obediente aos homens para a salvação deles”.
A Santo Tomás, custava-lhe acreditar que os outros pudessem ser maus. Sempre achava que todos eram melhores que ele, mas quando era provada uma falta e não havia possibilidade de dúvida, chorava como se ele mesmo a tivesse cometido, e seu zelo exigia que a falta fosse severamente corrigida, de acordo com o que dizia Santo Agostinho: “com caridade para com o pecador, mas com ódio ao pecado”.
Certa vez, um dos irmãos o pressionou a dizer qual a maior graça que já tinha recebido de Deus – com exceção da Graça Santificante. Após alguns minutos de reflexão, ele respondeu: “Penso que ter entendido tudo o quanto tenho lido”. Ele lembrava-se de tudo que ouvia apenas uma vez, de modo que sua memória era como uma biblioteca muito bem abastecida. Freqüentemente, escrevia e ditava ao mesmo tempo assuntos distintos a três ou quatro secretários, e nunca perdia o fio dos argumentos.
12. Sua Vida Diária e suas Devoções
Algumas informações sobre o modo como Santo Tomás passava seus dias foram preservadas. Depois do tempo absolutamente necessário de sono, ele levantava durante a noite e descia à igreja para rezar, retornando à cela pouco antes de os sinos tocarem para as Matinas, de modo que sua vigília passasse despercebida. Então descia novamente para o Ofício com a comunidade, sempre prolongando sua oração até a aurora. Após se preparar para a penitência, a Confissão e a meditação, ele celebrava a primeira Missa, e em ação de graças ouvia outra Missa na qual sempre servia. Compôs orações para todas as suas ações diárias, algumas das quais ainda são preservadas. Na Elevação, era seu costume repetir as palavras “Vós, ó Cristo, sois o Rei da Glória” com os últimos versos do Te Deum. Embora licitamente dispensado de comparecer ao coral devido aos seus trabalhos de ensino e escrita e às numerosas visitas dos que procuravam sua orientação, ele assistia com os irmãos todas as horas do Ofício Divino, e sempre derramava lágrimas de devoção.
Quando seus exercícios matinais terminavam, ele dava suas aulas de Teologia ou sobre as Sagradas Escrituras, e depois voltava para sua cela para escrever e ditar até a hora do jantar. Comia uma vez por dia apenas, e não se importava com o que era servido. Na verdade, no refeitório, ficava tão absorto em oração e em pensamentos que não percebia as coisas externas, tanto que mudavam seu prato, ou retiravam sua comida e ele não se dava conta. Depois do jantar, conversava um pouco com os irmãos, e em seguida reanimava sua alma com uma pequena leitura espiritual, sendo as Conferências de Cassiano seu livro favorito. Após um pequeno repouso, retomava seus trabalhos, e terminava o dia cantando no coral o Salve Regina nas Completas.
O Doutor Angélico era cheio de devoções singelas a Nossa Senhora. Seu confessor, o padre Reginaldo, declarou que Santo Tomás nunca havia pedido algo através da Virgem Maria que não tivesse obtido, e o próprio santo atribuía especialmente à sua intercessão a graça de viver e morrer na Ordem Dominicana, conforme seu sincero desejo. Durante toda uma Quaresma, ele pregou sobre as palavras “Ave Maria”, e as mesmas amadas palavras podem ser encontradas repetidas vezes nas margens de seu próprio manuscrito da Suma Contra os Gentios, recentemente descoberto na Itália. Em seu leito de morte ele confidenciou ao padre Reginaldo que Nossa Senhora tinha lhe aparecido diversas vezes e lhe assegurou do bom estado de sua alma, e da solidez de sua doutrina. Os santos Apóstolos São Pedro e São Paulo também o favoreceram com suas visitas e lhe explicaram difíceis passagens da Sagrada Escritura. As epístolas de São Paulo eram suas matérias favoritas de meditação, e ele costumava recomendá-las aos outros para o mesmo propósito. Tinha uma devoção especial a Santo Agostinho, e a partir das obras desse santo Doutor, compôs o Ofício próprio, ainda em uso na Ordem Dominicana. Santo Tomás costumava usar em volta do pescoço uma relíquia da virgem e mártir Santa Inês, da qual fez uso certa vez para curar o padre Reginaldo de uma febre que o atacou em uma viagem a Nápoles, e é dito que a partir daquele momento, o Santo Doutor resolveu celebrar a festa de Santa Inês com solenidade especial e – com um caráter natural que demonstrava compaixão humana – servir um jantar melhor no refeitório naquele dia.
“Seu admirável conhecimento”, dizia o padre Reginaldo, “era devido muito menos ao seu gênio do que à eficácia de sua oração. Antes de estudar, entrar em uma discussão, ler, escrever ou ditar, ele sempre se entregou à oração. Rezava com lágrimas para obter de Deus o conhecimento de seus mistérios, e uma luz abundante era concedida a sua mente”. Se ele encontrava alguma dificuldade, juntava jejum e penitência à sua oração, e todas as dúvidas eram esclarecidas. Certa vez, São Boaventura, vindo visitá-lo, viu um anjo auxiliando-o em seus trabalhos.
Entre suas notáveis palavras, pode ser mencionada a resposta que ele deu à irmã quando ela lhe perguntou o que deveria fazer para se tornar santa. “Velle”, respondeu ele – i.e., “Querer”. Ao lhe perguntarem quais eram os sinais de perfeição da alma, ele respondeu: “Se eu visse um homem afeiçoado a conversas frívolas, desejoso de honra e relutante em ser desprezado, eu não acreditaria que fosse perfeito, ainda que o visse obrar milagres”.
13. Sua Morte
Na festa de São Nicolau, no dia 6 de Dezembro de 1273, Santo Tomás estava rezando a Missa na capela do santo no convento de Nápoles, quando recebeu uma revelação que o mudou de tal maneira, que a partir daquele momento, não pôde mais nem escrever, nem ditar. Pouco depois, em resposta às prementes súplicas do padre Reginaldo, ele disse: “Chegou o termo de meus labores. Depois de tudo o que me foi revelado, tudo o que escrevi até hoje me parece apenas palha. Espero na misericórdia de Deus que o fim de minha vida possa em breve seguir o termo de meus trabalhos.”
Sofria de uma doença quando recebeu um chamado do papa para comparecer ao Concílio Geral convocado em Lião para a reunião das Igrejas Grega e Latina. O santo, portanto, partiu de Nápoles, acompanhado do irmão Reginaldo e alguns outros frades em 28 de Janeiro de 1274. No caminho, piorou muito. “Se Nosso Senhor estiver prestes a me visitar”, disse aos companheiros, “é melhor que Ele me encontre em uma casa religiosa do que em meio aos seculares”.
Como não estava próximo de nenhum convento dominicano, rendeu-se ao premente convite de alguns colegas cistercienses e deixou que o levassem para a Abadia de Fossa Nova. Chegando lá, foi direto para a igreja adorar o Santíssimo Sacramento, e em seguida, ao passar pelo claustro, exclamou: “Aqui é o lugar do meu repouso eterno!” Foi instalado na cela do próprio abade e esperou com a mais extrema caridade. Os próprios monges foram cortar lenha para lhe acender uma fogueira. Ao vê-los trazendo aquela carga para sua cela, o santo gritou: “Por qual razão devem os servos de Deus servir a um homem como eu, trazendo de longe tão pesados fardos?”
Em observância às diligentes súplicas dos cistercienses, ele começou a explicá-los o Cântico dos Cânticos, mas não viveu para completar sua exposição. Como se aproximasse seu fim, ele, com muitas lágrimas, fez uma confissão geral de toda sua vida ao padre Reginaldo, e então pediu para deitar-se sobre cinzas no chão quando lhe foi trazido o Santo Viático. Ao contemplar o Santíssimo Sacramento, colocou-se de joelhos e disse em clara e distinta voz, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto: “Recebo-Vos, ó preço da redenção da minha alma; recebo-Vos, ó viático da peregrinação de minha alma, por amor de quem eu tenho estudado, observado, trabalhado, pregado e ensinado. Escrevi muito, e freqüentemente discuti os mistérios de Vossa lei, ó meu Deus. Vós sabeis que não desejei ensinar nada salvo o que aprendi de Vós. Se o que escrevi for verdadeiro, aceitai-o como uma homenagem à Vossa infinita majestade; se for falso, perdoai minha ignorância. Consagro-Vos tudo o que já fiz e submeto tudo ao julgamento infalível de Vossa Santa Igreja Romana, em cuja obediência estou prestes a partir desta vida”.
Pouco antes de receber a Sagrada Hóstia, pronunciou sua jaculatória favorita: “Vós, ó Cristo, sois o Rei da glória, Vós sois o Filho Eterno do Pai”. Após receber o Santo Viático, ele fez fervorosos atos de fé e amor nas palavras de seu belíssimo Adoro te. No dia seguinte, ao receber a Extrema Unção, respondia calmamente todas as orações, enquanto as vozes dos assistentes eram atravancadas por soluços. Tentou confortar seus irmãos, que estavam inconsoláveis com a perda que se aproximava, e muito agradeceu aos cistercienses por sua caridade. Um deles lhe perguntou qual era a melhor maneira de viver sem ofender a Deus. “Esteja certo”, respondeu o santo, “que aquele que caminha na presença de Deus e está sempre pronto a dar a Ele contas de seus atos nunca se separará Dele pelo pecado”. Essas foram suas últimas palavras. Logo em seguida, entrou em agonia e expirou tranqüilamente em 7 de março de 1274, não tendo ainda completado cinqüenta anos.
No mesmo dia, Santo Alberto, então em Colônia, rompeu em lágrimas na presença de toda a comunidade e exclamou: “Irmão Tomás de Aquino, meu filho em Cristo, que foi a luz da Igreja, está morto! Deus revelou-mo.”
Em Nápoles, também, agradou a Deus tornar conhecida a morte do santo de uma maneira milagrosa. Um dos frades, enquanto rezava na igreja, entrou em um êxtase no qual pareceu contemplar o Santo Doutor ensinando nas escolas, rodeado de uma grande multidão de discípulos. São Paulo Apóstolo também apareceu acompanhado de muitos santos, e Santo Tomás perguntou-lhe se tinha interpretado suas Epístolas corretamente. “Sim”, respondeu o Apóstolo, “até onde alguém ainda na terra pode entendê-las. Mas vem comigo; eu te conduzirei a um lugar onde terás um conhecimento ainda mais claro de todas as coisas”. O Apóstolo, então, pareceu tocar o manto de Santo Tomás e levá-lo, e o frade que contemplara a visão surpreendeu a comunidade ao gritar três vezes em alta voz: “Ai de nós! Ai de nós! Nosso Doutor está sendo levado de nós!”
14. Honras Após Sua Morte
O funeral de Santo Tomás foi realizado na Abadia com grande solenidade. Padre Reginaldo fez um breve discurso, freqüentemente interrompido por seus próprios soluços e pelos de seus ouvintes. Ele declarou que, tendo sido por muitos anos o confessor de Santo Tomás, podia solenemente atestar que o Santo Doutor nunca tinha perdido sua inocência batismal, e tinha morrido tão puro e livre de mácula como uma criança de cinco anos de idade. Ele então revelou alguns favores particulares que Santo Tomás lhe tinha proibido revelar durante sua vida.
Muitas revelações da glória do santo deram-se após sua morte, das quais a que se segue talvez seja uma das mais interessantes: um fervoroso discípulo seu orou ardentemente para que pudesse saber qual a categoria a que seu amado mestre tinha sido elevado em glória. Um dia, enquanto fazia suas preces usuais diante do altar de Nossa Senhora, dois veneráveis personagens cercados de uma maravilhosa luz pararam de repente diante dele. Um deles estava vestido como um bispo; o outro usava o hábito de um frade pregador, mas estava resplandecente com pedras preciosas. Em sua cabeça estava uma coroa de ouro e diamantes, de seu pescoço pendiam duas correntes, uma de ouro, outra de prata, e uma joia na forma de um sol brilhava sobre seu peito, vertendo raios de luz por toda parte. “Deus ouviu tua oração”, disse o primeiro personagem. “Eu sou Agostinho, Doutor da Igreja, enviado para te comunicar a glória de Tomás, que reina comigo e que iluminou a Igreja com seu conhecimento. Isso é representado pelas pedras preciosas com as quais ele está coberto. Isto que brilha em seu peito significa a reta intenção com a qual ele defendeu a Fé; as outras simbolizam os livros e escritos que ele compôs. Tomas é igual a mim em glória, mas excedeu-me pela auréola da virgindade.”
Santo Tomás foi canonizado pelo papa João XXII em 1323 na cidade de Avignon. Apenas em 1367 os dominicanos conseguiram obter a posse de seu corpo, que foi levado para o convento de Toulouse, onde foi recebido com todas as demonstrações de honra. Uma festividade anual foi realizada pela ordem em 28 de janeiro, em memória dessa transladação, que foi acompanhada de muitos milagres. Porém, em 1923 foi suprimida em favor da nova festa do Patrocínio de Santo Tomás, em 13 de novembro. Valiosas relíquias do santo foram dadas a vários conventos da ordem. Na época da Revolução Francesa, os restos mortais do santo foram removidos para a cripta da igreja de São Saturnino em Toulouse, onde ainda repousam.
Em 1567, São Pio V conferiu a Santo Tomás o título de Doutor da Igreja, sendo conhecido como “o Doutor Angélico” devido à sua inocência e sua inteligência. Na carta encíclica Aeterni Patris (1879), o Papa Leão XIII instou a restauração do ensinamento de Santo Tomás em todas as escolas, e por um Breve apostólico (1880), o mesmo Pontífice nomeou Santo Tomás de Aquino como Patrono de todas as universidades, academias, colégios e escolas católicos. Para o louvor de seus predecessores, o Papa Pio XI adicionou o toque final ao declarar que o Doutor Angélico merecia o esplêndido título de “Doutor Universal da Igreja” (29 de junho de 1923).
“Assim como foi dito aos antigos egípcios em tempos de fome: ‘Ide a José’ para receberem dele abundância de trigo e nutrirem seus corpos, assim também hoje nós dizemos a todos que desejam a verdade: ‘Ide a Tomás, e pedi a ele que vos dê de sua abundância o alimento da doutrina substancial com a qual podeis nutrir vossas almas para a vida eterna.’” (Da encíclica Studiorum Ducem do Papa Pio IX, 29 de Junho de 1923)
O dia da festa tradicional de Santo Tomás de Aquino é 7 de março.
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Oremos:
Ó Deus, que ilustrais a Igreja com a admirável ciência do bem-aventurado Tomás, Vosso Confessor e Doutor, e a fecundais com a santidade de suas virtudes, concedei-nos a graça de compreender o que ele ensinou e de fielmente imitar o que ele fez. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
R/ Amém.
(St. Thomas Aquinas, Saint Benedict Press, LLC 2009)
O Verbo desde toda a eternidade gerado pelo Pai elevou à união pessoal com Ele o fruto bendito do seio virginal de Maria; quer dizer que a natureza humana e a natureza divina se ligaram em Jesus na unidade duma só pessoa que é a segunda da Santíssima Trindade e visto que quando se fala de filiação é a pessoa que se designa, deve dizer-se que Jesus é o Filho de Deus, porque a sua Pessoa é divina: É Verbo incarnado. Daqui se segue que Maria é com razão chamada Mãe de Deus, não porque ela tenha gerado o Verbo, mas porque gerou a humanidade que o Verbo uniu a Si no mistério da Incarnação. Compreendemos então que a Igreja cante na Missa o solene Intróito: “Tu és meu Filho, hoje Te gerei”.
Filho eterno do Pai, constantemente gerado por Ele na eternidade, Cristo continua a sê-lO no dia do seu nascimento sobre a Terra, revestido da nossa humanidade. É no meio da noite que Maria dá à luz o Filho divino e O coloca no presépio. Por isso celebra-se a Missa à meia noite, e a estação faz-se na Basílica de Santa Maria Maior, no altar onde se conservam as relíquias do presépio.
Este nascimento de Cristo em plena noite é simbólico: “Deus nascido de Deus, Luz nascido da Luz” (Credo), Cristo dissipa as trevas do pecado; “É a verdadeira luz” cujo esplendor ilumina os olhos da nossa alma, para que, enquanto conhecemos a Deus de uma maneira visível, por Ele sejamos arrebatados ao amor das coisas invisíveis. Veio arrancar-nos à impiedade e aos prazeres do mundo e ensinar-nos a merecer, pela dignidade da vida neste mundo, a feliz esperança que nos foi prometida. Será em plena luz que se realizará a vinda da glória de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Natal, é a aparição na noite do mundo da Luz divina, cujo fulgor, em nós, e em volta de nós, se estende até ao fim dos tempos.
Do Evangelho: Por que, pergunta São Gregório, esse recenseamento, no momento do nascimento do Senhor, senão para nos dar a entender que é a aparição na carne d’Aquele que, um dia, deve recensear na eternidade os seus eleitos? (Matinas). O aparecimento do Homem Deus durante a noite é a figura da sua vinda no fim do mundo. Di-lo o próprio Jesus: No meio da noite far-se-á ouvir um clamor. Eis que vem o Esposo, ide ao seu encontro e as almas que tiverem esperado por Ele entrarão para as bodas eternas, enquanto que às outras dirá: Não vos conheço (parábola das dez virgens).
Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.