4.0. Uma concepção errônea do sacerdócio, rebaixado à função de “povo de Deus”, com o qual se quer arbitrariamente identificar a Igreja (cf. §2.4). Lê-se efetivamente em Lumen Gentium que “... o Povo de Deus não apenas se reúne a partir de diversos povos, mas se compõe de diversas categorias diferentes (ex variis ordinibus confletur). Efetivamente, existe entre seus membros (membra) uma diversidade, seja nos cargos (officia), certos membros ocupando função sagrada (sacro ministerio) em vista do bem de seus irmãos, seja ainda em um estado de vida e de orientação em que muitos, vivendo em um estado religioso, tendem à santidade por uma via mais rigorosa e estimulam seus irmãos por seu exemplo.” (LG 13)
A “função sagrada” é, portanto, concebida como um “ordo” do “povo de Deus”, termo que literalmente exprime a idéia de classe, de ordem, de estado, em si e no interior de uma entidade maior, da qual ele representa, segundo a mens progressista que foi imposta pelo Concílio, não somente uma parte, mas também e sobretudo uma função (termo que não tem equivalente em latim). Essa “função” se realiza em diferentes “officia” ou “munera” (Presbyterorum Ordinis 2,4). Ela é officium e, portanto, múnus antes mesmo de ser potestas (lembrada em diversas partes, mas ausente da noção específica da “função” sacerdotal). Mas deste modo, o padre não é mais o padre de Deus, ele é, ao contrário, o padre do povo de Deus, que o legitima na sua “função”.
Isto é contrário a toda a tradição e à constituição divina da Igreja (cf. S.E. D.B. Fellay, A crise do sacerdócio, balanço do Concílio Vaticano II, conferência feita no IV Congresso Internacional de Si Si No No, Roma, 3-5 de Agosto de 2000).
4.1. A afirmação, contrária à verdade histórica atestada pela Tradição e pelo Novo Testamento, segundo a qual Nosso Senhor teria, desde o começo, estabelecido alguns de seus fiéis como ministros: “Mas o próprio Senhor querendo fazer dos cristãos um só corpo, onde “nem todos os membros têm a mesma função” (Rm. 12,14), estabeleceu entre eles ministros (inter fideles... quosdam instituit ministros) que, na comunidade dos cristãos, seriam investidos da Ordem do poder sagrado de oferecer o Sacrifício e de perdoar os pecados...” (PO 2 cit.).
O texto citado procura legitimar a atribuição do “poder da Ordem” pela exigência de unidade da sociedade dos cristãos, de faze-la depender em substância das supostas exigências de uma suposta “comunidade” ou “povo de Deus”. Mas Nosso Senhor não tirou ministros da “comunidade dos cristãos”; ao contrário, ele começou por escolher seus ministros (os Apóstolos) e os formou afim de que, por sua vez, eles formassem os cristãos. Ele escolheu Seus “ministros” antes mesmo que existisse uma “comunidade dos cristãos”. Ele não constituiu a milícia cristã começando pelos simples soldados: começou pelos oficiais, afim de que estes formassem os soldados (como é o caso em todos os exércitos bem ordenados).
4.2. A ilegítima equalização do sacerdócio no sentido próprio (dito “ministerial” ou “hierárquico”) com o “sacerdócio comum dos fiéis”no artigo 10 de Lumen Gentium. Efetivamente, lê-se ali que “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico se se diferenciam essencialmente (essentia) e não somente em grau, são, no entanto, ordenados um ao outro (ad invicem tamen ordinantur), já que tanto um como o outro participa a seu modo do único sacerdócio do Cristo... (LG 10 cit. e 62).
As duas formas de “o único sacerdócio do Cristo” são assim colocadas no mesmo plano. Não se fala mais em “subordinação”, mas em “ordenação recíproca”: trata-se de duas funções evidentemente paritárias de “um único sacerdócio do Cristo”. Esta equalização, que já é em si contrária ao depósito da fé, parece esconder uma subordinação do sacerdócio “hierárquico” ao dos fiéis, já que os fiéis parecem constituir, para o Concílio, o “povo de Deus” no sentido próprio e que o sacerdócio é legitimado enquanto é uma simples “função”. Além disso a diferença de essência e de grau entre os dois sacerdócios nunca é explicada: permanece no estado de simples enunciação verbal.
4.3. A definição insuficiente do padre. Os padres (presbyteri) são considerados antes de tudo por sua qualidade de “cooperadores dos bispos” (PO 4): “A função (officium) dos padres, enquanto está unida (coniunctum) à ordem episcopal, participa da autoridade (auctoritatem) pela qual o próprio Cristo constrói, santifica e governa seu Corpo” (PO 2; ver também LG 28).
O Vaticano II parece querer, por assim dizer, comprimir a figura do padre no “povo de Deus”, diminuindo, de um lado, o mais possível sua diferença com os fiéis e, considerando, de outro, sobretudo sua qualidade de subordinado “cooperador” do bispo.
4.4. A falsa afirmação, contrária a toda a Tradição assim como ao Concílio de Trento (Sessão XXIII, cap. I, DZ 957/1764), segundo a qual, entre as “funções” sacerdotais, o primeiro lugar cabe à pregação e não à celebração da Santa Missa: “... os padres, como cooperadores dos bispos, têm por primeira função (primum habent officium) anunciar o Evangelho de Deus a todos os homens” (PO 4).
A Missão do padre se define, ao contrário, em primeiro lugar, “pelo poder de consagrar, oferecer e distribuir o “Corpo e Sangue” do Cristo e em segundo lugar pelo “poder de perdoar ou reter os pecados” (Trento, cit.). A pregação não é necessária para a definição da figura do padre. O que pensar dos grandes santos cuja missão se realizou, sobretudo, pelo ministério da confissão como, por exemplo, São Leopoldo de Pádua e o santo Padre Pio de Pietrelcina: quantas pregações terão feito em suas vidas? Bem poucas, na verdade.
4.5. A desvalorização do celibato eclesiástico em PO 16, onde se pode ler que “a prática da continência perfeita e perpétua para o Reino dos céus recomendada por Cristo Senhor (Mt. 19,12)”, se bem que “a Igreja a tenha tido sempre em alta estima para a vida sacerdotal... certamente não é exigida pela natureza do sacerdócio (non exigitur quidem sacerdotio supte natura), como mostra a prática da Igreja primitiva” (segue a citação de 1 Tm. 3, 2-5 e de Tito. 1,6).
Que o celibato eclesiástico “não seja exigido pela natureza do sacerdócio” é falso, porque contrário a toda a tradição, que sempre interpretou neste sentido a “recomendação” do Cristo em Mt. 19,12. E que a opinião da Igreja primitiva fosse a mesma nos é confirmado por São Paulo, que exalta o celibato virtuoso, considerando-o como o melhor estado para “se dar às coisas do Senhor”, tanto para os homens como para as mulheres (I Cor. 7,1; 29 seg., 32 seg.). Dizer que o celibato não seja necessário à natureza do sacerdócio significa somente que um homem casado pode se tornar padre conservando o estado jurídico do matrimônio mas não seu uso, se separando de sua mulher; isto não significa de maneira nenhuma que os padres possam se casar e ter filhos, como os ministros heréticos e os cismáticos. As passagens de I Tm. 3,2, e Tito. 1,6, nas quais São Paulo escreve que aquele que quer se tornar bispo, entre outros, “só deve ter tomado mulher uma vez”, sempre foram interpretadas como definindo a exigência, para os bispos e para os padres, de não serem viúvos que se tenham casado outra vez.
4.6. A indicação repetida do padre como “presidente da assembléia”, como se tal qualificação fosse essencial para o que concerne a “função” do padre na Santa Missa: cf. Sacrosantum Concilium 33; Lumen Gentium 26 (“santa presidência do bispo”); Presbyterorum Ordinis 2 (os padres “convocam e reúnem” o povo na Santa Missa, para que os fiéis possam “se oferecer eles mesmos” a Deus); Presbyterorum Ordinis 5.