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Até 1962, a história da Igreja contava com 19 Concílio ecumênicos, segundo o Dictionnaire de Théologie Catholique de Vacant. Denzinger acrescenta o Concílio de Constança (1414), elevando o total a 20. Com o Vaticano II, a lista dos Concílio ecumênicos chega a 21.
O Dictionnaire de Théologie Catholique define o Concílio ecumênico ou universal como a assembléia solene dos bispos de todo o mundo, reunidos por convocação do RomanoPontífice e sob a sua autoridade e presidência, para deliberarem assuntos relativos a toda a Cristandade.
Talvez se prefira a definição proposta pelo Dicionário Teológico de Rahner, que ressalta mais os três critérios externos de regularidade: “os Concílios (ou Sínodos) sãoassembléias compostas sobretudo por bispos [alusão aos Concílios aos quais, outrora, assistiam príncipes e soberanos cristãos], convocadas para discutir assuntoseclesiásticos, tomar decisões e promulgar decretos (...). A Assembléia, regularmente convocada (convocada, dirigida e confirmada pelo Papa), dos representantes de toda a Igreja, se denomina Concílio Ecumênico.
Os bispos que, reunidos em Concílio Ecumênico, deliberam e tomam decisões com o Papa e sob a sua direção, exercem, conforme a doutrina católica e o direito canônico (CIC, cânon 228) o poder supremo na Igreja e quando o Concílio profere uma definição solene, gozam de infalibilidade em matéria de fé. Isto vale também quando exercem e manifestam globalmente o magistério ordinário da Igreja”.
Por conseguinte, as condições de uma existência para um Concílio ecumênico são: a convocação pelo Papa, a direção dos trabalhos por parte dele (pessoalmente ou por meiode legados), a confirmação de seus atos pelo Pontífice, a qual pode ser antecedente (quando o Papa começa impondo as suas diretrizes), concomitante (ao participar dostrabalhos) ou conseqüente (ao ratificar os atos do Concílio com um assentimento posterior). É a confirmação papal que dá às decisões dum Concílio um valor jurídico universal(CIC 227).
Estes são os critérios externos de regularidade e existência dum Concílio. A este tríplice critério deve-se acrescentar um critério interno: a matéria tratada que, necessariamente se limita aos assuntos eclesiásticos concernentes à fé e aos costumes ou então intimamente relacionados com eles, com exclusão de tudo que não seja decompetência da Igreja (este ultimo se explica por si mesmo tanto que alguns tratados teológicos nem sequer o mencionam). Do fato de ter um Concílio ecumênico os sinais de regularidade formal, não se segue contudo que suas declarações sejam garantidas pela infalibilidade e se imponham como tais à fé e à adesão dos fiéis. Não se deve confundirecumenicidade com infalibilidade.
Encontramo-nos aqui com a questão complexa e, às vezes, difícil para os próprios teólogos, do valor doutrinal das decisões dum Concílio, do qual depende o assentimento devido a elas pelos fiéis. Três princípios teológicos devem ser tomados em consideração (cf. Dic. De Théol. Cath., V, Concile, col. 666): 1) primeiramente, a amplitude e o sentido de uma definição se medem pela intenção do autor, e portanto, antes de tudo é preciso examinar esta intenção; 2) ademais a igreja pode ensinar-nos uma verdade como “de fé”, mas também como “certa”, “comum”, “provável”, etc.; do mesmo modo, uma proposição pode ser considerada como herética, mas também como “errônea”, “temerária”, ou uma censura teológica inferior. Em todos os casos, o juízo definitivo da autoridade suprema é infalível, e exige dos fiéis um assentimento absoluto, mas não obriga igualmente nem sob as mesmas penas: por exemplo, quando uma verdade é proposta como de fé, deve ser considerada como revelada por Deus e crida sob a pena de heresia; se se propõe apenas como certa, deve-se admitir somente sob pena de pecado. A condenação duma preposição como herética equivale a afirmar a proposição contrária como de fé, mas nenhuma outra condenação comporta semelhante equivalência; 3) não se deve perder de vista um terceiro princípio: em toda definição, somente a substância cai debaixo da garantia da infalibilidade.
A aplicação destes 3 princípios teológicos aos 20 Concílios precedentes ao Vaticano II não apresenta muitas dificuldades, porque todos, a exceção do quarto (Calcedônia, 451) e do décimo terceiro (Lião, 1245), incluem a clássica divisão em duas partes; uma doutrinal, chamada capítulo, que contém a exposição da verdadeira doutrina católica a ser defendida contra os ataques, e outra defensiva, o cânon, que encerra numa fórmula breve e condensada, a condenação dos erros opostos, acompanhada pelas diversas sanções: anátema, condenação, reprovação, nota de heresia, etc., além das sanções disciplinares exigidas pelo caso.
Quanto aos critérios externos, os 20 Concílios que precederam o Vaticano II, são todos ecumênicos e regulares na forma; ademais todos trataram de assuntos disciplinares ou administrativos, sem ultrapassarem o campo das matérias eclesiásticas, próprios da Cristandade. Pelo contrário, quando examinamos os documentos do Vaticano II, à luz dos princípios teológicos antes lembrados, se vai de estupor em estupor.
O primeiro motivo de pasmo é a presença de centenas de “observadores” representando praticamente todas as seitas, que participaram ativamente dos trabalhos de “rejuvenescimento da Igreja”.
Ao convocar o Concílio Vaticano I, o Papa Pio IX dirigiu um apelo a todos os protestantes e acatólicos, convidando-os com a Carta Apostólica Iam vos omnes (13 de setembro de 1868), a refletirem se estavam seguindo o caminho prescrito por Nosso Senhor Jesus Cristo, e exortando-os a retornar à Igreja Católica, da qual “faziam parte os seus antepassados”, encontrando nela “alimento saudável de vida”. Contudo quando os dissidentes lhe pediram que apresentasse os seus argumentos ao próximo Concílio, Pio IX, no Breve Per ephemerides accepimus (4 de setembro de 1869), respondeu que “a Igreja não pode permitir que se ponham em discussão erros que já foram demoradamente examinados, julgados e condenados”. Posteriormente, com outro Breve (30 de outubro de 1869), o Papa permitiu aos protestantes e acatólicos a exposição de suas dificuldades a uma comissão de teólogos católicos, porém fora do Concílio.
Ao contrário, no Vaticano II os chamados “observadores” heréticos e cismáticos participaram ativamente dos trabalhos dele, indireta e até diretamente, como testemunha um deles, R. McAfee Brown em Observer em Rome (Methuen, 1964, pp. 227-228): “embora não tivéssemos voz direta no Concílio, realmente tivemos uma voz indireta, por meio de muitos contatos possíveis com os padres e com a sua indispensável e poderosa mão direita, os peritos”. E o mesmo McAfee Brown disse que, para o esquema sobre o ecumenismo, os “observadores” heréticos e cismáticos redigiram as suas opiniões, incorporadas nas intervenções escritas de alguns bispos (op. cit. p. 173) E então, Vaticano II não foi somente um Concílio ecumênico, mas – se se pode chamar assim – “super-ecumênico”; e, apesar disto, católico?
O segundo motivo de pasmo é a prolixidade literária dos documentos conciliares. Constitui um motivo real de pasmo o fato comprovado de que todos os textos (constituições, decretos, declarações e mensagens) não ocupam menos de 800 páginas num volume de 4 cm de espessura, enquanto o Denzinger, que abarca todas as definições e declarações em matéria de fé e moral de todos os Concílios, não só ecumênicos, mas também locais, além dum bom número de declarações desde São Clemente I (terceiro sucessor de São Pedro) até 1958 (data da edição do Denzinger por nós manuseada) não chega a 700 páginas e cabe num volume de igual espessura.
Que significa isto? Aparentemente nada. Mas a prolixidade duma exposição está freqüentemente unida a falta de rigor do pensamento, e a imprecisão deste permite interpretá-lo no sentido desejado, o qual inutiliza os textos conciliares como referência doutrinal, enquanto que a consulta do Denzinger sobre um ponto de doutrina traz sempre uma resposta clara, nítida e definitiva.
Ora, é precisamente o caráter nítido e definitivo que se quis excluir do Vaticano II. Isto se deduz particularmente do discurso de João XXIII na abertura do Concílio, a 11 de outubro de 1962: “não se trata de condenar nem de repetir a doutrina de todos, mas é mister fazer caso dos ‘profetas de desgraças’, a Igreja deve avançar...”
Estranho propósito, que poderia ser interpretado no sentido de que, para avançar, a Igreja deve deixar para trás a doutrina conhecida de todos! A antítese é evidente: antes, depois; para frente, para trás... É fácil prever os protestos contra esta interpretação, mas além da disputa verbal, não é está a realidade que salta a vista? Acaso se encontra nos “conciliares” a doutrina que todos conhecem? Sim, mas apenas nos seus velhos livros de teologia, fechados e talvez vendidos em liquidação há trinta anos.
O terceiro motivo de pasmo é a outra afirmação de João XXIII no discurso inaugural: “uma coisa é a substância do “depositum fidei” (...) e outra a maneira com que se exprime”. Ora, já que não existe doutrina sem formulação, esta conserva a ortodoxia da doutrina, e a história da Igreja demonstra que freqüentemente os campeões da ortodoxia católica combateram por uma só palavra e que, uma vez encontrada a formulação definitiva, sempre se considerou que não se devia mudar.
Pelo caminho indicado por João XIII, ao contrário, é fácil chegar a contradizer as irreformáveis decisões do Vaticano I (cap. I, XXX sessão), impondo como regra de fé que os dogmas se devem entender eodem sensu eademque sententia, ou seja, sempre com o mesmo sentido com que foram mantidos, princípios que São Pio X exige em sua encíclica contra o modernismo (n. 38) com referência ao Syllabus de Pio IX e à sua encíclica Qui pluribus (1846).
A declaração de João XXIII é, entre tantos outros, um índice duma mentalidade modernista e indica a vontade de romper com a Tradição.
O quarto (mas não último) motivo de pasmo consiste em que, enquanto todos os Concílios anteriores (exceto os de Calcedônia e Lião) se apresentam sob a forma rigorosa da doutrina certa, seguida da condenação dos erros opostos, o Vaticano II se mostra como um conjunto de conferências seguidas de recomendações, exortações, orientações, tido sem muita precisão, o que permitiu e permite acomodar os textos ao significado desejado.
Mansuetus
(Revista Sim, Sim, Não, Não Nº 74, edição portuguesa, abril de 1999.)
1A. PARTE: A CRISE E SUAS POSSÍVEIS CAUSAS
O problema levantado pela crise dentro da Igreja
O que pensar da grave crise que aflige a Igreja nos dias de hoje? Sua causa é a má aplicação do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962–65), que tornou-se a única verdadeira referência de doutrina e de pastoral desses últimos 40 anos? Ou a causa é a doutrina e a pastoral professadas pelo próprio Concílio? Elas são explicitamente voltadas ao “aggiornamento” da Igreja, através de uma reforma radical (instauratio, accomodatio) de todos seus componentes, desde a Santa Missa à Cúria, desde o Bispo e o sacerdote aos conventos de clausura, aos relacionamentos com a autoridade civil, ao modo de conceber a Igreja e seu relacionamento com o mundo e com as outras religiões.
Principais aspectos da crise vistos do exterior
De um ponto de vista puramente descritivo, parece-nos poder enumerar os traços mais visíveis da crise atual do seguinte modo:
1- — Forte diminuição das vocações religiosas, seminários e conventos esvaziando-se em massa (caindo em ruínas ou sendo vendidos a agências imobiliárias, que às vezes os põem abaixo para construir conjuntos residenciais).
2- — Anarquia substancial em toda a Igreja visível, onde a autoridade não é exercida efetivamente, nem na alta hierarquia nem na baixa. Se a autoridade é exercida, ela é contestada, ou no mínimo poucos a seguem. A impressão geral é de que as declarações do Magistério (feitas em geral timidamente, num tom de convite cordial) não mudam nada em nada; que a maioria das conferências episcopais e dos eclesiásticos continuam a se governar segundo suas idéias próprias em inúmeras questões.
3- — Anarquia substancial no domínio da liturgia, onde abundam a criatividade, a espontaneidade, as “missas ecumênicas”, a “intercomunhão” com os membros das seitas protestantes e ortodoxos et similia.
4- — Ignorância do clero em teologia e doutrina.
5- — Relaxamento da moral no clero, fenômeno sabiamente amplificado pela mídia, mas que não podemos negar.
6- — Ignorância dos fiéis, algumas vezes inutilmente instruídos sobre questões de exegese tão complicadas quanto artificiais, e que muitas vezes não sabem nem o “Pai Nosso”.
7- — Igrejas cada vez mais vazias (caindo elas também em ruínas ou vendidas) e queda vertical na freqüência aos Sacramentos (a confissão sacramental parece ter desaparecido completamente).
8- — Corrupção generalizada da moral nas nações antigamente católicas, conseqüência da predominância em massa do hedonismo e do materialismo, do indiferentismo material e religioso. Essa corrupção engendra a crise da família, cujo modelo não é mais o modelo católico. Ela vem sendo substituída pela família divorcista, a família “de fato”, a família “monoparental” e até a família “homossexual”.
9- — Avanço em massa das piores seitas protestantes (das Testemunhas de Jeová aos Mórmons, aos Pentecostistas e aos Carismáticos), do islamismo, do budismo, de todos tipos de esoterismo, do ateísmo. A cada ano um número impressionante de católicos apostata, sem falar daqueles que não apostatam, mas vivem fiando-se mais nos astrólogos e videntes do que na verdadeira fé, ou então, que vegetam no total indiferentismo.
10 — Pressão sempre forte do movimento inovador no seio da Igreja, amplamente tolerado por uma parte do episcopado e apoiado pela imprensa democrática mundial. Esse movimento gostaria de impor a ordenação das mulheres, o casamento dos padres, talvez também a ordenação de homossexuais, o acesso dos divorciados e “recasados” a certos sacramentos. Gostaria também de impor uma direção efetivamente colegial à Igreja (reedição da colegialidade anterior) e um ecumenismo ainda mais forte que o atual.
Alguns dados
Eis o quadro geral da Santa Igreja visível na sua atualidade. Dizer que ele é desolador seria pouco. Cada vez que o Santo Padre se prepara para visitar um país católico ou parcialmente católico, particularmente na Europa, a imprensa publica um “kyriale” de cifras imperdoáveis. Dá a impressão de uma oração fúnebre.
Lemos no Times, na véspera da visita pontifical à Espanha (3 e 4 de maio de 2003), que apesar do acolhimento triunfante e o encontro de multidões de jovens com o Papa, a situação do catolicismo nesse país é, segundo estatísticas mais recentes e mais precisas, a seguinte: durante os quatro últimos anos, dois milhões e meio de espanhóis abandonaram a Igreja (em média 650.000 por ano); em 1975, a freqüência à missa dominical era de 61% do total de fiéis, em 2003 ela caiu para 19%, e 46% dos fiéis declaram quase nunca ir à missa. Enfim, o número de padres caiu de 77.811 em 1952 para 18.500 em 2002. Certos seminários, em outubro de 2002, começaram as aulas sem nenhum aluno novo (The Times, 3 de maio de 2003, pág. 19). E, para o cúmulo do espanto, é notório de 600.000 muçulmanos vivem na Espanha, a metade deles sendo espanhóis apóstatas do cristianismo!
A situação da Espanha não é pior do que a da França, da Itália ou da Irlanda. No que diz respeito ao Reino Unido (Inglaterra e País de Gales, pois a Escócia é autônoma), lemos ainda no Times de Londres (31 de Dezembro de 2001) que 39,5% da população declara não crer em nenhuma religião, enquanto 59,9% professa uma religião: 55,2% são cristãos (4 milhões e meio de católicos em mais ou menos 30 milhões de “cristãos”), 4,7% pertencem a outras religiões (entre elas o islã: 2,2%, ou seja, quase um milhão e meio). Para continuar com as estatísticas, lembremos que no Reino Unido mais de 30% dos nascimentos são ilícitos (mães solteiras ou casais irregulares) e que essa porcentagem é de mais ou menos 27% na Irlanda, país outrora muito católico. Nesse país, graças à imigração clandestina (encorajada por razões econômicas, para manter o nível de vida que o país atingiu nesses últimos anos), a comunidade muçulmana está se formando rapidamente (15.000 pessoas mais ou menos, numa população de 3.800.000 habitantes, e o governo irlandês, caso único na Europa, pretendem instituir uma escola separada para os muçulmanos). A identidade católica da Irlanda está sendo contestada em favor do “pluralismo” e da “multietnia”. A igreja local, que atravessa uma crise devido a certos escândalos sexuais (exagerados pela mídia), não faz nada para defender essa identidade, antigamente tão marcante. Ao contrário, ela apóia fortemente a nova corrente em nome do “pluralismo”, da “paz”, do “ecumenismo”.
Sempre no Times (25 de maio de 2002), falam-nos da crise das vocações sacerdotais na Igreja Católica do Reino Unido. Só há 5.600 padres na Inglaterra e País de Gales, a cifra mais baixa dos últimos 60 anos. São 2.000 a menos que em 1971. Havia 52 seminários em 1999, e 48 em 2001. Em um outro número de 2002, a mesma revista anunciava, com uma nota de satisfação irônica (o Times pertence ao “establishment” protestante), que os 4 seminários católicos da Inglaterra estão quase vazios e a ponto de fechar”, enquanto que destino semelhante ameaça o English College de Roma, quase vazio também (só um aluno novo no primeiro ano: The Tablet de 7 de março de 2001). Mesma situação para o English College de Valladolid, ibid.
Frutos do diálogo...
A ignorância religiosa e a incredulidade em relação a quase todos os dogmas do cristianismo (por parte dos ministros das diferentes seitas protestantes) são alucinantes, e suscitam cartas de protesto tão regulares quanto inúteis assinadas por fiéis protestantes, que (graças a Deus) parecem ainda guardar a fé pelo menos nos dogmas mais fundamentais.
Comentário: 40 anos de diálogo inter-religioso não fizeram bem aos anglicanos, que alguns consideram teologicamente próximos da Igreja Católica. Que tiraram eles desse diálogo? Eles se afundaram ainda mais em seus erros enquanto que seu deísmo, que parece até ter perdido seu antigo aspecto exterior de cristianismo, escorregou para o indiferentismo, ou até para o verdadeiro ateísmo. O diálogo certamente não os salvou de uma terrível decadência moral. Mas ele também não fez bem à Igreja Católica, que parece ter tomado o mesmo caminho que eles.
Sobre as causas da crise atual
Muitos imputam a responsabilidade deste estado das coisas à desordem pós-conciliar. Somente uma minoria considera há muito tempo que se tenha de remontar ao Concílio para verificar que verdadeiros erros doutrinais ali se introduziram (por exemplo: na nova definição não dogmática da colegialidade; na nova concepção dos fins do casamento; na nova concepção de uma liberdade religiosa igual para todas as religiões, fundada na pretensa dignidade da consciência individual; na reforma litúrgica e na nova definição não dogmática da Santa Missa como sendo “celebração do mistério pascal”, dando-se importância sobretudo à memória da morte e da ressurreição do Senhor, sem lembrar o caráter de sacrifício propiciatório dessa morte e nem mencionar o dogma da transubstanciação). São esses erros doutrinais que constituem a causa primeira da ira de Deus que parece ter-se abatido sobre a Santa Igreja desde o Concílio. De um lado são os escândalos e de outro a indiferença — assim, a Igreja parece caminhar para a auto-demolição, enquanto cresce o número de todos seus inimigos, antigos e novos. É verdade que nem tudo andava bem na Igreja pré-conciliar. Já se observavam alguns sinais reveladores: o espírito obstinadamente rebelde da “Nova Teologia”, que começava a penetrar nos seminários; as tendências heterodoxas que continuavam a emergir no movimento litúrgico; um começo de decadência no episcopado (pouco formado em teologia), fascinado pelas idéias do século e pela tentação de obter mais “autonomia” em relação a Roma. Mas é inegável que o Concílio agiu como a caixa de Pandora (mito grego segundo o qual Pandora abriu a tampa da caixa em que Zeus havia encerrado todas as misérias que se abateriam sobre a humanidade). A crise começou a se instalar durante o Concílio, sobretudo no domínio litúrgico, para explodir com a impressionante violência que conhecemos, depois de seu encerramento.
Uma opinião otimista
Mas a crise não é admitida por todos: alguns, pouco numerosos, negam sua existência; outros julgam que está em via de redução graças à “nova evangelização” — grandes multidões de jovens em redor do Papa, grandes grupos de voluntários para o trabalho social, movimentos neo-catecúmenos e carismáticos (esses últimos praticando o “batismo do espírito” de certas seitas protestantes, um verdadeiro culto diabólico). Enfim, há aqueles que dizem que a “Igreja-movimento” se propõe realizar a paz no mundo e a unidade do gênero humano, segundo as diretrizes do Concílio. Aqueles que insistem em olhar para o futuro com otimismo apesar da crise, considerando não ter que imputar nada de grave ao Concílio, fazem em geral os seguintes raciocínios:
1- — O mundo contemporâneo está impregnado de materialismo, de hedonismo, de individualismo e ele não é sensível à mensagem cristã, mesmo estando ela “adaptada” às exigências de nosso tempo. Não é culpa da Igreja se sua “mensagem” não é recebida; ela faz o que pode.
2- — A crise tem a ver sobretudo com o que chamávamos de Ocidente: Europa e América do Norte. Nesses países, a diminuição das vocações está relacionada com a baixa de natalidade, fruto do hedonismo supracitado. O “Espírito” sopra onde quer.
3- — A “nova evangelização” dará frutos em tempo oportuno. Na verdade, na primavera de 2001, o cardeal Castrillon Hoyos declarou que “20% dos padres que abandonam o Sacerdócio, voltam atrás”, enquanto que as vocações estariam aumentando, a ponto de ter dobrado em certas partes do mundo: “a crise do sacerdócio está sendo superada”, diz ele. (The Tablet 14/04/2001, pp 550-1).
Crítica
Não sabemos se há alguém no Vaticano que ainda alimenta esse tipo de convicções e acha que a crise das vocações esteja “quase acabando”. Ao raciocínio acima, podemos opor os seguintes:
1- — Quando os Apóstolos começaram sua pregação, o mundo inteiro estava sujeito a uma grave crise de valores, em alguns aspectos semelhante à nossa. Os judeus não eram os únicos que estavam em decadência (ler De Bello Iuidaico de Flavius Joseph); sobretudo os pagãos se encontravam na mesma situação. A descrição da decadência moral da sociedade imperial romana que nós encontramos em Sallustre (De Catilinae Coniuratione, 13) não é muito diferente em substância à de S. Paulo em Rom. 1, 24–32, dois séculos depois. Mas essa decadência não constitui obstáculo à difusão da pregação dos Apóstolos. Foi neste vazio de valores frágeis que o Cristianismo conseguiu enraizar seus próprios valores, os da Verdade Revelada. Mas eis o ponto nevrálgico: os Apóstolos e seus discípulos se preocupavam em converter as almas, propondo a elas diretamente o ensinamento do Divino Mestre (lembrar o discurso de S. Paulo aos pagãos) sem se preocupar com as conseqüências, e sobretudo sem se preocupar em entrar em diálogo com as diferentes “culturas” que encontravam ao longo do apostolado. Eles obedeciam à ordem de Cristo: converter o mundo (e a Igreja obedeceu a essa ordem até o Vaticano II), pregando a palavra em toda sua clareza. Eles sabiam muito bem que a palavra de Cristo era escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas não se preocupavam com isso: muito pelo contrário. Eles confiavam no Espírito Santo com toda a audácia da Fé. Onde está a audácia da Fé na Igreja Católica de hoje?
O sucesso dos Apóstolos devia-se ao Espírito Santo. O exemplo deles nos mostra que o materialismo do mundo que nos cerca não é a causa do insucesso da “mensagem” cristã, se ela for autêntica. Seu sucesso depende sobretudo da Graça, que logicamente não pode trabalhar nas almas se a pregação não for agradável a Deus; em vez de converter refutando os erros, em vez de procurar a salvação das almas, o catolicismo moderno procura fazer concessões, recusando combater os erros. Os modernos procuram ficar de bem com todas as seitas, tentando construir junto com elas um modelo de sociedade que não é católico; um modelo terrestre e ambíguo de sociedade pluralista, democrática, universal, responsável por uma era de fraternidade terrestre definitiva (é o que pensam!), por meio da unidade do gênero humano na paz (que não é, compreende-se, a paz de Cristo).
2- — Se acham que a queda de natalidade nos países europeus não tem nada a ver com a atual doutrina da Igreja, deveriam ao menos perguntar se os homens da Igreja não contribuíram para isso sem querer, pois o Vaticano II colocou o auxílio mútuo dos esposos como fim primeiro do casamento, deixando os filhos como “coroação” desse relacionamento, como fim secundário (Gaudium et Spes art. 48).
3- — A respeito do aumento das vocações nos países do Terceiro Mundo em geral, é preciso esperar que ela se consolide, antes de tirar conclusões significativas. Pode tratar-se de um fenômeno transitório e acidental. Idem para os “regressos”. Além disso, onde estão todos esses padres que voltaram ao redil? Sua presença passa desapercebida na situação geral, que continua grave. Na América Latina e na África, a penetração das seitas protestantes e o paganismo progridem sem parar, sem falar do progresso do islã, sobretudo em território africano. A apostasia dos católicos é contínua, e nesses continentes não se percebe nenhum indício de melhora no plano moral. A crise de valores continua profunda, começando por esse valor fundamental que constitui a família católica. A “nova evangelização” não neutralizou, nem mesmo parcialmente, essa crise.
Por que não remontar ao Vaticano II?
Pode-se admitir que a crise é devida unicamente à insanidade do mundo? Ou que é fruto unicamente de uma aplicação mal feita ou infiel dos decretos do Concílio? Sem dúvida, houve má aplicação (e continua havendo), mas não se pode admitir que a Sé Apostólica não tenha conseguido, em 40 anos, eliminá-la. Se o problema fosse somente uma questão de aplicação da doutrina, ele já teria sido resolvido. E hoje, depois de tantos anos de “restauração” e de “nova evangelização”, durante os quais a crise só se agravou, essa tese de “má aplicação” da boa doutrina conciliar se revela simplista. Além de tudo, a tese gera uma enorme desproporção entre o efeito (o estado de quase dissolução em que a Igreja parece ter chegado) e as supostas causas (a insanidade e a maldade do mundo, e o equívoco causado pelo Concílio no próprio seio da Igreja visível).
Não podemos pois nos contentar com ambigüidades estruturais, por assim dizer, do Vaticano II, que já constituiriam em si um fato grave. É preciso enxergar se, na doutrina e na pastoral do Concílio, há ou não há alguma coisa que se pode legitimamente definir como “erro doutrinal”, algo mais grave do que as ambigüidades já intoleráveis.
Os textos do Vaticano II contêm numerosas ambigüidades e contradições: isso é admitido, de modo geral. Muitos consideram, porém, que o Magistério depois do Concílio eliminou e resolveu essas eventuais contradições. Mas não admitem que há erros doutrinais no sentido próprio. E se compreende a razão: admitir que erros de doutrina se tenham introduzido num concílio ecumênico da Santa Igreja parece contradizer o dogma de infalibilidade do Papa e do próprio concílio, enquanto órgão supremo da constituição eclesiástica da Igreja, que decide, com a aprovação do Papa, por toda a Igreja, em matéria de fé e de moral. Parece que seria uma acusação implícita de heresia a respeito do Papa e do concílio; acusação com efeitos devastadores, susceptíveis de induzir alguns (ou muitos em seu interior) a considerar vacante a sede de Pedro (um herege não pode ser considerado um autêntico Papa, porque ele se exclui ipso iure da Igreja), tendo como conseqüência o desaparecimento em bloco ou inanitas da Igreja docente. Algumas pessoas chamadas de “sedevacantistas” chegam a esse tipo de conclusão .
Assim, a simples hipótese de erros doutrinais no Vaticano II ainda escandaliza. Porém, a gravidade da crise da Igreja é tal, que, na nossa opinião, essa hipótese não pode ser afastada a priori, mas deve ser verificada com cuidado nos textos do Concílio. É o que vamos fazer na segunda parte desse estudo.
2A. PARTE: O MÉTODO DE ANÁLISE NA VERIFICAÇÃO DOS TEXTOS CONCILIARES
Os Concílios e a Tradição
Como identificar os possíveis erros presentes nos textos do Vaticano II? Com que método? É preciso antes de tudo estabelecer a relação correta entre o Concílio e a Tradição, in primis aquela que constitui a doutrina de vinte concílios que o precederam. Isso é particularmente necessário para um concílio como o Vaticano II, que não definiu questões de fé nem decretou condenações, ao mesmo tempo em que introduzia uma nova maneira de considerar o homem e o mundo e fazia uma reforma geral da Igreja (começando pela liturgia). Nesse ponto, lembremo-nos de que a conformidade da doutrina de um concílio ecumênico à dos concílios anteriores é condição de validade do próprio concílio. Esse princípio devia ser considerado evidente pelo fato de ser intrínseco à natureza da coisa, ao próprio ensinamento proposto por um concílio ecumênico. De qualquer modo, o VII Concílio ecumênico, 2o. Concílio de Nicéia (787), que condenou a heresia iconoclasta, proclamou explicitamente que “os padres do concílio entraram em acordo sobre o fato de que um concílio, para ser ecumênico, deve:
1o. contar com a participação do Papa e dos quatro patriarcas apostólicos, ou ao menos com a dos legados enviados por eles;
2o. professar uma doutrina coerente com os concílios ecumênicos precedentes;
3o. ver suas decisões aceitas por toda a Igreja” .
Os padres do 2o. Concílio de Nicéia redigiram esses critérios para justificar a condenação do conciliábulo de Constantinopla em 753, convocado pelo imperador Constantino V para anatematizar os anti-iconoclastas (que constituíam nítida maioria na Igreja, tendo o Papa à sua frente) e que se auto-qualificou impropriamente de concílio ecumênico.
A identificação dos erros nos textos do Vaticano II é totalmente legítima
O que ensina o concílio ecumênico corresponde ao magistério extraordinário e de certo modo representa a síntese e a aplicação do magistério ordinário. Assim, a conformidade de sua doutrina com o magistério precedente, com o que a Igreja sempre ensinou ao longo dos séculos, deve ser perfeita. Como dizia S. Vicente de Lérins: “Id teneamus quod ubique, quod semper, quod ab omnibus reditum est” . O ensinamento de um concílio ecumênico não pode estar em contradição com a Tradição da Igreja, representada por todo o ensinamento que a precedeu. Isto significa que a ratio naturalis e o sensus fidei têm na Tradição da Igreja o parâmetro que possibilita avaliar a doutrina de um concílio, quando este não propõe uma definição dogmática. A Tradição garantida pelo carisma da infalibilidade, deve ser crida com fé divina e católica, sem nenhuma possibilidade de discussão da parte dos fiéis. Como o Vaticano II se declarou pastoral e não dogmático, propondo uma pastoral orientada para a modernização e marcada por um espírito novo, por uma orientação nova, cujos princípios não estão contidos em definições dogmáticas, é legítimo examinarmos os decretos à luz da Tradição . Isso significa, concretamente, “aplicar o critério da Tradição aos diferentes documentos do Concílio [Vaticano II] para saber o que se deve manter, o que se deve esclarecer, e o que se deve recusar”. A Tradição é aqui entendida, evidentemente, no sentido próprio, como o conjunto do ensinamento constante da Igreja, sancionado pelas declarações da autoridade legítima (não pelas opiniões dos teólogos ou dos fiéis). Portanto: “na medida em que ele se opõe à Tradição, nós recusamos o Concílio” .
Não se trata de uma recusa a priori, nem de uma recusa total. Mas como lidar com a noção de “oposição à Tradição”? E como enfrentar as ambigüidades, a falta de clareza, as contradições dos textos? A ambigüidade não é um atributo conforme a Tradição da Igreja, e normalmente procede do maligno. O magistério sempre procurou se exprimir com o máximo de clareza, sobretudo nas definições dogmáticas e nas condenações solenes dos erros (até mesmo nas condenações não solenes). Os padres fiéis à Tradição, tentando resistir aos inovadores, exigiram que na redação dos textos conciliares fossem feitas certas modificações. Os padres inovadores, que em muitas comissões eram a maioria, aceitaram ceder em alguns pontos, mas sempre de modo parcial e isso gerou grande ambigüidade. Uma vez constatada, ela deve ser analisada em seus elementos constitutivos e não podemos hesitar diante da possibilidade de encontrar nesses elementos algo que se opõe à Tradição, à doutrina sempre ensinada pela Igreja.
Entre verdade e erro, não pode haver compensação
Como interpretar os erros doutrinais nos textos do Concílio? Falando de outro modo: como se comportar face ao Concílio? Aceitar uma solução de compromisso no plano hermenêutico? Ou aplicar um tipo de critério de compensação?
A questão vai além da interpretação no sentido estrito, e faz estremecer as consciências. Chamamos “critério de compensação”, a maneira com que muitos ainda hoje opõem as partes “boas” do Concílio às partes “más”, como se elas se compensassem, de maneira que a parte “boa” seja sempre considerada predominante. Na nossa opinião, isso é contrário ao bom senso, pois um só fruto podre basta para estragar todos os outros, enquanto que o inverso não é nunca verdadeiro: os frutos bons não poderão jamais recuperar os estragados. Portanto não é prudente – e nem mesmo estaria de acordo com a recta ratio – acusar de incorreção aqueles que (como nós) procuram extrair de seu contexto os erros do Vaticano II (concílio sem o carisma da infalibilidade) para estudá-los convenientemente.
Acusam-nos de ter a intenção de enganar os simples, de não levar em consideração, voluntariamente, as partes “boas” dos textos conciliares, o “todo” globalmente conforme a Tradição (segundo eles, esse “todo” corresponde à maior porcentagem dos documentos conciliares). Com esse tipo de raciocínio, entretanto, nenhum erro isolado poderia ser detectado se aparecesse (e é sempre assim...) misturado entre múltiplas verdades, inclusive verdades de fé. Por exemplo, os semi-arianos professavam o homoiusion (Cristo é da “mesma substância” que o Pai, isto é, semelhante) em vez do homoousion de Nicéia (Cristo é “um na substância” do Pai, isto é, consubstancial ao Pai); esse era praticamente o único erro deles. Não seria absurdo considerar que tal erro era contrabalançado por todas as outras verdades que aceitavam? Nesse caso, esse erro capital não teria sido condenado e essa heresia, que destruía o fundamento de nossa Religião, não teria sido extirpada.
Alguns exemplos
1 No artigo 8 da Lumen Gentium há uma nova definição (não dogmática) da Igreja Católica em relação a seu Fundador: Ela não é mais a única Igreja de Cristo, pois a Igreja de Cristo — dizem — subsiste nela como ela subsiste em “múltiplos elementos de graça e de santidade” que se encontram fora dEla. Essa definição, que contradiz o dogma Extra Ecclesiam (catholicam) nulla salus, aparece como que de repente, depois que o texto desse mesmo artigo relembra toda uma série de imagens e de noções ortodoxas sobre a Igreja de Cristo, visível e invisível, fundada por Cristo, confiada a Pedro, etc... Deveríamos aplicar o critério da compensação entre a verdade e o erro e afirmar que a parte dogmaticamente segura e saudável do artigo em questão compensa a parte doente, que contém o funesto “subsistit in”? Nenhum intérprete que se inspire numa hermenêutica correta poderia fazer um raciocínio desse tipo. Nem aqui nem em outros textos que apresentam “contradições irremediáveis” há possibilidade de fazer “compensação”.
2 Podemos demonstrar de modo irrefutável uma dessas “contradições irremediáveis” em assunto que diz respeito diretamente ao depósito da fé. No artigo 8 da constituição Dei Verbum sobre a Revelação divina, está escrito que “a Igreja, à medida que os séculos passam, tende sempre à plenitude da verdade divina (ad plenitudinem divinae veritatis iugiter tendit), até que a palavra de Deus receba nEla a sua consumação”. Essa passagem é extremamente ambígua, mas apresenta um detalhe claro: uma contradição evidente com a própria noção de “depósito da fé”, que a Igreja tem o dever e a capacidade de guardar, defender e aplicar sem mudanças ao longo dos séculos, com a ajuda de Deus. Escreve-se que a Igreja tende sempre “à plenitude da verdade divina”; tender a isso sem cessar, é o mesmo que dizer que a Igreja não possui ainda essa “plenitude”, apesar de dezenove séculos transcorridos desde sua fundação! Como esse artigo 8 trata da “Tradição Sagrada”, deduzimos que ele introduz uma noção de verdade divina (de verdade revelada) que não corresponde ao que sempre foi ensinado pela Tradição da Igreja. Ele chega mesmo a contradizê-la, substituindo a clara noção de “posse segura da verdade” pela vaga idéia de “tendência à verdade”. Esse artigo pode, portanto, ser considerado como fonte de erro doutrinal.
Além disso, esse trecho está em contradição aberta com o que é afirmado no artigo 3 do decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo. Lemos aí que “à Igreja foi confiada a plenitude da graça e da verdade” (...ab ipsa plenitudine gratiae et veritatis quae Ecclesiae catholicae – concredita est), plenitude que os “irmãos separados” não possuem. Ora, essa “plenitude” da verdade divina (da graça e da verdade) foi ou não confiada à Igreja católica? Se eu estiver tendendo sem cessar em direção a alguma coisa não posso dizer que essa coisa me foi confiada. Nós possuímos o que nos é confiado e não faz sentido dizer que tendemos a isso sem cessar. Tendemos para aquilo que não possuímos, seja um bem material, seja um bem espiritual.
Parece evidente que esses dois textos do Concílio estão em completa contradição. Poder-se-ia admitir que o texto que nega a “plenitude da verdade” é compensado pelo artigo 3 de Unitatis Redintegratio, que considera que “a plenitude da verdade” foi confiada à Igreja? A contradição nos parece incontornável. Ela mostra a confusão criada pelo Vaticano II, introduzindo falsos conceitos ao lado dos conceitos tradicionais.
3 É preciso lembrar, para completar o quadro de nossos exemplos, que a própria noção de “plenitude da verdade” parece conter uma grave armadilha doutrinal.
No ano 2000, a declaração doutrinal Dominus Jesus, remontando expressamente ao Concílio e à constituição Lumen Gentium para dissipar os inúmeros equívocos e desvios, reafirmava a posição de superioridade da Igreja Católica sobre os “irmãos separados”. Essa declaração afirma que “a Igreja de Cristo continua a subsistir plenamente só na Igreja Católica” (Dominus Jesus art. 16). À primeira vista, a afirmação parece estar de acordo com o dogma “fora da Igreja não há salvação” e foi acolhida com grande satisfação pelos católicos fiéis à Tradição da Igreja (que pensamos ser a maioria). Mas na realidade, essa afirmação deixa subentendido que a Igreja de Cristo continua subsistindo não plenamente fora da Igreja Católica. É essa a noção que encontramos no artigo 8 da Lumen Gentium. O que continua a existir não plenamente, em termos de instrumentos de salvação, fora da Igreja Católica, são “elementos múltiplos de santificação e de verdade” que o decreto Unitatis Redintegratio identifica nos “irmãos separados” enquanto tais (com suas “comunidades” ou “igrejas” como meios de salvação incompletos).
Nossa conclusão: o emprego do advérbio plenamente à primeira vista parece garantir o dogma “Extra Ecclesiam nulla salus” graças à reivindicação da superioridade da Igreja sobre as outras denominações cristãs. Mas na verdade, a inclusão desse advérbio nega o dogma porque introduz ipso facto a idéia de uma existência não plena (mas sempre capaz de salvar) da Igreja de Cristo fora da Igreja Católica. A sutileza que se introduziu nos textos do Concílio e no Magistério atual é comparável ao famoso caso do “homoiousion” lembrado há pouco. Essa sutileza é obra da alta hierarquia e dos “novos teólogos” presentes nas comissões conciliares (que recusaram ilegalmente os documentos preparados anteriormente pela Cúria). Parece que eles, até agora, ainda não compreenderam a gravidade do problema.
Os erros comprometem a sã doutrina
Os exemplos que acabamos de citar mostram bem que é possível identificar erros doutrinais nos textos conciliares. Essa identificação é legítima e necessária para compreendermos a crise atual. Temos certeza de que a tais erros não se pode opor uma “compensação” relativa às passagens indubitavelmente conformes à Tradição. E ao descobrirmos esses erros, somos obrigados a fazer a seguinte reflexão: um concílio cujos textos são uma mistura de verdades e de erros em relação ao depósito da fé (noção da Igreja e da verdade revelada) não é um concílio viciado pelo erro tanto na doutrina quanto na pastoral.
Os erros conciliares, pouco numerosos mas fatais, acabam corrompendo as verdades tradicionais em vez de serem corrigidos por elas. O que se ensina hoje no lugar da doutrina perene de que a salvação é obtida única e exclusivamente pela Igreja Católica a verdadeira Igreja de Cristo? Ensina-se que a Igreja possui a plenitude dos meios de salvação enquanto que fora dela os elementos de graça e de santificação possuem esses meios de salvação de uma maneira menos plena, com “carências”, mas são capazes de salvar ex sese seus membros porque a Igreja de Cristo subsiste neles assim como subsiste na Igreja Católica. Ensina-se que os membros desses elementos estão em comunhão com a Igreja, apesar de ser uma comunhão “imperfeita” ou menos plena (doutrina pessoal do Cardeal Bea, presente na Unitatis Redintegratio 3; et similia). O que Pio XII ensinava era que esses indivíduos estavam ordenados à Igreja “por um certo desejo inconsciente” se fossem batizados e tivessem fé (mesmo nos casos individuais de batismo de desejo implícito e explícito, a pessoa pertencerá visivelmente à Igreja).
Poderíamos fazer uma lista sem fim de exemplos desse gênero. O que acabamos de expor parece suficiente para concluir o seguinte: a crítica de um concílio pastoral voluntariamente destituído do carisma da infalibilidade e conscientemente voltado para novidades como o Vaticano II (crítica imposta pela situação desastrosa atual da Igreja) não procede evidentemente de uma recusa a priori do magistério pastoral do Concílio. Ela pode levar a recusar somente o que parece em contradição aberta com a Tradição da Igreja. Entretanto, uma vez que a existência do erro doutrinal seja identificada e demonstrada, arma-se de modo objetivo o problema da relação entre o erro e os ensinamentos do Concílio considerados como um todo. O erro nunca é corrigido pelas verdades com as quais ele coexiste (ele só poderia ser corrigido por uma condenação que o eliminasse da doutrina ensinada); ao contrário, ele as corrompe como um fruto apodrecido corrompe todos os bons frutos do cesto em que se encontra. Segue-se então a dificuldade, para não dizer a impossibilidade de aceitar os ensinamentos do Vaticano II com todas suas modernizações doutrinais e suas reformas institucionais.
Definição do erro doutrinal
O que devemos entender por erro doutrinal no sentido próprio? No sentido mais tradicional do termo, sem pretender ser original, definimo-lo assim: uma doutrina que contradiz, no todo ou em parte, a doutrina sempre ensinada pela Igreja. A contradição ou negação (denegatio) pode ter a ver com a pastoral ou com o dogma. Nesse último caso, o erro poderá ser mais ou menos grave, se é verdade que pode haver gradação nos erros, especialmente no que concerne sua nota teológica, nota cuja determinação é da competência da autoridade eclesiástica e não do intérprete, do gramaticus.
Os documentos do Magistério nos oferecem toda uma terminologia variada em relação às diferentes categorias ou gradações dos erros. A título de exemplo: Propositio de Tyrannicidio “... erroneam esse in fide et in moribus, ipsamque tanquam haereticam, scandalosam, et ad fraudes, deceptiones mendacia, etc. viam dantem, reprobat et condemnat” (Conc. Const. DS 1325); Errores Synodi Pistoriensis: cada proposição é definida separadamente: haeretica; inducens in systema alias damnatum ut haereticum; schismatica, ad misus erronea; falsa, temeraria, derogans pro sua generalitate oboedientiae debitae constituonibus Apostolicis [...] schisma fovens et haeresim; suspecta, favens haeresi semipelagianae; falsa, erronea, de haeresi suspecta eamque sapiens; perniciosa, derrogans expositioni veritatis catholicae circa dogma trassubstantiationis, favens haereticis, etc. (DS 2600 – 2700).
Mas tudo isso, dissemos, não concerne diretamente ao intérprete, cuja atenção se volta unicamente para a lógica intrínseca de um texto, para seu significado e o modo com que se expressa. Ele deve fazer emergir essa lógica (mens), compará-la à norma representada pela doutrina constante da Igreja e ver se a primeira está de acordo com a segunda. A autoridade eclesiástica, se estiver convencida do valor hermenêutico dessa lógica, definirá sua nota teológica (lógica – teológica) do modo que lhe parecer mais oportuno.
Uma expectativa ingênua
Naturalmente, o erro pode exercer uma negação indireta ou implícita da doutrina autêntica, mas isso não quer dizer que ele seja menos grave ou menos perigoso. Explicando: o arianismo, por exemplo, afirmava claramente que tinha havido um tempo em que Nosso Senhor “não existia”. Ele então devia ser considerado como uma criatura, apesar de sua relação com o Pai ser particularmente privilegiada. Aqui, a negação de sua co-eternidade e de sua consubstancialidade com o Pai pode ser considerada explícita e direta. O semi-arianismo conduziu depois, por intermédio do monotelismo (uma só vontade teria agido em Cristo em vez de duas, correspondendo a suas duas naturezas), ao erro muito grave do homoiousion do Cristo entendido como semelhante ao Pai e não um na substância com Ele. Esse erro insidioso já foi mais difícil de neutralizar. Sob a aparência de manter a fé na natureza divina de Cristo, na realidade ele a negava. Os erros de Lutero são claros e manifestos quando ele nega a autoridade do Vigário de Cristo, quando ele afirma o princípio do “livre exame” individual para a interpretação das Escrituras, quando ele declara que as obras são inúteis para a salvação, etc...
No caso do Vaticano II, ao contrário, estamos diante de uma nova pastoral, não declarada, ambígua, introduzida — isso não é segredo — nos textos pelos “novos teólogos” presentes nas comissões conciliares. Uma doutrina que se apresenta sem jamais se expor abertamente como tal, mas passível de ser descoberta como “intenção doutrinal” estreitamente ligada à “intenção pastoral” a que os textos obedecem (ver nota de pé de página do Proêmio de Gaudium et Spes) já é mais difícil de identificar. E quando essa doutrina contém princípios contrários aos ensinamentos perenes da Igreja, esses erros nunca aparecem de modo claro como em Ario ou Lutero.
Seria grande ingenuidade esperar encontrar nos textos do Vaticano II uma recusa explícita de qualquer dogma de fé. É portanto necessário dizer que, de um ponto de vista formal, os textos não atacaram o depósito da fé. Mas isso só é verdade de um ponto de vista puramente formal, exterior. Não encontramos nele nenhuma negação explícita de dogmas como Extra Ecclesiam (catholicam) nulla salus. Mas toda a pastoral “ecumênica” elaborada pelo Concílio parece representar objetivamente uma contradição em relação a esse dogma, apesar de ele não ter sido jamais negado formalmente (e como poderiam eles negá-lo formalmente?!?). A pastoral conciliar é a expressão de uma doutrina, não há pastoral sem doutrina correspondente, do mesmo modo que não há práxis sem teoria. De fato, elementos doutrinais, “intenções doutrinais” em que se inspira essa pastoral causam a mesma impressão que a própria pastoral.
Um novo erro doutrinal
Esses elementos doutrinais encontram-se nos artigos 8 da Lumen Gentium e 3, 4 de Unitatis Redintegratio que acabamos de relembrar acima. A definição não dogmática da Igreja contida no artigo 8 Lumen Gentium e retomada nos textos correlatos, aquela do funesto “subsistit in”, apresentada como se fosse uma imagem e não um conceito, deixa entender com bastante clareza que é incompatível com os seguintes dogmas (conexos entre si):
1- — somente a Igreja Católica é o único e verdadeiro instrumento de salvação (Extra Ecclesiam nulla salus) porque só Ela é assistida divinamente e manteve a continuidade de ensino desde a pregação dos Apóstolos.
2- — entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica há uma unidade indissolúvel, substancial, da qual não participam as “comunidades” ou “igrejas” dos heréticos e dos cismáticos, pois eles são o que são precisamente porque quiseram recusar os ensinamentos da Igreja e romper essa unidade: “Non enim nos ab illis, sed illi a nobis recesserunt”, “Nós não nos separamos deles, eles é que se separaram de nós” (S. Cipr. De Unit. Eccl.). Evidentemente não é possível que aqueles que recusam a autoridade e os ensinamentos da Igreja, combatendo-os em todos os aspectos, possam participar da Igreja de Cristo junto com a Igreja Católica, como se a Igreja de Cristo continuasse a subsistir ao mesmo tempo na Igreja que condenou Lutero e na seita fundada por Lutero! A contradição é clara. A esposa de Cristo é uma só carne com o Esposo, a união mística só poderia ser perturbada pela “união imperfeita” (Unitatis Redintegratio 3) com os heréticos e os cismáticos. A união imperfeita não é uma união. Utilizando a metáfora tradicional, é uma união adúltera, fornicação.
Se a nova definição, não dogmática mas doutrinal, não é compatível com os dogmas que acabamos de lembrar, então ela contradiz esses dogmas; e se ela os contradiz, ela os nega em parte ou totalmente. Na nossa opinião, a negação é total. Tudo isso acontece de modo implícito, mas muito real, colocando-nos diante de um erro doutrinal que parece novo, diferente dos outros anteriores.
Outra crítica ao Sedevacantismo
Para legitimar nossa pesquisa, não podemos lançar mão da idéia de que mostrar os erros doutrinais do Vaticano II significa considerar a Igreja sem Papa nem Bispos (ver 1a. parte da nota 1). Essa idéia é falsa porque transforma a infalibilidade do Pontífice Romano em “infalibilismo”. Nessa perspectiva, o Papa é infalível em tudo que diz, mesmo quando não fala ex cathedra. Como ele é sempre infalível, se por acaso um ensinamento pastoral (ou não passível de nota de infalibilidade no sentido técnico) contiver erros, a conclusão imediata (já que o erro não pode ser contestado pois está dentro de um contexto infalível) é que o Papa está ipso iure destituído de sua função. Se ele disse tais coisas é porque ele não é Papa e a Sé Apostólica está vacante. O sofisma é o seguinte: como o ensinamento do Papa é sempre infalível e portanto, irreformável, ao introduzir erros doutrinais, ele deixa de ser Papa. Como o texto não pode ser modificado nem refutado (o que é falso para os documentos que não têm o selo da infalibilidade, como é o caso do anátema de Honório já citado), então tacitamente considera-se que o Papa cessa de ser Papa.
Esse falso modo de pensar não admite, entre outras coisas, que um concílio tão atípico como o Vaticano II, mesmo do ponto de vista do direito canônico, não possui o carisma da infalibilidade. Ele não possui esse carisma porque não quis possuí-lo: não fez (ou refez) definições dogmáticas e recusou-se a condenar os erros do século! Trata-se de um acontecimento único na história bimilenar da Igreja: um concílio ecumênico que, abertamente e desde o início, renunciou ao exercício de sua autoridade suprema, a do Magistério extraordinário da Igreja, extraordinário por ser o exercício supremo da potestas docendi et gubernandi efetuada extraordinariamente pelo Papa com todos os Bispos reunidos por ele em concílio.
Para um concílio ecumênico, renunciar ao carisma da infalibilidade significa renunciar à assistência sobrenatural particular que o Espírito Santo garante ao concílio (e ao Papa) por esse carisma. Isso significa estar menos defendido das seduções do Maligno e da possibilidade de errar. Olhando de perto, a particularidade do Vaticano II vai além disso: a própria pastoral, por causa da orientação dada por João XXIII, não parece conforme à pastoral tradicional da Igreja. Qualquer outro concílio ecumênico da Santa Igreja Católica não chegou a esse ponto de ficar sem defesa diante da possibilidade de erro. E todos os teólogos admitem essa possibilidade teórica de erro doutrinal nos documentos oficiais do Magistério não dotados da nota de infalibilidade, sejam documentos da responsabilidade dos Bispos, de um concílio ou do Papa .
(Sim Sim Não Não no. 136)
VOLTAR À VERDADEIRA DOUTRINA OU PERECER
1. Talvez possa parecer temerário de nossa parte acusar de tão numerosos e tão graves erros doutrinais e pastorais um Concilio ecumênico da Igreja Católica. Parecerá talvez mesmo que nós sejamos culpados de pecado grave, suspeito de heresia. A heresia, no entanto, como lembramos (cf. § 2.0), é “a negação obstinada, depois de ter recebido o batismo, de uma verdade que se deve crer de fé divina e católica ou a duvida obstinada sobre ela” (CIC 1983, c.751). Ora o Vaticano II não condenou nenhum erro nem definiu nenhuma “verdade” de fé “divina e católica”, nenhum dogma de fé. Ele não quis faze-lo e se declarou um Concilio puramente pastoral, passando seu magistério extraordinário para a posição de magistério canonicamente indefinível, finalmente simplesmente “autêntico”, e talvez nem mesmo “autêntico”, por causa dos erros ensinados (cf. Introdução). O magistério autêntico tem também certamente direito ao assentimento dos fieis, mas este não é o mesmo assentimento daquele que se deve aos dogmas da fé, cuja negação até o fim de nossa vida nos faria morrer com nossos pecados. O Concilio, enquanto ele é “novo”, tem o direito ao assentimento que se deve a uma “pastoral” e que se pode legitimamente não dar se por ventura esta pastoral não for boa.Este assentimento se funda nas regras da prudência, para a qual convergem a sã razão e o sensus fidei do fiel.
A prudência, sustentada pela sã razão, nos pede escutar a voz do sensus fidei, que nos incita, quanto a ele, a recusar nosso assentimento às deliberações de um Concilio ambíguo e coberto de erros, como o Vaticano II.
Esta prudência do fiel lhe vem do cuidado constante de não ofender a Deus e de salvar sua alma; neste cuidado se reflete o temor de Deus e esta é uma das maneiras de como a Graça age em nós. A recusa das doutrinas ambíguas e errôneas divulgadas pelo Vaticano II é, pois, não somente licita e legitima, segundo a organização canônica e toda a Tradição, mas nos é igualmente imposta pelo dever de defender o deposito da fé, dever que pesa sobre cada um de nós, segundo suas capacidades. Com efeito, cada um de nós é miles Christi e deve combater pela fé.
2. A recusa dos falsos ensinamentos do Vaticano II não nos coloca, pois fora da Igreja. Esta recusa não faz de nós heréticos, nem no sentido formal nem no sentido material, não nos faz, menos ainda, cismáticos, já que não recusamos nosso assentimento às ordens legitimamente dadas pela autoridade e que não temos a intenção de sair da Igreja para constituir ou seguir uma outra.Realmente, nós julgamos a pastoral do Concilio à luz da Tradição, quer dizer, o que a Igreja sempre ensinou durante dezenove séculos, a partir de Nosso Senhor e dos Apóstolos. Desta comparação resulta sem sombra de duvida que o “aggiornamento” querido por João XXIII e imposto pelo Concilio introduziu novidades incompatíveis com o que sempre foi ensinado pela Igreja, e, portanto inconciliáveis com o deposito da fé. Foi preciso que assistíssemos à subversão multiforme da própria noção de Igreja Católica, de Corpo Místico, de Santa Missa, de Liturgia, de Sacerdócio, de Colegialidade, de Casamento católico, de Reino de Deus, de Tradição, de Encarnação e de Redenção, de Anunciação, de liberdade religiosa, da noção católica de homem, da justa relação entre a Igreja e o Estado, da descrição correta do que são, objetivamente, os heréticos, os cismáticos e os não-cristãos. Foi preciso que escutássemos, da própria boca de um Papa, o elogio do pensamento moderno já condenado diversas vezes por seus predecessores, ao qual pensamento moderno se quis confiar a maneira de enunciar a doutrina eterna da Igreja, porque a Igreja quis se submeter a uma “reforma continua”, a uma adaptação cada vez mais clara aos falsos valores do mundo. Este pensamento moderno e contemporâneo é intrinsecamente hostil ao que é transcendente e especialmente ao Catolicismo do qual nega todas as verdades. Para a salvação das almas, o Concilio deveria ter condenado este pensamento. Ao contrário, fez-se cúmplice dele. A corrupção das noções autenticamente católicas e até do senso comum, foi feita vastamente, minuciosamente e sistematicamente. Os textos do Vaticano II constituem um documento impressionante da decadência intelectual (e não apenas intelectual) da Hierarquia católica, decadência contra a qual lutaram em vão os Papas até Pio XII e a parte sã da própria Hierarquia durante o Concilio.
Então quem está dentro da Igreja? Aqueles que aceitam e procuram por em pratica as falsas doutrinas do Vaticano II ou aqueles que as recusam abertamente para permanecer fieis ao que o Magistério, assistido pelo Espírito Santo, ensinou durante dezenove séculos?
Os que aceitam de boa fé estas falsas doutrinas permanecem, certamente, na Igreja, mas vivem nela como que apanhados em uma armadilha, constrangidos objetivamente à infidelidade, sem se dar conta de que estão praticamente sem defesa contra o perigo de perder ou corromper gravemente sua fé. “ Seja fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida”, disse Nosso Senhor ressuscitado (Ap. 2,10). Aceitar Vaticano II, seu diabólico emaranhado de contradições, de ambigüidades e de erros, apenas mascarados pelas homenagens à Tradição, puramente formais ou, em todo caso, sem influencia em relação às novidades introduzidas, é por conseqüência impossível para quem quer que se dê conta e pretenda ficar fiel à Igreja, ficar na Igreja Católica, que não é a Igreja concebida pelo Concilio, que se define, ela mesma, como “Igreja do Cristo”, Igreja “ecumênica” ou “conciliar”, reduzindo ao mínimo o emprego do adjetivo “católica”. Isto foi enxertado na verdadeira Igreja como o joio no trigo. De nossa parte não temos vergonha de ser nem de nos definir como católicos e não temos vergonha de afirmar a verdade, a saber, que a aceitação de Vaticano II nos afastaria da Tradição e, portanto da sã doutrina, com grave perigo para a salvação de nossa alma. Com efeito, sem a sã doutrina, é extremamente difícil observar a moral ensinada por Nosso Senhor e guardar a fé.
3. Os desastres que se sucederam na Igreja e nas nações católicas depois do Vaticano II e que se podem resumir na formula: corrupção da fé e dos costumes, não são compreendidos em sua causa efetiva e em sua natureza. De outro modo, eminentes representantes da Hierarquia não continuariam a afirmar que é preciso cuidar das gerações pós-Concilio, redescobrindo e pondo em obra o “verdadeiro” Vaticano II. Quarenta anos depois, ainda se está à procura do “verdadeiro significado” destes fundamentos? Quarenta anos depois ainda não foram achados?
Este triste refrão se funda no preconceito que quer que Vaticano II tenha sido um super concilio que teria representado para a Igreja o ponto de partida de uma nova orientação, que seria de todo modo impossível abandonar, como se a doutrina (a verdadeira doutrina católica) anterior a ele não houvesse jamais existido. É o refrão daqueles que, na realidade, participam intelectualmente da revolução que se desencadeou na Igreja com o Concilio e que só cuidam de corrigir os “abusos” dela, provavelmente para amortecer as reações.
A verdade é que a crise atual da Igreja tem suas raízes no Concilio e não nas degenerescências do pós-Concilio. Esta sinopse demonstrou isso. A Hierarquia atual tem só um dever: o de restabelecer a autentica doutrina católica. E para fazer isto, ela terá um dia que invalidar o Concilio ou corrigi-lo, ou reinterpretá-lo (se é possível) à luz da Tradição.
Não cabe a nós definir como o Papa deverá intervir em relação ao Vaticano II. Ainda menos lhe dar uma data. Mas nós nos permitimos lembrar à Hierarquia e a seus Chefes atuais que, nas visões comunicadas aos videntes de Fátima, Deus Todo Poderoso dignou-se nos mostrar, em Sua infinita misericórdia, o castigo terrestre que Sua justiça infligirá um dia a toda a Igreja militante, a nós todos, por causa das ofensas e infidelidades graves, horríveis e repetidas perpetradas em primeiro lugar por aqueles que devem “guardar a doutrina da fé”, se estas ofensas e infidelidades continuam. Se ninguém tem a coragem de mudar de caminho, Deus renovará a Igreja pelo “testemunho do sangue” (Hebr. 12, 4), pelo sangue dos mártires e do grande numero dos mortos.
Se não se tem a coragem de mudar de caminho por medo a priori da possível, violenta reação do mundo, que crê já ter posto no seu saco a Igreja Católica com tudo que ela representa, se não se tem a coragem de levantar de novo a bandeira porque se está convencido de que é precisamente com a volta ao dogma da fé que se desencadeará a perseguição anunciada em Fátima, que se invoque então, nos permitam ajuntar, a ajuda do Espírito Santo para que Ele nos dê a força de vencer nossos temores humanos, para a gloria de Deus e a salvação das almas: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois nada mais podem fazer. ..temei Aquele que depois de matar, tem o poder de lançar no inferno” (Luc. 12,4-5).
18.0 “Todos os homens, não importa raça, idade ou condição, possuem, enquanto gozam da dignidade de pessoas, um direito inalienável a uma educação, que responda a seu fim próprio, se adapte a seu caráter, à diferença de sexos, à cultura e às tradições ancestrais e, ao mesmo tempo, se abra a trocas fraternais com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e a paz no mundo” (Gravissimum Educationis 1).
O ideal de educação proposto aqui, alem do fato de que não apresenta nada de católico, se mostra ao mesmo tempo utópico e contraditório. Com efeito, o que se deve fazer se a “cultura” e as “tradições ancestrais” empurram para um sentido oposto àqueles das “trocas fraternais com os outros povos”?
18.1 As crianças (pueri) e os moços devem receber “uma educação sexual positiva, prudente, que progredirá à medida que forem crescendo” (GE 1)
No coment. A educação sexual publica, introduzida no sistema escolar, foi explicitamente condenada, como imoral e corruptora, por Pio XI na encíclica Divini illius Magistri (1929; DZ 2214/3697) e por Pio XII em sua alocução aos pais de família de 18 de setembro de 1951: os Papas exigiam que ela fosse deixada à apreciação privada e prudente dos educadores e dos pais.
18.2 “Para essas crianças, a Igreja tem o dever de, como mãe, assegurar a educação que impregnará toda a vida dessas crianças do espírito do Cristo; ao mesmo tempo, ela oferece sua ajuda a todos os povos para promover a perfeição completa da pessoa humana, assim como para o bem da sociedade terrestre e para a construção do mundo que deve receber uma figura mais humana” (GE 3).
A ajuda oferecida pela Igreja a todos os povos não consiste, pois, em fazer com que eles também fiquem impregnados do “espírito do Cristo”.
18.3 “A Igreja também felicita as autoridades e as sociedades civis que, levando em conta o caráter pluralista da sociedade moderna, preocupadas com a justa liberdade religiosa, ajudam as famílias para que possam assegurar a seus filhos, em todas as escolas, uma educação de acordo com seus princípios morais e religiosos” (GE 7).
Não é uma maneira elegante de ostentar a indiferença religiosa e moral?
18.4 Nas faculdades de teologia devem ser favorecidos entre outras coisas, “um dialogo crescente com nossos irmãos separados e uma resposta adequada às questões propostas pelo progresso das ciências” (GE 11).
18.5 “Deve-se ter todo cuidado em estabelecer entre as escolas católicas a coordenação conveniente e em desenvolver entre elas e as outras escolas[não católicas] a colaboração que requer o bem comum da humanidade inteira [que ocupa sempre o primeiro lugar no espírito do Concilio]” (GE 12; cf. “Erros na alocução de abertura”. Courrier de Rome de julho-agosto de 2002).
17.0 Nas “organizações do apostolado leigo” que se instaure uma”educação especifica, teórica e pratica”, para “o bom uso dos instrumentos de comunicação social” (Inter Mirifica 16; cf § 15.8).
17.1 Os fieis leigos devem contribuir para o “progresso universal, na liberdade humana e cristã” (Lumen Gentium 36; sobre o mito leigo do progresso aceito pelo Concilio, com sua exaltação da “liberdade”, cf. § 6.2).
17.2 “Que todos tomem a peito considerar as solidariedades sociais entre os principais deveres do homem de hoje e as respeitar. Com efeito, mais o mundo se unifica e mais se manifesta que as obrigações do homem ultrapassam os grupos particulares para se estenderem pouco a pouco pelo universo inteiro. O que não pode se fazer sem que os indivíduos e os grupos cultivem neles os valores morais e sociais [quais? A definição é genérica – ndr] e as distribuam em torno deles. Então, com o necessário socorro da graça divina, surgirão homens verdadeiramente novos, artífices da nova humanidade”(Gaudium et Spes 30).” Assim o Concilio invoca a ajuda da Graça divina em um parágrafo consagrado à “ultrapassagem da ética individualista” – sem nenhum outro esclarecimento – e á exaltação de uma visão “social” de ética, que lembra as falsas doutrinas do socialismo e do comunismo!
17.3 “As vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza divina e uma conseqüência de seu inefável designo” (GS 34).
Quais são essas “vitórias do gênero humano”? O canal de Suez? A conquista do dia de trabalho de oito horas? O sufrágio universal? A descoberta da penicilina? Nessa época, era a propaganda comunista que falava muitas vezes e de bom grado das “vitórias da humanidade em marcha”...
17.4 “Assim como ela procede do homem, a atividade humana lhe é ordenada. De fato, por sua ação, o homem não transforma apenas as coisas e a sociedade, ele se aperfeiçoa a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve suas faculdades, sai de si mesmo e se ultrapassa” (GS 35).
Mas a “atividade humana” não deveria ser ordenada para Deus, ao menos indiretamente, a partir do momento em que tudo o que fazemos está sempre relacionado com a gloria de Deus e a obtenção final do Bem supremo?
17.5 “A exemplo do Cristo que levou a vida de um artífice, que os cristãos se alegrem principalmente de poder conduzir sempre suas atividades terrestres unindo em uma síntese vitaltodos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos, técnicos com os valores religiosos sob a soberana disposição onde tudo se encontra coordenado para a gloria de Deus” (GS43). Realizando essa unificação, os leigos “agirão, seja individualmente, seja coletivamente, como “cidadãos do mundo”, e “amarão cooperar com aqueles que perseguem os mesmos objetivos” (ibid.).
17.6 “Todos os que contribuem para o desenvolvimento da comunidade humana no plano familiar, cultural, econômico e social, político (tanto no nível nacional como no nível internacional), trazem pelo próprio fato e em conformidade com o plano de Deus, uma ajuda que não se negligencia para a comunidade eclesiástica, naquilo em que ela depende do mundo exterior” (GS 44).
A reviravolta da missão da Igreja atinge assim seu apogeu no elogio do mundo que converteu a Igreja aos valores dele.
17.7 “Que os crentes vivam, pois em estreita união com os outros homens de seu tempo e que se esforcem para compreender a fundo suas maneiras de pensar e de sentir, tais como elas se exprimem pela cultura. Que casem o conhecimento das ciências e das novas teorias, como das descobertas mais recentes, com os costumes e ensino da doutrina cristã, para que o sentido religioso e a retidão moral caminhem lado a lado entre eles com o conhecimento cientifico e os incessantes progressos técnicos; poderão assim apreciar e interpretar todas as coisas com uma sensibilidade autenticamente cristã” (GS 62).
Aqui está uma pastoral que procede no sentido exatamente oposto ao da pastoral de São Paulo (“non alta sapientes” Rom. 12, 16).
Em face desta pequena “suma” da pastoral “conciliar” para os leigos, só nos resta dizer: mysterium iniquitatis! E fazer o sinal da cruz.
17.8 Os jovens têm hoje um peso mais importante na sociedade; isto “exige deles uma maior atividade apostólica e o caráter natural dos jovens os dispõe para isso. [...] Os adultos terão o cuidado de travar com os jovens diálogos amigáveis que permitam a uns e a outros, ultrapassando a diferença de idade, se conhecerem mutuamente e comunicarem entre si suas riquezas próprias” (Apostolicam Actuositatem 12).
A descrição do “caráter natural” da juventude aparece sem ligação com a realidade, assim como acontece com o gênero de “dialogo” entre adultos e jovens aqui proposto, sentimental e xaroposo como de habito.
17.9 “Os católicos se esforçarão para colaborar com todos os homens de boa vontade para promover tudo o que é verdadeiro, justo, santo [...]. Entabularão um dialogo com eles, indo a eles com inteligência e delicadeza e procurarão como melhorar as instituições sociais e publicas segundo o espírito do Evangelho” (AA 14). Em Gaudium et Spes 78, lê-se: “todos os cristãos são chamados com insistência para se juntarem aos homens verdadeiramente pacíficos (hominibus vere pacifis) para implorar e instaurar a paz”, a expressão “homens pacíficos” sendo na época típica da propaganda comunista.
17.10 A colaboração dos fieis católicos com os “irmãos separados” é exigida pelo “patrimônio evangélico comum” e pelo “dever comum que resulta de levar um testemunho cristão” [com os heréticos e os cismaticos!]; além disso “os valores humanos comuns” reclamam também uma cooperação desse gênero “com aqueles que não professam o cristianismo mas reconhecem estes valores” (AA 27). Assim, com esse gênero de cooperação, “dinâmica e prudente”, os leigos “levam um testemunho ao Cristo Salvador do mundo e à unidade da família humana” (ibid.).
Os valores cristãos autênticos, católicos são assim considerados em função dos valores humanos, que lhes são então superiores: são, de fato, os valores humanos que permitem a unidade da “família humana” tão cara ao Concilio (cf. sessão 12).
17.11 “Em vista de facilitar melhor as relações humanas, convém também favorecer o desenvolvimento dos valores autenticamente humanos, em particular os que concernem a arte de viver com espírito fraterno, de colaborar, assim como dialogar com os outros” (AA 29).
16.0 A atividade missionária deve se fazer de modo que “nascidas da palavra de Deus, as Igrejas particulares autóctones, suficientemente estabelecidas, cresçam por toda parte no mundo, gozem de seus próprios recursos e de uma certa maturidade; é preciso que, munidas de sua hierarquia própria unida a um povo fiel e dos meios concedidos à sua indole, necessários para levar uma vida plenamente cristã, contribuam para o bem de toda a Igreja” (Ad Gentes 6).
16.1 “Os missionários [...] devem fazer nascer assembléias de fieis que [...] sejam tais que possam exercer as funções a elas confiadas por Deus: sacerdotal, profética, real. [...]O espírito ecumênico deve também ser alimentado entre os neófitos [!]”, que devem “colaborar fraternalmente com os irmãos separados, segundo as disposições do decreto sobre ecumenismo” (AG 15).
16.2 Na formação do clero indígena igualmente, os alunos “devem ser educados em um espírito de ecumenismo e preparados como convém ao dialogo fraterno com os não-cristãos” (não para converte-los); alem disso “os estudos que conduzem ao sacerdócio devem ser feitos tanto quanto possível, em união continua com o pais particular de cada um” (AG 16; ver também AG 29,36).
16.3 “Os Institutos religiosos que trabalham na implantação da Igreja [em terra de missão], profundamente impregnados das riquezas místicas que são a gloria da tradição religiosa da Igreja, devem se esforçar para as exprimir e as transmitir segundo o gênio e o caráter de cada nação. Devem examinar como as tradições ascéticas e contemplativas, cujos germes foram algumas vezes disseminados por Deus nas civilizações antigas antes da pregação do Evangelho, podem ser assumidos na vida religiosa cristã” (AG 18).
Desejaríamos saber quais são essas “tradições ascéticas e contemplativas” já presentes “em germe” nas antigas civilizações pagãs.Trata-se ainda do erro contido na Lumen Gentium 8, que vê elementos de salvação fora da Igreja, não somente entre os “irmãos separados”, mas até mesmo nas religiões pagãs.
16.4 “Para que a atividade missionária dos Bispos possa se exercer mais eficazmente em proveito de toda a Igreja, é útil que as Conferencias Episcopais regulem os assuntos que se referem à cooperação ordenada de sua própria região. Nas suas Conferencias, que os Bispos tratem... (segue-se a lista um pouco longa das matérias reservadas à competência dos Bispos, na pratica sem nenhum controle por parte da Santa Sé)” (AG 38).
15.0 “A renovação adaptada (accomodata renovatio) da vida religiosa compreende, ao mesmo tempo, o retorno continuo às fontes de toda a vida cristã assim como à inspiração original dos Institutos e por outra parte a correspondência destes às novas condições de existência” (Perfectae Caritatis 2).
Portanto: retorno à “inspiração original” dos Institutos religiosos e, ao mesmo tempo, “correspondência [adaptação] destes às novas condições de existência”, que são hoje em dia as de um mundo secularizado, da cultura leiga, etc... (cf. “Exemplos de ambigüidades e de contradições” no Courrier de Rome de Julho-agosto de 2002). Poderá o Espírito soprar, ao mesmo tempo, em duas direções opostas, uma boa e a outra má?
15.1 “A organização da vida, da oração e da atividade deve ser convenientemente adaptada às condições físicas e psíquicas atuais dos religiosos e também, na medida requerida pelo caráter de cada Instituto, às necessidades do apostolado, às exigências da cultura, às circunstancias sociais e econômicas; isto, em todos os lugares, mas particularmente nos paises de missão. [...] É preciso revisar convenientemente as Constituições, os “diretórios”, as regras, os livros de orações, de cerimônias e outros livros do mesmo gênero, suprimindo o que está em desuso e conformando-se aos documentos do Concilio” (PC 3). Trata-se na pratica, como se pode ver, da ordem de se fazer tabula rasa.
15.2 Os princípios enunciados acima e as outras diretivas semelhantes devem ser aplicados também aos Institutos dedicados à vida contemplativa (PC 7).
15.3 Os membros da “vida religiosa leiga” são também exortados “a adaptar sua vida às exigências do mundo atual” (PC 10).
15.4 Os Superiores das Ordens religiosas devem governar “aqueles que lhes são submissos com o respeito devido à pessoa humana e suscitando sua submissão voluntária” (PC 14). E se, em certos casos, a submissão não quer ser voluntária, o que devem fazer os “superiores”?
15.5 “A clausura papal para as monjas de vida unicamente contemplativa[...] sera adaptada às circunstancias de tempo e de lugar, suprimindo os usos obsoletos, depois de ter ouvido os desejos dos próprios mosteiros” (PC 16).
15.6 E aqui está o artigo que consagra a irrupção do espírito do Século nos conventos e mosteiros: “Mas para que a adaptação da vida religiosa não seja puramente exterior (sit mere externa) [...] é preciso dar [aos religiosos], segundo sua capacidade intelectual e seu caráter pessoal, um conhecimento suficiente das regras em vigor assim como das maneiras de ver e de pensar na vida social atual”. E ainda”Ao longo de sua existência, os indivíduos deverão procurar aperfeiçoar cuidadosamente esta cultura espiritual, doutrinaria e técnica e, na medida do possível, os Superiores lhes proporcionarão a ocasião, os meios e o tempo necessários” (PC 18).
15.7 O exercício do apostolado dos institutos e mosteiros “sui iuris” deve ser coordenado com as “conferencias ou conselhos de Superiores maiores erigidos pela Santa Sé” e com as “Conferencias Episcopais” (PC 23), se encontrando assim fora do controle efetivo da Santa Sé. Estas Conferencias “podem ser estabelecidas igualmente para os Institutos seculares” (Ibid.)
15.8 As iniciativas visando “uma educação apropriada e especifica”para “o bom uso dos instrumentos de comunicação social” devem ser “criados e multiplicados [...] nas escolas católicas em todos os níveis, nos seminários e nas organizações de apostolado dos leigos” (Inter Mirifica 16).
15.9 “Deve-se adotar para cada pais e cada rito um “programa de formação sacerdotal especial”, fixados pelas Conferencias Episcopais, revistos com intervalos determinados e aprovados pela Santa Sé. É assim que as leis universais serão adaptadas ás condições particulares dos lugares e dos tempos...” (Optatam Totius 1).
Esta regra subtrai, de fato, da Santa Sé o “programa” efetivo da formação sacerdotal: a Santa Sé é forçada a levar em consideração aquilo que foi aprovado pelas Conferencias Episcopais. O principio, repetido no artigo 2 do Decreto, é que “toda a formação sacerdotal [...] deve ser adaptada às diferentes situações locais”.
15.10 As obras Pontificais das Vocações Sacerdotais também devem utilizar os “socorros oportunos que a psicologia e a sociologia moderna fornecem tão utilmente” (OT 2).
A psicologia moderna não acredita nem na existência da alma, nem na do espírito, nem na da consciência, reduzida a uma função psíquica do corpo. O “cientificismo” da sociologia, quanto a ela, é do tipo descritivo e não aprofunda nada. A realidade é que estas duas “ciências” estavam na moda no tempo do Concilio e por isso impressionaram os “novos teólogos”.
15.11 É preciso organizar os estudos dos alunos [nos seminários menores - ndr] de tal maneira que os alunos possam, sem dificuldades, prosseguir em outro lugar caso venham escolher um outro estado de vida” (OT 3).
15.12 Nos seminários, os princípios da educação cristã devem ser completados “de modo apropriado pelas descobertas modernas de uma sã psicologia e pedagogia” (OT 11; ver também OT 20).
A conformidade da pedagogia moderna aos princípios do catolicismo é no mínimo discutível.
15.13 “Antes que os seminaristas comecem os estudos eclesiásticos propriamente ditos, que se lhes forneça a mesma bagagem humanista e cientifica que abre para os jovens de sua nação acesso aos estudos superiores...” (OT13).
Os alunos dos seminários entram no seminário porque desejam se tornar padres e não pessoas cultivadas no sentido do mundo. A cultura profana atual não representa um obstáculo à vocação? Não são os seminaristas que devem se adaptar a esta cultura, mas esta ultima que deve se adaptar a eles, na medida do possível, em doses calibradas oportunamente.
15.14 No ensino da filosofia no seminário, seria preciso também levar em conta as correntes filosóficas modernas. “Se conhecerem bem a mentalidade de seu século, os seminaristas estarão assim convenientemente preparados para o dialogo com os seus contemporâneos [para“dialogar com eles, não para converte-los”]. A historia da filosofia deve ser ensinada de tal sorte que os seminaristas, depois de ter penetrado os princípios últimos dos diferentes sistemas, deles retenham o que lhes aparece como verdadeiro e possam detectar as raízes do erro e os refutar” (OT 15).
A organização errada desta pastoral resulta de duas considerações:
O conhecimento do pensamento moderno não é requerido para o fim de melhor converter as almas para o Cristo, mas afim de “dialogar”.
Os seminaristas devem ter um “bom conhecimento da mentalidade de seu século”, separando nela o bom do mau, para poder melhor apreciar o bom que ela contem. Por isso, no que concerne a filosofia, deverão estar preparados para distinguir, nos diferentes sistemas filosóficos, “o que é verdadeiro” do que é falso, e mesmo “detectar as raízes do erro e os refutar”. O que implica em confiar a simples seminaristas uma missão acima de suas forças. Não é fácil refutar, com suas próprias forças, os erros do pensamento moderno, um pensamento inimigo de todas as verdades fundamentais do Cristianismo. É preciso para isso possuir uma mentalidade especulativa e uma vasta cultura, o que não é o caso de todo mundo. Alem disso, em filosofia, o erro está muitas vezes unido a verdades, ele é exposto de modo apropriado, articulado e mesmo intelectualmente fascinante. A refutação do erro devia ser confiada ao ensino e não deixada às forças ainda fracas dos seminaristas, em nome de uma absurda noção de liberdade da pessoa.
O que quer que isto seja, nota-se neste artigo a intenção perversa da “Nova Teologia” marcada pelo pensamento moderno, que ela fez entrar nos seminários para corromper a formação tomista tradicional do clero, mesmo nominalmente conservada.
15.15 “A formação doutrinaria não deve tender para uma pura transmissão de conceitos, mas para uma verdadeira educação interior dos seminaristas. Assim se deverá reconsiderar os métodos de ensino...” (OT 17).
Isto implica em acusar de “nocionismo” toda a pedagogia precedente. Esta acusação tem fundamento? Não acreditamos de modo algum: trata-se da acusação típica daqueles que se preparam para revolucionar pela base um método didático. Esta acusação é, alem disto, clássica no meio da pedagogia moderna dominante, fixada sobre a experiência e a reforma, inimiga declarada do exercício da memória e do conhecimento sistemático.
15.16 Os padres “devem respeitar lealmente a justa liberdade a qual todos têm direito na cidade terrestre [dir-se-ia uma interdição de converter]. Eles devem escutar com boa vontade os leigos [...] para poder com eles ler os sinais dos tempos. Experimentando os espíritos para saber se são de Deus, saberão descobrir e discernir na fé os carismas dos leigos sob todas as suas formas das mais modestas às mais elevadas, etc...” (Presbyterorum Ordinis 9).
Uma abertura implícita ao Movimento carismático? Em todo caso, envia-se os padres por assim dizer para a escola dos leigos. Alem do que “atentos às prescrições do ecumenismo, não esquecerão os irmãos que não participam conosco da plena comunhão da Igreja”(ibid.) Notar a “plena”.
15.17 No mundo de hoje, mergulhado em um grande processo de transformações, “os padres [eles também] são comprometidos nas múltiplas obrigações de suas funções, são solicitados de todos os lados e podem se perguntar, não sem angustia (non sine anxietate), como fazer a unidade entre sua vida interior e as exigências da ação exterior” (PO14). Esta noção é retomada em PO 22: “Os ministros da Igreja, e mesmo às vezes os cristãos, se sentem como estrangeiros neste mundo. Com ansiedade, se perguntam quais meios, quais palavras encontrar para entrar em comunicação com ele”.
Estes julgamentos não correspondem à realidade. A partir da segunda metade dos anos Cinqüenta, se começou a se inquietar com uma baixa de vocações, com a descristianização emergente da sociedade, com as tendências modernistas que recomeçavam a se espalhar no clero: sentia-se no ar como uma surda intriga, um esfriamento que começava a se generalizar, a formação tácita de uma opinião, ainda minoritária, ainda fragmentada, que impelia para a abertura e o relaxamento em relação ao mundo.Mas a angustia do tipo existencial, que voltara à moda depois da segunda Guerra Mundial, só era ressentida pelos “novos teólogos”, de fé incerta, sob o domínio do pensamento contemporâneo e das seduções do Século (como Karl Rahner jesuíta e teólogo de renome, que – só se soube há alguns anos – manteve durante anos relação com uma mulher). Mas ninguém, especialmente entre os fieis, sentia a necessidade de, por exemplo, uma reforma litúrgica, sobretudo tão radical como aquela imposta por uma minoria de destruidores com a cumplicidade do Papa então reinante João XXIII. Ninguém sentia a necessidade angustiante de uma “adaptação” ao mundo.
15.18 A caridade e o cuidado do maior bem da Igreja [levam os padres] a uma procura refletida de novas vias (vias novas)” (PO 15).
15.19 “A vida amiga e fraterna dos padres entre si e com os outros homens lhes permite aprender a honrar os valores humanos e a considerar as coisas criadas como dons de Deus” (PO 17). Mas as relações entre os fieis e os padres não são, não podem ser relações “amigas e fraternas”, como se se tratasse de relações de igual para igual! É ao padre, que tem o privilegio de efetuar a consagração da santa Hóstia, que os fieis confessam seus pecados e Deus, por intermédio dele, os absolve. Enquanto padre, os fieis não podem certamente considera-lo como seu igual. E de fato, eles sempre tiveram pelos padres, aos quais se dirigiam muitas vezes mesmo para conselhos concernentes a importantes questões de ordem material, um respeito que não se tem por um igual. Alem do mais, quais “valores humanos” o padre é intimado aprender a respeitar? Todos? Toda essa mitologia sobre o progresso, a democracia, a liberdade, abundantemente espalhada nos textos do Concilio?
15.20 Os padres devem conhecer “a fundo”, alem dos documentos do Magistério e as obras dos”melhores teólogos, cuja ciência é reconhecida”, a “cultura humana” e as “ciências sagradas”, já que estas “atualmente progridem e se renovam”. Esta é para eles “a melhor preparação para o dialogo com seus contemporâneos”(PO 19).
Por estas “ciências sagradas” que “progridem e se renovam, procura-se aparentemente credenciar o ponto de vista da “Nova Teologia”, que apresenta como “descobertas” as invenções e elucubrações da exegese e da teologia protestantes, condenadas pela autoridade eclesiástica até antes do ultimo Concilio.
15.21 No que concerne à subsistência material do clero, “é preciso abandonar o sistema dito dos benefícios, ou ao menos reforma-lo” (PO 20). A subsistência do clero é confiada exclusivamente aos fieis. Não se fala em ajuda da parte da autoridade civil, haja vista o regime de separação aclamado pelo Vaticano II (cf. § 10.6).
A obrigação para os fieis dessa manutenção é devida ao fato de que “aqueles que exercem ou exerceram uma função (munus) no serviço do povo de Deus” têm direito a um “nível de vida suficiente e digno”(PO 20). Tem-se aqui a confirmação de que para o Concilio, o sentido do múnus sacerdotal mudou: mais do que sacerdos Dei, o padre é sacerdos Populi Dei.
15.22 A subversão da Diocese que não é mais “o cargo ou a circunscrição a frente da qual se encontra o Bispo” (Encyclopédie du Droit Milão 1964, XII, artigo Diocese), mas “uma porção do Povo de Deus (Populi Dei portio), confiada a um Bispo para que, com a ajuda de seus presbíteros seja o pastor dela” (Christus Dominus 11). É preciso proceder “à justa revisão (ad congruam recognitionem) das delimitações das Dioceses, “na medida em que o bem das almas o exige”, e pois “com prudência” mas também “quam primum”, quer dizer (nota-se a contradição típica do Vaticano II) “o mais cedo” (CD 22)
Esta é uma subversão porque a revisão das Dioceses deve se desenrolar assim: “por divisão, desmembramento ou união, por modificação de fronteiras ou fixação de um lugar mais apropriado para as sedes episcopais, enfim, sobretudo no caso de Dioceses compostas por grandes cidades, por uma nova organização interior” (CD 22).
O Concilio desencadeou sobre as Dioceses um verdadeiro turbilhão, pois querem mudar tudo pela base o mais rápido possível: território, sé episcopal, organização interior. A nova Diocese, “porção do povo de Deus”, devia nascer imediatamente, sem consideração pela antiga.
15.23 No exercício de seu ministério, o Bispo deve ensinar o quanto se deve estimar, alem dos valores tradicionais (por exemplo, o da família), os valores (leigos) que são “a pessoa humana, sua liberdade e sua própria vida corporal (corporis vita)”, assim como “a sociedade civil (...), o trabalho e o lazer, as artes e as técnicas” (CD 12). Deve ainda mais, conforme as diretivas dadas por João XXIII na encíclica Pacem in terris, expor “como resolver[!] as gravíssimas questões concernentes à possessão dos bens materiais, seu aumento e sua justa distribuição, a paz e a guerra, a comunidade fraterna de todos os povos” (CD 12).
Aplicando as diretivas de João XXIII, o Concilio na hesita em afirmar que é dever dos Bispos (que, por vocação, deveriam sobretudo serem pastores das almas), ensinar (aos governantes) como resolver os problemas fundamentais dos Estados modernos ! Isto é um puro diletantismo e uma politização do cargo do Bispo. O Bispo deve, naturalmente, “propor a doutrina cristã de uma maneira adaptada às necessidades do momento” e “pedir e promover o dialogo” com todos os homens (CD 13). Para este fim (CD 16), ele deve “ordenar sua vida de maneira a corresponder às necessidades de seu tempo” (afirmação,se bem considerada, bastante misteriosa: o que isto significa exatamente?). Alem disso, para conhecer bem as necessidades dos fieis no contexto social em que vivem”, o Bispo deve recorrer “a métodos convenientes, particularmente à pesquisa sociológica”(CD 13). O Concilio tem uma verdadeira fixação pela sociologia: no artigo 17 do decreto CD preconiza, até a instauração de “serviços de sociologia pastoral” (o que isto pode querer dizer?) encarregados de “pesquisas sociais e religiosas”! Os “santos pastores trabalham pois não apenas para o bem “espiritual” dos fieis, mas também para o “progresso e a felicidade social e civil: é assim que eles concorrem para este propósito com as Autoridades publicas exercendo sua própria atividade” (CD 19) O Bispo artífice de nosso bem estar material? É então para este fim que os Bispos são sagrados, sucessores dos Apóstolos?
14.0 A atribuição aos Bispos (no lugar da Santa Sé) do poder de controlar as traduções em língua vulgar da Santa Bíblia (SC 36 § 4; Dei Verbum 25);
14.1 A ordem para que a leitura da Bíblia na liturgia seja “abundantior, varior, er aptior”, “mais abundante, mais variada e mais adaptada” e que seja dado a todos os fieis um amplo contacto direto (“grande acesso”) com o santo texto (SC 35, 51; DV 22,25); a ordem contraria a todo o ensino precedente, o qual, contra os protestantes e jansenistas, sempre cercavam de prudência esta leitura, sendo notória a dificuldade de numerosas passagens do Antigo e do Novo Testamento, confiando-a em todos os casos à mediação da liturgia, da catequese, da pregação (DZ 1429, Clemente XI na condenação de Quesnel, 1507, e Pio VI Auctorem Fidei)
14.2 A exortação para traduzir os Textos Sagrados “em colaboração com os irmãos separados” (DV 22).
14.3 A ordem de “compor edições da Sagrada Escritura munidas de notas convenientes para o uso até mesmo dos não cristãos e adaptadas à situação deles” (DV 25)
14.4 A exortação para “reunirem-se [em companhia dos irmãos separados] para tratar sobretudo de questões teológicas, onde todos se comportem de igual para igual entre si” (UR 9)
14.5 Os artigos 12 e 24 de UR que definem a obrigação da “cooperação” e das iniciativas “conjuntas” com os irmãos separados (e com todos os homens), como verdadeiros princípios gerais da pastoral.
14.6 A exortação para se servir das ciências profanas na pastoral: “Com efeito, as mais recentes pesquisas e descobertas das ciências, assim como as da historia e da filosofia [mas quais eram, no tempo do Concilio, essas “descobertas” no domínio da historia e da filosofia? Estamos curiosos por saber –ndr], levantam novas questões que comportam conseqüências para a própria vida e exigem novas pesquisas da parte dos próprios teólogos. [...] Que se tenha na pastoral um conhecimento suficiente não apenas dos princípios da teologia, mas também das descobertas cientificas profanas, notadamente da psicologia e da sociologia [ainda hoje gostaríamos de ter algumas novas “descobertas” efetuadas nesses dois domínios –ndr], e que deles se faça uso: deste modo, por sua vez, os fieis serão levados a uma maior pureza e maturidade em sua vida de fé” (GS 62).
13.0 A ordem de revisar os livros litúrgicos, incluindo as rubricas concernentes ao papel dos fieis, “o mais cedo possível”” (Sacrosantum Concilium 25, 31), depois de ter recomendado no artigo 23, ao contrario, uma certa prudência: “...só se farão inovações se a utilidade da Igreja as exige verdadeiramente e com certeza e depois de estar bem assegurado [processo que pede muito tempo – ndr] que as novas formas saem das formas já existentes por um desenvolvimento de alguma maneira orgânico”.
13.1 A exortação para preferir a celebração comunitária dos ritos, “na medida do possível, à celebração individual e quase privada”, sobretudo para a Santa Missa e os Sacramentos (SC27, 5). Nesta desvalorização da “celebração individual e quase privada”, ressoa a hostilidade de Lutero contra as “missas privadas” (cf. § 3.5).
13.2 Todos os artigos que incitam à adaptação do rito (por meio de experimentação, e de criatividade) às línguas vulgares, às mentalidades e à cultura modernas (e assim ao espírito do Século), aos usos nacionais e locais ou que ressuscitam formas arcaicas destes (SC24, 36 §2 e 3, 38, 37, 39, 40, 44, 50, 53, 54, 63, 65, 66, 67, 77, 79, 90, 101, 109, 120, 128, etc...) (cf. §3.6).
13.3 O convite para aumentar o numero de casos em que se pode dar a comunhão sob as duas espécies (SC 55)
13.4 A extensão da faculdade de concelebrar, pratica litúrgica que antigamente era reservada a certas cerimônias particularmente solenes (especialmente as ordenações sacerdotais) e que necessita ainda aprofundamento teológico (ver DZ 3928, Decr. S. Of. De 23/5/1957), com a ordem de compor um novo rito de concelebração (SC 57 e58).
13.5 A mitigação da interdição estrita da communicatio in sacris com os “Ortodoxos” ou “Orientais” cismaticos (Orientalium Ecclesiarum 26 – 29) e com os “irmãos separados” em geral (Unitatis Redintegratio 8).
13.6 A permissão dada ao Bispo de regulamentar a disciplina da “concelebração” em sua Diocese (SC 57 § 1, 2o e § 2, 1o).
13.7 A faculdade de celebrar a santa festa da Páscoa no mesmo domingo em que a celebram os “Ortodoxos” cismaticos, segundo o calendário deles, para promover “a unidade entre os cristãos que habitam a mesma região ou nação” (OE 20).
13.8 “Os Orientais separados[“Ortodoxos”], que voltam à unidade católica sob a ação da graça do Espírito Santo, não serão mais submetidos a outras exigências alem das que se exige para a simples profissão da fé católica” (OE 25).
12.0 O Concilio atribui à humanidade da sua época uma interrogação angustiada sobre si mesma e sobre os problemas maiores: “Em nossos dias, tomado de admiração diante de suas próprias descobertas e seu próprio saber, o gênero humano se interroga, no entanto, muitas vezes com angustia, sobre a evolução presente do mundo, sobre o lugar e o papel do homem no universo, sobre o sentido de seus esforços individuais e coletivos, enfim sobre o destino ultimo das coisas e da humanidade” (Gaudium et Spes 3).Estas noções são retomadas, por exemplo, em GS 10:...cresce o numero daqueles que, em face da atual evolução do mundo, fazem perguntas das mais fundamentais ou as percebem com uma nova acuidade. O que é o homem? O que significa o sofrimento, o mal, a morte que subsistem apesar de tanto progresso, etc?...”.
Na realidade, a grande questão “o que é o homem?”, esta profunda questão metafísica, praticamente ninguém a formulava nessa época. O comunismo e seus aliados de esquerda (com todas as nuances) atacavam então em todas as frentes: a União Soviética, a China de Mao, Cuba eram os modelos; o marxismo assolava as universidades, as escolas, toda a cultura, inoculando, com o hedonismo celebrado pelas subculturas emergentes (a subcultura da “droga”, a subcultura “hippy”) e pela sociedade de consumo, o espírito revolucionário que iria dar nascimento na América e na Europa aos grandes movimentos estudantis de 1966-1968 e ainda mais, menos de três anos depois do encerramento do Concilio, pelo exemplo dos “Guardas Vermelhos” chineses (1966).Considerava-se o problema do homem resolvido à luz da utopia revolucionaria. O homem devia ser considerado como o produto do ambiente, da historia: a reviravolta marxista da práxis devia pôr as coisas no lugar, criando um homem novo, libertado de todos os defeitos, de todas as contradições. Mesmo aqueles que procuravam definir o homem, em sua individualidade, recorrendo às categorias vagas e imprecisas do existencialismo e da psicanálise, terminavam sempre por encontrar no marxismo e, pois, na revolução social, a solução para o problema do Homem. Eis o estado do “humanismo” então dominante.
Os anos sessenta do século XX são hoje em dia unanimemente reconhecidos como os anos durante os quais, depois dos anos Cinqüenta ainda “beatos”(porem não isentos dos abalos desse hedonismo que já tinha feito sua aparição maciça no primeiro após guerra), começa enfim a emancipação da mulher, a “liberdade sexual”; houve um impulso subversivo generalizado no domínio político, econômico e no domínio dos costumes, impulso cujo ímpeto, é preciso ver, se prolonga até hoje .Esses foram os anos do “movimento estudantil” e da “contestação” organizada e sistemática do princípio de autoridade sob todas as suas formas.
A tempestade já trovejava quando começou o Vaticano II e estava em nossas portas quando foi concluído. Mas o Concilio não teve nenhuma intuição dela. O que diz GS dos jovens? “A transformação da mentalidade e das estruturas conduziu muitas vezes a uma rediscussão dos valores recebidos, particularmente entre os jovens: freqüentemente, eles não suportam seu estado; bem mais, a inquietação faz deles revoltados, enquanto que, conscientes de sua importância na vida social, desejam tomar o mais cedo possível sua responsabilidade nela” (GS 7). Pôde se constatar, menos de três anos depois, de que maneira a massa da juventude procurou “tomar sua responsabilidade”.
Para proteger a juventude das seduções do Século, o Concilio deveria ter começado condenando as falsas doutrinas dominantes, do existencialismo à psicanálise, ao marxismo, etc... Ao invez disso, pelo abandono da distinção entre Natureza e Graça, pela elaboração de uma nova religião “social” e “humana”, necessariamente aberta aos valores do mundo, incluindo os valores próprios do”humanismo” dos revolucionários, pela referencia ao “novo homem, artesão de uma nova humanidade”, que cresce graças à afirmação dos “valores” do progresso, da liberdade, do Homem (GS30,39), pela adoção de uma visão naturalista do Reino de Deus, o Concilio contribuiu para as subversões revolucionarias que se manifestaram pouco tempo depois, ridicularizando por isso mesmo o otimismo e o triunfalismo com os quais tinha querido celebrar o Homem e o Mundo.Contribuiu para essas subversões demolindo as trincheiras que constituem a doutrina eterna da Igreja e a pastoral sã, aparecendo assim a muitos católicos e não católicos como um componente do movimento revolucionário. A “contestação”, no sentido mais largo do termo, devia assim implicar e subverter uma parte importante da Catolicidade, a começar pela própria hierarquia da Igreja.
12. 1 A afirmação espantosa segundo a qual o homem”descobre hoje, pouco a pouco, e com mais clareza, as leis da vida social (leges vitae socialis), mas hesita sobre as orientações que lhes é preciso imprimir” (GS 4).
Gostaríamos de saber de que leis se tratam. A “vida social”, na ultima parte do século XX, evoluiu em um sentido cada vez mais hedonista e anticristão, graças ao grande progresso da ciência, da técnica e pois, do desenvolvimento de um bem estar material sem precedentes. Devemos considerar que tudo isso se produziu em seguida à “descoberta” progressiva das “leis da vida social”, até então pouco conhecidas? Pouco conhecidas (devemos supor) igualmente pelo Magistério da Igreja no correr dos séculos? Já que o Concilio louva o desenvolvimento, o progresso, as “conquistas da humanidade” (Lumen Gentium 36; GS 5; 34; 39 etc...) e se inquieta somente com que elas concorram para a unidade do gênero humano e se realizem no respeito aos “direitos humanos”(GS4), devemos considerar que estejam aí os valores encarnados nas “leis” pouco a pouco descobertas, valores e leis que constituiriam,eles mesmos, as “leis da vida social”, valores ou leis concebidas, de qualquer modo, em oposição ao Reino social do Cristo?
Nos anos sessenta do século XX, não havia traço da “hesitação” invocada acima: o desenvolvimento da “vida social” mostrava, no Ocidente, uma nítida tendência a se orientar para a sociedade de consumo, em todos os seus aspectos; as massas – atrás dos slogans revolucionários – faziam pressão para participarem também do banquete do bem estar, que se adivinhava faustoso, sem precedentes. Para aqueles que se lembram bem daquela época, a frase seguinte soa totalmente falsa: “Marcada por uma situação tão complexa [...] uma inquietação se apodera [de muitos de nossos contemporâneos] e eles se interrogam com uma mistura de esperança e de angustia sobre a evolução atual do mundo” (GS 4).O único verdadeiro medo, a única autentica angustia no Ocidente, no Oriente Médio e no Oriente, era provocada pelo comunismo, por causa da impositiva potencia militar da União Soviética e da China e por causa de sua ação subversiva em escala mundial, que utilizava o insidioso trabalho dos partidos comunistas que paralisavam certos paises (por exemplo, a Itália) pela chantagem permanente da guerra civil, guerra civil que só era impedida – tal era o sentimento comum – pela presença militar da O.T.A.N. e dos Estados Unidos.
12.2 A perspectiva equivoca na qual se quer “purificar” os valores do mundo para os aproximar do Cristo: “O Concilio se propõe antes de tudo julgar[...] os valores mais estimados por nossos contemporâneos e aproxima-los da sua fonte divina. Porque esses valores, na medida em que procedem do gênio humano, que é um dom de Deus, são muito bons (valde boni sunt); mas não é raro que a corrupção do coração humano os desvie da ordem necessária: por isto precisam ser purificados” (GS 11).
Trata-se de que valores?Adivinha-se. Temos uma indicação no GS 39 que, como vimos (na seção 6), quer nos fazer crer que os reencontraremos purificados no reino de Deus: a “dignidade do homem, a comunhão fraterna, a liberdade”, que devem servir ao “progresso universal com liberdade humana e cristã” (LG 36). Mas é preciso notar o seguinte:
1) Não se pode afirmar que esses valores leigos sejam “muito bons”. O ideal puramente leigo do progresso, que compreende a noção de uma educação do gênero humano somente racional e exalta a felicidade e o bem estar terrestres, é totalmente anticristã e não pode se “muito boa”. Também não podem ser “muito boas” a “dignidade do homem”, a “fraternidade universal”, a “liberdade”, já que se trata da celebre tríade da Revolução Francesa: os “direitos do homem” sob o signo do deísmo e do racionalismo da filosofia iluminista maçônica, que inspirou as celebres Cartas dos Direitos, as dos “Princípios Imortais”.
2) A afirmação segundo a qual esses valores são “bons” mas “desviados da ordem necessaria” é o resultado de um equivoco espalhado entre os católicos liberais e seus herdeiros modernistas e neo-modernistas, sabendo-se que esses valores, como foi dito a propósito da Revolução Francesa, “são a aplicação de idéias do Cristianismo que esperavam sua aplicação e que não foram reconhecidas com tais no momento de sua aplicação” (R Amerio Iota Unum). Na realidade, a fraternidade, a igualdade e a liberdade leigas são uma distorção de seus equivalentes cristãos, porque decorrem de uma visão do mundo fundada unicamente no homem concebido como um ser isento da mancha do pecado original, no homem com toda sua exaltação e orgulho. Por conseqüência, esses valores se opõem ex sese aos valores cristãos equivalentes, valores que aqueles negam e atacam de todas as maneiras (sem falar no ideal do progresso, que não tem de cristão nem mesmo o nome). Com efeito:
a) A liberdade do cristão é interior e vem da fé em Cristo (João 8,31-32), e não tem nada a ver com a liberdade enquanto autodeterminação absoluta do individuo para cada escolha, com a abstenção de qualquer lei, de qualquer restrição (libertas a coatione), colocada como fundamento da democracia contemporânea e dos “direitos do homem”. E é precisamente a esta liberdade-valor leiga que o Concilio se refere continuamente.
b) A fraternidade entre todos os homens, do ponto de vista cristão, é sentida como tal porque todos os homens vêm de Deus Pai, Criador: pressupõe a fé na Santíssima Trindade e se alimenta do amor do próximo, amado por amor de Deus, não pela suposta “dignidade” do homem, quer dizer de cada um de nós, sabendo-se que somos manchados pelo pecado original e somos todos pecadores (cf. seção 5).
A fraternidade cristã não tem nada em comum com a fraternidade do tipo político, fundada na ideologia do igualitarismo, que se espalhou no mundo a partir da Revolução americana e da Revolução francesa, e que também se encontra na base da democracia contemporânea. O que permite igualmente julgar o valor eminentemente político que representa a igualdade leiga, que, para os cristãos, ao contrario, sempre foi a igualdade de todos nós, pecadores, diante de Deus e de cristãos diante das promessas de Nosso Senhor, graças às quais todos nós fomos feitos “co-herdeiros”, em potencia, do Reino (Efesios 3,6).
A igualdade, a fraternidade, a liberdade, no sentido cristão, são valores antes de tudo religiosos, fundados na Verdade revelada. Os mesmos valores, tais como são compreendidos pelo mundo, são, sobretudo políticos, frutos do deísmo e do racionalismo do século das Luzes, de uma visão do mundo voluntariamente hostil ao Cristianismo. A vontade do Concilio de “purificar” esses valores se apresenta, portanto, inteiramente sem sentido. Como purifica-los? Para estar em harmonia com o ensino de sempre, o Concilio deveria tê-los condenado, opondo-lhes a autentica concepção cristã. Não houve, na realidade, nenhuma “purificação”: houve somente, como vimos, o abastardamento da doutrina da Igreja por sua adaptação a esses valores do mundo: e isto se produziu graças à adoção de uma falsa noção do homem, de sua “dignidade”, de sua “vocação”, tirada de uma noção doutrinariamente errada da Encarnação e da Redenção (cf. sessão 5). Uma noção do homem que em vez de ser “purificada” de sua origem leiga, introduz o “humanismo” do pensamento revolucionário na doutrina da Igreja.
12. 3 A apreciação injustificada dos “direitos do homem” e dos combates em seu favor, que na época do Concilio já eram travados: “ O homem moderno caminha para um desenvolvimento mais completo de sua personalidade, para uma descoberta e uma afirmação sempre crescente de seus direitos [...].Por isto a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos dos homens (iura hominum), reconhece e tem em grande estima o dinamismo de nosso tempo que em toda parte, dá um novo impulso a esses direitos. Esse movimento no entanto deve ser impregnado do espírito do Evangelho e garantido contra toda idéia de falsa autonomia [ para com a lei divina –ndr]” (GS 41).
Sabemos que os “direitos do homem” não são a mesma coisa que os “direitos naturais”, que sempre necessariamente foram admitidos pela Santa Igreja. Com efeito, estes últimos vêm de Deus, os primeiros, ao contrario, vêm do homem: são fundados na idéia (não cristã) da auto-suficiência e da perfeição intrínseca do Homem enquanto homem, depois da rejeição do dogma do pecado original.
“O gênero humano é governado por duas leis: o direito natural e o costume. O direito natural é aquele que está contido nas Santas Escrituras e no Evangelho” (Decr. Grat.). O preceito fundamental da lei natural ou direito natural é: “faça o bem e evite o mal” (S. Tomas IIa IIae, q. 94, a. 2), um preceito ético, de origem divina, perfeitamente compreendido e integrado pela recta ratio,colocado como fundamento da observação do Decálogo e de todas as relações jurídicas naturais e positivas, de tal modo que os direitos (iura) individuais devem sempre ter por objeto “aquilo que é justo” (“ius est objectum iustitiae”, S Tomas IIa IIae, q.57, a.1); justo segundo a ordem moral estabelecida por Deus, (pela lex aeterna e divina) e confirmada pela Revelação e pelo ensino da Igreja, não segundo as opiniões pessoais e os desejos dos homens.
Os “direitos do homem”, ao contrario, são “afirmados” pelo sujeito como pretensões universais para a aquisição e para o gozo de tudo aquilo que o sujeito (o Homem) deseja porque ele o avalia conforme sua dignidade de individuo, que se considera moralmente e intelectualmente auto-suficiente, capaz de determinar sozinho o que é justo e o que é bom. E entre esses direitos figura até o direito “à felicidade”, sancionado pela Declaração da Independência dos Estados Unidos da América. Pela força das circunstancias a reivindicação desses direitos se manifesta muitas vezes sob formas extremistas, subversivas e mesmo violentas, porque exprimem na realidade a vontade de poder e o instinto de dominação, individual e de massa, que caracterizam particularmente o modo de vida bárbaro e corrompido de nosso tempo.
De que modo o Concilio “impregnou” com o espírito do Evangelho o movimento pelos direitos do homem? Reafirmando o ensino da Igreja sobre a lei e os direitos naturais? Certamente não foi. Ao contrario procurou dar aos “direitos do homem” uma plataforma ideológica católica constituída pela falsa doutrina, que já citamos, de uma dignidade do homem muito elevada e sublime porque resultante da união do Cristo com cada homem em virtude da Encarnação e da Redenção que já se produziu para todos: “Ora somente Deus, que criou o homem à sua imagem e o resgatou do pecado (atque a peccato redemit) pode responder a estas questões [questões levantadas pelo desenvolvimento da personalidade e pela afirmação dos direitos do homem – ndr] com plenitude [...]. Quem quer que siga o Cristo, homem perfeito, torna-se ele próprio mais homem (et ipse magis homo fit)” (GS 41). Mas não foi revelado que aqueles que seguem Nosso Senhor, pela fé e pelas obras, recebem a “potestam filios Dei fieri” (João 1,12)? E agora nos vêm dizer que eles se tornam, ao contrario, “mais homens”! Se esta não é a marca de uma doutrina invertida, o que é então?
Notemos bem que a falsa idéia de uma dignidade superior do homem enquanto homem (que decorre da idéia também falsa da sua perfeição e de sua auto-suficiência intrínsecas), no lugar de ser combatida pelo Concilio, se encontra reforçada pela atribuição ao homem enquanto tal, a cada homem, de uma redenção objetiva e anônima pelo Cristo! Desta maneira, não é o movimento pelos “direitos do homem” que se impregna do Espírito do Evangelho: é este ultimo, tal como é interpretado pela ala progressista do Concilio, que se impregna do espírito subversivo e contestatario do movimento pelos “direitos do homem”.
12.4 Uma avaliação e uma apreciação da cultura, identificada sem mais à noção neo iluminista, cientificista, corrente naquela época, incluindo a exaltação da “conquista do cosmo”; avaliação que conduziu o Concilio até ao elogio da cultura de massa, então começando, como um novo “humanismo”: a cultura, no sentido genérico, designa “tudo aquilo pelo que o homem afina e desenvolve as múltiplas capacidades de seu espírito e de seu corpo; esforça-se por submeter o universo pelo conhecimento e o trabalho; humaniza a vida social[...]”, tendo como fim o “progresso de todo o gênero humano” (GS 53). O Concilio vê com satisfação a emergência de uma “forma de cultura mais universal”, com a contribuição da “cultura de massa”, que “faz avançar e exprime a unidade do gênero humano” (GS 54), nos fazendo “testemunhas do nascimento de um novo humanismo”, à altura da “missão que nos é atribuída de construir um mundo melhor na verdade e na justiça” (GS 55).
Dir-se-ia frases extraídas de discursos ou de cartazes de alguma sociedade mazziniana de antigamente. [nota: Mazzini (Giuseppe)(1805-1872), agitador italiano, fundador de uma sociedade secreta (a Jovem Itália), Em 1848, fez parte do triunvirato romano] Não se poderia imaginar uma apreciação mais errada, mais afastada da realidade do que esta: considerar a “cultura de massa” como portadora de um novo humanismo; ela, que foi um dos sinais característicos da volta de nossos costumes à barbárie porque ela destruiu toda verdadeira cultura, conduzindo-nos até à triste dominação do “politicamente correto”.
Aqui está a pastoral ruim. A esta “cultura” leiga (vista, temos que dizer, sob o seu pior aspecto) em pleno desenvolvimento segundo o Concilio, o que devem opor os católicos? Talvez sua visão do mundo fundada no sobrenatural? De maneira nenhuma. Com efeito, “a cultura humana deve, hoje, progredir, de modo a desabrochar integralmente e harmoniosamente a pessoa humana [...]” (GS 56). A “cultura” é para a “pessoa”, para a “dignidade do homem” e não para a gloria de Deus. A “cultura” é antropocêntrista. E os católicos deverão se abrir a essa cultura, cooperar com ela, tendo a “obrigação de trabalhar com todos os homens na construção de um mundo mais humano” (GS 57). Os católicos deverão lutar por uma “cultura humana em harmonia com a pessoa, sem distinção de raça, de sexo, de nação, de religião ou de condição social” (GS 60). É o gênero de cultura programada pela ONU e por suas instituições, de onde as características da noção católica de cultura devem necessariamente desaparecer.
É preciso, segundo o Concilio voltar-se para a construção de uma “pessoa humana em sua integridade”, que deve ser educada por meio de uma “cultura universal”; por conseqüência, toda a atividade cultural coletiva deve ser impregnada do “espírito humano e cristão” (GS 61). Esta expressão é corrente nos textos do Concilio: Lumen Gentium 36 afirma, como já vimos, que os fieis leigos devem cooperar com o “progresso universal na liberdade humana e cristã”. O que é humano está colocado no mesmo plano daquilo que é cristão, e mesmo acima, porque a cooperação no dialogo com o mundo – que agora é a missão essencial – encontra seu fundamento nos valores humanos, aos quais os valores cristãos devem se adaptar. O decreto sobre o apostolado dos leigos (Apostolicam Actuositatem 27) afirma que a cooperação com os não cristãos é “reclamada pelos valores humanos comuns”, os quais devem, pois, unir os homens acima das religiões, assim como o quer a religião da Humanidade.
12.5 A apreciação do “direito à informação”, sobre a base de uma avaliação utópica de suas vantagens, a saber, que “a publicação rápida dos acontecimentos e das coisas fornece ao individuo um conhecimento mais completo e ao mesmo tempo contínuo sobre o assunto, tornando cada cidadão capaz de contribuir eficazmente para o bem comum e o progresso de toda a sociedade” (Inter Mirifica 5).
A experiência demonstrou que nada disso corresponde à realidade. O bombardeamento quotidiano de noticias de todos os gêneros pelas “mass medias” não produziu na massa dos indivíduos um “conhecimento mais completo e continuo” dos fatos, capaz de favorecer a contribuição para o “bem comum” e o “progresso”. Produziu, ao contrario, uma sorte de saturação mental e daí uma tendência generalizada para o enfraquecimento da capacidade de discernir, de compreender efetivamente a “significação” dos fatos, que alias são em geral esquecidos tão rápido quanto foram apreendidos. Já se poderia compreender na época do Concilio, que o circo planetário da informação era em substancia uma usina para fabricar o NADA.
12.6 A apreciação otimista do homem que se descreve em quase todos os artigos de Gaudium et Spes como se sua inteligência e sua vontade não estivessem feridas pelo pecado original, aparece afastada da realidade, pois propõe, de fato, de novo, a idéia não cristã e utópica de um homem bom por natureza, de um gênero humano naturaliter cheio dos melhores sentimentos.
O homem de GS (GS 4-11) aparece mergulhado no exercício, por suas próprias forças, de sua inteligência e de sua vontade, perscrutando a si mesmo e perscrutando os sinais dos tempos pela compreensão e a conquista da natureza, pela tomada positiva da consciência de sua “dignidade”, de seus “direitos”, limitado ao máximo pelas “contradições” provocadas pelo desenvolvimento social. Não se diz nunca que nele há também uma tendência radical para o mal, que obscurece seu julgamento e torce sua vontade, razão pela qual sem a ajuda da Graça (“sem Mim nada podeis” João 15, 5) não são possíveis nem um julgamento claro nem uma vontade reta. Se não se diz isso, é porque o Sobrenatural está de fato excluído do “humanismo” preconizado pelo Vaticano II, cujo otimismo queria nos apresentar uma imagem xaroposa, retórica e falsa do homem e de suas aspirações.Consideremos esta passagem: “As pessoas e os grupos têm sede de uma vida plena e livre, de uma vida digna do homem, que ponha a seu próprio serviço todas as imensas possibilidades que lhe oferece o mundo atual” (GS 9). Uma imagem tão edificante, tão “politicamente correta” das reivindicações individuais e sociais, proclamadas em geral em nome dos “direitos do homem”, negligencia a realidade, quer dizer o fato de que em mais de uma vida “plena e livre” (expressão genérica), as pessoas e os grupos tinham e têm sede de poder, de domínio, de gozo, têm sede de se impor e de comandar, de se vingar dos prejuízos experimentados, reais ou supostos. E, ademais, a vida “digna do homem” é, do ponto de vista católico, a vida “plena e livre” daquele que satisfez suas reivindicações, sobretudo materiais, ou a vida daquele que quer fazer em tudo a vontade de Deus segundo o ensino de Nosso Senhor, levando por conseqüência uma vida que, aos olhos do mundo, não é nem “plena” nem “livre”, mas que o é aos olhos de Deus?
A visão otimista do homem conduziu o Concilio a dar uma definição do homem universal ou “pessoa em sua integralidade” que não é católica: “[...] a cada homem continua a se impor o dever de salvaguardar a integralidade de sua personalidade, onde predominam os valores de inteligência, vontade, consciência e fraternidade, valores que têm, todos, os seus fundamentos em Deus criador e que foram curados e elevados de uma maneira admirável no Cristo” (GS 61). Este retrato é incoerente do ponto de vista lógico, porque a inteligência, a vontade e a consciência são faculdades do homem, e não valores, ao passo que a fraternidade só pode ser um valor; no entanto são todas postas no mesmo plano. Mas o valor cristão por excelência, a caridade, onde está? Onde estão a humildade, a obediência, o espírito de sacrifício, o desejo de agradar a Deus em tudo? E se afirma de novo que Jesus veio “elevar” o homem, “curando” suas qualidades de toda imperfeição, quando Ele se encarnou não para exaltar nossas qualidades, mas para curar nossas enfermidades, para que pudéssemos delas nos curar acreditando Nele:”non enim veni vocare iustos sed peccatores” (Marcos 2,17).
12.7 A apreciação do processo histórico, que se considerava então em curso de realização, como processo tendendo para a unidade do gênero humano (cf. § 2.7), no qual, no fim, as nações seriam dissolvidas: “O próprio movimento da historia torna-se tão rápido que se custa a segui-lo. O destino da comunidade humana torna-se um e não se diversifica mais em historias distintas separadas entre si” (GS 5: Consortionis humanae sors una efficitur et non amplius inter varias velut historias dispergitur). Esta tese da “filosofia da historia” do Vaticano II foi confirmada pelos fatos? Pareceria que sim, no ano 2002. Entretanto, é preciso explicitar os seguintes pontos:
1) A unificação sócio-econômica do gênero humano estava tomando forma graças ao desenvolvimento material da ciência, da técnica, da economia e com o concurso da cultura de massa; desenvolvimento que parece hoje ter resultado em uma espécie de modelo econômico universal representado pelo “mercado global”, quer dizer o capitalismo sob sua pior forma, a forma ultraliberal e especulativa, um monstro econômico e financeiro que nenhum Estado consegue mais controlar.
2) A forma política universal desse processo (uma vez desaparecida a utopia comunista) consolidou-se na democracia, democracia de massa, dos “direitos do homem”, corrompida e corruptora, que pesa em nossos ombros, inimiga de todas as verdades do Cristianismo.
3) Trata-se de um processo artificial, provocado conjuntamente pela avidez humana levada ao extremo, pela política de poder de certas nações e pela adesão da Igreja às idéias do Século, não pelo desejo natural dos povos nem por exigências políticas e econômicas objetivas.
4) Este processo, com todos os seus males, estava ainda embrionário no começo dos anos sessenta, dominados pelo dualismo democracia e comunismo e pela oposição frontal dos “blocos”. Se o Concilio tivesse condenado esse processo, seria praticamente certo que ele não teria atingido a amplitude quantitativa e qualitativa que conhecemos hoje. Realmente, a adesão a esse processo por parte da Hierarquia católica favoreceu o seu encaminhamento; queremos dizer que a ação “ecumênica” da Hierarquia católica contribuiu poderosamente para a “unificação” do gênero humano e a Igreja “conciliar” tornou-se hoje, um dos fatores que concorrem para manter a “unidade” artificial do gênero humano.
5) Esta unidade na realidade só é aparente e isso é demonstrado pelo fato de que ela permitiu ao Islã, tornado rico graças ao petróleo, retomar, depois de muitos séculos, sua ofensiva em escala mundial pela penetração massiça em todos os paises e em particular nos paises europeus, nos quais implantou numerosas e poderosas colônias, compactas e agressivas. O dualismo político da época dos “blocos” se renovou, mas de uma forma mais dissimulada, com o inimigo se achando no interior das muralhas e sem declaração de guerra, ao contrario sob o símbolo da paz, da unidade, da fraternidade, dos “direitos do homem”. O Islã, que identifica religião e política, é constitutivamente impermeável a qualquer forma de democracia e considera como um dever “religioso” conquistar a mundo todo para Alá e Maomé. Diante disto, o gênero humano “unificado na paz, no progresso material, na democracia,” é um gênero humano aberto, como nunca no passado, à conquista islâmica (sem excluir a hipótese de uma volta imprevista do comunismo, diante do caráter ambíguo da adesão da Rússia à “democracia”).
6) A constatação da impossibilidade de uma “historia separada” para cada nação, aparentemente verídica, na realidade não é aceitável, sobretudo do ponto de vista católico. Pela simples razão de que a Igreja tinha e tem o dever de se preocupar antes de tudo com as nações e as sociedades católicas, de defender sua individualidade, tanto no plano dos princípios como no plano político no sentido estrito e, portanto, de se inquietar para que sua historia seja mesmo “separada”, na medida do possível, daquela do resto do mundo que lhe é hostil. Em outros termos: a conservação e a defesa da individualidade nacional católica exigem o reconhecimento do direito a uma historia “separada”, direito que Deus todo poderoso sempre garantiu – por exemplo, para o antigo Israel, pequeno e frágil como foi, enquanto observasse fielmente seus mandamentos; eles exigem o reconhecimento do direito de construir uma sociedade de acordo com os princípios do Cristianismo: direito sobre o qual o Concilio não fala nunca, tendo optado por uma sociedade”pluralista” (GS 75; Gravissimus Educationis 6,7).