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10 - Erros concernentes à política, à comunidade política, à relação entre a Igreja e o Estado.

10.0 Uma noção de “vida política” que não é católica, mas que, ao contrario, parece conforme ao principio leigo de humanidade: “Para instaurar uma vida política verdadeiramente humana, nada é mais importante do que desenvolver o sentido interior de justiça, de bondade, de devotamento ao bem comum e de reforçar as convicções fundamentais sobre a verdadeira natureza da comunidade política, como sobre o fim, o bom exercício e os limites da autoridade publica (Gaudium et Spes 73)”.

Não se preocupam, aqui, com uma “vida política” marcada pelos valores cristãos, mas com uma “vida política” marcada pelos valores humanos. Quer dizer, em toda sua generalidade, “o sentido interior de justiça, de bondade, o devotamento ao bem comum”. Realmente, não se trata da adesão da inteligência e da vontade aos princípios da “justiça”, da “bondade”, do “devotamento”, fundados em uma Verdade revelada, princípios objetivamente estabelecidos por Deus e ensinados pela Igreja ao curso dos séculos e que exigem nosso assentimento, mas do simples “sentido interior” (interiorem...sensum) que o individuo possa ter desses princípios, fundados por conseqüência no individuo, sobre essas opiniões: concepção subjetivista da “vida política”, da práxis em geral ou da ortopraxis (politicamente correto) típico do pensamento moderno, totalmente estranho ao Catolicismo e mesmo fatalmente contrario a ele. Essa “vida política verdadeiramente humana” ostenta, pois uma finalidade unicamente terrestre. 

10.1 A definição da “verdadeira natureza da comunidade política”, que deve contribuir para a instauração da “vida política verdadeiramente humana” (GS 73 cit.) se põe na mesma perspectiva impregnada do laicismo e do imanentismo não católico. Com efeito, não se diz o que seja em si a “comunidade política”, mas somente que ela existe “em função do bem comum”, que “compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos homens, às famílias e aos agrupamentos se realizarem mais completamente e mais facilmente” (GS74).

É esta uma concepção do bem comum em harmonia com o ensinamento tradicional da Igreja? Não, porque esta concepção identifica o bem comum com as “condições de vida social” permitindo uma “realização” individual e coletiva que não mostra nenhuma ligação com o sobrenatural. Isto constitui um erro doutrinal. A Igreja, com efeito, sempre insistiu sobre o fato de que a procura do bem comum temporal, se bem que goze de uma certa autonomia, deve, no entanto sempre concorrer para a procura do “bem supremo”, que constitui para cada um a salvação e a Visão Beatifica: “Favorecendo a prosperidade publica, a sociedade civil [...] deve prover o bem dos cidadãos não somente não opondo nenhum obstáculo, mas assegurando todos os meios possíveis para a procura e aquisição desse bem supremo e imutável ao qual eles aspiram. O primeiro destes meios consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da religião pela qual os atos justos unem o homem a Deus (Leão XII Imortale Dei 1/11/1885, e Santo Tomás De Reg. Princ. I, XV).

A “realização” de que fala o Concilio concerne, ao contrario, os valores humanos e não os valores cristãos, se bem que a existência da autoridade, que preside á realização do bem comum, é justificada com essa reserva de que ela não exerça sua função “de uma maneira mecânica[?] ou despótica, mas agindo antes de tudo como uma força moral(vis moralis) que se apóia sobre a liberdade e o sentido da responsabilidade” (GS 74). Quer dizer, com uma reserva em favor da democracia, que se exprime na acentuação posta na “liberdade” e no “sentido de responsabilidade”, compreendidos como valores determinando em absoluto o exercício da autoridade. 

Somente depois desta especificação    é que o texto conciliar lembra Rom. 13, 1-5, que estabelece a origem divina de toda autoridade constituída, mas lembra essa passagem deformando-a, invertendo-a, porque afirma: “Com toda evidencia, a comunidade política e a autoridade publica encontram pois seu fundamento na natureza humana e tiram daí uma ordem fixada por Deus [...] (Rom. 13, 1-5)”, (GS 74). A distorção, e mesmo a inversão se encontram na afirmação de que a “comunidade política” e a autoridade  acham seu fundamento “na natureza humana” e pois (ideoque) a “tiram de uma ordem fixada (praefinitum) por Deus”, o que torna a colocar o homem diante de Deus e a considerar o “fundamento” da comunidade política do tipo democrática na “natureza humana” (porque fundada na “liberdade” e no sentido de responsabilidade”) como condição substancial para “pertencer” à ordem fixada por Deus. Mas esta não é a noção expressa pelo Apostolo dos Gentios, por quem o Espírito Santo nos ensina que todo potestas vem de Deus, qualquer que seja sua forma de governo, em conseqüência do que ela encontra seu “fundamento” na natureza humana e na natureza humana corrompida pelo pecado original, que sempre precisou da espada do poder civil para ser refreada. (Rom. 13, 4).

10.2 A obscura precisão segundo a qual “o exercício da autoridade política” tanto no nível das “comunidades” como no do Estado, “deve desdobrar-se nos limites da ordem moral, em vista do bem comum (mas concebido de uma maneira dinâmica) etc”. (GS 74).

Precisão obscura porque não se diz de que “ordem moral” se trata e não se compreende o que significa exatamente um bem comum “concebido de uma maneira dinâmica”. O que quer que seja, esse dinamismo tão desejado tem como pano de fundo o mito do progresso, do crescimento, da expansão da atividade humana no universo (cf. § 6), em resumo os valores do Século e não os valores católicos. 

10.3 Um tipo de individuo ideal (que a “comunidade política” assim concebida deve “formar”), que não tem nada de católico já que se trata de um “homem cultivado (excultum), pacifico, benevolente em relação a todos, para a vantagem de toda família humana” (GS 74). Comparemos esse retrato com o retrato do perfeito franco-maçom tal como aparece em uma das numerosas Constituições da Ordem: “O maçom é um sudito pacifico dos poderes civis, onde reside ou onde trabalha e não deve nunca se misturar a complôs ou conspirações contrárias à paz publica ou ao bem das nações, nem desobedecer a seus superiores” (Grande Loja das Sete Províncias Unidas dos Paises Baixos, S’Gravenhage, 1761, em anexo a B. Fay, A Franco-maçonaria e a revolução intelectual do século XVIII. Gaudium et Spes, no artigo 43, convida os cristãos a se comportarem como “cidadãos do mundo”; cf. §17.5).

10.4 Uma definição de amor pela pátria que vai mais no sentido do humanitarismo e da fraternidade maçônicas do que no sentido da tradição católica: “que os cidadãos cultivem com magnanimidade e lealdade o amor da pátria, mas sem estreiteza de espírito, quer dizer, de tal maneira que ao mesmo tempo levem sempre em consideração o bem de toda a família humana que reúne raças, povos e nações unidos por toda sorte de laços (bonum totius familiae humanae quae varis nexibus inter stirpes, gentes ac nationes coniungitur) (GS 75)”. A tradição católica nunca viu na “família humana” um valor superior àquele que é inerente às sociedades e às nações cristãs, que deviam ao contrario serem defendidas – às vezes militarmente – contra o assalto do mundo hostil a Cristo (por exemplo no caso da expansão islâmica na Europa).

10.5 Um tipo ideal do político (aquele que exerce a “arte política”) que não tem, tão pouco, nada de católico, já que reproduz o estereotipo do político democrata, então (e hoje) corrente: “Eles [os políticos] lutarão com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o absolutismo e a intolerância, sejam de um homem ou de um partido político; e eles se devotarão ao bem de todos com sinceridade e retidão, bem mais, com o amor e a coragem requeridos pela vida política” (GS 75).

Este é um retrato retórico e xaroposo, genérico, banal no qual falta em todo caso a qualidade fundamental própria de toda figura de homem de estado católico, tal como deveria estar no espírito de um concilio ecumênico: o compromisso para a defesa e a afirmação da religião católica e da moral ensinada por ela.

10.6 A idéia de que a independência da “comunidade política” é tal que exclui toda subordinação mesmo indireta em relação à Igreja. Se é justo lembrar, de maneira geral, que “no terreno que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes uma da outra e autônomas” (GS 76), porque, do ponto de vista da organização, são estruturas independentes (cfImortale Dei,DZ 1866/3168), é falso ao contrario afirmar que elas  têm em comum o fato de estarem “a serviço” de uma genérica “vocação pessoal e social dos proprios homens”, o que deve conduzi-los à procura de “uma cooperação sã, levando em conta circunstancias de tempo e de lugar” (GS 76), o que vale dizer, segundo um simples critério de oportunidade.

Esta doutrina contradiz todo o ensinamento anterior, o qual sempre afirmou a primazia da Igreja, enquanto societas perfecta, sobre a sociedade civil ou sobre a dita “comunidade política” e, pois, sua potestas indirecta sobre esta ultima (cf. § 2.9); primazia justificada, no que concerne ao fim, pela necessária subordinação do bem comum temporal, para o qual tende a “comunidade política”, ao bem supremo para o qual tende a Igreja. Mas o fim que o Vaticano II atribui à Igreja é na realidade, já o vimos, um fim terrestre; assim seu fim não é diferente do fim da “comunidade política”, como aparece em GS 76, onde se repete, citando Lúmen Gentium 13, que o “dever” da Igreja “é favorecer e elevar tudo o que se encontra de verdadeiro, de bom, de belo na comunidade humana” (cf. seção 6).

A “colaboração sã” da “comunidade política” com a Igreja Católica não pode ser deixada ao sabor das circunstancias de fato, nem em função dos ditos “valores humanos”. Ao contrario, é preciso reafirmar que esta “colaboração” é um dever para os Estados, porque estes têm a obrigação de defender a única verdadeira religião revelada e de realizar o Reino social do Cristo, imprimindo no bem comum a marca dos valores católicos. É preciso também lembrar que a falsa doutrina de independência e de separação da “comunidade política” e da Igreja já foi condenada por Pio IX na proposição 55 do Syllabus, assim como por São Pio X na encíclica Pascendi contra o modernismo.

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