Skip to content

6 - Erros concernentes ao Reino de Deus.

6.0. Alteração da tradicional noção da “dilatação” ou “crescimento” do Reino de Deus sobre a Terra pela Igreja visível.

Efetivamente, essa “dilatação ou extensão” é confiada ao “povo de Deus, que é a Igreja”, a qual, “introduzindo (inducens) esse Reino, não diminui em nada o bem temporal (bonum temporale) dos povos, quaisquer que sejam; ao contrário, favorece e assume (fovet et assumit), na medida em que estas coisas são boas, os talentos, as riquezas, os costumes dos povos (facultates et copias moresque populorum) e assumindo-as, purifica-as, fortifica-as e as eleva” (LG 13). 

Aqui se introduz um elemento estranho, representado pelo “bem temporal dos povos” como parte integrante (elevada e purificada) do “povo de Deus” e, portanto, do Reino de Deus que se realiza na terra; noção ambígua e inadmissível, pois esse “bem temporal” é constituído não só pelos “costumes”, mas também pelas “riquezas” e pelos “recursos”, quer dizer, pelos bens materiais de um povo. Os bens materiais, elevados e purificados (?), também fariam, portanto, parte do Reino de Deus que se realiza na terra; conceito absurdo, que exprime uma visão naturalista do Reino de Deus, totalmente contrária ao depósito da fé.

6.1. Conseqüência: a inconcebível visão coletivista do próprio Reino.

Efetivamente, decorre de LG 13 que a individualidade coletiva de cada povo, com seu (ambíguo) “bem temporal”, faz parte enquanto tal, como um valor em si, do “povo de Deus” (da Igreja), de tal modo que ela se encontra “introduzida” no Reino que se realiza nesse mundo.

6.2. A contribuição mal compreendida dos fieis leigos à “dilatação” do Reino de Deus na terra “afim de que o mundo seja impregnado (imbuatur) do espírito do Cristo” (notar o vago “impregnado”, bem longe da idéia de conversão). 

Essa contribuição, com efeito, é compreendida inevitavelmente e erradamente como uma contribuição a um progresso antes de tudo material, à maneira da cultura leiga ou “civil”, que deve, por sua vez, fazer avançar no mundo inteiro a liberdade humana e cristã: “Por sua competência... e por sua ação... devem com todas as suas forças contribuir para a valorização dos bens criados (bona creata)... e isto graças ao trabalho humano, à técnica e à obra civilizacional (arte technica, civilique cultura), para a utilidade de todos os homens sem exceção. Eles trabalharão também para repartir mais eqüitativamente esses bens entre os homens e fazer servir esses mesmos bens para o progresso universal, na liberdade humana e cristã” (LG 36). Ao naturalismo apontado no § 6.0. vem se misturar aqui outro elemento estranho representado pelo mito leigo do progresso, com sua habitual exaltação do trabalho, da técnica, da cultura “civil”, do igualitarismo, da liberdade (“humana e cristã”, qualquer que seja seu significado real).

6.3. A incrível afirmação segundo a qual o Espírito Santo, que nos foi enviado pelo Cristo ressuscitado, “não suscita apenas [em nós] o desejo do século futuro, mas, por isso mesmo (sed eo ipso) anima também, purifica e fortifica “nossa aspiração” a tornar nossa vida mais humana e submeter a este fim a terra inteira” (Gaudium et Spes 38).

O texto parece querer dizer que pelo próprio fato de nos inspirar o desejo da glória futura, o Espírito Santo nos inspira também desejos de felicidade terrestre, evocados pela expressão “tornar nossa vida mais humana”.

6.4. A afirmação incompreensível segundo a qual “o Mistério pascal eleva à sua perfeição a atividade humana”.

Efetivamente a Santa Eucaristia é definida como “este sacramento da fé, na qual os elementos da natureza cultivados pelo homem (naturae elementa, ab hominibus exculta), são mudados (convertuntur) no Corpo e no Sangue glorioso do Cristo, em uma refeição (coena) de comunhão fraterna que é uma antecipação do banquete celeste” (GS 38). Segundo seu estilo habitual, o Vaticano II não nomeia a transubstanciação e introduz uma concepção protestante da Santa Missa.

Mas de que modo, segundo o texto conciliar, o “mistério pascal” eleva à sua perfeição a atividade humana? Graças ao fato de que isso que é “mudado” em Corpo e Sangue Glorioso, são “elementos naturais cultivados pelo homem”! Cultivando a terra, a atividade do homem produz o pão e o vinho, que são depois “mudados” em Corpo e Sangue, etc. Uma tal contribuição só pode tornar perfeita a atividade do homem!

É de se ficar estupefato com um raciocínio desse gênero, que parece mesmo ridículo. Quando o Magistério alguma vez disse tais coisas? Quando alguma vez procurou estabelecer relações tão injustificadas? Essas relações, contudo, visam um fim preciso: insinuar a falsa idéia de uma participação, qualquer que seja, da atividade do homem na conversio (mais exatamente transubstantiatio) do Pão e do Vinho no Corpo e no Sangue de Cristo pelo padre. Essa idéia se encontra igualmente na “liturgia eucarística” da Missa do Novus Ordo: “Tu és bendito, Senhor, Deus do universo: de tua bondade recebemos este pão, fruto da terra e do trabalho dos homens: que nós te apresentamos para que ele se torne para nós alimento de vida eterna”.]

6.5. O funesto artigo 39 de Gaudium et Spes que, na conclusão do capítulo III, consagrado à “atividade humana no universo” (GS 33-39), propõe em aparência a visão final tradicional sobre a “nova terra” e os “novos céus”.

Na realidade, assistimos à perversão final da concepção do Reino de Deus ensinada pela Igreja. Há aqui, de fato, um esboço da idéia de uma salvação coletiva da humanidade e mesmo “de toda essa criação que Deus fez para o homem”, alterando Rm. 8,21 e lhe fazendo dizer, graças a um acréscimo, que obterão igualmente a salvação eterna “todas essas criaturas”, que Deus criou “propter hominem”, para servir ao homem. Introduziu-se assim a idéia anormal, nunca antes ensinada, de que todas as criaturas entrarão indistintamente no Reino, mesmo essas destinadas ao serviço e à utilidade do homem como os animais!

Imediatamente depois, o artigo afirma que a “nova terra” já está figurada na “terra presente”, já que “aqui cresceu o corpo da nova família humana, que já oferece algum esboço do século futuro”. Nota-se, portanto, que a prefiguração do Reino não é dada pela Igreja militante, o que é o ensinamento ortodoxo, mas pelo “crescimento” do “corpo da nova humanidade”: a prefiguração é dada pela humanidade em crescimento, graças ao progresso universal, à fraternidade universal, à liberdade “humana e cristã” etc. (LG 13, 36; GS 30, 34, 38 cit.). O Reino de Deus, que se realiza parcialmente neste mundo, não é mais constituído pela Igreja, mas pela Humanidade! A Humanidade (“nova”) é o sujeito que realiza o Reino e que lá entrará em bloco um dia. E efetivamente — conclui o artigo 39 — nós lá encontraremos, transfigurados e purificados, os “bens” e os “frutos” que “propagamos sobre a terra segundo o mandamento do Senhor e no seu Espírito”; bens, no entanto, profanos tais como a “dignidade do homem, a comunhão fraterna e a liberdade”, e “todos esses excelentes frutos de nossa natureza e de nossa indústria” (GS 39 cit.). Os “bens” e os “frutos” realizados por nossa “indústria” terrestre, sem excluir os “bons frutos da natureza”: visão naturalista, milenarista, que lembra a religião da Humanidade, completamente estranha ao Catolicismo, em nítida antítese com a realidade exclusivamente sobrenatural do Reino de Deus e de sua consumação no fim dos tempos que nos foi revelada por Nosso Senhor e foi sempre mantida pela Igreja.

Nota:

GS 39 não hesita em afirmar que “o progresso terrestre” é “de grande importância para o Reino de Deus”, remetendo em nota à encíclica Quadragesimo Anno de Pio XI (AAS 23 (1931) 207), como se o valor científico suposto do “progresso terrestre” tivesse sido proclamado por esse Papa. Mas nem na página 207 citada, nem no resto da encíclica, se constata a existência de uma afirmação desse gênero.

AdaptiveThemes