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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 – Se peca quem impõe um juramento a quem perjúria.

O quarto discute–se assim. – Parece que não peca quem impõe um juramento a quem perjúria.

1. – Pois, sabe que o outro jurou verdade ou falsidade. Se sabe que jurou verdade, de nada vale impor–lhe um juramento; mas, se crê que jurou falso, indú–lo, com o seu ato, a pecar. Logo, parece que de nenhum modo deve alguém impor juramento a outrem.

2. Demais. – É menos receber o juramento de outrem que impor–lho. Ora, recebermos juramento de outrem não parece lícito; e sobretudo 5e esse outrem perjúria, porque então consentimos num pecado mortal. Logo, parece que, com maioria de razão, não é lícito exigir juramento de quem perjúria.

3. Demais. – A Escritura diz: Se pecar uma pessoa, enquanto ouvindo a alguém jurar, e for testemunha, ou porque ele mesmo viu ou é sabedor, se o não denunciar, incorrerá na sua iniquidade. Por onde se vê, que quem sabe que outrem jura falso está obrigado a acusá–lo. Logo, não pode exigir dele juramento.

4. Demais. – Assim como peca quem jura falso, assim, quem jura pelos falsos deuses. Ora, é lícito aceitar o juramento de quem jura falso pelos falsos deuses, como diz Agostinho. Logo, é lícito exigir o juramento de quem jura falso.

SOLUÇÃO. – Devemos distinguir, nesta questão de quem exige juramento de outrem. Pois, ou exige o juramento por si mesmo, por iniciativa própria; ou exige em nome de terceiro, por força de um dever que lhe é imposto. Mas, se quem exige o juramento por sua própria autoridade é pessoa privada, há a distinguir, como ensina Agostinho quando diz o seguinte: Quando não sabemos que vai jurar falso aquele a quem dizemos ­ jura–me – para lhe crermos na palavra, então não cometemos pecado; contudo, damos lugar à tentação humana, porque o nosso pedido procede de uma certa fraqueza, que nos faz duvidar da verdade do que outro nos vai dizer. E esse é aquele mal do que diz o Senhor: Tudo o que daqui passa procede do mal. Mas se sabe que fez (o contrário do que jura) e o obriga a jurar, é homicida. Pois, aquele deu–se a morte pelo seu perjúrio; mas, este lhe empurrou a mão.

Porém, quem exige o juramento na qualidade de pessoa pública, conforme às prescrições da ordem jurídica, a pedido de outrem, não incorre em nenhuma culpa, assim procedendo, quer saiba que o juramento afirma a falsidade, quer a verdade. Porque então não o exige por si mesmo, mas em nome de quem lhe pediu que o fizesse.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção procede quando alguém exige o juramento em seu próprio nome e contudo nem sempre sabe que quem jura diz verdade ou falsidade, Mas, às vezes, duvida do fato e crê que quem jura dirá a verdade; e então, para maior certeza, exige o juramento.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, embora tivesse sido dito que não juremos, contudo, não me lembro de jamais ter lido na Escritura Santa que ela determinou que nunca recebêssemos juramento de outrem. Portanto, quem recebe um juramento não peca; salvo se por iniciativa própria obriga a jurar quem sabe que jurará falso.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, Moisés não determinou, no lugar citado, a quem devemos denunciar o perjúrio de outrem. Por onde se entende, que deve sê–lo aos que puderem antes favorecê–lo do que prejudicá–lo. Também não determinou a ordem em que deve ser denunciado. Portanto, parece que se deve observar a ordem evangélica, se o pecado de perjúrio for oculto; e sobretudo quando não redundar em detrimento de outrem, porque em tal caso não haveria lugar para a ordem evangélica, como dissemos.

RESPOSTA À QUARTA. – É lícito tirar o bem do mal, como o faz Deus; mas não o é induzir alguém ao mal. Por onde, é lícito receber o juramento de quem está pronto a jurar pelos falsos deuses; mas não é lícito induzi–lo a jurar por tais deuses. Mas é diferente o caso de quem jura falso invocando o verdadeiro Deus; porque a tal juramento falta a boa fé, em que se funda quem jura com invocação dos falsos deuses, como diz Agostinho. Por onde, quem jura falso pelo verdadeiro Deus, faz um 1uramento que não encerra nenhum bem de que se possa licitamente usar.

Art. 3 – Se todo perjúrio é pecado mortal.

O terceiro discute–se assim. – Parece que nem todo perjúrio é pecado mortal.

1. – Pois, diz um cânone: A questão de saber se ficam livres do vínculo do sacramento os que o contrariam involuntariamente, para salvar a vida e bens, outra coisa não decidimos senão o que, como já se sabe resolveram os Romanos Pontífices, nossos antecessores, que absolveram esses tais dos laços do juramento. Dentais, para que se proceda com. maior discernimento e desapareço a matéria de perjúrio, não se lhes diga expressamente que não observem o juramento; mas que, se não os observarem, nem por isso devem ser punidos como réus de pecado mortal. Logo, nem todo perjúrio é pecado mortal.

2. Demais. – Como diz Crisóstomo, mais vale jurar por Deus do que pelo Evangelho. Ora, nem sempre peca mortalmente quem jura falso, por Deus; como quem, por exemplo, o faz por brincadeira ou por um dito inadvertido. conversando com outros. Logo, quem quebrar o juramento .solene, feito com invocação do Evangelho, nem sempre comete pecado mortal.

3. Demais. – Pelo direito, quem perjura incorre em infâmia. Ora, parece que nela não se incorre por causa de qualquer perjúrio; é o que se dá, por exemplo, com quem viola, perjurando, o juramento assertório. Logo, parece que nem todo perjúrio é pecado mortal.

Mas, em contrário. – Todo pecado que contraria um preceito divino é mortal. Ora, o perjúrio contraria o preceito divino seguinte, que está na Escritura: Não jurarás falso em meu nome. Logo, é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Segundo a doutrina do Filósofo, o que é tal por si mesmo é mais tal que o que o é, por um outro. Ora, como vemos, atos que em si mesmos são pecados veniais ou mesmo genericamente bons, vêm a ser pecados mortais quando praticados por desprezo de Deus. Portanto, com maioria ele razão, todo ato que por natureza implica desprezo de Deus é pecado mortal. Ora, o perjúrio, por natureza implica desprezo de Deus; pois, por faltar à reverência a ele devida é que constitui um ato culposo. Logo, é claro que o perjúrio é por natureza pecado mortal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Como se disse, a coação não priva o juramento promissória da sua força obrigatória, quando ele recai sobre um ato que pode ser licitamente praticado. Logo, quem não cumpre o que jurou, embora coagido, incorre em perjúrio e peca mortalmente. Mas pode, por autoridade do Sumo Pontífice, ser absolvido da obrigação imposta pelo juramento, sobretudo se o temor, resultando da coação, era tal a ponto de influir mesmo no ânimo de um homem resoluto, E a disposição pela qual esses tais não devem ser punidos como réus dignos de pena de pecado mortal não significa que não tenham pecado mortalmente, mas que lhes é infligida pena menor.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem perjura por brincadeira não deixa de faltar com o respeito a Deus; antes, de certo modo, aumenta a gravidade desta falta. Logo, não se livra do pecado mortal. Mas, quem jura falso por falar sem advertência se tiver consciência que jura, e falsamente, não fica isento de pecado mortal nem da falta de desprezar a Deus. Mas, se de tal não tiver consciência, não tem nesse caso intenção de jurar e portanto, está isento do crime de perjúrio. Mas, jurar solenemente pelo Evangelho é pecado mais grave que jurar por Deus, perante outros; quer por causa do escândalo, quer pela maior deliberação que esse ato implica. Mas, em igualdade de circunstâncias, peca mais gravemente quem perjura jurando por Deus, que jurando pelo Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Não é a prática de qualquer pecado mortal que, por força do direito, torna o pecador infame. Pelo fato pois de o perjúrio, cometido num juramento assertório, não levar o seu autor a incorrer em infâmia, em que incorre, não pela só força do direito, mas somente por uma sentença pronunciada judicialmente contra ele, não se pode concluir que o perjúrio não seja pecado mortal. Portanto, reputa–se infame, com maior razão, por força mesmo do direito, quem quebra um juramento promissório solenemente feito, porque tem o poder de, depois de ter jurado, cumprir o que jurou; o que não se dá no juramento assertório.

Art. 2 – Se todo perjúrio é pecado.

O segundo discute–se assim. – Parece que nem todo perjúrio é pecado.

1. – Pois, quem não cumpre o que confirmou, sob juramento parece que é perjuro. Ora, às vezes juramos praticar um ato ilícito, por exemplo, um adultério ou um homicídio, que será pecado. Mas, se, mesmo se não o praticássemos, pecássemos por perjúrio, ficaríamos sem saber como agir.

2. Demais. – Ninguém peca agindo do melhor modo possível. Ora, às vezes, perjurando, agimos do melhor modo possível, como é o caso de quem jurou não haver de entrar em nenhuma religião, ou não fazer nenhuma obra virtuosa. Logo, nem todo perjúrio é pecado.

3. Demais. – Quem jura fazer a vontade de outrem incorre em perjúrio se não a fizer. Ora, pode às vezes acontecer que não peca, não lhe cumprindo a vontade; por exemplo, se lhe impuseram causas duras e Insuportáveis. Logo, parece que nem todo perjúrio é pecado.

4. Demais. – O juramento promissório recai sobre atos futuros, como o assertório, sobre passados e presentes. Mas, pode acontecer que um fato emergente futuro elimine a obrigação assumida pelo juramento. Tal o caso de cidadãos que juram fazer uma certa coisa e depois são sucedidos por novos, que tal não juraram. Ou de um cônego que jura observar as prescrições de uma certa, e depois fazem–se outras novas. Logo, parece que quem transgride o juramento não peca.

Mas, em contrário, Agostinho, falando do perjúrio: Vedes quão detestável é este monstro e como deve ser exterminado do meio dos homens.

SOLUÇÃO. – Como se disse jurar é invocar a Deus como testemunha. Ora, é falta de reverência para com ele, invocá–lo como testemunha de uma falsidade. Porque com isso significamos ou que Deus não conhece a verdade ou que quer testificar a falsidade. Portanto, o perjúrio é manifestamente contrário à religião, que manda prestar reverência a Deus.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem jura praticar um ato ilícito incorre, jurando, em perjúrio, por falta de justiça. Mas, não cumprindo o que jurou, não comete perjúrio, porque esse ato não podia ser de natureza a constituir matéria de juramento.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem jura não haver de entrar em religião, não dar esmola, ou coisa semelhante, incorre, jurando, em perjúrio, por falta de juízo. Por isso não há perjúrio, mas antes, um ato contrário a ele, quando age do melhor modo possível; pois, o contrário do que faz não poderia constituir matéria de juramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem jura ou promete fazer a vontade de outrem subentende a condição devida, a saber: se o que lhe é mandado for lícito, honesto, suportável e moderado.

RESPOSTA À QUARTA. – Sendo o juramento um ato pessoal, quem começa a ser cidadão de um país não está obrigado, como por juramento, a observar o que a cidade jurou observar. Contudo, está obrigado a uma certa fidelidade que lhe impõe a participação nos ônus da cidade, desde que lhe aproveita dos bens. – Quanto ao cônego que jurou observar as disposições estabelecidas por uma colegial, não está obrigado a obedecer por juramento as disposições futuras, salvo, se entender obrigar–se a todas as passadas e futuras. Está obrigado, porém, a observar, por força mesmo do que foi estabelecido, as que tem força coativa, como do sobredito resulta.

Art. 1 – Se o perjúrio supõe a falsidade do que é confirmado sob juramento.

O primeiro discute–se assim. Parece que o perjúrio não supõe a falsidade do firmado sob juramento.

1. – Pois, segundo se disse, como a verdade, também o juízo e a justiça devem acompanhar o juramento. Portanto, assim como perjura quem falta com a verdade, assim também quem falta com o juízo, por exemplo, jurando sem discernimento; e com a justiça, por exemplo, jurando praticar atos ilícitos.

2. Demais. – O que confirma prepondera sobre o confirmado; assim, no silogismo, os princípios preponderam sobre a conclusão. Ora, no juramento, confirmamos as nossas palavras com a invocação do nome de Deus. Logo, há perjúrio, antes, quando se jura pelos falsos deuses que quando falta a verdade nas palavras de quem as confirma sob juramento.

3. Demais. – Agostinho diz: Jura falso quem engana ou é enganado. E dá três exemplos. O primeiro é: Jurar que é verdade o que se tem como tal. O segundo: Conhecer uma falsidade e jurar que o é. O terceiro: Jurar que é falso o que se tem como verdadeiro e que talvez o seja; e isto, acrescenta, é perjurar. Logo, quem jura a verdade pode ser perjuro. Logo, o perjúrio não supõe a falsidade.

Mas, em contrário, o perjúrio é definido: a mentira confirmada sob juramento.

SOLUÇÃO. – Como se disse os atos morais se especificam pelo fim. Ora, o fim do juramento é confirmar o que dizemos, opondo–se a essa confirmação a falsidade. Pois, é confirmado um dito que se prova indubitavelmente ser verdadeiro; e isso não pode se dar com o que é falso. Portanto, a falsidade se opõe diretamente ao fim do juramento. Por onde, a perversão do juramento é especificada, sobretudo pela falsidade, e é chamada perjúrio. Logo, a falsidade é da essência do perjúrio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Jerônimo, há perjúrio sempre que faltarem as três condições assinaladas. Mas, não na mesma ordem. Senão que, primária e principalmente, a verdade, pela razão já dita. Secundariamente, a justiça; pois, quem jura fazer causas ilícitas por isso mesmo afirma a falsidade, porque está obrigado a fazer o contrário. Em terceiro lugar, ajuízo; porque quem jura sem discernimento, por isso mesmo incorre no perigo de afirmar uma falsidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os princípios, no silogismo, são preponderantes, por terem natureza de principio ativo, como diz Aristóteles. Mas, na ordem moral, o fim tem preponderância sobre esse principio. E, portanto, embora haja perversão de juramento quando se jura a verdade em nome de deuses falsos, contudo, a esse juramento pervertido, por falsidade, não se dá o nome de perjúrio, que contraria o fim do juramento, por jurar falso.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os atos morais procedem da vontade, cujo objeto é o bem apreendido. Portanto, o falso, apreendido como verdadeiro, será referido à vontade, materialmente falso, mas, verdadeiro formalmente. Porém, o falso, considerado como tal, falso será material e formalmente. Ao passo que o verdadeiro, apreendido como falso, será verdadeiro materialmente e falso formalmente. Por onde, em qualquer desses casos há perjúrio, por natureza, por haver, de certo modo, falsidade. Mas, como em cada caso, o elemento formal tem preponderância sobre o material, não é perjuro quem jura como falso o que possa ser verdadeiro, como o é quem jura ser verdadeiro o que pensa ser falso. Pois, diz Agostinho no mesmo lugar: Importa saber como a palavra procede do coração, porque só a mente corrompida torna corrompida a língua.

Art. 4 – Se tentar a Deus é mais grave pecado que a superstição.

O quarto discute–se assim. – Parece que tentar a Deus é mais grave pecado que a superstição.

1. – Pois, a maior pecado é infligida maior pena. Ora, entre os Judeus, o pecado de tentar a Deus era punido mais gravemente do que o de idolatria, a principal, entretanto, das superstições. Pois, por pecado de idolatria, foram mortos vinte e três mil deles; ao passo que, pelo doe tentação, absolutamente todos pereceram no deserto, sem entrarem na terra da promissão, conforme aquilo da Escritura: Tentaram–me vossos pais; e em seguida acrescenta: Jurei–lhes na minha ira, não entrarão no meu repouso. Logo, tentar a Deus é pecado mais grave do que a superstição.

2. Demais. – Tanto mais grave é um pecado quanto mais se opõe à virtude. Ora, a irreligiosidade, de que a tentação feita a Deus é uma espécie, mais se opõe à virtude de religião que a superstição, que tem alguma semelhança com ela. Logo, tentar a Deus é mais grave pecado que a superstição.

3. Demais, – Parece maior pecado faltar à reverência para com os pais, do que prestar a outrem a devida a eles. Ora, devemos honrar a Deus como ao Pai de todos, no dizer da Escritura. Logo, parece maior pecado tentar a Deus, faltando à reverência para com ele, do que a idolatria, que nos faz prestar à criatura a reverência, devida a Deus.

Mas, em contrário, aquilo da Escritura ­ Quando forem achados na tua cidade – diz a Glosa: a Lei aborrece sobretudo o erro e a idolatria; pois, o maior crime é honrar a criatura como se fosse Deus.

SOLUÇÃO. – Os pecados opostos à religião são tanto mais graves quanto mais se opõem à reverência devida a Deus. À qual se opõe menos quem duvida da divina excelência do que quem pensa o contrário, com certeza. Pois, assim como mais infiel é o confirmado no erro do que aquele que duvida da verdade da fé, assim também mais se opõe à reverência devida a Deus quem por atos profere um erro contra a excelência divina, do que quem professa apenas uma dúvida. Ora, o supersticioso professa um erro, como do sobredito resulta. Ao passo que quem tenta a Deus por palavras ou por obras, professa dúvida sobre a excelência divina, como se disse. Logo, pecado mais grave é o de superstição que o de tentação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O pecado de idolatria não foi punido por essa pena, suficientemente; mas, depois maior pena se lhe reservou. Pois, diz a Escritura: Eu porem no dia da vingança visitarei também este pecado deles.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A superstição se assemelha à religião quanto ao ato material, que pratica como a religião. Mas, pelo seu fim mais a contraria do que a tentação feita a Deus, porque peca mais por irreverência contra ele, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Essencialmente a excelência divina é singular e incomunicável. Por onde, o mesmo é praticar um ato que a ofende e prestá–lo a outro ser que não Deus. Mas o mesmo não se dá com a honra devida aos pais, que pode sem pecado ser prestada a outrem.

Art. 3 – Se o tentar a Deus se opõe à virtude da religião.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o tentar a Deus não se opõe à virtude de religião.

1. – Pois, tentar a Deus é, por natureza, pecado, porque implica em duvidar dele, como se disse. Ora, duvidar de Deus é pecado de infidelidade, oposto à fé. Logo, tentar a Deus se opõe mais a fé do que à religião.

2. Demais. – A Escritura diz: Prepara a tua alma antes da oração e não sejas como um homem que tenta a Deus. O que comenta a Glosa: quem, isto é, o que tenta a Deus, pede o que Deus manda lhe pedir, mas não faz o que ele manda. Ora, isto é pecado de presunção, oposto à esperança. Logo, parece que tentar a Deus é pecado oposto à esperança.

3. Demais. – Aquilo da Escritura: E tentaram a Deus nos seus corações – diz a Glosa: Tentar a Deus é pedir dolosamente ter simplicidade na boca e malicia no coração. Ora, o dolo se opõe à virtude da verdade. Logo, tentar a Deus não e opõe à religião, mas à verdade.

Mas, em contrário, como resulta da Glosa supra–referida, tentar a Deus é pedir desordenadamente. Ora pedir do modo devido é ato de religião, como se estabeleceu. Logo, tentar a Deus é pecado oposto à religião.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito se colhe, o fim da religião é prestar reverência a Deus. Portanto, tudo o que vai diretamente contra a reverência devida a Deus opõe–se à religião. Ora, é manifesto que tentar a Deus é faltar–lhe com o respeito; pois, ninguém resolve tentar aquele de cuja excelência está certo. Por onde, é claro que tentar a Deus é pecado oposto à religião.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como se disse, a religião consiste em protestarmos a nossa fé em Deus, manifestando–lhe a nossa reverência. Portanto, a irreligião consiste em praticarmos, com fé vacilante, atos que faltam ao respeito devido a Deus; e tal é tentá–lo, Logo, é uma espécie de irreligião.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem, antes da oração, não prepara a sua alma, perdoando o que porventura tenha contra alguém, ou dispondo–se de outro modo para a devoção, não faz o que está em si para Deus ouvi–lo. E, portanto tenta a Deus como que interpretativamente. E embora essa tentação interpretativa seja considerada como resultante da presunção ou da indiscrição, contudo, já o fato mesmo de comportar–se para com Deus presunçosamente e sem a diligência devida, implica em faltar–lhe com a reverência. Pois, diz a Escritura: Humilhai–vos debaixo da poderosa mão de Deus, e noutro lugar: Cuida muito em te apresentares a Deus digno de aprovação. Por onde, esse modo de tentar é uma espécie de irreligiosidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A Deus, que conhece o fundo dos corações, não podemos pedir nada dolosamente; mas aos homens, sim. Por isso, é doloso, por acidente, quem tenta a Deus. Portanto, não pode a tentação feita a Deus opor–se diretamente à verdade.

Art. 2 – Se tentar a Deus é pecado.

O segundo discute–se assim. – Parece que tentar a Deus não é pecado.

1. – Pois, Deus não manda nenhum pecado. Ora, mandou que os homens o provassem, o que é tentá–lo. Assim, o Evangelho diz: Levai todos os vossos dízimos ao meu celeiro e haja mantimento na minha casa e depois disto fazei prova de mim, diz o Senhor, se não vos abrir eu as cataratas do céu. Logo, parece que tentar a Deus não é pecado.

2. Demais. – Assim como tentamos a outrem para lhe experimentar a ciência ou o poder, assim também podemos fazê–lo para lhe experimentar a bondade ou à vontade. Ora, é–nos lícito experimentar a bondade ou mesmo a vontade divina, conforme à Escritura: Gostai e vede quão suave é o Senhor. E noutro lugar: Para que experimenteis qual é a vontade de Deus, boa, agradável e perfeita. Logo, tentar a Deus não é pecado.

3. Demais. – A Escritura não repreende ninguém por deixar de pecar, mas sim, por cometer pecado. Assim, repreende Acáz, que às palavras do Senhor – Pedi para ti ao Senhor Deus algum sinal – respondeu: – Não pedirei tal nem tentarei ao Senhor. E foi–lhe dito: Por ventura não vos basta ser molestos aos homens, senão que tendes ainda ânimo de também no serdes a meu Deus? E lemos que Abraão disse ao Senhor: Por onde poderei eu conhecer que a hei de possuir? isto é, a terra prometida por Deus. Semelhantemente, também Gedeão pediu um sinal a Deus sobre a vitória prometida; E, contudo não foram repreendidos por isso. Logo, tentar a Deus não é pecado.  

Mas, em contrário, a lei de Deus proíbe fazê–lo, quando determina: Não tentarás ao Senhor teu Deus.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, tentar é fazer uma experiência. Ora, ninguém experimenta aquilo de que está certo. Portanto, toda tentação se funda nalguma ignorância ou dúvida, ou de quem tenta, como quando experimentamos uma coisa para lhe conhecer a qualidade; ou dos outros, como quando experimentamos alguém para que eles o conheçam; e nesse sentido dizemos que Deus nos tenta. Ora, ignorar ou duvidar das perfeições de Deus é pecado. Por onde é manifesto que tentar a Deus para lhe conhecer a virtude é pecado. Mas, experimentar as perfeições de Deus, não para conhece–las, mas para revelá–las aos outros, isso não é tentá–lo, pois se funda numa justa necessidade ou nalguma pia utilidade ou em outras condições que devem concorrer para tal. Assim os Apóstolos pediram ao Senhor que, em nome de Jesus Cristo, lhes desse sinais manifestativos aos infiéis ela doutrina de Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pagar os dízimos era preceito de lei, como estabelecemos. Por isso era necessário por obrigação de preceito e tinha a utilidade referida pelo texto: para que haja mantimento na minha casa. Portanto os que os pagavam não tentavam a Deus. Quanto ao que o texto acrescenta: fazei prova de mim, não devemos entendê–la em sentido causal, como se devessem pagar os dízimos para provarem se Deus lhes abriria as cataratas do céu; mas, consecutivamente, porque, se pagassem os dízimos, provariam por experiência os benefícios que Deus lhes fizesse.

RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos poderemos conhecer a bondade ou a vontade divinas. – Primeiro especulativamente e, neste caso, não é lícito duvidar nem experimentar se a vontade de Deus é boa ou se Deus é suave. – O outro conhecimento que podemos ter da vontade ou da bondade divinas é o afetivo ou experimental, quando em nós mesmos experimentamos o sabor da divina doçura e a complacência da divina vontade. Assim, de Hieroteu diz Dionísio que apreendia as coisas divinas por um sentimento de harmonia com elas. É neste sentido que o Espírito Santo nos exorta a provar a vontade de Deus e gozar–lhe a suavidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Deus queria dar um sinal ao rei Acáz, para instrução de todo o povo e não só dele. Por isso foi repreendido como obstáculo à salvação geral, por não querer pedir o sinal. Nem, se o pedisse, tentaria a Deus, quer por fazê–lo por ordem de Deus, quer porque isso consultava à utilidade geral. – Abraão pediu um sinal, por inspiração divina. Por isso não pecou. – Gedeão parece ter pedido um sinal, por tibieza de fé. Por isso não pode ser escusado de pecado, como o ensina a Glosa a esse lugar. E Zacarias pecou quando disse ao anjo: Por onde conhecerei eu a verdade dessas coisas? E foi punido por causa dessa incredulidade. Mas, convém saber que de dois modos se pode pedir um sinal a Deus. – Para conhecer o seu poder ou a verdade da sua palavra. E isto, em si mesmo, é tentar a Deus. – Ou para sabermos se um ato agrada ou não a Deus. E isto não é de nenhum modo tentá–lo.

Art. 1 – Se tentar a Deus consiste na prática de certos atos pelos quais lhe espera um efeito, só do poder divino.

O primeiro discute–se assim. – Parece que tentar a Deus não consiste na prática de certos atos pelos quais se espera um efeito, só do poder divino.

1. – Pois, assim como Deus é tentado pelo homem, assim também um homem é tentado por Deus, por outro homem e pelo demônio. Ora quando tentamos a outrem nem sempre esperamos qualquer efeito do seu poder. Logo, quem tenta a Deus também não espera qualquer efeito resultante só do seu poder.

2. Demais. – Todos os que fazem milagres invocando o nome de Deus. esperam, algum efeito só do seu poder. Se portanto, tentar a Deus consistisse na prática de tais atos, todos os que fizessem milagres tentá–lo–iam.

3. Demais. – Parece que a perfeição do homem consiste em pôr a esperança só em Deus, desprezados todos os auxílios humanos. Por isso Ambrósio, aquilo do Evangelho – Não leveis coisa alguma pelo caminho, etc. diz: Os preceitos evangélicos determinam como deve agir quem prega o reino de Deus: não pedir auxílios ao poder secular e, confiado na sua fé, pensar que tanto menos deles precisará quanto menos os buscar. E S. Ágata diz: Nunca tomei remédio para ter a saúde do corpo; o meu remédio é N. S. J. Cristo, que tudo cura só com as suas palavras. Ora, não pode tentar a Deus quem está a ocupar–se com a sua perfeição. Logo, tentar a Deus não consiste na prática desses atos em que só esperamos no seu auxílio.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Cristo, ensinando e discutindo publicamente, e contudo não permitindo que os seus raivosos inimigos lhe fizessem o menor mal, mostrava com isso o poder de Deus. Mas também, quando fugia e se ocultava, advertia–nos da nossa fraqueza, ensinando–nos a não tentar a Deus, quando temos meios ao nosso alcance para nos livrarmos do perigo. Donde se conclui, que tentar a Deus consiste em deixarmos de fazer o que podemos para nos livrar do perigo, contando só com o auxílio divino.

SOLUÇÃO. – Tentar é propriamente experimentar a quem tentamos. Ora, experimentamos alguém por palavras e por obras. Por palavras, para saber se pode ou quer fazer o que queremos. Por obras, quando pelo que fazemos exploramos a prudência de outrem, a sua vontade ou o seu poder. E ambas estas cousas podemos fazê–las de dois modos. De um modo, abertamente, quando nos confessamos tentados; assim, Sansão propôs um problema aos Filisteus para tentá–los. De outro; insidiosa e ocultamente; assim os Fariseus tentaram a Cristo, como se lê no Evangelho. Outras vezes ainda, expressamente, por exemplo, quando por um dito ou uma obra pretendemos experimentar alguém; ou interpretativamente, quando, não visando experimentá–lo, o que fazemos ou dizemos não conduz, contudo senão a esse fim.

Assim, pois, o homem tenta a Deus, ora, por palavras e ora, por obras. Por palavras conversamos com Deus nas orações. Por isso, tentamos a Deus expressamente quando lhe fazemos um pedido para lhe experimentar a ciência, o poder ou a vontade. Tentamo–lo expressamente por obras quando os nossos atos visam experimentar lhe o poder, a piedade ou a sabedoria. Mas, tentamo–lo, por assim dizer, interpretativamente quando, embora não pretendamos experimentá–lo, o que pedimos ou fazemos não serve contudo senão para provar–lhe o poder, a bondade ou a ciência. Assim, precipitar à corrida um cavalo, para fugir dos inimigos, não é experimentá–lo; mas o é, fazê–lo correr sem nenhuma utilidade e só para experimentar lhe a velocidade. E o mesmo se dá nos demais casos. Portanto, quando, por alguma necessidade ou utilidade recorremos ao auxílio divino nos nossos pedidos ou nos nossos atos, isso não é tentar a Deus. Pois, diz a Escritura: Como não sabemos o que devemos fazer, por isso não nos fica outro recurso mais que voltar para ti os nossos olhos. Mas, fazê–lo sem utilidade e necessidade, é tentar a Deus interpretativamente. Por isso, àquilo da Escritura – Não tentarás ao Senhor teu Deus – diz a Glosa: Tenta a Deus quem, podendo livrar–se do perigo, expõe–se a ele sem– razão, para experimentar se Deus o livrará.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podemos também tentar a outrem, por obras, para conhecer, por meio delas, se Ele sabe ou quer nos auxiliar, ou nos trazer obstáculos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os santos fazendo, com suas preces, milagres, são movidos a pedir a intervenção do poder divino, por alguma utilidade ou necessidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os pregadores do reino de Deus, uma grande necessidade e utilidade fá–las abandonar os socorros temporais, para vacarem mais prontamente à pregação da palavra de Deus. Por isso, confiados só em Deus, nem por isso o tentam. Mas, se abandonas sem os socorros humanos, sem utilidade nem necessidade, tentariam a Deus. Por isso diz Agostinho: Paulo fugiu, não como quem não confia em Deus; mas para não tentá–lo, deixando de fugir, quando podia fazê–lo. Quanto a Santa Ágata, ela havia experimentado em si a benevolência divina de modo a não sofrer enfermidades, para curar as quais viesse a precisar de remédios materiais; ou porque sentia o efeito imediato da cura divina.

Art. 4 – Se trazer palavras sagradas escritas e penduradas ao pescoço é ilícito.

O quarto discute–se assim. – Parece que trazer palavras sagradas escritas e penduradas ao pescoço não é ilícito.

1. – Pois, as palavras divinas não tem maior eficácia escritas do que faladas. Ora, é lícito proferir certas palavras, como as do Padre Nosso, da Ave–Maria, ou qualquer invocação do nome de Deus, para a consecução de determinados efeitos, por exemplo, para curar um doente; conforme ao dito da Escritura: Expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão as serpentes. Logo, parece lícito trazer dependuradas ao pescoço palavras sagradas escritas para remédio da saúde ou de qualquer malefício.

2. Demais. – As palavras sagradas não agem menos sobre o corpo do homem que sobre o das serpentes e dos outros animais. Ora, os encantamentos têem certa eficácia para conter aquelas ou curar a estas. Por isso diz a Escritura: O furor deles é semelhante ao da serpente, como o do áspide surdo e que fecha os seus ouvidos, que não ouvirá a voz dos encantadores nem a do mago que encanta segundo a sua arte. Logo, é lícito trazer dependuradas palavras sagradas, como remédio.

3. Demais. – A palavra de Deus não encerra menor santidade que as dos santos; por isso diz Agostinho que a palavra de Deus não é menos que o corpo de Cristo. Ora, podemos trazer dependuradas ao pescoço, ou de qualquer outro modo, as relíquias dos santos, como proteção. Logo, pela mesma razão, é nos lícito pronunciar como proteção ou trazer por escrito palavras da Sagrada Escritura.

Mas, em contrário, Crisóstomo: Certos trazem ao pescoço alguma passagem escrita do Evangelho. Ora, não se lê e não se ouve todos os dias o Evangelho na Igreja? Mas, quem nada aproveita em ouvir as palavras evangélicas como pode salvar–se com elas atadas ao pescoço? Demais, onde a virtude do Evangelho? Na forma das letras ou na inteligência do texto? Se na forma, fazemos bem em trazê–las ao pescoço penduradas. Se na compreensão, mais aproveitam gravadas no coração do que suspensas ao colo.

SOLUÇÃO. – De duas coisas devemos nos acautelar, quanto às fórmulas de encantação ou as palavras escritas suspensas no pescoço.

Primeiro, em saber que palavras se proferem ou estão escritas. Se contiverem invocações dos demônios manifestamente constituem superstição ilícita. – E também devemos nos acautelar delas, e examinar se não tem sentido. oculto, encerrando algo de ilícito. Por isso diz Crisóstomo: A exemplo dos Fariseus, que ostentavam longas fímbrias, agora muitos inventam nomes hebraicos, dão–nos aos anjos, transcrevem–nos e dependuram ao pescoço, de modo a causar desconfiança aos que não compreendem. – E também devemos cuidar que não contenham alguma falsidade. Porque então o efeito obtido não podia ser atribuído a Deus, que não é testemunha da falsidade.

Em segundo lugar, devemos cuidar não se misturem com as palavras sagradas expressões vãs; por exemplo, certos caracteres inscritos, além do sinal da cruz. Ou que a esperança não esteja fundada na modo de escrever ou de dependurar, ou em qualquer prática vã como essas, ofensivas da reverência devida a Deus. Pois, seriam consideradas supersticiosas.

Mas, de outro modo, é lícito recorrer a Deus. Por isso, uma decretal diz: Quando se empregam plantas medicinais, não é lícito acrescentar–lhes observâncias nem encantamentos, senão acompanhados de palavras divinas ou da oração Dominical, para que seja honrado somente o Criador Senhor de todas as coisas.

RESPOSTA À PRIMEIRA OOBJEÇÃO. – Proferir palavras sagradas ou invocar o nome divino, só com a intenção de reverenciar a Deus, cujo auxílio se espera, será lícito; mas será ilícito fazê–La em dependência de alguma vã observância.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não é ilícito recorrer às encantações de serpentes ou de quaisquer animais, atendendo–se só às palavras sagradas e à Virtude divina. Mas às vezes tais encantações andam de envolta com observâncias ilícitas e produzem efeito por influência do demónio. Sobretudo tratando–se das serpentes, que foram o primeiro instrumento do demônio para seduzir o homem. Por isso diz a Glosa, no mesmo lugar: Notemos que a Escritura não aprova todas as comparações de que usa; como o mostra o caso do juiz iníquo que apenas deu ouvidos à viúva do Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O mesmo se deve dizer daqueles que trazem relíquias. Não será ilícito fazê–lo por confiança em Deus e nos santos a que elas pertencem. Mas haveria superstição ilícita se se lhes acrescentasse alguma observância vã, como a de ser o vaso triangular, ou algo de semelhante, incompatível com a reverência devida a Deus e aos santos.

RESPOSTA À QUARTA. – Crisóstomo se refere ao caso de termos a intenção dirigida mais para as figuras escritas do que para a compreensão das palavras.

Art. 3 – Se as observâncias ordenadas a nos fazerem prever certos fortúnios ou infortúnios são ilícitas.

O terceiro discute–se assim. – Parece que as observâncias ordenadas a nos fazerem conhecer certos fortúnios ou infortúnios não são ilícitas.

1. – Pois, entre os infortúnios do homem estão também as suas enfermidades. Ora, estas são precedidas por certos sinais que os médicos observam. Logo, praticar essas observâncias não parece ilícito.

2. Demais. – É irracional negar aquilo que constitui a, experiência comum de todos. Ora, quase todos experimentam que certos tempos ou lugares, ou palavras ouvidas, ou encontro de homens ou de animais, ou atos insólitos ou desordenados, pressagiam de certo modo algum bem ou mal futuro. Logo, praticar essas observâncias não parece ilícito.

3. Demais. – Os atos e os acontecimentos humanos são dispostos pela providência divina segundo uma certa ordem, em virtude da qual o que precede é sinal do que se segue. Por isso, o que aconteceu aos antigos padres é sinal do que se realiza em nós, como está claro no Apóstolo. Ora, observar a ordem procedente da divina providência não é ilícito. Logo, parece que também não o é observar os referidos presságios.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Os pactos feitos com os demônios encerram mil observâncias vãs; por exemplo, se um membro saltar, se a dois amigos passeando juntos se lhes interpuser uma pedra, um cão ou uma criança; calcar o limiar quando se passa na frente da casa; voltar à cama depois de, enquanto se calça, ter espirrado; voltar à casa quando se tropeçou ao sair; quando a roupa é roída pelos ratos temer mais a suspeita de um mal futuro do que sofrer com o dano presente.

SOLUÇÃO. – Os homens praticam essas observâncias, não como causas determinadas, mas, como uns sinais dos acontecimentos futuros bons ou maus. Mas, não são praticadas como sinais dados por Deus, por não se fundarem na autoridade divina, mas provirem antes da vaidade humana com a cooperação da malícia dos demônios, que se esforçam por enredar as almas dos homens com tais causas vãs. Por onde, é manifesto que todas essas observâncias são supersticiosas e ilícitas. E parecem uns restos das observâncias idolátricas dos augúrios e dos dias faustos e infaustos. O que de certo modo pertence à adivinhação feita por meio dos astros, nos quais se fundava essa classificação dos dias. A menos que essas observâncias não escapem à razão e à arte, sendo antes, por isso, vãs e superticiosas.

DONDE.A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As causas das doenças preexistem em nós; donde, certos sinais de moléstias futuras, que os médicos podem licitamente observar. Por isso, nada haverá de ilícito em pressagiarmos acontecimentos futuros, baseando–nos na causa deles; tal o caso do escravo que teme os açoites, quando vê o senhor encolerizado. E o mesmo poderia acontecer com quem receasse que olhos fascinantes viessem a fazer mal a uma criança – do que já tratamos no Livro Primeiro. Ora, tal não é o caso das observâncias, que agora se discutem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É resultado do acaso se, a princípio, a experiência ensinou aos homens que tais observâncias contêm alguma verdade. Mas, depois, quando eles se deixam enredar o espírito por essas observâncias, os demônios se aproveitam delas para enganá–las, fazendo com que se tornem cada vez mais curiosos delas e se deixem mais e mais prender pelos múltiplos laços dos seus perniciosos erros, como diz Agostinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Não só as palavras, mas também os atos do povo Judeu, do qual Cristo havia de nascer, foram proféticos, como diz Agostinho. Por isso nos é lícito aproveitar deles, para nossa instrução, como sinais dados por Deus. Mas, nem tudo o que é feito pela divina providência se ordena a significar o futuro. Portanto, a objeção não colhe.

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