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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 – Se é lícito jurar.

O segundo discute–se assim. – Parece que não é lícito jurar.

1. – Pois, nada do que a lei divina proíbe é lícito. Ora, a Escritura proíbe o juramento. Assim, num lugar diz: Eu vos digo que absolutamente não jureis; e noutro: Antes de todas as causas, irmãos meus, não jureis. Logo, o juramento é ilícito.

2. Demais. – Parece que o proveniente de um mau princípio é ilícito; pois, o Evangelho diz: Não pode a árvore má dar bons frutos. Ora, o juramento provém de um mau princípio, conforme ainda ao Evangelho: Mas seja o vosso falar: sim, sim, não, não, porque tudo o que daqui passa procede do mal. Logo, o juramento parece ilícito.

3. Demais. – Buscar sinais comprovantes da providência divina é tentar a Deus, o que é absolutamente ilícito, segundo a Escritura: Não tentarás ao Senhor teu Deus. Ora, parece que quem jura busca um sinal comprovante da providência divina, pedindo que o testemunho divino se manifeste por algum efeito evidente. Logo, parece que o juramento é absolutamente ilícito.

Mas, em contrário, a Escritura: Temerás ao Senhor teu Deus e não jurarás senão pelo seu nome.

SOLUÇÃO. – Nada impede que uma coisa em si mesma boa redunde em mal de quem usa dela inconvenientemente. Assim, receber a Eucaristia é bom e contudo, quem a recebe indignamente come e bebe para si a condenação, como diz o Apóstolo.

Por onde à questão proposta, elevemos responder que o juramento, em si mesmo, é lícito e honesto. O que será claro a quem lhe considerar a origem e o fim. Pela origem, por se fundar na fé pela qual cremos que Deus tem a verdade infalível e o conhecimento como a providência universal de todas as coisas. Pelo fim, porque o juramento é pronunciado para nos justificar e acabar as controvérsias, como diz o Apóstolo. – Mas, o juramento redunda em mal de quem usa mal dele, isto é, sem a necessidade e a cautela devidas. Assim, manifesta pouca reverência para com Deus quem por qualquer motivo leve o invoca como testemunha, o que não faria em se tratando de qualquer homem honesto. E também corre perigo de perjúrio, porque facilmente delinquimos com as nossas palavras, segundo a Escritura: Se alguém não tropeça em qualquer palavra, este é varão perfeito. Donde o dizer ainda a mesma, noutro lugar: A tua boca não se acostume ao juramento, porque nele se dão quedas por muitos modos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Jerônimo diz: Considera que não Salvador não proibiu jurar por Deus, mas, pelo céu e pela terra. Pois, os Judeus são conhecidos como portadores desse péssimo costume de jurar pelos elementos. – Mas, esta resposta não é suficiente porque Tiago acrescenta: Nem outro qualquer juramento. – Por isso, devemos dizer com Agostinho: O Apóstolo, usando do juramento nas suas epistolas, mostra o sentido a ser dado às palavras – Eu vos digo que absolutamente não jureis. Isto é, para não cairmos, usando do juramento, no defeito de jurar facilmente a propósito de tudo; dessa facilidade, no costume; e assim, do costume, no perjúrio. Por isso, antigamente não se jurava senão por escrito, por ser a escrita mais acautelada e sem a precipitação da língua.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz Agostinho: Se fores obrigado a jurar, sabe que essa necessidade vem da fraqueza daqueles a que queres persuadir, cuja fraqueza é um mal. Por isso o Senhor não disse – Tudo o que daqui passa é mau. Pois, não fazes mal, fazendo um bom uso do juramento para persuadir o que é útil persuadir. Mas o Senhor disse: procede do mal daquele cuja fraqueza te obriga a jurar.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem jura não tenta a Deus, porque não implora o auxílio divino sem utilidade e necessidade; e além disso não se expõe a nenhum perigo se Deus não quiser nesse momento dar o seu testemunho. Mas, dá–lo–á certamente no futuro, quando puser às claras o que se acha escondido nas mais profundas trevas e descobrir ainda o que há de mais secreto nos corações, como diz o Apóstolo. E esse testemunho não faltará a todo o que jurar, quer para favorecê–lo, quer para contrariá–lo.

Art. 1 – Se jurar é invocar a Deus como testemunha.

O primeiro discute–se assim. – Parece que jurar não é invocar a Deus como testemunha.

1. – Pois, quem cita a autoridade da Sagrada Escritura, cita a Deus como testemunha, cujas palavras nela estão escritas. Ora, se jurar é invocar o testemunho de Deus, todo aquele que citasse a autoridade da Sagrada Escritura juraria. O que é falso. Logo, também o é a primeira suposição.

2. Demais. – Citar alguém como testemunha não implica em lhe dar nada. Ora, quem jura por Deus dá–lhe alguma coisa, como diz o Evangelho: Cumprirás ao Senhor os teus juramentos, e Agostinho diz, que jurar é dar a Deus direito à verdade. Logo, jurar não é invocar a Deus como testemunha.

3. Demais. – Uma é a obrigação do juiz e outra, a da testemunha, como do sobredito resulta. Ora, às vezes, jurando, imploramos o juízo divino, como no caso de que fala a Escritura: Se paguei com mal aos que m'o faziam, caia e com razão debaixo dos meus inimigos. Logo, jurar não é invocar a Deus como testemunha.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Dizer – por Deus – que é senão dizer – tu és testemunha, ó Deus?

Solução. – Conforme ao Apóstolo, o juramento tem por fim confirmar a verdade do que dizemos. Ora, a confirmação, em matéria de conhecimento, se faz pela razão, que parte de certos princípios evidentes, infalivelmente verdadeiros. Ao contrário, não podem ser necessariamente confirmados pela razão os atos particulares e contingentes da vida humana. Por isso, as afirmações relativas a eles costumam se apoiar em testemunhas. Ora, o testemunho humano não é suficiente para confirmá–las, por duas razões. Primeiro, por nem sempre o homem falar verdade, pois, muitos proferem mentiras, conforme aquilo da Escritura: A sua boca falou mentira. Segundo, por falta de conhecimento; pois, não podemos conhecer o futuro, nem os pensamentos ocultos, nem mesmo o que se passa longe de nós; e, contudo falamos de tais causas e em nossa vida é necessário termos alguma certeza a respeito delas. Donde o ser forçoso recorrermos ao testemunho divino, porque Deus não pode mentir nem lhe escapa nada. E tomá–lo como testemunha é o que se chama jurar; porque é um como princípio de direito, ter–se por verdadeiro o que foi afirmado com invocação do testemunho divino. Ora, este às vezes é invocado para confirmar um fato presente ou passado; e então o juramento se chama assertório. Outras, para confirmar o futuro; chamando–se nesse caso o juramento promissório. Mas, em matéria que impõe necessidade de investigação. racional, não há lugar para o juramento; assim, seria risível quem, discutindo uma ciência, quisesse provar lima proposição por juramento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Uma coisa é invocarmos o testemunho divino já dado, como é o caso de quem cita a autoridade da Sagrada Escritura; e outra, implorar para que Deus nos dê o seu testemunho. o que se faz com o juramento.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz–se que dá o seu juramento a Deus quem cumpre o que jurou. Ou, por isso mesmo que o invocou como testemunha, reconhece que Deus conhece infalivelmente toda a verdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando invocamos o testemunho de alguém é para que a testemunha invocada confirme a verdade do nosso dito, Ora, Deus manifesta se é verdade ou não o que dizemos de dois modos. De um modo, revelando a verdade diretamente; ou por inspiração interna; ou ainda manifestando o facto, quando mostra publicamente o que estava oculto. De outro, aplicando uma pena ao que mentiu; e então é simultaneamente juiz e testemunha, quando, punindo o mentiroso, põe ele manifesto a mentira. Por onde dois modos há de jurar. Um, por simples contestação, como quando dizemos: Deus me é testemunha, ou – falo na presença de Deus, ou, por Deus, o que vem a ser o mesmo, como diz Agostinho. O outro modo de jurar é por execração, quando nos votamos a nós mesmos ou o que nos pertence, a um castigo, se não for verdade o nosso dito.

Art. 12 – Se para a comutação ou dispensa do voto é necessária a licença do prelado.

O duodécimo discute–se assim. – Parece que para a comutação ou dispensa do voto não é necessária à autoridade do prelado.

1. – Pois, qualquer pode entrar em religião sem licença de nenhum superior eclesiástico. Ora, a profissão religiosa desliga dos votos feitos no século; mesmo do de ir à Terra Santa. Logo, a comutação ou dispensa independe da licença superior do prelado.

2. Demais. – Parece que a dispensa do voto consiste na determinação do caso em que não deve ser observado. Ora, se o prelado dispensar dele indebitamente, parece não ficar dispensado quem o fez; porque nenhum prelado pode dispensar, contrariando o preceito divino, que manda cumpri–lo, como se disse. Ao contrário, parece que o fica quem, por autoridade própria, determinar, com retidão, em que caso não deve ser cumprido; pois, o voto não obriga no caso de o seu cumprimento produzir resultado pior ao do não cumprimento, como se disse. Logo, a dispensa dele não exige a licença de nenhum prelado. 

3. Demais. – Se dispensar do voto depende do poder do prelado, por igual razão pertence ao de todos. Ora, nem todos o podem. Logo, não pertence ao poder dos prelados dispensar do voto.

Mas, em contrário. – Como a lei obriga à prática de certos atos, também o voto. Ora, é necessária licença superior para a dispensa da observância de um preceito de lei, como se disse. Logo e pela mesma razão, para a dispensa do voto.

SOLUÇÃO. – Como se disse, o voto é a promessa a Deus de lhe fazer alguma obra que ele aceita como lhe sendo agradável. Ora, que uma coisa prometida seja agradável ou não, isso depende da vontade daquele a quem fazemos a promessa. Mas, um prelado da Igreja está em lugar de Deus. Logo, para a comutação ou dispensa do voto é necessária a licença dele que, em nome de Deus, determina o que é de Deus aceito, conforme aquilo da Escritura: A indulgência de que usei, se de alguma tenho usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo. E diz sinaladamente – por amor de vós, porque toda dispensa pedida ao prelado deve ser feita em honra de Cristo, em nome de quem ele dispensa; ou para utilidade da Igreja, que é o corpo de Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ao passo que os outros votos têm por objeto certas obras particulares, pelo de religião o homem consagra toda a sua vida ao serviço de Deus. Ora, o particular está incluído no universal. Por isso, uma decretal diz, não é considerado réu de ter quebrado o voto quem comuta um serviço temporal pela observância perpétua da vida religiosa. Contudo, quem entra na vida religiosa não está obrigado a cumprir os votos de jejuns, orações ou outros semelhantes, que fez quando vivia no século, porque quem entrou em religião morreu para o século. E além disso observâncias particulares não têm lugar na vida religiosa; e o ônus que ela impõe é bastante grande para ser necessário lhe acrescerem outros.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Certos ensinaram que os prelados podem, à vontade, dispensar dos votos, porque qualquer voto inclui condicionalmente a vontade do superior eclesiástico, como se disse que, nos votos dos inferiores, como o escravo ou o filho, se entende implícita a condição – se agradar ao pai, ou ao senhor, ou se não se opuserem, E assim o inferior, sem nenhum remordimento de consciência, poderá eximir–se do voto, sempre que o prelado lh'o permitir. Mas essa opinião se baseia num fundamento falso. Pois, o poder do prelado espiritual, que não é senhor, mas, dispensador, foi dado para edificação e não para destruição. Por onde, assim como não pode mandar cometer pecados, que em si mesmos desagradam a Deus, assim também não pode impedir as obras de virtude que, em si mesmas, lhe agradam. Logo, absolutamente falando, podemos fazer voto delas. Mas, ao prelado pertence discernir o que é mais virtuoso e agradável a Deus. Logo, em casos indubitáveis, a dispensa cio prelado não poderia escusar de culpa; por exemplo, se dispensasse alguém do voto de entrar em religião, sem nenhuma causa aparente que o obstasse. Mas, havendo uma causa aparente, que pelo menos tornasse o voto duvidoso, poderia quem o fez aceitar o juízo do prelado que o dispensou ou o comutou. Não, porém, fundar–se no juízo próprio; porque não é ele próprio quem faz às vezes de Deus, salvo em caso de ser o objeto do voto manifestamente ilícito e não ser possível ocorrer oportunamente ao superior.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Sumo Pontífice, fazendo plenamente as vezes de Cristo, em toda a Igreja, tem poder pleno de dispensar de todos os votos susceptíveis de o serem. Mas, aos outros prelados inferiores fui dado o poder de dispensar os votos que se fazem comumente e necessitam de dispensas repetidas, como os de peregrinações, jejuns e semelhantes, para assim, os que os fizeram terem a quem possam facilmente recorrer. Mas, os votos maiores, como o de continência e de peregrinação à Terra Santa, são reservados ao Sumo Pontífice.

Art. 11 – Se pode ser dispensado o voto solene de continência.

O undécimo discute–se assim. – Parece que pode ser dispensado o voto solene de continência.

1. – Pois, a única razão de ser dispensado um voto é quando se torna obstáculo a um bem maior, como se disse. Mas o voto de continência, mesmo solene, pode ser impedimento de tal bem; pois, o bem comum é mais divino que o particular. Ora, a continência de uma pessoa pode impedir o bem de todo um povo; por exemplo, quando o contrato de matrimónio de pessoas que fizeram voto de continência poderia realizar a paz de urna nação. Logo, parece que mesmo o voto solene de continência pode ser dispensado.

2. Demais. – A latria é virtude mais nobre que a castidade. Ora, quem fizer voto de um ato de latria, por exemplo, de oferecer sacrifício a Deus, pode ser dispensado dele. Logo, com maior razão pode ser dispensado o voto de continência, que é prática da castidade.

3. Demais. – Como a observância do voto de abstinência pode redundar em dano de quem o fez, também o pode a do voto de continência. Ora, o voto de abstinência, quando redundar em dano corporal de seu autor, pode ser dispensado. Logo, pela mesma razão, o voto de continência pode ser dispensado.

4. Demais. – A profissão religiosa que torna o voto solene, contém tanto o voto de continência como o de pobreza e obediência. Ora, os votos de pobreza e de obediência podem ser dispensados, como é o caso dos que, depois de terem professado, são escolhidos para o episcopado. Logo, parece que o voto solene de continência pode ser dispensado.

Mas, em contrário, a Escritura: Todo preço é nada em comparação de uma alma continente. Demais, uma decretal diz: A renúncia à propriedade tanto como a guarda da castidade faz de tal modo parte da vida monacal, que nem mesmo o Sumo Pontífice pode conceder permissão a ela contrária.

SOLUÇÃO. – Três elementos, podemos considerar no voto solene de continência: primeiro, a sua matéria, que é a continência mesmo; segundo, a sua perpetuidade, que consiste em alguém se obrigar, por voto, à observância perpétua da continência; terceiro, a sua solenidade.

Mas, certos opinam que o voto solene é indispensável em razão da própria continência como se vê pela autoridade supra–citada. E isto porque, dizem alguns, pela continência o homem triunfa do inimigo interior; ou por se conformar, por meio dela, perfeitamente com Cristo, guardando a pureza da alma e do corpo. – Mas, esta opinião não é defensável. Porque os bens da alma, como a contemplação e a oração, são muito superiores aos do corpo e mais nos conformam com Deus; e contudo os votos de oração ou de contemplação podem ser dispensados. Por isso, não se vê razão de não o poder ser o de continência, considerada em absoluto a dignidade mesma dela. Sobretudo que o Apóstolo nos exorta a guardar a continência para nos darmos à contemplação, dizendo que a mulher solteira cuida das causas que são do Senhor. Ora, o fim tem precedência sobre os meios.

Por isso, outros buscam a razão na perpetuidade e na universalidade desse voto. E dizem que o voto de continência não pode ser substituído senão pelo que lhe for absolutamente contrário; o que nunca é lícito fazer–se com nenhum voto. – Ora, tal é absolutamente falso. Porque, assim como praticar a cópula carnal é contrário à continência assim comer carne e beber vinho o é à abstinência; contudo, os votos desta última forma podem ser dispensados.

Por onde, a outros parece que mesmo o voto solene de continência pode ser dispensado, em virtude de alguma utilidade ou necessidade geral, como é claro no exemplo referido do matrimónio contraído para o fim de pacificar um país.

Mas, como a decretal citada determina expressamente que nem o Sumo Pontífice pode eximir um monge da guarda da castidade, devemos disso concluir, diferentemente das outras opiniões, que, conforme já dissemos e está na Sagrada Escritura, o que foi urna vez consagrado a Deus não pode ser aplicado a outros fins. Assim, nenhum prelado da Igreja pode fazer com que aquilo que foi santificado, mesmo em se tratando de um ser inanimado, perca esse carácter; por exemplo, que um cálice, enquanto íntegro, deixe de ser consagrado, depois de tê–lo sido. Portanto e com muito maior razão, nenhum prelado pode fazer com que uma pessoa consagrada a Deus por toda a vida, deixe de o ser. Ora, a solenidade do voto consiste na consagração ou na bênção de quem o prometeu como dissemos. Logo, nenhum prelado da Igreja pode dispensar da consagração a quem pronunciou um voto solene, fazendo por exemplo, com que deixe de ser sacerdote aquele que o é; embora possa, por alguma causa, proibir o exercício do ministério. E pela mesma razão, o Papa não pode fazer com que deixe de ser professo numa religião aquele que fez a profissão, embora certos juristas digam o contrário, por ignorância.

Por onde, devemos considerar se a continência está essencialmente ligada ao estado a que dá a solenidade o voto; pois, se não o estiver, pode subsistir a solenidade da consagração sem o dever de continência; o que não poderá dar–se se o estiver. Ora, o dever da continência está ligado às ordens sacras, não essencialmente, mas por instituição da Igreja. Donde se conclui que a Igreja pode dispensar o voto de continência, tornado solene pelo recebimento dessas ordens. Ao contrário, o voto de continência é essencial ao estado de religião, pelo qual o homem renuncia ao século, totalmente consagrado ao serviço de Deus; e não pode coexistir com o matrimónio, que supõe forçosamente mulher, prole, família e o necessário ao seu sustento. Por isso o Apóstolo diz: O que está com mulher está cuidadoso das causas que são do mundo, de como há de dar gosto à sua mulher, e anda dividido. E o nome mesmo de monge exprime a unidade, por oposição à divisão referida. Por onde, o voto solenizado pela profissão religiosa não o pode dispensar a Igreja, sinalando a decretal a razão: porque a castidade está ligada à regra monacal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As dificuldades provenientes das coisas humanas devem ser conjuradas por elas mesmas, e não convertendo as divinas ao uso humano. Ora, os professos numa religião morreram para o mundo e vivem para Deus. Por isso não devem ser de novo chamados à vida humana pela adveniência de nenhum acontecimento, seja ele qual for.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O voto temporal de continência pode ser dispensado, como o podem o voto temporal de oração ou de abstinência. Mas, o de continência, solenizado pela profissão, não o pode; não por ser ato de castidade, mas por já pertencer à latria, em virtude da profissão religiosa.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A comida se ordena diretamente à conservação do indivíduo; por isso, a abstinência pode redundar diretamente em dano do mesmo. Por onde, o voto de abstinência é susceptível de dispensa. Mas, o coito ordena–se diretamente, não à conservação do indivíduo, mas, à da espécie. Por onde, a sua abstinência não redunda diretamente em dano individual. Mas, se por acidente, puder resultar dele um dano dessa espécie, poderá ser obviado pela abstinência ou por outros remédios corporais.

RESPOSTA À QUARTA. – O religioso consagrado bispo, assim como não fica desligado do voto de continência, também não o fica do de pobreza; pois, nada deve ter de seu, devendo, ao contrário, ser o dispensador dos bens comuns da Igreja. Do mesmo modo, não fica desligado do voto de obediência, embora não esteja, acidentalmente, obrigado a obedecer, se não tiver superior; e também está no mesmo caso o abade de um mosteiro que contudo não está isento desse voto. Quanto ao lugar citado do Eclesiástico, objetado em contrário, ele significa que nem a fecundidade da carne, nem qualquer bem temporal é comparável, ao da continência, que pertence aos bens da alma, no dizer de Agostinho. Por isso, sinaladamente diz – alma continente e não – carne continente.

Art. 10 – Se um voto pode ser dispensado.

O décimo discute–se assim. – Parece que um voto não pode ser dispensado.

1. – Pois, é menos comutar um voto do que dispensa–Ia. Ora, não pode ser comutado, como se lê na Escritura: O animal que pode ser imolado ao Senhor, se alguém o prometer com voto, será santo e não poderá ser trocado, isto é, nem melhor por mau, nem pior por bom. Logo, com maior razão, o voto não pode ser dispensado.

2. Demais. – O homem não pode dispensar em matéria de lei natural e em se tratando de preceitos divinos, sobretudo nos da primeira tábua, ordenados diretamente ao amor de Deus, que é o fim último dos preceitos. Ora, cumprir os votos é de lei natural e também preceito da lei divina, como do sobredito se colhe; e, sendo ato de latria, pertence aos preceitos da primeira tábua. Logo, o voto não pode ser dispensado.

3. Demais. – A obrigação do voto se funda na fidelidade que o homem deve a Deus, como se disse. Ora, desta ninguém pode ser dispensado. Logo, nem do voto.

Mas, em contrário. – Parece haver maior firmeza no que procede da vontade geral, do que no proveniente da vontade particular de uma pessoa. Ora, podemos ser dispensados da lei, que tira a sua força da vontade geral. Logo, também pode alguém nos dispensar do voto.

SOLUÇÃO. – A dispensa do voto deve ser entendida ao modo da dispensa que se faz da observância de qualquer lei. Pois, como se disse, a lei é estabelecida para tornar realizável o bem. Ora, como este pode deixar de ser bem, num caso particular, é preciso que alguém determine a não observância da lei nesse caso. Ora, isto é propriamente dispensar dela; pois, a dispensa importa uma certa distribuição comensurada à aplicação de um bem comum àquilo que nele está incluído; e é desse modo que se diz de uma pessoa que ela dispensa o alimento à família. Sernelhantemente, quem faz voto, de certo modo se submete a uma lei que para si mesmo estabeleceu, obrigando–se a algum ato bom em si mesmo e geralmente. Mas, num caso particular pode dar–se que este ato seja em si mesmo mau, inútil ou impedimento de um bem maior; o que contraria à matéria do voto, na sua noção própria, como do sobredito se colhe. Por isso, é necessário determinar que em tal caso o voto não deve ser cumprido. E assim dizemos que houve dispensa, quando absolutamente se determinou que um certo voto não deveria ser cumprido. Mas, haverá comutação se se impuser o cumprimento de outro voto em lugar do que foi primeiro prometido. Por onde, comutá–Io é menos que dispensar dele. Mas, uma e outra coisa a Igreja pode fazer.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Um animal, que podia ser imolado, já por isso mesmo que era prometido com voto, reputava–se santo, por ser como que destinado ao culto divino. E esta é a razão de não poder esse voto ser comutado; assim como, sob a lei da graça, ninguém pode comutar em melhor ou pior uma coisa que sabe ser consagrada, como um cálice ou uma casa. Mas o animal, que não podia ser sacrificado, por não ser susceptível de imolação, podia e devia ser comutado, como no mesmo lugar a lei o diz. E assim, ainda sob a lei da graça, os votos podem ser comutados, se ainda não teve lugar a consagração.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como, por direito natural e por preceito divino, estamos obrigados a. cumprir o voto, assim, por essa razão, o estamos a obedecer à lei ou à ordem do superior. E, contudo, a dispensa de uma lei humana não faz com que a violem, o que vai contra a lei da natureza e a ordenação divina; mas sim, que a lei deixa de o ser nesse caso determinado. Do mesmo modo. a autoridade do superior dispensa de ser matéria de voto o que o era, por determinar que, num caso particular, ele não recai sobre a matéria própria. Portanto, quando um prelado da Igreja dispensa de um voto, não dispensa do preceito de direito natural ou divino, mas determina o que constituía objeto de obrigação da deliberação humana, que não podia levar em conta todas as circunstâncias.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A fidelidade devida a Deus não exige que cumpramos um voto cujo objeto é mau, inútil ou obstáculo a um maior bem. E é a isso que procura obviar a dispensa dele. Logo, a dispensa do voto não é contra a fidelidade a Deus devida.

Art. 9 – Se os menores podem obrigar–se por voto ao ingresso numa religião.

O nono discute–se assim. – Parece que os menores não se podem obrigar por voto ao ingresso numa religião.

1. – Pois, supondo o voto, a deliberação do espírito, só podem fazê–lo os que têm o uso da razão. Ora, como os dementes ou loucos, as crianças não o têm. Logo, se os primeiros e os segundos a nada podem se obrigar por voto, também os menores, segundo parece, não o podem ao ingresso numa religião.

2. Demais. – O que um pode fazer validamente outro não pode anular. Ora, o voto de religião feito por um menor ou uma menor impúbere pode ser anulado pelos pais ou pelo tutor. Logo, parece que nenhum menor ou nenhuma menor, antes dos catorze anos, pode licitamente fazer voto.

3. Demais. – A quem entra em religião se lhe concede um ano de provação, segundo a regra de S. Bento e por determinação de Inocêncio IV, para que a provação preceda à obrigatoriedade do voto. Logo, parece ilícito que os menores se obriguem antes do ano de provação, ao ingresso em religião.

Mas, em contrário. – O que não for validamente feito não tem valor, mesmo que ninguém o anule. Ora, o voto de uma menor, pronunciado mesmo antes da puberdade, é válido se, dentro de um ano, os pais não o anularem. Logo, mesmo antes da puberdade, podem os menores, lícita e validamente, se obrigar por voto a entrar em religião.

SOLUÇÃO – Como do sobredito resulta, há duas formas de voto: o simples e o solene. Ora, a solenidade do voto, consistindo numa certa bênção e consagração espiritual, como se disse, e que se opera pelo ministério da Igreja, resulta que a Igreja é quem pode dispensar dessa solenidade. Mas, o voto simples tira a sua eficácia da deliberação do espírito, pela qual manifestamos a intenção de nos obrigar. Por duas razões, porém, pode acontecer que essa obrigação não tenha força. Primeiro, por falta de razão, como se dá com furiosos e dementes, que a nada podem se obrigar por voto, enquanto em estado de fúria ou demência. Segundo, quando quem fez o voto está sujeito à autoridade de outrem, como dissemos. Ora, nos impúberes coexistem essas duas razões; pois, tanto padecem falta de razão, no mais das vezes, como vivem sob os cuidados dos pais ou dos tutores, que os substituem. Por onde, o voto deles não terá força obrigatória por essas duas razões. – Podem–se dar porém, certos casos, embora raros, em que, por disposição natural, que escapa às leis humanas, haja precoces no uso da razão, que por isso se chamam capazes de dolo. Mas, nem por isso se eximem à autoridade paterna, estabeleci da pela lei humana, que visa o que sucede frequentemente.

Por isso, devemos concluir que o menor ou a menor impúbere, ainda sem o uso da razão, de nenhum modo pode obrigar–se por voto. Mas, se tiver o uso dela, já antes da puberdade, pode, por si, obrigar–se, podendo, porém o voto feito ser anulado pelos pais, a cuja autoridade ainda permanecem sujeitos. Mas, embora capazes de dolo, não podem, antes da puberdade, obrigar–se por voto solene a entrar em religião, por disposição da Igreja, que tem em vista o que sucede mais frequentemente. Mas, depois de púberes, podem obrigar–se por voto de religião, simples eu solene, sem a autoridade dos pais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –– A objeção colhe, quanto aos menores ainda sem o uso da razão, cujos votos não têm valor, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os votos dos sujeitos à autoridade de outrem incluem implicitamente uma condição: se não forem anulados pelo superior; e portanto como se disse, são lícitos e tornam–se válidos, desde que exista a condição.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe quanto ao voto solene que se faz pela profissão.

Art. 8 – Se Os sujeitos à autoridade de outrem ficam impedidos de fazer voto.

O oitavo discute–se assim. – Parece que os sujeitos à autoridade de outrem não ficam impedidos de fazer voto.

1. – Pois, um vínculo menor é sobrepujado pelo maior. Ora, a obrigação com que nos sujeitamos aos homens é vínculo menor que o voto, pelo qual nos sujeitamos a Deus. Logo, os dependentes da autoridade de outrem não ficam impedidos de fazer voto.

2. Demais. – Os filhos dependem do poder do pai. Ora, podem professar numa ordem religiosa, mesmo que não o queiram os pais. Logo, ninguém fica impedido de fazer voto, por estar sujeito à autoridade de outrem.

3. Demais. – É mais fazer do que prometer. Ora, os religiosos sujeitos aos prelados podem fazer certas coisas sem licença deles, como, recitar alguns salmos ou praticar certas abstinências. Logo, com maior razão, podem prometer tais coisas a Deus, opor voto.

4. Demais. – Quem faz o que por direito não o poderia, peca. Ora, os súbditos não pecam, fazendo voto, porque tal nunca foi proibido. Logo, parece que tem o direito de fazer.

Mas, em contrario, a Escritura: Se uma mulher, estando em casa de seu pai e ainda em idade de menina fizer algum voto, não está obrigada a ele, salvo se o pai o sabia; e o mesmo dispõe sobre a mulher casada. Logo, pela mesma razão, nem outras pessoas sujeitas à autoridade alheia podem se obrigar pelo voto.

SOLUÇÃO. – Como se disse, o voto é uma promessa feita a Deus. Ora, não podemos validamente obrigar–nos, por uma promessa, ao que depende de outrem; mas só ao que está em nosso poder. Mas, quem está sujeito a outra pessoa não é senhor de fazer o que quer, quanto àquilo em que é dependente. Logo, não pode validamente obrigar–se, pelo voto, quanto àquilo em que está sujeito a outrem, sem o consentimento do superior.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Só os atos virtuosos podem constituir objeto de promessa a Deus, como se disse. Ora, é contra a virtude oferecermos a Deus o que pertence a outrem, segundo dissemos. Logo, desaparece o voto, na sua noção própria, quando, quem está sujeito à autoridade de outro o faz, de dar o que a outrem pertence, salvo sob a condição de o dono não se opor.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem chegou à idade de puberdade pode se for de condição livre, dispor livremente da sua pessoa; por exemplo, obrigando–se por voto a entrar em religião ou a contrair matrimónio. Mas, não é independente para dispor dó que pertence à casa. Por isso, sobre nada do que a ela pertence pode fazer licitamente voto, sem o consentimento paterno. O escravo, porém, que está, mesmo quanto à sua atividade pessoal, sujeito ao senhor, não pode obrigar–se por voto a entrar em religião, por subtrair–se assim ao serviço dele.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O religioso está sujeito ao superior, quanto aos seus atos, de conformidade com as prescrições da regra. Por onde, embora possa, em hora em que não esta ocupado pelo superior, praticar um determinado ato, por iniciativa própria, contudo, nenhum tempo tem excetuado, em que o superior não possa lhe dar alguma ordem; portanto, nenhum ato seu tem consistência senão com o consentimento do superior. Assim como não a tem o voto de uma filha famílias, sem o consentimento do pai; e o da mulher, sem o do marido.

RESPOSTA À QUARTA. – Embora o voto dos que estão sujeitos à autoridade de outrem não tenha consistência sem o consentimento do superior de que dependem, contudo não pecam fazendo voto. Porque quando o fazem, subentende–se a condição devida, a saber, se agradar aos superiores ou eles não se opuserem.

Art. 7 – Se o voto se torna solene pelo recebimento das ordens sagradas e pela profissão na vida religiosa.

O sétimo discute–se assim. – Parece que o voto não se torna solene pelo recebimento das ordens sagradas e pela profissão na vida religiosa.

1. – Pois, o voto, como se disse, é urna promessa feita a Deus. Ora, parece que solenidades externas não se ordenam a Deus, mas aos homens. Logo, têm uma relação acidental com o voto e, portanto, não é tal solenidade uma condição própria dele.

2. Demais. – O que constitui condição de uma causa parece caber a tudo aquilo em que se inclui. Ora há muitas matérias de voto que não dizem respeita nem às ordens sagradas nem a nenhuma regra. Tal o caso de quem faz voto de uma peregrinação ou de causa semelhante. Logo, a solenidade com que são recebidas as ordens sagradas ou com que se promete a observância de certas regras não constitui condição de voto.

3. Demais. – Parece que a voto solene é o mesmo que o público. Ora, podem–se fazer em público muitos outros votos que o pronunciado ao se receberem as ordens sagradas ou quando se professam certas regras; e tais votos podem também ser feitas privadamente. Logo, nem só os votas de que se trata são as solenes.

Mas, em contrário, só esses votos impedem contrair matrimonio e dirimem a já contraído; o que é efeito do voto solene, como se dirá na Terceira Parte desta obra.

SOLUÇÃO. – A solenidade de um ato depende das condições em que ele se realiza. Assim, uma é a solenidade da entrada na milícia, com o aparato das cavalas, das armas e o concurso dos saldados, e outra a do casamento, consistente na presença solene do esposo, da esposa e na reunião das parentes. Ora, a voto é uma promessa feita a Deus. Portanto, há–se de lhe levar em conta, na sua solenidade, a elemento espiritual, que diz respeita a Deus; isto é, uma bênção ou consagração espiritual que, por instituição dos Apóstolos, é feita quando se professa numa certa ordem religiosa, profissão que vem em segundo lugar, depois do recebimento das ordens sagradas, cama diz Dionísio. E a razão dista é que só se começou a usar de solenidade quando alguém se ligava totalmente por uma obrigação. Assim, a solenidade não tem lugar senão na celebração da matrimonio, quando cada cônjuge dá ao outro o poder sobre a seu corpo. E por semelhança, tem lugar a solenidade do voto quando alguém se entrega ao ministério divino, pela recebimento das ordens sagradas; e na profissão numa ordem religiosa, quando alguém assume o estada de perfeição pela renúncia da século e da vontade própria.

DONDE A RESPOSTA. À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A referida solenidade é própria não só aos homens, mas também a Deus, por implicar uma certa consagração espiritual ou bênção, de que Deus é a autor, embora o homem seja a ministro, segunda àquilo da Escritura: Invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel e eu os abençoarei. Por onde, o voto solene implica maior obrigação, perante Deus, que a simples, e peca mais gravemente quem o transgredir. Quanta ao dito, que o voto simples não abriga menos, perante Deus, que a solene, ele significa que peca mortalmente quem transgride tanto um como outro.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não se costuma emprestar solenidade aos atos particulares, mas sim ao de tornar um novo estado, como se disse. Por onde, ao voto de uma obra particular, como de uma peregrinação ou de um jejum especial, não cabe nenhuma solenidade. Mas sim, ao pelo qual nos sujeitamos ao ministério ou serviço divino; o qual, por ser como universal, compreende muitas obras particulares.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os votos, quando feitos em público, são susceptíveis de certa solenidade humana; mas não de solenidade espiritual e divina, como a têm os votos supra referidos, mesmo se feitos na presença de poucos. Por onde, uma coisa é ser o voto público e outra, solene.

Art. 6 – Se é mais louvável e meritório fazer uma obra sem voto do que por voto.

O sexto discute–se assim. – Parece mais louvável e meritório fazer lima obra sem voto do que por voto.

1. – Pois, diz Próspero: Devemos nos abster ou jejuar de modo que não nos sujeitemos à necessidade de jejuar a fim de não virmos a praticar um ato voluntário, sem devoção e obrigadamente. Ora, quem faz voto de jejuar sujeita–se a fazê–Io necessariamente. Logo, seria melhor jejuasse sem voto.

2, Demais. – O Apóstolo diz: Cada um como propôs no seu coração, não com tristeza, nem como por força; porque Deus ama ao que dá com alegria. Ora, certos cumprem com tristeza o voto que fizeram, o que parece ,resultar da obrigação que ele impõe, pois, a obrigação contrista, como diz o Filósofo. Logo, é melhor fazer obras sem voto do que por voto.

3. Demais. – O voto é necessário para nos confirmar a vontade na coisa prometida, como já se estabeleceu. Ora, nada é mais capaz de nos confirmar a praticar um ato do que a prática atual dele. Logo, não é melhor fazer um ato por voto do que sem ele.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura ­ Fazei votos e cumpri–os, diz a Glosa: Fazer voto é conselho da vontade. Ora, o conselho tem por objeto um bem melhor. Logo, é melhor fazer uma obra por voto do que sem ele. Porque quem a faz sem voto, cumpre apenas o conselho de a fazer e quem a faz com voto, cumpre dois – o de fazer voto e o de o cumprir.

SOLUÇÃO. – Por três razões fazer uma obra por voto é mais meritório do que fazê–Ia sem voto. – Primeiro, porque fazer voto é ato de latria, como se disse, que é a principal dentre as virtudes morais. Ora, o ato de virtude mais nobre é melhor e mais meritório. Por onde, o ato de uma virtude interior é melhor e mais meritório por ser imperado por uma virtude superior, cujo ato se realiza pelo império; assim ato de fé ou de esperança é melhor quando imperado pela caridade. Por onde, os atos das virtudes morais, como jejuar, que é um ato de abstinência, e conter–se, que é um ato de castidade, são melhores e mais meritórios quando praticados por voto. Porque, então, sendo como que sacrifícios a Deus, já pertencem ao culto divino. Por isso Agostinho diz; a virgindade, que a continência da piedade favorece e conserva, é honrada, não como virgindade, mas enquanto dedicada a Deus. – Segundo, porque quem faz um voto e o cumpre, sujeita–se mais a Deus, que quem apenas age, sem voto; pois, se lhe sujeita, agir, porque renuncia à faculdade de proceder de outro modo. Assim como daria mais quem desse uma árvore com os frutos, do que quem desse só os frutos, conforme diz Anselmo (Eadmero). Por onde, dão–se graças também aos que prometem, segundo dissemos. – Terceiro, porque pelo voto a vontade se confirma imovelmente no bem. Ora, praticar um ato com a vontade confirmada no bem, nisso consiste a perfeição da virtude, como está claro no Filósofo; do mesmo modo que pecar com espírito obstinado agrava o pecado, que se chama então pecado contra o Espírito Santo, como dissemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O lugar citado deve ser entendido da necessidade de coação, que causa o involuntário e exclui a devoção. Por isso O autor diz sinaladamente: A fim de não virmos a praticar um ato voluntário, sem devoção e obrigada/mente. Ora, a necessidade do voto vem da imutabilidade da vontade; por isso, confirma a vontade e aumenta a devoção. Portanto, a objecção não coíbe.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A necessidade de coação, enquanto contrária à vontade, causa a tristeza, segundo o Filósofo. Mas, a necessidade imposta pelo voto, naqueles que estão bem dispostos, por terem a vontade confirmada no bem, não causa a tristeza, mas, a alegria. Por isso diz Agostinho: Não te arrependas de teres feito voto, antes, alegra–te por já não te ser lícito o que t' o seria em detrimento teu. Contudo, se uma obra, em si mesma considerada, nós a praticassemos triste e involuntariamente, por nos termos ligado pelo voto, ainda assim, contanto que conservemos a vontade de o cumprir, a obra é mais meritória do que se a fizéssemos sem ele. Porque o cumprimento do voto é um ato de religião, virtude superior à abstinência, cujo ato é o jejum.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem pratica uma obra, sem voto, fica com a vontade imobilizada em relação a essa obra particular, e no momento mesmo em que a faz; mas a vontade não lhe fica completamente confirmada, para o futuro, como a do que fez o voto. Pois, este impôs à sua vontade a obrigação de fazer um ato já antes de o fazer e, talvez, a fazê–lo várias vezes.

Art. 5 – Se o voto é um ato de Iatria ou de religião.

O quinto discute–se assim. – Parece que o voto não é um ato ele latria ou ele religião.

1. – Pois, todo ato de virtude pode ser objeto ele voto, Ora, é uma mesma virtude a que nos leva a prometer e cumprir o prometido. Logo, o voto é ato de qualquer virtude e não especialmente da de religião.

2. Demais. – Segundo Túlio, é próprio da religião prestar culto e reverência a Deus. Ora, quem faz voto ainda não fez nada para Deus, mas só lhe prometeu. Logo, o voto não é ato de religião.

3. Demais. – O culto da religião só a Deus devemos prestá–Io. Ora, o voto nós o fazemos não só a Deus, mas também aos santos e aos prelados, aos quais fazem voto de obediência os que professam na vida religiosa. Logo, o voto não é um ato de religião.

Mas, em contrário, a Escritura: Honrá–lo–ão com hóstias e ofertas; e farão ao Senhor votos e os cumprirão. Ora, adorar a Deus é um ato próprio da religião ou Iatria. Logo, ato de latria ou de religião é o voto.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos todo ato de virtude, enquanto imperado pela religião ou latria, dela depende, e se ordena à reverência divina, fim próprio da latria. Ora, ordenar os atos das outras virtudes para o seu fim, pertence à virtude imperante e não, às virtudes imperadas. Por onde, é ato próprio da latria ordenar para o serviço de Deus os atos de qualquer virtude. Ora, é manifesto pelo que já dissemos, que o voto é uma promessa feita a Deus; e que uma promessa não é mais que a ordenação da coisa prometida aquele a quem o é. Portanto, o voto é uma ordenação daquilo sobre que recai, para o culto ou o serviço divino. E assim é claro que fazer voto é propriamente ato de latria ou de religião.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O objeto do voto é, às vezes, ato de outra virtude, como jejuar ou observar continência; outras vezes, porém, é ato de religião, como oferecer sacrifícios ou orar. Ora, a promessa de uns e de outros, feita a Deus, pertence à religião, pela razão já dada. Por onde, é claro, que, dos votos, uns pertencem à religião em virtude da só promessa feita a Deus, que é a essência do voto; mas, outras vezes, em razão da causa prometida, que é a matéria do voto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem promete, já quando se obriga a dar, de certo modo dá assim como consideramos como feito o que já o é na sua causa, por estar o efeito virtualmente contido na causa. Por isso é que se rendem graças não só a quem dá, mas a quem simplesmente prometeu.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Voto só a Deus o fazemos, mas, promessa podemos fazê–Ia também aos homens; e a promessa mesma de um bem feito ao homem pode ser objeto de voto, enquanto ela é uma obra virtuosa. E deste modo é que se deve entender o voto feito aos santos ou aos prelados; de modo que a promessa que lhes é feita constitui o objeto material do voto, enquanto que fazemos a Deus o voto de cumprir o prometido aos santos ou aos prelados.

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