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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 8 – Se a religião é o mesmo que a santidade.

O oitavo discute–se assim. – Parece que a religião não é o mesmo que a santidade.

1. – Pois, a religião é uma virtude especial, como se estabeleceu. Ora, a santidade é considerada uma virtude geral, pois como diz Andronico, é ela que nos torna fiéis e observantes do que é justo para com. Deus. Logo, a santidade não é o mesmo que a religião.

2. Demais. – Parece que a santidade implica a pureza; pois, como diz Dionísio, a santidade é a pureza isenta de toda mancha, perfeita e absolutamente imaculada. Ora, parece que a pureza é própria, sobretudo da temperança, que evita principalmente as torpezas corporais. Logo, pertencendo à religião à justiça, parece que a santidade não é o mesmo que a religião.

3. Demais. – Causas que se dividem por oposição não são idênticas. Ora, como já se determinou, a santidade entra na mesma divisão que a religião, numa certa enumeração das partes da justiça. Logo, a santidade não é o mesmo que a religião. 

Mas, em contrário, diz o Evangelho: Sirvamo–lo em santidade e justiça. Ora, servir a Deus é próprio da religião, como já se estabeleceu. Logo, a religião não é o mesmo que a santidade.

SOLUÇÃO. – A santidade, por denominação, implica dois elementos. Um, a pureza, para significar a qual emprega–se o vocábulo grego ăΥιoĉéí. – como quem diz – sem terra; O outro é a firmeza; por isso, entre os antigos, eram santas as cousas protegidas pelas leis, devendo assim não ser violadas. Donde o dizer–se ordenado (sancitum) o que é determinado por lei. Mas, entre os Latinos, o nome santo (sanctus) pode ser empregado para exprimir a pureza; significando então santo o que é, por assim dizer tinto de sangue, porque antigamente os que queriam purificar–se eram tintos com o sangue da vitima, como diz Isidoro.

E uma e outra significação convém em atribuir a santidade às cousas aplicadas ao culto divino; de modo que consideramos santos não só os homens, mas também o templo, os vasos e cousas semelhantes quando aplicadas a esse culto. – Pois, a pureza é necessária para que o espírito se aplique a Deus. Porque o espírito humano torna–se impuro quando imerge nas causas inferiores, assim como qualquer cousa se mancha misturando–se com o que é pior – por exemplo, o ouro, com o chumbo. Ora, é necessário a inteligência separar–se das causas inferiores para poder unir–se ao ser supremo. Por onde, o espírito não pode, sem a pureza, aplicar–se a Deus. Por isso diz a Escritura: Segui a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá a Deus. – Também a firmeza é necessária para a mente se aplicar a Deus; pois, esta se lhe aplica como ao último fim e ao princípio, que forçosamente são o que há de mais imóvel. Por isso dizia o Apóstolo: Eu estou certo que nem a morte, nem a vida me apartará do amor de Deus.

Assim, pois, chama–se santidade a aplicação que faz a mente do homem, de si mesmo e de seus atos, a Deus. Por onde, não difere da religião essencialmente, mas só racionalmente. Pois, a religião consiste em prestarmos a Deus a submissão devida, no que respeita em especial o seu culto, como, fazendo sacrifícios, oblações e cousas semelhantes. A santidade, por seu lado, consiste em referirmos a Deus não só tais cousas, mas também as obras das outras virtudes, ou dispondo–nos pelas boas obras ao culto divino.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A santidade é por essência uma virtude especial e, esta luz, é de certo modo o mesmo que a religião. Pois, implica uma certa generalidade, ordenando, pelo império, ao bem divino todos os atos de virtude. Assim como a "justiça legal considera–se uma virtude geral, enquanto ordena todos os atos de virtude para o bem comum”.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A temperança produz por certo a pureza, sem contudo implicar a santidade, por natureza, salvo se referir–se a Deus. Por isso da própria virgindade diz Agostinho: É honrada, não por ser virgindade, mas, por ser dedicada a Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A santidade é distinta da religião por causa da diferença referida; não por diferir dela realmente, mas só racionalmente, como se disse. 

Art. 7 - Se a religião tem algum ato externo.

O sétimo discute-se assim. – Parece que a religião não tem nenhum ato externo.

1. –Pois, diz a Escritura: Deus é espírito, e em espirito e verdade é que o devem adorar os que o adoram. Ora, os atos externos não pertencem ao espírito, mas antes, ao corpo. Logo, a religião, a que pertence a adoração, não tem atos externos, mas internos.

2. Demais. –O fim na religião é prestar a Deus reverência e honra. Ora, é irreverência para com um ser excelente atribuir-lhe o que propriamente conviria a seres inferiores. Portanto, o que o homem manifesta pelos seus atos corporais, ordenando-se propriamente às suas necessidades ou à reverência das criaturas inferiores, tais atos não podem convenientemente ser aplicados à divina reverência.

3. Demais. – Agostinho aprova Séneca por vituperar certos que atribuíam aos ídolos o que só aos homens convém, porque aos imortais não convém o que é próprio só aos mortais. Ora, isto muitos menos convém ao Deus Verdadeiro, que é grande sobre todos os deuses. Logo, parece repreensível cultuarmos a Deus por meio de certos atos corpóreos, atos que, portanto, não podem ser próprios da religião.

Mas, em contrário, a Escritura: O meu coração e a minha carne se regozijaram no Deus vivo. Ora, assim como os atos interiores promanam do coração, assim os externos resultam nos membros do corpo. Donde resulta que Deus deve ser adorado por atos não só internos, mas também externos.

SOLUÇÃO. –Prestamos reverência e honra a Deus, não por si mesmo, por ter a plenitude da glória à qual a criatura não pode acrescentar nada; mas, por nossa causa. Pois, reverenciando e honrando a Deus, a nossa inteligência se lhe submete, consistindo nisso a perfeição dela. Porque, todo ser se aperfeiçoa sujeitando-se ao seu superior; assim, o corpo quando vivificado pela alma e o ar quando iluminado pelo sol.

Ora, a inteligência humana, para unir-se a Deus, precisa ser dirigida pelas coisas sensíveis; pois, como diz o Apóstolo, as coisas invisíveis de Deus se veem pelas obras que foram feitas. Por onde, o culto divino necessita a prática de certos atos corpóreos para que, por meio deles, como por uns quase determinados sinais, a inteligência do homem seja provocada aos atos espirituais, pelos quais se une com Deus. Portanto, a religião tem como principais os atos internos essencialmente próprios dela; e tem como secundários os atos externos, ordenados aos internos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –O Senhor se refere ao que é principal e constitui o objeto próprio do culto divino.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Esses atos externos não são referidos a Deus como se deles precisasse, conforme àquilo da Escritura: Porventura comerei carne de touros? ou beberei sangue de cabritos? Mas lh'o são como uns sinais dos atos internos e espirituais, que em si mesmos, ele os aceita. Donde o dizer Agostinho: O sacrifício visível é o sacramento, isto é, o sinal sagrado, do sacrifício invisível.

RESPOSTA À TERCEIRA. –Os idólatras são objeto de irrisão por referirem aos ídolos o que é próprio dos homens, não como sinais para os excitarem a certas práticas espirituais, mas por serem, como tais, aceitas por eles. E, sobretudo por serem vãs e torpes. 

Art. 6 – Se a religião deve ser preferida às outras virtudes morais.

O sexto discute–se assim. – Parece que a religião não deve ser preferida às outras virtudes morais.

1. – Pois, a perfeição da virtude moral consiste em atingir o meio termo, como está claro no Filósofo. Ora, a religião não consegue atingir o meio termo da justiça, porque não retribui a Deus com igualdade absoluta. Logo, a religião não tem preferência sobre as outras virtudes morais.

2. Demais. – O que fazemos aos homens é tanto mais louvável quanto mais eles estiverem disso necessitados. Daí o dito· da Escritura: Parte o teu pão a quem tem fome. Ora, Deus não precisa que lhe façamos nada, conforme aquilo da Escritura: Eu disse: Tu és o meu Deus, porque não tens necessidade dos meus bens. Logo, parece que a religião é menos louvável que as outras virtudes que nos levam a auxiliar os homens.

3. Demais, – Quanto maior for a obrigação com que fizermos uma cousa, tanto menos louvável ela será, conforme aquilo do Apóstolo: Se prego o Evangelho, não tenho de que gloriar–me; pois nu é imposta essa obrigação. Ora, onde há maior dever há também maior obrigação. E, o que o homem faz para Deus, sendo–lhe devido em máximo grau, parece que a religião é a menos louvável das virtudes humanas.

Mas, em contrário, a Escritura coloca em primeiro lugar os preceitos pertinentes à religião, como os principais. Ora, a ordem dos preceitos é proporcional à das virtudes, porque os preceitos da lei são feitos para regular os atos das virtudes.

SOLUÇÃO. – Os meios tiram a sua bondade do fim a que se ordenam; portanto, quanto mais conducentes ao fim, tanto melhores. Ora, os objetos das virtudes morais, como dissemos se ordenam para Deus. como para o fim. E como a religião se lhe ordena mais proximamente do que as outras virtudes morais, porque obram o que direta e imediatamente se refere à honra divina, resulta que tem preeminência sobre as outras virtudes morais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O valor da virtude se funda na vontade e não no poder. Por onde, não atingir a. igualdade, que é o meio termo da justiça, por falta de intensidade, não diminui o valor da virtude, se não houver deficiência por parte da vontade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O serviço que prestamos em utilidade de outrem é tanto mais louvável quanto mais esse outrem é necessitado, porque é mais útil. Ora, a Deus não fazemos nada que lhe redunde em utilidade; mas lh'o fazemos para a sua glória e a nossa utilidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Onde há obrigação desaparece o mérito da superrogaçâo, mas não fica excluído o da virtude, se houve colaboração da vontade. E, por isso a objeção não colhe. 

Art. 6 – Se estão obrigados os Cristãos a obedecer ao poder secular.

O sexto discute–se assim. – Parece que não estão obrigados os Cristãos a obedecer ao poder secular.

1. – Pois, àquilo do Evangelho – Logo são isentos os filhos – diz a Glosa: Se em qualquer reino os filhos dos que o governam são isentos, também isentos devem ser, em, qualquer reino, os filhos daquele rei a que estão sujeitos todos os reinos. Ora, os Cristãos, pela fé de Cristo, tornaram–se filhos de Deus, conforme à· Escritura: Deu ele poder de se fazerem filhos de Deus aos que creem no seu nome. Logo não estão obrigados á obedecer ao poder secular.

2. Demais. – A Escritura diz: Vós estais mortos à lei pelo corpo de Cristo, referindo–se à lei divina do Antigo Testamento. Ora, a lei humana, pela qual nos sujeitamos ao poder secular, é inferior à lei divina do Antigo Testamento. Logo, com muito maior razão, os homens, tendo sido feitos membros do corpo de Cristo, ficam livres da lei de sujeição pela qual deviam obedecer ao poder secular.

3. Demais. – Não estamos obrigados a obedecer aos ladrões, que com sua violência nos oprimem. Ora, Agostinho diz: Sem justiça, que são os reinos senão covis de ladrões? Mas, como os príncipes seculares exercem muitas vezes o seu poder cometendo injustiça, ou o usurparam inicialmente, com injustiça, resulta que os Cristãos não devem obedecer ao poder secular.

Mas, em contrário, a Escritura; Adverte–os que sejam sujeitos aos príncipes e aos magistrados. E noutro lugar: Submetei–vos a toda a humana criatura por amor de Deus; quer seja rei, como a soberano; quer aos governadores, como enviados por ele.

SOLUÇÃO. – A fé do Cristão é o princípio e a causa da justiça, segundo as palavras do Apóstolo: A justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo. Por isso, a fé de Jesus Cristo, longe de destruir a ordem da justiça, a confirma. Ora, a ordem da justiça exige que os inferiores obedeçam aos superiores, pois, do contrário, a sociedade humana não poderia subsistir, por onde, a fé de Cristo não dispensa os Cristãos de obedecerem ao poder secular.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos a servidão, pela qual nos sujeitamos a outrem, atinge–nos o corpo, mas não, a alma, que fica livre. Ora, no estado da vida presente, a graça de Cristo nos livra das misérias da alma, mas, não, das do corpo, como claramente o diz o Apóstolo, de si mesmo: Pelo espirito obedeço à lei de Deus, mas, pela carne, à do pecado. Logo, os que fomos feitos filhos de Deus pela graça, ficamos livres da servidão espiritual do pecado; mas não, da servidão corporal, pela qual estamos sujeitos ao poder temporal, como diz a Glosa àquilo do Apóstolo ­ Todos os que estão debaixo do jugo, etc.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A lei antiga era figura do Novo Testamento e por isso tinha de cessar, com o advento da verdade. Mas, o mesmo não se dá com a lei humana, pela qual deve um homem obedecer a outro. – E, contudo, também por lei divina está um homem obrigado a obedecer a outro.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Estamos obrigados a obedecer ao poder secular na medida em que a ordem da justiça o exige. Portanto, aos que o detêem injustamente ou usurpado, DU mandam o que é injusto, não estamos, como súbditos, obrigados a lhes obedecer; a não ser talvez por acidente, para evitar escândalo ou perigo.

Art. 5 – Se os súditos estão obrigados a obedecer em tudo aos superiores.

O quinto discute–se assim. – Parece que os súditos estão obrigados a obedecer em tudo aos superiores.

1. – Pois, diz o Apóstolo: Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, E em seguida acrescenta: Servos, obedecei em todas as coisas a vossos senhores temporais. Logo, pela mesma razão, os outros súbditos devem obedecer em tudo aos seus prelados.

2. Demais. – Os prelados são mediadores entre Deus e os súbditos, conforme aquilo da Escritura: Eu fui o que intervim como mediador entre o Senhor e vós, para vos anunciar as suo; palavras, naquele tempo. Ora, não podemos ir de um extremo para outro senão passando pelo meio. Logo, as ordens dos superiores devem ser consideradas como ordens de Deus. Donde o dizer do Apóstolo: Vós me recebestes como a um anjo de Deus, como a Jesus Cristo. E noutro lugar: Quando ouvindo–nos, recebestes de nós outros a palavra de Deus, vós a recebestes, não como palavras de homens, mas (segundo é verdade) como palavra de Deus. Portanto, assim como o homem deve obedecer a Deus em tudo, assim também aos prelados.

3. Demais. – Assim como os religiosos, ao professar, fazem voto de castidade e de pobreza, assim também, de obediência. Ora, o religioso está obrigado, em tudo, a praticar a castidade e a pobreza. Logo, do mesmo modo, a obedecer, em tudo.

Mas, em contrário, a Escritura: Importa obedecer mais a Deus do que aos homens. Ora, às vezes, as ordens dos prelados vão contra os preceitos divinos. Logo, não lhes devemos obedecer em tudo.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, quem obedece é movido pelo império de quem manda, por uma certa obrigação de justiça, assim como os seres naturais são movidos, por necessidade natural, pela força do motor. Mas, de dois modos pode acontecer que um ser natural não seja movido pelo seu motor. Primeiro, por um impedimento proveniente da forca maior de outro motor; assim, a madeira não queima o fogo se a virtude mais forte da água impedi–lo de fazer. De outro modo, por o móvel ordenar–se insuficientemente para o motor, quando se lhe sujeita de certo modo, mas não, fatalmente; assim, o humor sujeita–se à ação do calor quanto ao aquecimento, mas, não, quanto a deixar–se secar ou consumir por ele. E semelhantemente, de dois modos pode se dar que um súdito não esteja obrigado a obedecer em tudo ao superior. – De um modo, por causa da ordem de um superior de mais elevada categoria. Assim, diz o Apóstolo: Aqueles que resistem à potestade a si mesmos trazem a condenação. E comenta a Glosa: Deves obedecer ao curial quando te manda o que é contrário à ordem do proconsut? Mais: quando o proconsul dá uma ordem e o imperador, outra por ventura duvidas se deves desobedecer a este para servir aquele? Logo, quando o imperador dá uma ordem contrária ao que Deus manda, devemos desobedecer aquele para obedecer a Deus. – De outro modo, o inferior não está obrigado a obedecer ao superior quando este lhe manda o que não é da sua alçada. Pois, diz Sêneca: Era quem pensa que a servidão envolve o homem na sua totalidade. Pois a sua melhor parte está isenta dela; porquanto, ao passo que o corpo está adscrito e sujeito ao senhor, o espirito é livre. Portanto, no que respeita ao movimento interior da vontade, ninguém está obrigado a obedecer senão a Deus.

Mas, estamos obrigados a obedecer a outrem no que respeita aos atos corporais externos. Contudo, no que pertence à natureza do nosso corpo, a ninguém estamos obrigados a obedecer, senão só a Deus, porque todos os homens são iguais por natureza; por exemplo, no que respeita ao sustento do corpo e à geração da prole. Por onde, os escravos não devem obedecer ao senhor, nem os filhos aos pais, quando se trata de contrair matrimónio, de conservar a virgindade ou de coisas semelhantes. Mas, no atinente à disposição dos atos e das coisas humanas, o súbdito está obrigado a obedecer ao superior pela razão mesma de ser superior. Assim, o soldado, ao chefe do exército, em matéria de guerra; o escravo, ao senhor, no atinente à execução das obras servis ; o filho, ao pai, no que respeita à direção da vida – e da casa, e assim por diante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O dito do Apóstolo – em tudo significa em tudo o concernente à autoridade paterna ou à autoridade do senhor.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O homem está absolutamente sujeito a Deus em tudo, interior e exteriormente; e portanto deve obedecer–lhe em tudo. Mas, os súbditos não estão sujeitos aos seus superiores em tudo, senão só em certas matérias determinadas. E por aí os superiores são uns como medianeiros entre Deus e os súditos. No mais, porém, estão imediatamente sujeitos a Deus, que os instrui pela lei natural ou pela lei escrita.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os religiosos se obrigam pelo voto de obediência a seguir as regras da sua ordem, de acordo com a qual se sujeitam aos seus superiores. Por onde, só estão obrigados a obedecer em matéria atinente à essa vida regular. E essa obediência basta–lhes para a salvação. Mas, se quiserem obedecer–lhe a também em outras matérias, será por maior perfeição; contanto que não se trate de nada contra Deus ou contra a profissão da regra, porque tal obediência seria ilícita. Portanto, podem distinguir–se três espécies de obediência: uma suficiente à salvação, pela– qual obedecemos em matéria a que nos obrigamos; outra, perfeita, pela qual nos obrigamos a obedecer em toda matéria lícita; outra, indiscreta, que chega até ao que é proibido.

Art. 4 – Se em tudo devemos obedecer a Deus.

O quarto discute–se assim. – Parece que nem em tudo devemos obedecer a Deus.

1. – Pois, diz o Evangelho que o Senhor, tendo curado a dois cegos, ordenou–lhes: Vede lá que o não saiba alguém; mas eles, saindo dali, divulgaram por toda aquela terra o seu nome. E por isso não foram incriminados. Logo, parece que não estamos obrigados a obedecer em tudo a Deus.

2. Demais. – Ninguém está obrigado a agir contra a virtude. Ora, certas ordens de Deus há contrárias a ela; assim quando mandou Abraão matar o filho inocente; que os Judeus roubassem os bens dos Egípcios, o que é contrário à justiça; e que Oseas desposasse uma mulher adúltera, contrariamente à castidade. Logo não devemos obedecer a Deus em tudo.

3. Demais. – Todo o que obedece a Deus conforma a sua vontade com a de Deus, mesmo quanto ao que quer. Ora, não estamos obrigados a conformar a nossa vontade, em tudo quanto ela quer, com a vontade divina, como se estabeleceu.

Mas, em contrário, a Escritura: Faremos tudo o que o Senhor disse e lhe seremos obedientes.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, quem obedece é movido pelo império daquele a quem obedece, assim como as coisas naturais são movidas pelos seus motores. Ora, sendo Deus o motor primeiro de todas as coisas naturalmente movidas, é também o motor primeiro de todas as vontades, como do sobredito se colhe. Por onde, assim como todos os seres naturais estão necessariamente sujeitos à moção divina, assim também, por uma certa necessidade de justiça, todas as vontades estão obrigadas a obedecer ao império divino.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O senhor mandou os cegos ocultarem o milagre, não com a intenção de os obrigar por virtude de um preceito divino, mas, como diz Gregório, deu o exemplo aos seus discípulos futuros para procurarem ocultar as suas virtudes; e que contudo, mesmo contra a vontade, as revelassem quando outros devessem daí tirar proveito.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora Deus nada faça contra a natureza, porque, no dizer de uma glosa a um lugar do apóstolo, a natureza de uma coisa se revela pelo que Deus nela opera, contudo, age às vezes contra o curso habitual da natureza. Assim também, Deus nada pode mandar de contrário à virtude, pois a virtude e a retidão da vontade humana consiste principalmente em conformar–se com a vontade de Deus e obedecer–lhe ao império, embora este contrarie as vias habituais da virtude. – Por onde, a esta luz, a ordem dada a Abraão de matar o filho inocente, não colidiu com a justiça; porque Deus é o autor da: morte e da vida. ­ Também não foi contra a justiça o ter mandado aos Judeus, se apoderarem dos bens dos Egípcios, porque é dono de tudo e o dá a quem quiser. Do mesmo modo, não contrariou à castidade a ordem dada a Oseas de desposar uma mulher adúltera; porque Deus mesmo é o ordenador da geração humana, e o modo devido de o homem usar da mulher é o que Deus instituiu. – Por onde é claro que essas pessoas referidas não pecam, nem obedecendo a Deus e nem querendo obedecer.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora o homem nem sempre esteja obrigado a querer o que Deus quer, contudo, é sempre obrigado a querer o que Deus quer que ele queira. E isto o homem o conhece mediante o preceito divino. Logo, está obrigado a obedecer em tudo aos preceitos divinos.

Art. 3 – Se a obediência é a máxima das virtudes.

O terceiro discute–se assim. Parece que a obediência é a máxima das virtudes.

1. – Pois, diz a Escritura: A obediência é melhor que as vítimas. Ora, oferecer vítimas é próprio da religião, a primeira de todas as virtudes morais, como do sobredito resulta. Logo, a obediência é a máxima de todas as virtudes,

2. Demais. – Gregório diz; que a obediência é a única virtude que nos infunde na alma as outras e aí as conserva infusas. Ora, a causa é superior ao efeito. Logo, a obediência é a máxima de todas as virtudes.

3. Demais. – Gregório diz: Nunca devemos fazer o mal por obediência; mas às vezes devemos, por ela, omitir o bem. Ora, só omitimos um ato para praticar outro melhor. Logo, a obediência, pelo qual omitimos o bem das outras virtudes, é a melhor de todas.

Mas, em contrário, a obediência é louvável por proceder da caridade; pois, como diz Gregório, devemos praticar a obediência, não por medo servil, mas pelo afeto da caridade; não pelo temor da pena, mas, por amor da justiça. Logo, a caridade é maior virtude que a obediência.

SOLUÇÃO. – Assim como o pecado consiste em nos apegarmos aos bens efêmeros desta vida, com desprezo de Deus, assim o mérito dos atos virtuosos, ao contrário, em nos unirmos a Deus, nosso fim, desprezando os bens criados. Ora, o fim prepondera sobre os meios. Se pois, desprezamos os bens criados para nos unirmos a Deus, maior louvor merece a virtude por unir a Deus que por nos fazer desprezar os bens terrenos. Por isso, as virtudes teologais, que nos unem diretamente a Deus, são mais excelentes que as morais, que nos levam ao desprezo dos bens terrenos para nos unirmos com Deus.

Mas, entre as virtudes morais, as maiores são as que nos fazem desprezar um maior bem, para nos unirmos a Deus. Ora, há três gêneros de bens humanos que poderemos desprezar por amor de Deus. Desses, os ínfimos são os externos; médios são os do corpo; e supremos os da alma, entre os quais, de certo modo, o principal é a vontade, porque por ela usamos de todos os outros bens. Portanto, propriamente falando, é mais digna de louvor a virtude da obediência, pela qual desprezamos por amor de Deus a nossa vontade própria, do que as outras virtudes morais, que nos levam a desprezar certos outros bens, por amor de Deus.

Por isso, Gregório diz que a obediência é, de direito, preferível à oferenda de ultimas, porque estas supõem a morte da carne alheia; ao passo que pela obediência mortificamos a nossa vontade própria. E também todas as outras obras virtuosas são meritórias perante Deus por as fazermos para obedecer à vontade divina. Pois, não poderiam ser obras meritórias as de quem, sofrendo o martírio ou distribuindo todos os bens aos pobres, não o fizesse para obedecer à vontade divina; assim como também se as fizesse sem caridade, que não pode existir fora da obediência. Por isso, diz a Escritura: Aquele que diz que conhece a Deus e não guarda Os seus mandamentos é um mentiroso e não há nele a verdade; mas se alguém guarda a sua palavra, é nele verdadeiramente perfeito o amor de Deus. E isto é assim porque a amizade faz os amigos quererem e não quererem as mesmas coisas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A obediência procede da reverência, que presta culto e honra ao superior. E por isso ela está compreendida em diversas virtudes; embora, em si mesma considerada, enquanto referente à ideia de preceito, seja uma virtude especial. Mas, enquanto procedente da reverência devida aos prelados, está de certo modo compreendida no respeito. Enquanto procedente da reverência devida aos pais, na piedade filial. E enfim, enquanto procedente da reverência devida a Deus, na religião; e faz parte da devoção, que é o ato principal da religião. Por onde, a esta luz, é mais louvável obedecer a Deus, que oferecer sacrifícios; e também porque, como diz Gregório, no sacrifício é imolada a carne alheia  mas, pela obediência, imolamos a nossa vontade própria. Mas, no caso especial, de que fala Samuel, melhor teria sido a Saul obedecer a Deus, do que oferecer os melhores animais dos Amalecitas em sacrifício, contra a ordem de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Na obediência estão compreendidos os atos de todas as virtudes, enquanto são matéria de preceito. Mas, enquanto os atos virtuosos obram causal ou dispositivamente para a produção e a conservação dela, dizemos que a obediência infunde as virtudes no coração e as guarda. Nem daí se segue que a obediência seja, absolutamente falando, superior a todas as virtudes, por duas razões. Primeiro, porque, embora os atos virtuosos sejam matéria de preceito, podemos contudo praticá–los sem atender à ideia de preceito. Por onde, se houver uma virtude naturalmente superior, pelo seu objeto, ao preceito, essa é considerada por natureza como superior à obediência. E tal é o caso da fé, pela qual conhecemos a sublimidade da autoridade divina, em virtude da qual compete–lhe o poder de mandar. Segundo, porque a infusão da graça e das virtudes pode preceder, mesmo no tempo, todos os atos virtuosos. E, assim, nem temporal nem naturalmente a obediência é superior a nenhuma virtude.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Há duas sortes de bens. – Uns, estamos necessariamente obrigados a praticar, como amar a Deus e outros semelhantes. E esses bens de nenhum modo é lícito omiti–los, por obediência. – Mas, há outros bens que não estamos necessariamente obrigados a praticar. E esses podemos às vezes omitir, por obediência, à qual estamos necessariamente obrigados; pois, não devemos fazer nenhum bem incorrendo em culpa. E contudo, como diz Gregório no mesmo lugar, quando o superior proíbe uma boa obra, deve permitir muitas outras; pois, faria perecerem as almas de inanição, se as privasse de se alimentarem no bem. E assim. pela obediência e por outros bens, pode ser compensada a perda de um certo bem.

Art. 2 – Se a obediência é uma virtude especial.

O segundo discute–se assim. – Parece que a obediência não é uma virtude especial.

1. – Pois, a obediência se opõe à desobediência. Ora, a desobediência é um pecado geral; pois, diz Ambrósio, que pecado é a desobediência à lei divina. Logo, a obediência não é uma virtude especial, mas, geral.

2. Demais. – Toda virtude especial é teologal ou moral. Ora, a obediência não é uma virtude teologal, por não estar incluída nem na fé, nem na esperança, nem na caridade. Também não é uma virtude moral, porque não é um meio termo entre um excesso e um defeito, pois, quanto mais obedientes formos, tanto mais dignos de louvor seremos. Logo, a obediência não é uma virtude especial.

3. Demais. – Gregório diz: A obediência é tanto mais meritória e louvável quanto menos tem do que lhe constitui a natureza; Ora, toda virtude especial é tanto mais digna de louvor quanto mais tem a plenitude da sua natureza, pois, a virtude há–de–ser, por essência, voluntária e eletiva, como diz Aristóteles, Logo, a obediência não é uma virtude especial.

4. Demais. – As virtudes se diferenciam especificamente pelos seus objetos. Ora o objeto da obediência é a ordem do superior, que multiplicadamente se diversifica, segundo os diversos graus de superioridade. Logo, a obediência é uma virtude geral, incluindo em si muitas virtudes especiais.

Mas, em contrário, a obediência certos a consideram como parte da justiça, conforme dissemos.

SOLUÇÃO. – Cada boa obra, que por natureza merece louvor especial, corresponde determinadamente a uma virtude especial; pois, à virtude cabe por essência tornar as nossas obras boas. Ora, obedecer ao superior nós o devemos, pela ordem divina imanente nas coisas, corno dissemos; e por consequência, é um bom ato, pois que o bem consiste no modo, na espécie e na ordem, como diz Agostinho. Mas, o ato de obediência, pelo seu objeto especial, é digno de louvor por uma razão especial. Pois, entre os muitos deveres dos inferiores para com os superiores, tem eles o de lhes obedecer às ordens. Por isso, a obediência é uma virtude especial e tem como objeto especial um preceito tácito ou expresso. Pois, a vontade do superior, de qualquer modo que se de a conhecer, é um preceito tácito; e tanto mais pronta é a obediência quanto mais previne o preceito expresso, uma vez compreendida a vontade do superior.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede duas noções especiais, correspondentes a duas virtudes especiais, terem um mesmo objeto material. Assim, um soldado, defendendo o acampamento do seu rei, tanto pratica um ato de coragem, não fugindo ao perigo da morte por causa do bem que tem em vista, como um ato de justiça, prestando ao seu senhor um serviço devido. Assim, pois, a noção de preceito a que atende a obediência, concorre com os atos de todas as virtudes, porque nem todos os atos de virtude são de preceito, como se estabeleceu. Semelhantemente, há certos atos que às vezes são de preceito sem, contudo, serem objeto de nenhuma virtude, como é o caso dos que são maus só por serem proibidos. Por onde, considerada a obediência no sentido próprio, enquanto que com ela temos a intenção de obedecermos a um preceito, na sua razão formal, será uma virtude especial, sendo então a desobediência um pecado especial. Pois, neste sentido, a obediência exige que pratiquemos um ato de justiça ou de outra virtude, com a intenção de cumprir o preceito; e para haver desobediência é preciso que desprezemos o preceito atualmente. Considerada, porém a obediência em sentido lato, como o cumprimento do que pode constituir objeto de preceito, e a desobediência como a omissão do cumprimento da ordem, qualquer que seja a intenção, nesse caso a obediência será uma virtude geral e a desobediência, um pecado geral.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A obediência não é uma virtude teologal. Pois, o seu objeto próprio não é Deus, mas a ordem de um superior qualquer, expressa ou interpretativa, quando obedecemos prontamente a uma simples palavra do superior, indicativa de sua vontade, conforme aquilo do Apóstolo: Obedecer às palavras. Mas, é virtude moral quando faz parte da justiça e é uma mediedade entre um excesso e um defeito; sendo o excesso considerado, não quantitativamente, mas, em relação a outras circunstâncias, isto é, conforme obedecemos a quem não o devemos ou em coisas em que não o devemos, segundo dissemos ao tratar da religião. Mas também se pode dizer que, assim como, em relação à justiça, o excesso está em retermos o bem alheio, e o defeito em não darmos a outrem o que lhe é devido, conforme diz o Filósofo; assim também a obediência é um termo médio entre um excesso, consistente em não cumprirmos para com o superior o dever de obedecer, por superabundarmos na satisfação à nossa vontade própria; e um defeito, relativamente ao superior, ao qual não obedecemos. Portanto, a esta luz, a obediência não será uma mediedade entre duas malícias, como dissemos a respeito da justiça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A obediência, como qualquer virtude, infunde–nos na vontade uma inclinação pronta para o seu objeto e não, para o que lhe repugna. Ora, o objeto próprio da obediência é uma ordem procedente da vontade de outrem. Por isso ela nos torna a vontade pronta em cumprir a ordem de quem nos manda. Mas, se o que nos mandam já por nós mesmos o queremos, mesmo independentemente da ordem, como no caso do que nos favorece, então por nossa vontade própria nós o buscamos, cumprindo voluntariamente a ordem e não por nô–la ser imposta. Mas, quando o que nos mandam de nenhum modo está de acordo com a nossa vontade, antes, em si mesmo considerado, lhe repugna a ela, como no caso do que nos contraria, então é absolutamente claro que não o fazemos senão por ordem. Por isso, Gregório diz, que quando a obediência segue a sua inclinação no que nos favorece, ela é nula ou diminuta, pois, nesse caso, a nossa vontade própria não busca principalmente o cumprimento da ordem, mas, alcançar o objeto querido. Porém, no que nos repugna ou é difícil, ela é maior, porque não busca nenhuma outra cousa a não ser a obediência à ordem. O que deve entender–se segundo as aparências externas. Mas, segundo o juízo de Deus, que lê nos corações, pode acontecer que, mesmo nos casos que nos favorecem, a obediência, seguindo a sua inclinação própria, nem por isso seja menos louvável, por tender não menos prontamente a vontade ao cumprimento da ordem.

RESPOSTA À QUARTA. – O respeito atende diretamente à excelência da pessoa; por isso as suas espécies variam conforme a natureza da excelência. Ao passo que a obediência respeita à ordem de uma pessoa excelente e por isso tem uma só natureza. Mas, como pelo respeito a quem manda é que devemos obedecer–lhe à ordem, consequentemente toda obediência é da mesma espécie, embora procedente de causas diversas.

Art. 1 – Se um homem está obrigado a obedecer a outro

O primeiro discute–se assim. – Parece que um homem não está obrigado a obedecer a outro. 

1. – Pois, não devemos fazer nada contra o que Deus determinou. Ora, Deus determinou que o homem se governe pelo seu conselho, como se lê na Escritura: Deus criou o homem desde o princípio e o deixou na mão do seu conselho. Logo, um homem não está obrigado a obedecer a outro.

2. Demais. – Se um homem estivesse obrigado a obedecer a outro, necessariamente havia de ter a vontade de quem lhe manda, como regra do agir humano. Logo, o homem não está obrigado a obedecer senão a Deus.

3. Demais. – Os serviços, quanto mais gratuitos, tanto melhor aceitos. Ora, o que fazemos por dever não é gratuito. Logo, se tivéssemos de obedecer a outrem, ao praticarmos as boas obras, por isso mesmo essas, feitas por obediência, se tornariam menos aceitáveis. Logo, um homem não está obrigado a obedecer a outro.

Mas, em contrário, manda o Apóstolo: Obedecei a vossos superiores e sede–lhes sujeitos.

SOLUÇÃO. – Assim como a ação dos seres naturais procede de potências naturais, assim, os atos humanos, da vontade humana. Ora, na ordem natural, os seres superiores necessariamente movem os inferiores para os atos destes, por causa de uma virtude natural conferida por Deus. Por onde e necessariamente, também na ordem humana, os superiores pela sua vontade e em virtude da autoridade que Deus lhes conferiu, movem os inferiores. Ora, mover por meio da razão e da vontade é mandar. Logo, assim como em virtude mesmo da ordem natural instituída por Deus, os inferiores, na ordem natural, hão de necessariamente sujeitar–se à moção dos superiores, assim também, na ordem humana, por disposição de direito natural e divino, os inferiores estão obrigados a obedecer aos seus superiores.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus deixou o homem na mão do seu conselho, não para lhe ser lícito fazer o que quiser, mas como não estando obrigado, por necessidade de natureza, a fazer o seu dever, como as criaturas irracionais, mas, por livre eleição procedente do seu conselho próprio. E assim como, para agir, em geral, deve se apoiar no seu conselho próprio, assim também o deve, quando se trata de obedecer aos superiores; pois como diz Gregório, sujeitando–nos humildemente às ordens de outrem, elevamo–nos aos nossos próprios olhos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A vontade divina é a regra primeira a que estão sujeitas todas as vontades racionais, da qual uma destas se aproxima mais que outra, segundo a ordem instituída por Deus. Por onde, a vontade de quem manda pode ser como que segunda regra à vontade de quem obedece.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Uma obra pode ser considerada gratuita, de dois modos. Primeiro, em si mesma; quando, por exemplo, não estamos obrigados a fazê–la. De outro modo, quanto a quem a pratica, por fazê–la de livre vontade. Ora, uma obra se torna virtuosa, louvável e meritória, sobretudo por proceder da vontade. Por onde, embora devamos obedecer, se o fizermos com vontade pronta, nem por isso se nos diminui o mérito, sobretudo perante Deus, que vê não somente as obras exteriores, mas também a vontade interior.

Art. 4 – Se a dulia tem diversas espécies.

O quarto discute–se assim. – Parece que a dulia tem diversas espécies.

1. – Pois, pela dulia tributamos honra ao próximo. Ora, são diversas as razões pelas quais honramos próximos diversos, como, o rei, o pai ou o mestre, segundo está claro no Filósofo. Ora, as noções diversas do objeto, diversificando as espécies de virtude, parece que a dulia divide–se em virtudes especificamente diferentes.

2. Demais. – O termo médio difere especificamente dos extremos; assim, o pálido, do branco e do preto. Ora, a hiperdulia é um termo médio entre a latria e a dulia; pois, é prestada às criaturas que tem uma especial afinidade com Deus, como à B. Virgem, enquanto mãe de Deus. Logo, parece que há dulias de diferentes espécies: uma, a dulia em sentido absoluto e outra, a hiperdulia.

3. Demais. – Assim como a criatura racional é honrada por ser a imagem de Deus, assim também há na criatura irracional vestígio de Deus. Ora, semelhança de natureza diversa implicam as denominações de imagem e de vestígio. Logo, também é necessário admitirem–se, a esta luz, espécies diversas de dulia, sobretudo que tributamos honra a certas criaturas irracionais, como ao madeiro da santa cruz e a outras semelhantes.

Mas, em contrário, a dulia se divide da latria, por oposição. Ora, a latria não se divide em espécies diversas. Logo, nem a dulia.

SOLUÇÃO. – A dulia pode ser tomada em duplo sentido. – Primeiro, em sentido geral, quando tributa reverência a qualquer pessoa, em razão de uma certa excelência. E então inclui a piedade filial, o respeito e qualquer outra virtude, que tenha por fim prestar reverência a outrem; e, assim, é susceptível de espécies diversas. Segundo, em sentido estrito, e é aquela pela qual o servo tributa reverência ao Senhor, pois, a dulia se chama servidão, como se disse. E, neste sentido, não se divide em espécies diversas, mas, é uma das espécies de respeito, segundo Túlio; pois, a razão pela qual o servo presta reverência ao senhor não é a mesma pela qual o soldado a presta ao general, o discípulo, ao mestre e assim por diante.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe quanto à dulia em sentido geral.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A hiperdulia é a mais importante espécie de dulia tomada em sentido geral. Pois, devemos ao homem a máxima reverência por causa das suas afinidades com Deus.

RESPOSTA A TERCEIRA – A criatura irracional, em si mesma considerada, não lhe devemos nenhuma sujeição ou honra; ao contrário, toda criatura irracional está naturalmente sujeita ao homem. E quanto à honra tributada à cruz de Cristo, ela é idêntica à com que honramos a Cristo; assim como à púrpura do rei tributamos a mesma honra que ao rei, como diz Damasceno.

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