Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute–se assim. – Parece que as observâncias ordenadas a causar alterações no corpo, como na saúde ou outras semelhantes, são lícitas.
1. – Pois, é lícito recorrer às forças naturais dos corpos para fazê–las produzir os seus efeitos próprios. Ora os corpos naturais tem certas virtudes ocultas, cuja razão o homem não conhece; como a do diamante, que atrai o ferro, e muitas outras enumeradas por Agostinho. Logo, parece que recorrer a tais práticas para provocar alterações no corpo não é ilícito.
2. Demais. – Assim como os corpos naturais estão sujeitos à ação dos corpos celestes, assim também os corpos artificiais. Ora, os corpos naturais participam de certas virtudes ocultas, resultantes da espécie, por impressão dos corpos celestes. Logo também os corpos artificiais, por exemplo, as figuras, participam de alguma virtude oculta, proveniente dos corpos celestes, para causar certos efeitos. Logo, usar deles e de outros semelhantes não é ilícito.
3. Demais. – Também os demônios podem de muitos modos causar alterações nos corpos, como diz Agostinho. Ora, o poder deles vem de Deus. Logo, é lícito usar desse poder para produzir certas alterações.
Mas, em contrário, Agostinho: Devem se considerar como superstição as práticas das artes mágicas, os amuletos, os remédios condenados pela ciência médica, quer consistam em encantações, quer em certas figuras chamadas caracteres, quer em outras causas ligadas e dependuradas no corpo.
SOLUÇÃO. – Nas práticas feitas para a consecução de certos efeitos particulares, devemos considerar se esses efeitos se podem obter naturalmente. E nesse caso não serão ilícitas; pois, podemos fazer as causas naturais produzirem os seus efeitos próprios. Se, porém esses efeitos não podem ser causados naturalmente, resulta daí que as causas apresentadas como produtoras deles não são realmente causas, mas, uns como sinais. E assim se incluem nos pactos simbólicos feitos com os demônios. Por isso diz Agostinho: Quando os demônios respondem à invocação das criaturas, que são obras de Deus e não, deles, deixam–se atrair diversamente segundo a diversidade do seu gênio; não pelos alimentos, como os animais, mas, como espíritos, pelos sinais, por símbolos agradáveis ao capricho de cada um; por vários gêneros de pedras, de ervas, de madeiras, de animais, de ritos e de encantamentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃ0. – Nada há de supersticioso nem de ilícito quando pura e simplesmente se aplicam as coisas naturais à produção de certos efeitos para os quais se consideram com virtude natural. Se porém se lhes acrescentarem quaisquer caracteres, nomes ou quaisquer outras observâncias, que manifestamente não tem nenhuma eficácia natural, essas práticas serão supersticiosas e ilícitas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As virtudes naturais dos corpos naturais resultam das suas formas substanciais, imprimidas por influência dos corpos celestes; e dessa impressão resultam–lhes certas virtudes ativas. Mas as formas dos corpos artificiais procedem da concepção do artista. E como nada mais são do que composição, ordem e figura, no dizer de Aristóteles, não podem ter virtude natural para agir. Donde vem que, enquanto artificiais, não recebem nenhuma virtude por impressão dos corpos celestes, mas só por influência da matéria natural. Logo, é falso o dito de Porfírio, segundo refere Agostinho: Combinando ervas e pedras e partes de animais, e certos sons e vozes, e figuras e certos emblemas tirados também da observação dos movimentos das estrelas, na revolução do céu, os homens podem fabricar na terra talismãs que recebem dos astros a virtude de produzir diversos efeitos; como se os efeitos das artes mágicas procedessem da virtude dos corpos celestes. Mas, como Agostinho acrescenta no mesmo lugar, tudo isso vem dos demônios, que iludem as almas que se lhes sujeitaram. Per isso, também as figuras chamadas astronômicas são obra dos demônios. E a prova é que nelas devem ser escritos certos caracteres, que naturalmente para nada servem; pois, uma figura não é princípio de nenhum ato natural. Mas, as imagens astronómicas diferem das necromânticas em que nestas se fazem expressamente certas invocações e fantasmagorias e, portanto, implicam em pacto expresso com os demônios; ao passo que aquelas importam em pactos tácitos por meio de certos sinais de figuras ou de caracteres.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pelo domínio da sua divina majestade, a que os demônios estão sujeitos, pode Deus usar deles como quiser. Mas, ao homem não foi dado o poder sobre os demônios de modo a usar deles como quiser; mas, ao contrário, há guerra declarada entre ele e eles. Por onde, de nenhum modo é lícito ao homem recorrer ao auxílio dos demônios por pactos tácitos ou expressos.
O primeiro discute–se assim. – Parece que não é ilícito recorrer às observâncias da arte notória.
1. – Pois, em dois sentidos pode um ato ser ilícito: genericamente, como o homicídio ou o furto; ou por se ordenar a um mau fim, como dar esmola por vanglória. Ora, as observâncias da arte notória não são genericamente ilícitas; pois, consistem em certos jejuns e orações a Deus e podem ordenar–se também para um bom fim, como quando se trata de adquirir ciência. Logo, recorrer a essas observâncias não é ilícito.
2. Demais. – Na Escritura lemos que aos meninos abstinentes Deus deu a ciência e o conhecimento de todos os livros. Ora, as observâncias da arte notória consistem em certos jejuns e abstinências. Logo, parece que essa arte produz os seus efeitos por influência divina e, portanto não é ilícito recorrer a ela.
3. Demais. – Parece que é desordenado consultar sobre o futuro, os demônios, porque eles não o conhecem, senão só Deus, como se disse. Ora, os demônios conhecem as verdades científicas; pois, o objeto da ciência é o que se realiza necessariamente e sempre, o que está ao alcance de conhecimento humano e com maior razão do dos demônios, que são mais perspicazes, no dizer de Agostinho. Logo, não parece pecado recorrer à arte notória, mesmo que produza o seu efeito por meio dos demônios.
Mas, em contrário, a Escritura: Nem se ache entre vós quem indague dos mortos a verdade, porque essa indagação se apoia no auxílio dos demônios. Ora, pelas observâncias da arte notória, busca–se o conhecimento da verdade por meio de certos pactos, simbólicos feitos com o demônio. Logo, recorrer à arte notória não é lícito.
SOLUÇÃO. – A arte notória é ilícita e ineficaz. – Porque usa de certos meios para adquirir a ciência, que não podem em si mesma conduzir ai ela, como o exame de certas figuras, a pronúncia de certas palavras de significação ignorada e coisas semelhantes. Por isso, a referida arte não emprega esses meios como causas, mas, como sinais. Mas, não como sinais revelados por Deus, como o são os sinais sacramentais. Donde se conclui que são sinais vãos e, por consequência, não: tem outro efeito, segundo Agostinho, senão o de exprimir simbolicamente pactos e alianças com os demônios. Por isso, o Cristão deve de todo em todo repudiar e fugir à arte notória, bem como as outras artes nuqatôrias por serem superstições nocivas, diz Agostinho.
E demais tal arte é ineficaz para nos dar a ciência. Pois, como por meio dela o homem não adquire a ciência descobrindo ou apreendendo, que é o seu modo conatural de a obter, consequentemente esse resultado ele o espera de Deus ou dos demônios. – Ora, é certo que alguns receberam de Deus a sabedoria e a ciência infusas, como na Escritura lemos de Salomão. E também o Senhor disse aos seus discípulos: Eu vos darei uma boca e uma sabedoria à qual não poderão resistir nem contradizer todos os vossos inimigos. Mas, esse dom não é dado a qualquer nem é o resultado de nenhuma prática supersticiosa, mas depende do arbítrio do Espírito Santo, segundo o Apóstolo: Porque a um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria; a outro, porém a palavra de ciência segundo o mesmo Espirito, E em seguida: Todas estas causas obra só um e mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer. Mas os demônios não podem iluminar a inteligência, como estabelecemos na Primeira Parte. Ora, a inquisição da ciência e da sabedoria se faz pela iluminação do intelecto. Por isso nunca ninguém adquiriu a ciência por meio dos demônios. Donde o dizer Agostinho: Porfírio confessa que, nas práticas teúrgicas, chamadas teletas, isto é, na atividade dos demônios, nada há que possa purificar, a alma intelectual, tornando–a capaz de ver ao seu Deus e contemplar a verdade, tal como todos os princípios científicos. Contudo, os demônios podem, usando de palavras humanas, ensinar certas verdades científicas; mas não é o que busca a arte notória.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Adquirir ciência é bom; mas, adquiri–la de um modo indébito não o é. Ora, este é o fim visado pela arte notória.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Aqueles meninos não praticavam a abstinência com vã observância da arte notória; mas, para cumprir o preceito da lei divina, não querendo contaminar–se com a comida dos gentios. Por onde, pelo mérito da obediência, alcançaram de Deus a ciência, conforme às palavras da Escritura: Mais que os anciãos entendi, porque busquei os teus mandamentos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Buscar dos demônios o conhecimento do futuro é pecado, não só porque eles não o conhecem, mas também pela sociedade em que se entra com eles, o que se dá no caso vertente.
O oitavo discute–se assim. – Parece que a adivinhação por meio de sortes não é ilícita.
1. – Pois, aquilo da Escritura – Nas tuas mãos, estão as minhas sortes – diz a Glosa de Agostinho: A sorte não tem nada de mau mas indica a vontade divina, quando duvidamos.
2. Demais. – Aquilo que os santos praticavam e refere a Escritura não parece ilícito. Ora, vemos, tanto no Antigo como em o Novo Testamento, que varões santos recorreram à sorte. Assim, lemos que Josué, por ordem do Senhor, por um juízo fundado em sortes, puniu Acar, que subtraíra uma parte dos despojos. Também Saul descobriu por sorte que seu filho Jónatas comera mel; e Jonas, fugindo da presença do Senhor, foi descoberto por sorte e atirado ao mar: Zacarias caiu–lhe por sorte oferecer o incenso; Matias foi escolhido para o apostolado, por sorte, pelos Apóstolos – o que tudo se lê na Escritura. Logo, parece que a adivinhação por meio de sortes não é ilícita.
3. Demais. – O duelo, chamado monomaquia, isto é, combate singular; e os juízos por meio do fogo e da água, chamados vulgares, parecem espécies de sorte; por serem meios de se descobrirem coisas ocultas. Ora, não parecem ilícitos; pois, lemos de Davi, que entrou em combate singular com o Filisteu. Logo, parece que a adivinhação por meio de sortes não é ilícita.
Mas, em contrário, determina um cânon: Decretamos que são adivinhações e malefícios as sortes, que os Padres condenaram, mas a que vós recorreis para resolver todas as dificuldades, nas vossas províncias. Pelo que, as condenaremos absolutamente e proibimos que os Cristãos não mais lhe pronunciem os nomes nem as pratiquem, sob pena de anátema.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, há propriamente sorte quando praticamos um ato para, da observação dele, tirar o conhecimento do que está oculto. E então, a sorte será divisória quando por meio dela, pretendemos descobrir o que devemos atribuir a outrem, quer seja, uma coisa possuída, ou a honra, ou a dignidade, ou uma pena, ou uma ação qualquer. Mas, se quisermos indagar o que devemos praticar, a sorte será consultoria. Se, enfim, quisermos saber um acontecimento futuro, será divinatória.
Ora, os atos humanos praticados para consultar a sorte não estão sujeitos à disposição das estrelas, nem os resultados deles. Por onde, quem recorrer à sorte, pretendendo que os atos humanos praticados para consulta–la, produzam efeito por influência das estrelas, professa opinião vã e falsa e, por conseguinte, não escapa à ingerência dos demônios. Por onde, essa espécie de adivinhação será sempre supersticiosa e ilícita.
Ora, pondo essa causa de lado, havemos de esperar o resultado desses atos, que consultam a sorte, ou da fortuna ou de alguma causa espiritual dirigente. – E se for a fortuna, o que pode se dar só com a sorte divisória, parece que não se cometerá talvez senão o pecado de vaidade. Tal o caso daqueles que, não querendo concordar na divisão de uma causa, recorram à sorte para fazer a divisão, como que pedindo à fortuna determine a parte que cada um receberá.
Se porém a decisão da sorte se esperar que provenha de uma causa espiritual, às vezes quem assim espera, nos demônios espera. Tal o que se lê de Eliezer, na Escritura: O rei de Babilônia parou na encruzilhada, no topo dos dois caminhos, procurando adivinhação, misturando as setas: perguntou aos seus ídolos, consultou as entranhas. E tais sortes são ilícitas e proibidas pelos cânones.
Outras vezes, porém, espera–se que a sorte provenha de Deus, conforme aquilo da Escritura: Os bilhetes da sorte lançam–se numa dobra do vestido; mas o Senhor é quem os tempera. E tal sorte não é má em si mesma, como diz Agostinho. Mas, de quatro modos pode nela haver pecado. – Primeiro, se se recorrer a sortes sem nenhuma necessidade, o que implica em tentar a Deus. Por isso Ambrósio diz: Quem foi escolhido por sorte não o foi por deliberação humana. – Segundo, se se usar ele sortes, mesmo em caso de necessidade, mas faltando com a reverência devida a Deus. Por isso diz Beda: Aqueles que, compelidos pela necessidade, pensam que devem consultar a Deus, por meio de sortes, a exemplo dos Apóstolos, notem que eles só o fizeram depois de convocada a reunião dos irmãos e feitas orações a Deus. – Terceiro, se nos servirmos das palavras divinas para fins terrenos. Por isso Agostinho diz: Aqueles que tiram sortes por meio das Páginas do Evangelho, embora seja preferível proceder assim a consultarem o demônio, contudo, esse costume me desagrada, de aplicar as palavras divinas a negócios seculares e à vaidade desta vida. – Quarto, se se recorrer a sortes quando se trata de eleições eclesiásticas que devem ser feitas por inspiração do Espírito Santo. Por isso, diz Beda: Matias, ordenado antes de Pentecostes, foi escolhido por sorte, e isso porque a Igreja ainda não tinha a plenitude do Espírito Santo; mas depois foram ordenados sete diáconos não por sorte, mas, por eleição dos discípulos. É diferente porém o que se dá com as dignidades temporais, destinadas a fins terrenos; e na eleição para elas muitas vezes se recorre à sorte, como na divisão dos bens temporais.
Mas por premente necessidade, é lícito, com a reverência devida a Deus, implorar o juízo divino recorrendo a sortes. Por isso diz Agostinho: Pode haver dúvidas entre os ministros de Deus para saber, em tempo de perseguição, quais os que devem ficar – para que todos não fujam; e quais os que devem fugir – para a Igreja não ficar deserta, com a morte de todos. E então se essas dúvidas não puderem ser resolvidas, sou de opinião que devem ser escolhidos por sorte os que fiquem e os que fujam. E noutro lugar: Se tivesses abundância de algum bem que deverias dar a quem não o tivesse; se se apresentassem dois candidatos, não podendo tu dá–lo a ambos; e se desses dois nenhum tivesse mais necessidade que o outro nem qualquer relação particular contigo, nada de mais justo poderias fazer do que escolher por sorte aquele a quem deverias dar o que não poderias dar a ambos.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA E À SEGUNDA OBJEÇÕES.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O juízo do ferro candente e o da água fervendo ordenam–se por certo à descoberta de um pecado oculto, por meio de um ato humano e, por aí, são da mesma natureza que a sorte; mas, tem natureza mais ampla que ela por esperarem de Deus um efeito milagroso. Por isso esses juízos são ilícitos: tanto por buscarem descobrir as causas ocultas reservadas ao juízo divino, como por não serem permitidos por autoridade divina. E é a razão por que um decreto do Papa Estevão dispõe: Os cânones sagrados não permitem arrancar a confissão de ninguém pelo exame do ferro candente ou da água fervendo; e o que a doutrina dos Santos Padres não o permite não devemos procurar obter por meio de descoberta supersticiosa. Pois, é da nossa alçada julgar, com os olhos no temor de Deus, os delitos tornados públicos por confissão espontânea ou comprovação de testemunhas. Quanto às coisas ocultas e desconhecidas, devem ser deixadas aquele que só conhece o coração dos filhos dos homens. E o mesmo se dá com a lei dos duelos; salvo que se aproximam mais da natureza comum das sortes, por não esperarem efeitos milagrosos, senão quando os contendores são de força ou arte muito desiguais.
O sétimo discute–se assim. – Parece que a adivinhação feita por meio de augúrios, agouros e observações semelhantes das causas externas, não é ilícita.
1. – Pois, se fossem ilícitos, os varões santos não recorreriam a eles. Ora, lemos de José, que recorreu aos augúrios. Assim, narra a Escritura que o dispenseiro lhe disse: A taça que furtastes é a mesma por que bebe meu senhor, da qual se serve para as suas adivinhações. E o próprio José disse aos seus irmãos: Por ventura ignorais que não há semelhante a mim na ciência de adivinhar logo, recorrer à adivinhação não é ilícito.
2. Demais. – As aves naturalmente conhecem certos sinais futuros dos tempos, conforme aquilo da Escritura: O milhafre no céu conheceu a sua estação; a rôla e a andorinha e a cegonha observam a conjuntura da sua arribação. Ora, o conhecimento natural é infalível e vem de Deus. Logo, augurar, isto é, servir–se do conhecimento das aves para prever o futuro, parece que não é ilícito.
3. Demais. – Gedeão é contado em o número dos santos, como se lê no Apóstolo. Ora, Gedeão recorreu ao agouro, por ter ouvido a narração e a interpretação de um sonho, como o refere a Escritura. E diz também ter feito o mesmo, Eliezer, servo de Abraão, Logo, parece que tal adivinhação não é ilícita.
Mas, em contrário, a Escritura: Nem se ache entre vós quem observe agouros.
SOLUÇÃO. – É claro que o movimento, o garrir das aves ou quaisquer disposições observadas em matéria de agouros, não são causa dos acontecimentos futuros. Portanto, não podemos tirar de tais fenômenos o conhecimento do futuro como se fossem as causas dele. Donde se conclui, que se por meio deles o conhecemos, é por serem efeitos de certas causas produtoras ou conhecedoras dos acontecimentos futuros.
Ora, a causa da atividade dos brutos é um certo instinto que os faz moverem–se por um movimento natural; pois, não são senhores dos seus atos. E esse instinto pode proceder de duas causas.
Uma é causa corpórea. Pois, não tendo os brutos senão a alma sensitiva, todas as faculdades da qual são atos de órgãos corpóreos, a alma deles sofre a influência dos corpos ambientes e sobretudo dos celestes. Por isso nada impede que algumas das suas operações prenunciem o futuro, por se conformarem às disposições dos corpos celestes e do ar ambiente, dos quais procedem certos eventos futuros. Mas, temos aqui duas coisas a considerar. Primeiro, que essas operações não as apliquemos senão para conhecermos o futuro causado pelo movimento dos corpos celestes, como já dissemos. Segundo, que não vão além do que podem, de algum modo, esses animais. Pois, por influência dos corpos celestes, tem um certo conhecimento natural e um instinto que os leva a buscar o necessário à vida; assim, conhecem as mudanças de tempo causadas pelas chuvas, pelos ventos e por fenômenos semelhantes.
À outra luz, esses instintos tem causa espiritual. Essa é Deus, como no caso da pomba que desceu sobre Cristo, no do corvo que trazia comida a Elias, na da baleia, que engoliu e deitou na praia Jonas. Ou são também os demônios que se servem da atividade dos animais irracionais para enredar as almas humanas em vãs opiniões. E o mesmo se dá com outras coisas semelhantes, exceto os agouros, porque as palavras humanas consideradas como agouro não estão sujeitas à influência das estrelas; pois, são dispostas pela providência divina e às vezes por obra dos demônios.
Assim, pois, devemos concluir que todas essas espécies de adivinhação, se pretenderem ir além do que é possível alcançar, na ordem da natureza ou da providência divina, são supersticiosas e ilícitas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O dito de José, que ninguém lhe era comparável na arte de adivinhar, tinha sentido jocoso, segundo Agostinho, e não, sério, referindo–o por ventura ao que o vulgo pensava dele. E nesse mesmo sentido falou o seu dispenseiro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O lugar citado se refere ao conhecimento das aves quanto ao que lhes concerne. E, para prevê–lo, não é ilícito observar–lhes as vozes e os movimentos; por exemplo, se alguém predissesse chuva por ter observado o repetido crocitar da gralha.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Gedeão escutou a narração e a interpretação do sonho, tomando–o como agouro ordenado à sua instrução pela divina providência. E do mesmo modo, Eliezer atendeu às palavras da donzela, depois de ter feito oração a Deus.
O sexto discute–se assim. – Parece que a adivinhação feita por meio dos sonhos não é ilícita.
1. – Pois, não é ilícito recorrer à instrução divina. Ora, no sonho os homens são instruídos por Deus, conforme ensina a Escritura: Por sonho de visão noturna, quando cai sopôr sobre os homens e estão dormindo no seu leito, então abre, isto é, Deus, os ouvidos dos homens e, admoestando–os, lhes adverte o que devem fazer. Logo, não é ilícito recorrer à adivinhação por meio dos sonhos.
2. Demais. – Os que interpretam os sonhos propriamente recorrem à adivinhação por meio deles. Ora, lemos de varões santos, que interpretaram sonhos; assim José interpretou os sonhos do copeiro–mor e do padeiro–mor do Faraó; e Daniel, o sonho do rei de Babilônia, o que tudo se lê na Escritura. Logo; não é ilícita a adivinhação por meio dos sonhos.
3. Demais. – É irracional negar o que é de experiência humana universal. Ora, todos sabem por experiência que os sonhos revelam certas causas futuras. Logo, é vão negar que se possa adivinhar por meio deles; e portanto é lícito recorrer a eles.
Mas, em contrário, a Escritura: Nem se ache entre vós quem observe sonhos.
SOLUÇÃO. – Como se disse, a adivinhação fundada numa opinião falsa é supersticiosa e ilícita. Portanto, devemos distinguir o que há de verdade a respeito do conhecimento do futuro, que podemos haurir nos sonhos. Ora, às vezes os sonhos são a causa dos acontecimentos futuros; por exemplo, quando alguém, com o espírito influenciado pelo que viu em sonhos, é levado a praticar ou não um certo ato. Outras vezes, os sonhos são sinais de certos acontecimentos futuros, reduzindo–se a alguma causa geral, ao mesmo tempo dos sonhos e desses acontecimentos. E então, dos sonhos haurimos o conhecimento de muitos acontecimentos futuros. Por onde, devemos considerar qual a causa dos sonhos, se pode sê–lo dos acontecimentos futuros ou pode conhecê–las. Ora, devemos saber que a causa dos sonhos é, umas vezes interna e outras, externa.
A interna é de duas espécies. – Uma, animal, que desperta em nossa fantasia, quando dormimos, aquilo que demoradamente pensamos e desejamos no estado de vigília. Donde, tais sonhos tem relação apenas acidental com os acontecimentos futuros e só por casualidade coincidem. – Outras vezes porém a causa intrínseca dos sonhos é corporal. Porque, por disposição interna do corpo forma–se na fantasia um movimento favorável a essa disposição; assim, quem tem abundância de humores frios sonha que está na água ou na neve. E por isso os médicos dizem que se devem levar em conta os sonhos para conhecer as disposições internas.
Do mesmo modo, a causa externa dos sonhos é dupla: uma, corporal e outra, espiritual. – A corporal faz com que a imaginação de quem dorme seja alterada pelo ar ambiente ou por uma impressão dos corpos celestes; de maneira a lhe aparecerem fantasias conforme à disposição desses corpos. – A causa espiritual às vezes vem de Deus que, por mistério dos anjos, faz em sonhos certas revelações aos homens, como naquele caso da Escritura. Se entre vós se achar algum profeta do Senhor, eu lhe aparecerei em visão ou lhe falarei em sonhos. Outras vezes porém por obra dos demônios certas fantasias aparecem a aqueles que dormem, e aos que mantêm com eles pactos ilícitos revelam certos acontecimentos futuros.
Portanto, devemos concluir que quem recorre aos sonhos para desvendar o futuro não praticará adivinhação ilícita, quando esses sonhos procedem da revelação divina, de uma causa natural intrínseca ou extrínseca, até o ponto a que pode chegar a influência dessas causas. Mas, se a adivinhação for causada pela revelação dos demônios, com quem se fizeram pactos expressos, para o que foram invocados; ou pactos tácitos, por se estender essa adivinhação a coisas que não podia alcançar, então será ilícita e supersticiosa.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
O quinto discute–se assim. – Parece que a adivinhação feita por meio dos astros não é ilícita.
1. – Pois, é lícito predizer os efeitos pelo conhecimento das causas; assim os médicos pela disposição da doença predizem a morte. Ora, os corpos celestes são a causa dos acontecimentos deste mundo, como diz Dionísio. Logo, a adivinhação feita por meio dos astros não é ilícita.
2. Demais. – A ciência humana tira a sua origem da experiência, como está claro no Filósofo. Ora, muitas experiências ensinam que se pode predizer o futuro observando os astros. Logo, não parece ilícito recorrera tal adivinhação,
3. Demais. – A adivinhação é considerada ilícita quando se funda num pacto feito com os demônios, Ora, tal não se dá com a adivinhação feita por meio dos astros, que só leva em conta a disposição dessas criaturas de Deus. Logo, essa adivinhação não parece ilícita.
Mas, em contrário, Agostinho: Eu não deixava de consultar os astrólogos a quem chamam matemáticos; porque eles não ofereciam sacrifício e não faziam nenhuma oração para obter a assistência dos espíritos na adivinhação, Mas, a verdadeira piedade e religião cristãs nem por isso deixa de repeli–los e condená–los.
SOLUÇÃO. – Como se disse, a atividade dos demônios se intromete, para encher as almas humanas de vaidade ou de falsidade, na adivinhação fundada numa opinião falsa ou vã. Ora, a uma opinião vã ou falsa recorre quem quer, pela observação das estrelas, predizer o futuro, que não pode por meio delas ser predito. Por isso, devemos indagar os conhecimentos do futuro, que podemos obter pela observação dos corpos celestes. E desde logo, os fenômenos que se realizarão necessariamente é claro que podemos predizê–las observando as estrelas; assim, os astrólogos predizem os eclipses futuros.
Mas, há várias opiniões sobre à predição dos acontecimentos futuros baseada na observação das estrelas. Assim, dizem uns que as estrelas antes significam, do que fazem aquilo que se prediz, como resultante da observação delas. – Mas, isto é irracional. Pois, todo sinal corpóreo ou é efeito daquilo que assinala, como por exemplo, o fumo significa o fogo de que é causado; ou é a causa do assinalado; ou procede da mesma causa e assim, designando a causa, significa consequentemente o efeito, como é ocaso do íris que às vezes significa tempo sereno, por ser a causa dele a causa da serenidade. Mas, não podemos dizer que as disposições e os movimentos dos corpos celestes sejam efeitos dos acontecimentos futuros. Nem, além disso, podem reduzir–se a uma causa superior geral corpórea, Mas o podem à causa geral que é a providência divina. Porém, o modo pelo qual a providência divina dispõe os movimentos e as disposições dos corpos celestes não é o mesmo por que dispõe os acontecimentos contingentes futuros. Pois, aqueles são dispostos numa ordem necessária, de maneira a se cumprirem uniformemente; ao contrário, estes, sendo de natureza contingente, realizam–se de modo variável. Portanto, não é possível tirar o conhecimento do futuro, da observação dos astros, senão do modo pelo qual pelas causas se prediz o efeito.
Ora, há duas classes de efeitos que escapam à causalidade dos corpos celestes. – Primeiro todos os efeitos contingentes acidentais, quer na ordem humana, quer na da natureza. Porque, como o prova Aristóteles, o ser acidental não tem causa e sobretudo, natural, como o seria a influência dos corpos celestes. Pois, um efeito acidental não tem propriamente ser nem unidade; assim por exemplo, quando o solo é sacudido por uma pedra que cai, ou acha um tesouro quem cavava a terra; porque tais fatos e outros semelhantes não tem unidade, mas são múltiplos por natureza. Ora, as obras da natureza sempre realizam um fim determinado, assim como procedem de um princípio uno, que é a forma do ser natural. – Em segundo lugar, também os atos do livre arbítrio, que é a faculdade da vontade e da razão, escapam à causalidade dos corpos celestes. Porque o intelecto ou a razão nem é corpo nem ato de um órgão corpóreo; e por consequência também não é a vontade, dependente da razão, como está claro no Filósofo. Ora, nenhum corpo pode influir sobre um ser incorpóreo. Portanto, é impossível os corpos celestes influírem diretamente sobre o intelecto e a vontade; o contrário seria dizer que o intelecto não difere dos sentidos, consequência que Aristóteles impõe aos que diziam ser tal a vontade dos homens qual a determina o pai dos homens e dos deuses, isto é, o solou céu. Por onde, os corpos celestes não podem ser causa dos atos livres. Mas podem inclinar dispositivamente para eles, influindo sobre o corpo humano e, por conseguinte, sobre as potências sensitivas, atos de órgãos corpóreos, que levam o homem a agir. Mas, como as potências sensitivas obedecem à razão, segundo o Filósofo, elas não impõe nenhuma necessidade ao livre arbítrio, podendo o homem agir racionalmente, contrariando a influência dos corpos celestes.
Portanto, funda–se numa opinião falha e vã quem recorre à observação dos astros para prever os acontecimentos futuros casuais ou fortuitos, ou para conhecer com certeza atos humanos futuros, E aí intervém a ação do demônio, e portanto a adivinhação será supersticiosa e ilícita. Mas não será ilícita nem supersticiosa quando nos baseamos na observação dos astros e de coisas semelhantes para prever os futuros que eles causam nos corpos, como o tempo seco ou chuvoso.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos pode acontecer que os astrólogos frequentemente predigam a verdade, observando os astros. – Primeiro, porque muitos homens obedecem às paixões corpóreas. Por isso os atos deles sofrem, muitas vezes, a influência dos corpos celestes. E são poucos, isto é, só os sábios, que moderam racionalmente essas influências: Donde vem que os astrólogos predizem a verdade em muitos casos, sobretudo relativamente aos acontecimentos comuns dependentes da multidão. – De outro modo, por causa da intromissão dos demônios. Donde o dizer Agostinho: Devemos confessar que, quando os matemáticos (astrólogos) dizem a verdade, eles o fazem por uma certa e ocultíssima inspiração, que influi no espírito do homem sem ele o saber. E é obra dos espíritos, que nos seduzem, para nos enganar; pois, a eles lhes é permitido conhecer certas verdades a respeito das causas temporais. Daí conclui: Por isso o bom cristão deve acautelar–se do matemático (astrólogo) ou de quaisquer ímpios adivinhos, sobretudo se falam verdade; a fim de que a sua alma, enganada pelo consórcio com os demônios, não fique presa na sociedade deles.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.
O quarto discute–se assim. – Parece que a adivinhação feita com invocação dos demônios não é ilícita.
1. – Pois, Cristo, nada praticou de ilícito, como se lê na Escritura: O qual não comete pecado. Ora, o Senhor interrogou o demônio: Que nome é o teu! E este: Legião, disse, porque somos muitos. Logo, parece lícito interrogar o demônio sobre coisas ocultas.
2. Demais, – As almas dos santos não favorecem os que interrogam ilicitamente. Ora, Samuel apareceu a Saul, quando consultava uma mulher, que tinha o espírito pitônico, sobre uma guerra futura, e lhe predisse o que havia de acontecer, como lemos na Escritura, Logo, a adivinhação feita por interrogação aos demônios não é ilícita.
3. Demais. – Parece lícito indagar uma verdade, que nos é útil saber, de quem a conhece. Ora, às vezes é útil conhecer certas coisas ocultas, que os demónios podem saber; como por. exemplo, quando se trata de descobrir um furto. Logo, a adivinhação feita com invocação dos demônios não é ilícita.
Mas, em contrário, a Escritura: Nem se ache entre vós quem consulte adivinhos nem quem consulte aos pitões.
SOLUÇÃO. – Toda adivinhação feita com invocação dos demônios é ilícita por duas razões. – A primeira se funda no princípio da adivinhação, que consiste num pacto feito com o demônio pela invocação do mesmo. E isto é absolutamente ilícito. Por isso a Escritura diz contra certos: Vós dissestes: Nós fizemos um concerto com a morte e fizemos um pacto com o inferno. E ainda seria mais grave fazer sacrifício ao demônio invocado e reverenciá–lo. – A segunda razão se funda no acontecimento futuro. Pois, O demônio, visando a perdição dos homens, procura com as suas respostas, mesmo quando verdadeiras às vezes, acostumá–los a acreditar nele; e assim, leva–los ao que lhes é prejudicial à salvação. Por isso, Atanásio, expondo aquilo do Evangelho – Repreendeu–o dizendo: cala–te – diz: Embora o demônio confessasse a verdade, contudo Cristo embargou–lhe a palavra para que, confessando–a, não manifestasse também a sua iniquidade. E ainda para nos acostumar a não cuidar de tais coisas, ainda que ditas com verdade; pois, é mau deixarmo–nos instruir do diabo, quando temos ao nosso dispor a Escritura divina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Beda, o Senhor não interrogou como ignorante, mas para que, confessada a doença, que permitia, fulgisse mais digno de agradecimento o seu poder curativo. Ora, uma causa é interrogar o demónio, que acode espontaneamente, o que às vezes é lícito, para utilidade alheia, sobretudo quando o poder divino pode compeli–lo a falar verdade; e outra, invocá–lo para obter dele o conhecimento de coisas ocultas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Agostinho diz: Não é absurdo crer que a aparição de Samuel não tivesse sido produzida por virtude de nenhuma arte ou poder maçicos, mas por uma disposição secreta da Providência, desconhecida tanto de Seul como da pitonissa, que fez aparecer o espírito do justo para intimar ao rei a sentença que deveria feri–lo. Ou também, podemos pensar que a alma de Samuel não foi verdadeiramente tirada do seu lugar de repouso, mais que o demônio formou, com as suas maquinações, um fantasma e uma ilusão imaginária, a que a Escritura deu o nome de Samuel, assim, como as imagens das coisas costumam ser designadas pelos nomes destas.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nenhuma utilidade temporal pode ser comparada ao dano que sofre a salvação da nossa alma, resultante da inquirição de coisas ocultas, por invocação dos demônios.
O terceiro discute–se assim. – Parece que não podemos determinar várias espécies de adivinhação.
1. – Pois pecados da mesma natureza parece que não são de espécies diversas. Ora, todas as adivinhações são pecados da mesma natureza, por recorrerem a pactos com o demônio, para prever o futuro. Logo, não há várias espécies de adivinhação.
2. Demais. – Os atos humanos se especificam pelo fim, como se estabeleceu. Ora, toda adivinhação se ordena a um fim único, a predição do futuro. Logo, todas as adivinhações são da mesma espécie.
3. Demais. – Os sinais externos diversificam as espécies de pecado; assim, detrair a outrem por palavras, por escrito ou por um gesto são pecados da mesma espécie. Ora, parece que as adivinhações não diferem senão pelos diversos sinais externos, dos quais deduzimos o conhecimento do futuro. Logo, não há várias espécies de adivinhação.
Mas, em contrário, Isidoro enumera diversas espécies de adivinhação.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos toda adivinhação recorre, para predizer os acontecimentos futuros, a algum conselho ou auxilio dos demônios, ou expressamente implorado, ou, fora da intenção humana, por ingerência oculta do demônio, para prenunciar certos futuros desconhecidos dos homens, e que estes só poderiam alcançar pelos modos já referidos na Primeira Parte. Quando expressamente invocados, os demônios costumam predizer o futuro de muitos modos. – Ora, por meio de aparições prestigiosas, manifestando–se aos olhos e aos ouvidos dos homens, para prenunciar o futuro. E esta espécie, de adivinhação se chama pressagio porque os nossos olhos são atingidos de leve (praestringuntur). – Ora, por meio dos sonhos; e esta espécie se chama adivinhação dos sonhos. Outras vezes, pela aparição e locução de certos mortos. E esta espécie se chama necromancia porque, como diz Isidoro, em grego YExp6, significa morto, e mánteia adivinhação; pois, os mortos ressuscitados, por meio de certos encantamentos e do sangue derramado, parece que adivinham e respondem às perguntas. – Outras vezes ainda, os demônios predizem o futuro por meio dos vivos, como é o caso dos possessos. E esta é a adivinhação pelos pitões, assim chamados, segundo explica Isidoro, por causa de Apolo Pitico, considerado o autor da adivinhação: – Outras vezes enfim, predizem o futuro por meio de certas figuras ou sinais, que aparecem nas coisas inanimadas. E então, se elas aparecem nalgum corpo terrestre, como a madeira, o ferro ou a pedra polida, essa espécie de adivinhação se chama qeomancia; se na água, hidromancio; se no ar, aeromancia; se no fogo, piromancia; se enfim, nas vísceras dos animais imolados nos altares dos demônios, aruspicio. Quanto à adivinhação, feita sem expressamente invocar os demônios, ela se divide em dois gêneros.
O primeiro quando, para prever o futuro, observamos a disposição de certas coisas, Assim, os que procuram desvendar o futuro, observando a posição e o movimento dos astros, chamam–se astrólogos ou geneáticos, por atentarem para os dias natalícios. – Se levarem em consideração os movimentos ou as vozes das aves ou de quaisquer animais; ou o espirro das pessoas, ou as palpitações dos membros, praticam o que geralmente se chama augúrio, palavra derivada do garrir das aves, como o auspício, da inspeção das aves; sendo aque1e feito pelos ouvidos e este, pelos olhos, porque os auspícios se praticam sobretudo sobre as aves. – Quando porém a atenção é dirigida para as palavras pronunciadas intencionalmente por uma pessoa, e de que se faz aplicação ao futuro que se quer conhecer, chama–se a isso agouro. E, como diz Valério Máximo, a observação dos agouros tem por algum lado contato com a religião. Pois, segundo se crê, não foi um acontecimento fortuito, mas a divina providência, que levou, quando os Romanos deliberavam para saber se deviam transferir–se para outro lugar, um certo centurião a exclamar, por acaso, nesse mesmo tempo: Signífero, dá um sinal e aqui otimamente permaneceremos. E ao ouvirem essa exclamação, os Romanos a tomaram como agouro e abandonaram a deliberação sobre a mudança de lugar. – Outra espécie de adivinhação consiste em observar as disposições da figura de certos corpos, que nos ferem a vista. Assim, a adivinhação que procura interpretar as linhas da mão se chama quiromancia, que é como quem diz adivinhação pelas mãos, pois cheir em grego significa mão. A adivinhação fundada em certos sinais manifestados nas espáduas de um animal se chama espatulimancia .
No segundo gênero de adivinhação, que não invoca expressamente os demônios, está a que observa o resultado de certos atos praticados com o fito de descobrir o que está oculto. E isso, quer pelo prolongamento dos pontos, o que se inclui na geomancia; quer pela observação das figuras provenientes do chumbo liquefeito atirado na água; quer por meio da fôlha escrita ou não que alguém tirou, dentre muitas outras, que estavam escondidas; quer ainda vendo quem tirou a maior ou menor, dentre muitas varinhas desiguais que lhe ofereceram; ou quem ganhou mais pontos, no jogo dos dados; ou ainda lendo o que está escrito num livro aberto ao acaso. Ao que tudo se dá o nome de sortes.
Assim, pois, é claro que há três gêneros de adivinhação. O primeiro, praticado pelos necromontes, faz invocação manifesta dos demônios. O segundo, exercido pelos âugures, observa a disposição ou o movimento das coisas. O terceiro o das sortes consiste em recorrermos a práticas que nos revelem as coisas ocultas. Mas, como resulta do que dissemos cada um destes gêneros inclui muitas espécies.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todas as adivinhações referidas constituem pecados da mesma natureza, genericamente, mas não, especificamente. Pois, muito mais grave é invocar os demônios, que fazer certas práticas, que provoquem a ingerência deles.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O fim último donde se deduz a natureza genérica da adivinhação é o conhecimento das coisas futuras ou ocultas. Mas, distinguem–se diversas espécies dela conforme ao seus objetos próprios. ou a suas matérias, isto é, conforme às diversas circunstâncias em que se busca o conhecimento das coisas ocultas.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As causas que os adivinhos consideram eles as tem não como sinais expressivos do seu pensamento, como no caso da detração; mas, como princípios de conhecimento. Ora, é manifesto que a diversidade de princípios, diversifica a espécie de conhecimento, mesmo em se tratando das ciências demonstrativas.
O segundo discute–se assim. – Parece que a adivinhação não é uma espécie de superstição.
1. – Pois, uma espécie não pode pertencer a diversos gêneros. Ora, parece que a adivinhação é uma espécie de curiosidade, como diz Agostinho. Logo, parece que não é uma espécie de superstição.
2. Demais. – Assim como a religião é culto devido, assim a superstição é o indevido. Ora, a adivinhação parece não estar incluída em nenhum culto indevido. Logo, a adivinhação não faz parte da superstição.
3. Demais. – A superstição Se opõe à religião. Ora, a verdadeira religião nada tem que se oponha, por contrariedade, à adivinhação. Logo, a adivinhação não é uma espécie de superstição.
Mas, em contrário, Orígenes diz: Há, no domínio da preciência uma certa ação dos demônios, que parece ser compreendida por aqueles que se lhes entregaram, e que se manifesta, ora, Por meio de sortes, ora pelos augúrios, ora pela contemplação das sombras. Quanto a mim não duvido que tudo isso se faça por obra dos demônios. Mas, Agostinho diz, que tudo o que procede da sociedade entre demônios e homens é supersticioso. Logo, a adivinhação é uma espécie de superstição.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a superstição importa em atribuir a um ser um culto que não lhe é devido. Ora, de dois modos podemos cultuar a Deus: fazendo–lhe uma oferta, um sacrifício, uma oblação ou coisa semelhante; ou servindo–nos do que é divino, como dissemos ao tratar do juramento. Portanto, constitui superstição não só oferecer sacrifício aos demônios por meio da idolatria, mas também invocar–lhes o auxílio, para fazermos ou conhecermos alguma coisa. Ora, toda adivinhação é obra dos demônios, quer por os invocarmos expressamente, para nos manifestarem o futuro; quer por se intrometerem nas vãs indagações sobre o futuro, para encherem de vaidade o espírito dos homens, da qual diz a Escritura: Não voltou os olhos para as vaidades e necessidades enganosas. E a indagação do futuro é vã quando pretendemos prevê–lo por meios não adequados. Logo, é manifesto que a adivinhação é uma espécie de superstição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A adivinhação supõe a curiosidade, pelo fim buscado, que é a previsão do futuro. – Mas, supõe a superstição pelo modo de obrar.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A referida adivinhação implica em prestar culto aos demônios, quando se recorre a um pacto tácito ou expresso com eles.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A lei nova procura afastar o espírito dos homens das preocupações temporais. Por isso nada instituiu para nos levar a conhecer dos acontecimentos futuros, na ordem temporal. Ao contrário, a lei antiga, que prometia bens terrenos, permitia indagar o futuro, em matéria religiosa. Por isso, diz a Escritura: E quando vos disserem: Consultai os pitões e os adivinhos, que murmuram em segredo nos seus encantamentos; e acrescenta como respondendo: Acaso não consultará o povo ao seu Deus, há de ir falar com os mortos acerca dos vivos! Mas também houve, na vigência do Novo Testamento, certos homens dotados de espírito de profecia, que predisseram muitos acontecimentos futuros.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a adivinhação não é pecado.
1. – Pois, a adivinhação é assim chamada por ter algo de divino. Ora, o divino leva antes à santidade que ao pecado. Logo, parece que a adivinhação não é pecado.
2. Demais. – Agostinho diz: Quem ousará afirmar que aprender é um mal? E em seguida: Afirmo que de nenhum modo a inteligência pode ser um mal. Ora, há certas artes divinatórias, como se vê no Filósofo. E demais a própria adivinhação implica uma certa inteligência da verdade. Logo, parece que a adivinhação não é pecado.
3. Demais. – Nenhuma inclinação natural tem por objeto o mal, porque a natureza só inclina ao que lhe é semelhante. Ora, os homem, tem a inclinação natural para desvendar os acontecimentos futuros, e nisso consiste a adivinhação. Logo, a adivinhação não é pecado.
Mas, em contrário, a Escritura: Não se ache entre vós quem consulte pitões nem adivinhos. E uma decretal determina: Os que recorrem a adivinhações façam penitência durante cinco anos, conforme às regras estabelecidas.
SOLUÇÃO. – O nome de adivinhação significa predição do futuro. Ora, de dois modos podemos prevê–lo: na sua causa e em si mesmo.
As causas dos futuros manifestam um tríplice aspecto. – Certas produzem os seus efeitos sempre e necessariamente. E daqui, podemos prever e predizer com certeza esses efeitos futuros, considerando–lhes a causa; assim, os astrólogos predizem os eclipses futuros. Mas, outras causas produzem os seus efeitos não necessariamente e sempre, mas quase sempre, falhando raras vezes. E então, levando–as em conta, podemos prever o futuro, não certa mas conjecturalmente. Assim, os astrólogos, observando as estrelas, podem prever e anunciar a chuva e a seca; e os médicos, a saúde ou a morte. Mas, há ainda outras causas que, em si mesmas consideradas, são capazes de produzir tais efeitos ou tais outros. O que, sobretudo se dá com as potências racionais, que podem tender para termos opostos, segundo o Filósofo. E esses efeitos, mesmo se os há que algumas vezes procedam de causas naturais fortuitas, não podemos prevê–los conhecendo–lhes as causas. Porque estas não os produzem necessariamente. Por onde, tais efeitos não podem ser previstos, senão em si mesmos considerados.
Ora, os homens só podem observar esses efeitos, em si mesmos, quando presentes; assim, quando veem Sócrates correr em andar. Mas, só Deus pode conhece–los, como tais, antes de realizados; porque só ele vê, na sua eternidade, o futuro como presente, segundo já estabelecemos na Primeira Parte. Por isso diz a Escritura: Anunciei as coisas que tem de vir para o futuro e ficaremos sabendo que vós sois deuses. Portanto, quem pretender, de qualquer modo, predizer ou prever tais futuros, sem revelação divina, manifestamente usurpa o que pertence a Deus. E por isso é que certos se chamam adivinhos. Donde o dizer Isidoro: Chamam–se adivinhos por estarem como que cheios de Deus; pois, simulam–se invadidos da divindade e, por uma astuciosa fraudulência, predizem o futuro dos outros.
Mas, não há adivinhação em predizermos o que necessariamente ou quase sempre acontece, e que a razão humana pode prever. Nem no caso de quem conhecer certos futuros contingentes, por divina revelação; pois, então, não adivinha, isto é, não faz o que é divino, mas antes, recebe o divino. Pois, só pratica a adivinhação quem, de modo indevido, usurpa o poder de predizer os acontecimentos futuros. Ora, isto é pecado. Portanto, a adivinhação é sempre pecado. E por isso Jerônimo diz que a adivinhação é sempre tomada em mau sentido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A adivinhação não é assim chamada em virtude de participar ordenadamente de um dom divino, mas, por implicar uma usurpação indevida, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Há certas artes de prever os acontecimentos futuros, que necessariamente ou quase sempre se realizam; e que não constituem adivinhação. Mas, há outros acontecimentos futuros que não podem ser conhecidos por nenhumas verdadeiras artes ou ciências, mas só por artes vãs e falazes introduzidas por ardis enganosos do demônio, como diz Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem tem inclinação· natural para conhecer o futuro, de modo humano; não, porém pelo modo indevido, da adivinhação.