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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 – Se é lícito adjurar uma criatura irracional.

O terceiro discute–se assim. – Parece que não é lícito adjurar nenhuma criatura irracional.

1 – Pois, o adjuração se faz por palavras. Ora, em vão as dirigimos a um ser sem inteligência, como a criatura irracional. Logo, é vão e ilícito adjurar a criatura irracional,

2. Demais. – Pode adjurar quem pode jurar. Ora, a criatura irracional não pode jurar. Logo, parece que também não pode adjurar.

3. Demais. – Há dois modos de adjuração, como do sobredito resulta. Um, por deprecação; a esse não podemos recorrer, em se tratando da criatura irracional, que não é senhora dos seus atos. O outro é por compulsão, que também, segundo parece, não podemos empregar relativamente a tal criatura, por não termos o império sobre as criaturas irracionais. Pois, só pertence aquele de quem diz a Escritura: Porque os ventos e o mar lhe obedecem. Logo, parece que de nenhum modo é lícito recorrer à adjuração, relativamente às criaturas irracionais.

Mas, em contrário, lemos de Simão e Judas que adjuraram os dragões e lhes ordenaram se afastassem para um lugar deserto.

SOLUÇÃO. – As criaturas irracionais são levadas por um agente às suas operações próprias. Ora, a ação do ser que é levado e movido é a mesma do que age e move; assim, o movimento da seta é também uma atividade do seteiro. Por onde, a atividade da criatura irracional dependa não só dela, mas principalmente de Deus, por cuja disposição todos os seres se movem. Mas depende também do diabo que, por permissão divina, se serve de certas criaturas irracionais para fazer mal aos homens.

Assim, pois, a adjuração que empregamos relativamente à criatura irracional pode ser entendida de dois modos. – De um modo, como referente à criatura irracional em si mesma. E, nesse sentido, é vão adjurá–la. – De outro, como referente aquele por virtude do qual ela é levada e movida. E, então, de duas maneiras pode a criatura irracional ser adjurada. Primeiro, por deprecação dirigida a Deus; o que é próprio aqueles que fazem milagres por invocação divina. Segundo, por compulsão, referente ao diabo, que se serve das criaturas irracionais para nos fazer mal. E esse é o modo de adjurar da Igreja, nos exorcismos, pelos quais OS demónios ficam privados de poder, sobre as criaturas. Mas, não é Iicito adjurar os demónios, implorando auxílio deles.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Art. 2 – Se é lícito adjurar os demônios.

O segundo discute–se assim. – Parece ilícito adjurar os demônios.

1 – Pois, diz Orígenes: O Salvador não deu o poder de adjurar os demônios; porque tal prática é judaica. Ora, não devemos imitar o rito dos Judeus, mas, antes, usar do poder dado por Cristo, Logo, não é licito adjurar os demônios.

2. Demais. – Muitos, com encantações necromânticas, invocam os demônios, servindo–se de coisas divinas; o que é adjurar. Logo, se é licito adjurar os demónios, é licito usar de encantações necromânticas, o que é claramente falso. Portanto, também o é a primeira suposição.

3. Demais. – Quem adjura outrem entra por isso mesmo numa certa sociedade com ele. Ora, não é lícito entrar em sociedade com o demônio, como diz o Apóstolo: Não quero que vós tenhais sociedade com os demônios. Logo, não é licito adjurar os demônios.

Mas, em contrário, o Evangelho: Expulsarão os demônios em meu nome. Ora, adjurar é induzir alguém a fazer alguma coisa, com invocação do nome de Deus. Logo, é lícito adjurar os demônios.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, há dois modos de adjurar um, por deprecação ou induzimento, fundado na reverência a alguma causa sagrada; outro, por compulsão. Ao primeiro modo, não é l[cito adjurar os demônios; porque esse modo de adjurar implica uma certa benevolência ou amizade que não é lícito manter com eles. O segundo modo de adjuração, por compulsão, é lícito empregá–lo para certos fins e não o é para outros. Porque, no decurso desta vida, os demônios se constituíram nossos adversários. Ora, os atos deles não estão sujeitos à nossa disposição mas, à de Deus e dos santos anjos; porque, como diz Agostinho, o espírito transviado é governado pelo espírito justo. Podemos portanto, adjurando os demônios, por virtude do nome divino, repeli–los como inimigos para não nos fazerem mal, nem espiritual nem corporalmente, conforme ao poder divino dado a Cristo, segundo o dito do Evangelho : Eis aí vos dei eu poder de pisardes as serpentes e os escorpiões e toda a força do inimigo e nada vos fará dano. Mas, não é lícito adjurá–Ios para saber ou obter deles alguma coisa, porque isto implicaria em entrar em sociedade com eles. Contudo, por especial inspiração ou revelação divina, certos santos serviram–se da ação dos demónios para obterem certos efeitos; assim, lemos de S. Tiago, que, por meio dos demônios, conseguiu que Hermógenes fosse trazido à sua presença.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Orígenes se refere não à adjuração imperativa, a modo de compulsão, mas antes à feita por meio de uma benévola deprecação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os necromantes recorrem à adjuração e invocações dos demônios para saber ou alcançar deles alguma cousa; e isto é ilícito, como, se disse. Por isso Crisóstomo, expondo a palavra do Senhor, quando disse ao espírito imundo – Cala–te e sai desse homem explica: Dá–nos aí o salutar ensinamento de não crermos nos demônios por mais que anunciem a verdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe quanto à adjuração pela qual imploramos o auxilio dos demônios, para fazermos ou conhecemos alguma coisa: pois, isto implica em ter sociedade com eles. Ao contrario, adjurar os demônios para repeli–Ias é apartar–se da sociedade deles.

Art. 1 – Se é lícito adjurar os homens.

O primeiro discute–se assim. – Parece que não é lícito adjurar os homens.

1. – Pois, diz Orígenes: Penso que o varão que quiser viver segundo o Evangelho não deve adjurar a outrem. Porquanto se, conforme ao mandado evangélico de Cristo, não é lícito jurar, é claro que também não o é adjurar a outrem. Por onde é manifesto, que o Príncipe dos Sacerdotes ilicitamente adjurou a Jesus, pelo, Deus vivo.

2. Demais. – Quem adjura a outrem por isso mesmo o coage. Ora, não é lícito coagir ninguém, fazendo–lhe pressão à vontade. Logo, parece que também não é lícito a ninguém adjurar a outrem.

3. Demais. – Adjurar é induzir alguém a jurar. Ora, induzir alguém a jurar só o pode o superior, que impõe o juramento aos inferiores. Logo, os inferiores não podem adjurar os superiores.

Mas, em contrário, nós obsecramos o próprio Deus, adjurando–o por certas coisas sagradas. E também o Apóstolo roga pela misericórdia de Deus os fiéis; a que implica de certo modo a adjuração. Logo, é lícito adjurar os outros.

SOLUÇÃO. – Quem pronuncia um juramento promissório obriga–se a si mesmo a fazer o que prometeu, pela reverência para com o nome divino, que invocou para confirmar a promessa; o que implica em obrigar–se a fazer uma coisa irrevogavelmente. Ora, assim como podemos nos obrigar a nós mesmos a fazer alguma causa, assim também podemos obrigar os outros: os superiores, deprecando; os inferiores, mandando, como do sobredito se colhe. Por onde, são casos de adjuração, tanto o de nos obrigarmos a nós mesmos como o de obrigarmos os outros, confirmando as nossas palavras com a invocação divina. Mas diferem em que dos nossos atos somos senhor, mas não, dos alheios. Portanto, podemos nos obrigar a nós mesmos invocando o nome de Deus; mas tal obrigação não nos é lícito impô–la aos outros, salvo quando, sendo nossos súbditos, podemos compeli–los ao cumprimento do que juraram. Por consequência, se, invocando o nome de Deus ou de qualquer coisa sagrada, pretendemos impor, por adjuração, a quem não é nosso súdito a obrigação de fazer alguma causa, como a impomos a nós mesmo por juramento, tal adjuração é ilícita, porque usurpamos uma autoridade sobre outrem, que não temos. Contudo, por alguma necessidade, os superiores podem obrigar os seus inferiores por um tal gênero de adjuração. Mas, se quisermos somente, pela reverência devida ao nome divino ou a algo de sagrado, obter de alguém alguma coisa sem lhe impor nenhuma obrigação, tal adjuração é lícita, seja em relação a quem for.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Orígenes se refere à adjuração pela qual temos a intenção de obrigar a outrem, como nos obrigamos a nós mesmos pelo juramento. Pois, assim, o Príncipe dos Sacerdotes pretendeu adjurar Nosso Senhor Jesus Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA – A objeção colhe quanto à adjuração que impõe obrigação.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Adjurar não é induzir ninguém a Jurar; mas, por uma certa semelhança com o juramento, que a nós mesmos nos impomos, induzir outrem a fazer alguma coisa. Mas de um modo, recorremos à adjuração relativamente ao homem e, de outro, a Deus. Pois, adjurando a outrem, pretendemos mudar–lhe a vontade, pela reverência que deve às coisas sagradas; o que não pretendemos em relação a Deus, cuja vontade é imutável. Mas o que obtivemos da vontade eterna de Deus, não o será pelos nossos méritos, senão pela sua bondade.

Art. 10 – Se ao juramento se opõe alguma circunstância de pessoa ou de tempo.

O décimo discute–se assim. – Parece que ao juramento não se opõe nenhuma circunstância de pessoa ou de tempo.

1. – Pois, fazemos um juramento para confirmar o que dizemos, segundo afirma o Apóstolo. Ora, qualquer pode confirmar as suas palavras em qualquer tempo. Logo, parece que ao juramento não se opõe nenhuma circunstância de pessoa nem de tempo.

2. – É maior juramento jurar por Deus do que pelos Evangelhos. Por isso, diz Crisótomo: Quem comparece em juízo e jura por Deus parece fazer menos que quem jura pelos Evangelhos. Mas, aos que assim pensam, devemos dizer: Estultos, as Escrituras foram feitas por Deus e não, Deus para as Escrituras. Ora em linguagem comum, qualquer pessoa, seja de que condição for, costuma jurar por Deus, em qualquer tempo. Logo, com maior razão, é lícito a quem quer que seja jurar pelos Evangelhos.

3. Demais. – Um mesmo efeito não pode ser produzido por causas contrárias, porque causas contrárias produzem efeitos contrários. Ora, certos estão impedidos de jurar, por incapacidade pessoal, como os menores de catorze anos e os que foram uma vez perjuros. Logo, parece que outros também o deveriam estar, como os eclesiásticos, por causa da sua dignidade, ou ainda por causa da solenidade dos tempos.

4. Demais. – Nenhum homem tem neste mundo dignidade comparável à do anjo; pois, no dizer do Evangelho, o que é menor no reino dos crus é maior do que ele, isto é, do que João Baptista, enquanto vivia neste mundo. Ora, um anjo pode jurar, conforme o diz a Escritura: O anjo jurou por aquele que vive por séculos de séculos. Logo, nenhum homem deve ser impedido de jurar, por causa da sua dignidade.

Mas, em contrário, uma decretal determina que, em lugar do juramento, o presbítero seja interrogado, invocando–se a santa consagração. E noutro lugar: Ninguém, que pertença à ordem eclesiástica, ouse jurar a um leigo, invocando as coisas sagradas.

SOLUÇÃO. – Duas coisas devem–se considerar no juramento. Uma respeita a Deus, cujo testemunho é invocado. E, por aí, o juramento merece a maior reverência. E eis porque ficam proibidos de faze–lo os menores impúberes, que não podem ser compelidos a jurar por ainda não terem o perfeito uso da razão, de modo a prestarem a reverência devida ao juramento. E também não são admitidos a jurar os perjuros, de que se presume, pelo que já fizeram, não prestarão ao juramento a reverência que ele merece. E por isso, para ser prestado ao juramento a devida reverência, determina uma decretal: Quem ousa jurar pelas cousas santas deve, poro honrá–las, faze–lo em jejum, com temor, prestando a Deus todo acatamento. – Outra coisa a considerar é a que se refere ao homem, cujas palavras são confirmadas pelo juramento. Pois, as nossas palavras não precisam de confirmação senão porque os outros duvidam delas. Ora, quem dúvida da verdade das nossas palavras fere a nossa dignidade. Por isso, as pessoas de grande dignidade não devem jurar. E eis porque um cânon determina: Os sacerdotes não devem jurar por unta coisa qualquer. Contudo, é–lhes lícito fazê–lo, se houver necessidade ou grande utilidade e sobretudo em matéria espiritual. E também, em proveito das coisas espirituais, devem fazer juramento nos dias solenes, em que vacam a elas. Ao contrário, a não ser por grande necessidade, não devem jurar por causa de bens temporais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há certos que não podem, por incapacidade, confirmar o que dizem; e outros, cujas palavras são de tal modo certas que não precisam de confirmação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O juramento, em si mesmo considerado, tanto mais santo é e maior obrigação impõe quanto mais importante é o seu objeto, como diz Agostinho. E, assim sendo, é mais jurar por Deus do que pelos Evangelhos. Mas, pode suceder diversamente, quanto ao modo de jurar; como quando juramos pelos Evangelhos deliberada e solenemente, e, por Deus, com leviandade e sem reflexão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nada impede que causas contrárias por excesso e por defeito deixem de produzir um certo resultado. E deste modo, ficam proibidos de jurar tanto os que, pela sua dignidade, estão impedidos de o fazer, como os que tem idade inferior que a exigida para pronunciarem juramento válido.

RESPOSTA À QUARTA. – O juramento do anjo é citado, não por deficiência deste, como se não lhe devêssemos simplesmente acreditar nas palavras; mas para mostrar que o anunciado por ele procede da infalível disposição de Deus. Assim também a Escritura nos diz às vezes que Deus jura, para significar com isso a imutabilidade da sua palavra, como refere o Apóstolo.

Art. 9 – Se há quem possa dispensar do juramento.

O nono discute–se assim. – Parece que ninguém pode dispensar do juramento.

1. – Pois, assim como o juramento assertório, que versa sobre um fato pretérito ou presente, supõe a verdade, assim também o promissório, que versa sobre fatos futuros. Ora, ninguém pode permitir que outrem jure, contra a verdade presente ou passada. Logo, também não lhe pode permitir que deixe de cumprir, em verdade, a promessa futura, feita sob juramento.

2. Demais. – Ao juramento promissório recorremos para utilidade daquele a quem a promessa é feita. Ora, este parece que não pode dispensá–lo, porque iria contra a reverência devida a Deus. Logo, com muito maior razão, ninguém mais poderá fazê–lo.

3. Demais. – Qualquer bispo pode dispensar do cumprimento dos votos, exceto de certos reservados ao Papa, como se estabeleceu. Logo, pela mesma razão, se fosse possível dispensar do cumprimento do juramento, qualquer bispo poderia fazê–lo. O que contudo vai contra o direito. Logo, parece que nenhum juramento pode ser dispensado.

Mas, em contrario, a obrigação imposta pelo voto é maior que a imposta pelo juramento, como se disse. Ora, a do voto pode ser dispensada. Logo, também a do juramento.

SOLUÇÃO. – Como já se disse a necessidade de dispensa, tanto para a lei como para o voto, funda–se na possibilidade de o útil e o honesto, universalmente considerados, virem a ser o desonesto e o nocivo em virtude de algum evento particular; o que não se pode dar nem com a lei nem com o voto. Pois, o desonesto ou o nocivo repugna que possam constituir objeto do juramento; pois, o desonesto contraria à justiça e o nocivo, ao juízo. Logo, pela mesma razão, também o juramento pode ser dispensado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A dispensa de um juramento não chega a ponto de nos permitir fazer o contrário dele; o que seria impossível, pois o seu cumprimento constitui matéria de preceito divino, não susceptível de dispensa. Mas efeito dessa dispensa é fazer com que deixe de ser matéria de juramento o que o era, ficando este por assim dizer sem matéria própria; e isso também se dá com o voto, como dissemos. Quanto à matéria do juramento assertório, referente ao passado ou ao presente, ela já encerra em si uma certa necessidade, por ser imutável. Por isso, a dispensa não recairia sobre a matéria, mas, sobre o ato mesmo do juramento e portanto iria diretamente contra o preceito divino. A matéria do juramento promissório porém é um fato futuro, que pode variar, de modo a, conforme aos acontecimentos, ser ilícito ou nocivo, ficando por consequente o juramento sem matéria própria. Por isso, o juramento promissório pode ser dispensado; porque essa dispensa lhe visa a matéria e não contraria ao preceito divino sobre o cumprimento do jurado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos podemos fazer uma promessa a outrem sob juramento. – Primeiro, prometendo–lhe o que lhe é útil; por exemplo, servi–lo ou dar–lhe dinheiro. E dessa promessa pode nos liberar aquele a quem a fizermos; pois, entende–se que Ih'a cumprimos quando lhe obedecemos à vontade. – De outro modo, prometemos a outrem o que lhe respeita à utilidade ou à honra de Deus; por exemplo, entrarmos em religião ou praticarmos alguma obra de piedade. E então aquele a quem prometemos não pode nos liberar da promessa, porque ela não lhe foi feita principalmente, mas, a Deus. Salvo, se interpuser uma condição em razão da qual o possa, como a seguinte: se assim parecer aquele a quem prometemos, ou outra semelhante.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Às vezes o objeto de um juramento promissório manifestamente repugna à justiça. Ou por ser pecado, como se alguém jurasse praticar um homicídio ou por serio empecilho de um maior bem, como se alguém jurasse não haver de entrar em religião. E tal juramento não precisa de ser dispensado. Mas, no primeiro caso, há obrigação de não cumprir o jurado; enquanto que, no segundo, é licito cumpri–lo ou não, como se disse. Outras vezes, porém, temos dúvida se o que prometemos sob juramento é lícito ou ilícito, profícuo ou nocivo, absoluta ou acidentalmente falando. E neste caso qualquer bispo pode dispensar. Outras vezes ainda prometemos sob juramento o que é manifestamente licito e útil. E em tal caso não há lugar para dispensa, mas, para a comutação, quando devíamos, antes, fazer outra coisa melhor para o bem comum; e essa comutação é por excelência da alçada do poder do Papa, que vela pelo bem universal da Igreja. Ou haverá lugar para a absoluta liberação do juramento; o que também depende do Papa, geralmente, em todos os casos relativos à matéria eclesiástica, sobre as quais ele tem a plenitude do poder. Do mesmo modo, pode um superior tornar nulo o juramento de quem lhe está sujeito, em matéria que implique essa sujeição; assim, o pai pode anular o juramento da filha e o marido, o da mulher, como dissemos a propósito do voto.

Art. 8 – Se é maior a obrigação do juramento do que do voto.

O oitavo discute–se assim. – Parece maior a obrigação do juramento do que a do voto.

1. – Pois, o voto é uma promessa simples. Mas o juramento acrescenta à promessa o testemunho divino. Logo, é maior a obrigação do juramento que a do voto.

2. Demais. – O mais fraco costuma ser confirmado pelo mais forte. Ora, o voto é às vezes confirmado pelo juramento. Logo, o juramento é mais forte que o voto.

3. Demais. – A obrigação do voto se funda na deliberação do espírito. Ao passo que a do juramento, na verdade divina, cujo testemunho se invoca. Ora, sendo a verdade de Deus superior à deliberação humana, resulta que a obrigação do juramento é mais forte que a do voto.

Mas, em contrário. – Pelo voto nos obrigamos para com Deus; ao passo que pelo juramento só nos obrigamos para com os homens. Ora, temos maior obrigação para com Deus do que para com os homens. Logo, maior é a obrigação do voto que a do juramento.

SOLUÇÃO. – Ambas essas obrigações, tanto a do voto como a do juramento, se fundam em bases divinas, mas diversamente. Pois, a do voto se funda na fidelidade devida· a Deus, que nos obriga a cumprir o prometido. Ao passo que a do juramento se funda na reverência a Deus devida, que nos obriga a realizar, em verdade, O prometido em seu nome. Por onde, toda infidelidade implica uma reverência, mas não, inversamente; pois, a infidelidade do súbdito para com o superior é a máxima irreverência. Portanto, o voto impõe, por natureza, maior obrigação que o juramento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O voto é uma promessa, não qualquer, mas, feita a Deus, a quem ser infiel é pecado gravíssimo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O juramento não se acrescenta ao voto por ter maior força que ele; mas para obter maior firmeza pela união de duas coisas estáveis.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A deliberação do espírito dá firmeza ao voto, no concernente ao autor deste. Mas, tira a sua maior firmeza de Deus, a quem o voto é oferecido.

Art. 6 – Se é lícito jurar pelas criaturas.

O sexto discute–se assim. – Parece que não é lícito jurar pelas criaturas.

1. – Pois, diz o Evangelho: Eu vos digo que absolutamente não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem por Jerusalém, nem pela tua cabeça. O que Jerônimo explica assim: Neste lugar considera que o Salvador não proibiu jurar por Deus, mas, pelo céu e, pela terra, etc.

2. Demais. – A pena só é devida à culpa. Ora, a pena seguinte é cominada contra o que jura pelas criaturas: O clérigo que jurar pela criatura deve ser severissimamente repreendido; se persistir no vício determinamos que seja ex­ comungado. Logo, é ilícito jurar pelas criaturas.

3. Demais. – O juramento é um ato de latria, como se disse. Ora, a nenhuma criatura é devido o culto de latria, segundo o Apóstolo. Logo, não é lícito jurar por nenhuma criatura.

Mas, em contrário, José jurou pela vida de Faraó, como se lê na Escritura. E também é costume jurar pelo Evangelho, pelas relíquias e pelos santos.

SOLUÇÃO. – Como se disse, há duas formas de juramento. Um, que se faz por simples contestação, invocando o testemunho de Deus. E esta forma se funda, como a fé, na palavra de Deus. Ora, a fé, essencial e principalmente, tem por objeto Deus, que é a verdade mesma; e secundariamente, as criaturas, que refletem a verdade de Deus, como se disse. Do mesmo modo, o juramento se refere principalmente a Deus, cujo testemunho invocamos; mas secundariamente, à criatura, não em si mesma, mas enquanto reflete a verdade divina. Assim, juramos pelo Evangelho, isto é, por Deus, cuja verdade o Evangelho manifesta; e pelos santos, que creram essa verdade e a observaram.

A outra forma de jurar é por execração. Nela apelamos para a criatura, como a que manifesta o juízo divino. E assim costumamos jurar pela nossa cabeça, por um filho nosso ou por um outro ser a que amamos, como o fez o Apóstolo: Eu chamo a Deus por testemunha sobre a minha alma.

O ter José jurado pela vida do Faraó pode ser entendido nos dois sentidos seguintes. Ou a modo de execração, como se a vida do Faraó impusesse uma obrigação a Deus; ou a modo de contestação, como que proclamando a verdade da justiça divina, para cuja execução foram os príncipes da terra constituídos tais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor proibiu jurar pelas criaturas de modo a lhes prestar uma reverência só a Deus devida. Por isso Jerônimo no mesmo lugar acrescenta: os judeus, jurando pelos anjos e por outras criaturas, atribuíam–lhes uma honra só a Deus devida. E pela mesma razão os cânones punem o eclesiástico que jurar por uma criatura, cometendo assim a blasfémia de infidelidade. Por isso dispõe no capítulo seguinte: Quem jurar pelos cabelos ou pela cabeça de Deus, ou proferir de qualquer modo blasfémia contra ele, se for pessoa eclesiástica, seja suspenso.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O culto de latria é prestado aquele cujo testemunho invocamos no juramento. Por isso preceitua a Escritura: Não jurareis pelo nome de deuses estrangeiros. ­ Mas, não se presta o culto de latria às criaturas, para que apelamos dos modos referidos.

Art. 5 – Se devemos desejar e reiterar o juramento como útil e bom.

O quinto discute–se assim. – Parece que devemos desejar e reiterar o juramento como útil e bom.

1. – Pois, como o voto é um ato de latria, assim também o juramento. Ora, cumprir um voto é ato de latria, como se disse. Logo, pela mesma razão, fazer ou dizer alguma coisa sob juramento é mais louvável. Logo, devemos desejar o juramento como em si mesmo bom.

2. Demais. – Comentando o Evangelho, Jerônimo diz: Quem jura venera ou ama aquele por quem jura. Ora, venerar ou amar a Deus é desejável como um bem em si. Logo, também o juramento.

3. Demais. – O juramento se ordena a confirmar ou certificar. Ora, é bom confirmarmos o que dizemos. Logo, devemos desejar o juramento com em si mesmo bom.

Mas, em contrário, a Escritura: O homem que jura muito será cheio de iniquidade. E Agostinho diz, que a lei do Senhor, que proíbe o juramento, foi feita para que o desejemos o menos possível, não o buscando como um bem e com prazer.

SOLUÇÃO. O que só buscamos para preencher uma falta não se considera como desejável em si mesmo, mas como necessário; tal o caso do remédio que procuramos para curar a doença. Ora, o juramento nós o fazemos para obviar ao defeito que tem os homens de não crerem uns nas palavras dos outros. Por onde, não deve ser considerado como coisa em si mesma desejável, mas, como uma necessidade da vida humana, e portanto dela usa indebitarnente quem a emprega mais do que o exige a necessidade. Por isso Agostinho diz: Quem considera o juramento não como um bem, isto é, em si mesmo desejável, mas, como necessário, contém–se quanto pode para só usar dele em caso de necessidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Uma é a razão de ser do voto e outra, a do juramento. Por aquele fazemos uma obra para reverenciar a Deus; e, por isso mesmo, torna–se um ato de religião. No juramento, ao contrário, o respeito devido ao nome de Deus é que é tomado como confirmação do prometido. Logo, o que foi confirmado com juramento não se torna só por isso ato de religião; pois, os atos morais se especificam pelo seu fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem jura serve–se, por certo, da veneração ou do amor daquele por quem jura; mas não emprega o juramento para venerar ou amar aquele por quem jura, mas, por alguma necessidade da vida.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como o remédio é útil para curar e contudo quanto mais eficaz maior dano causará se não for tomado devidamente, assim também o juramento é útil para confirmar; mas, quanto mais digno de respeito for, tanto mais perigoso será, se não for empregado devidamente. Porque, como diz a Escritura, se não fizer o que prometeu, com juramento, isto é, se enganar o irmão, o seu pecado será sobre ele e se faltar a isso por desprezo, jurando falso por simulação, peca em dobro, porque justiça simulada é duplicada injustiça: e se jurar em vão, isto é, sem causa devida nem necessidade, não será justificado.

Art. 4 – Se o juramento é um ato da religião ou de latria.

O quarto discute–se assim. – Parece que o juramento não é um ato de religião ou de latria.

1. – Pois os atos de latria tem por objeto as coisas divinas e sagradas. Ora, o objeto dos juramentos são as controvérsias humanas, como diz O Apóstolo. Logo, jurar não é ato de religião ou de latria.

2. Demais. – O próprio da religião é prestar culto a Deus, como diz Túlio. Ora, quem jura nada oferece a Deus, invocando–o apenas como testemunha. Logo, jurar não é ato de religião ou de latria.

3. Demais. – O fim da religião ou latria é prestar reverência a Deus. Ora, o juramento não tem esse fim, mas, o de confirmar as nossas palavras. Logo, jurar não é ato de religião.

Mas, em contrário, a Escritura: Temerás ao Senhor teu Deus e só a ele servirás e não jurarás senão pelo seu nome. E aí ela se refere ao modo de servir a Deus chamado latria. Logo, jurar é ato de latria.

SOLUÇÃO. – Como se colhe do que foi dito, quem jura invoca o testemunho de Deus para confirmar o que diz. Ora, nada é confirmado senão pelo que é mais certo e tem maior valor. Logo, quem jura por Deus confessa que ele é mais poderoso, por ter a verdade infalível e ser conhecedor universal de tudo; e assim lhe presta de certo modo reverência. Donde o dizer o Apóstolo: Os homens juram pelo que há maior que eles. E Jerônimo nota, que quem jura, ou venera ou ama aquele por quem jura. Também o Filósofo: O juramento é o que há de mais respeitável. Ora, prestar reverência a Deus é objeto da religião ou latria. Por onde é manifesto, que o juramento é ato de religião ou de latria.

DONDE RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dois elementos se consideram no juramento: o testemunho invocado, que é o divino; e o objeto sobre que ele recai e o torna necessário, e esse é o elemento humano. Logo, em razão do primeiro elemento, o juramento pertence à religião, mas não, em razão do segundo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Por isso mesmo que invocamos a Deus como testemunha, quando juramos, nós o confessamos como maior que nós. E isso mesmo é reverenciá–lo e, assim, fazer–lhe a oferenda da reverência e da honra.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Tudo o que fazemos há de ser para reverenciar a Deus. Por onde, nada impede que ao mesmo tempo visemos certificar os homens e reverenciar a Deus. Pois, devemos honrar a Deus de modo que daí resulte alguma utilidade para o próximo, porque também Deus obra para a sua glória e a nossa utilidade.

Art. 3 – Se se assinalaram convenientemente as três condições do juramento: a justiça, o juízo e a verdade.

O terceiro discute–se assim. – Parece que se assinalaram inconvenientemente as três condições do juramento: a justiça, o juízo e a verdade.

1. – Pois, duas coisas, das quais urna se inclui na outra não devem ser consideradas diversas. Ora, dessas três condições, uma se inclui na outra; porque a verdade faz parte da justiça, segundo Túlio; e o juízo é um ato de justiça, coma se estabeleceu. Logo, estão inconvenientemente assinaladas as três condições do juramento.

2. Demais. – Muitas outras condições exige o juramento, como: a devoção e a fé, que nos leva a crer que Deus sabe tudo e não pode mentir. Logo, parecem insuficientemente assinaladas as três condições do juramento.

3. Demais. – Qualquer ato humano exige essas três condições; pois, nada devemos fazer contra a justiça, nem contra a verdade, ou sem juízo, conforme aquilo do Apóstolo: Nada faças sem inclinação particular isto é, sem prévio juízo. Logo, essas três condições não são exigidas, antes, pelo juramento, do que pelos demais atos humanos.

Mas, em contrário, a Escritura: E jurarás – vive o Senhor em verdade e em juízo e em justiça. O que Jerônimo assim explica: Devemos notar que o juramento é acompanhado das três condições: verdade, juízo e justiça.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos o juramento só é um bem para quem dele usa retamente. Ora, para ele ser reto duas condições são necessárias. – Primeiro, que não juremos com leviandade, mas, por necessidade e com discernimento. E para isso é necessário o juízo, que é o discernimento, da parte de quem jura. ­ Segundo, o que ele confirma não deve ser falso, nem ilícito. E para isso é necessária a verdade, pela qual juramos para confirmar um fato verdadeiro; e a justiça, pela qual confirmamos o que é lícito. – Ora, falta de juízo o juramento incauto; da verdade, o mendaz; da justiça, o iníquo ou ilícito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado o juízo não é tomado para significar a execução da justiça, mas, o que discerne, como se disse. Nem a verdade é aí usada como sendo parte da justiça mas, enquanto condição do discurso.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A devoção, a fé e outras condições exigidas pelo juramento, feito como se deve, compreendem–se no juízo. As outras duas pertencem ao objeto sobre que ele recai. Embora possamos dizer que a justiça está compreendida na causa pela qual juramos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Grande risco encerra o juramento; quer por causa da grandeza de Deus, cujo testemunho se invoca; quer pela fragilidade da língua humana, cujas palavras ele confirma. Por isso, este, mais que Os outros atos humanos exigem as condições referidas.

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