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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 – Se a ingratidão é um pecado especial.

O segundo discute–se assim. – Parece que a ingratidão não é um pecado especial.

1. – Pois, quem peca age contra Deus, nosso benfeitor sumo. Ora, isso é ingratidão. Logo, a ingratidão é um pecado especial.

2. Demais. – Nenhum pecado especial pertence a gêneros diversos de pecado. Ora, o ingrato pode sê–lo, praticando pecados de diversos géneros; por exemplo, detraindo, furtando o benfeitor ou cometendo contra ele qualquer ato semelhante. Logo, não é a ingratidão um pecado especial.

3. Demais. – Séneca diz: Ingrato é quem dissimula, ingrato, quem não retribuiu; o inqratíssimo de todos quem esqueceu. Ora, todos esses procedimentos não entram numa mesma espécie de pecado. Logo, não é a ingratidão um pecado especial.

Mas, em contrário, a ingratidão se opõe à gratidão ou agradecimento, que é uma virtude especial. Logo, é um pecado especial.

SOLUÇÃO. – Todo vício se caracteriza pela falta de virtude, pois, assim é que mais se lhe opõe à ela; por exemplo, a liberalidade se opõe mais à liberalidade do que a prodigalidade. Ora, à virtude da gratidão pode se opor um vício, por excesso; por exemplo, quando retribuímos um benefício imerecidamente, ou o fazemos mais prontamente do que o devíamos, como do sobredito resulta. Ora, mais se opõe à gratidão o vício que o é por defeito; porque a virtude da gratidão, como vimos, tende a recompensar mais que o benefício recebido. Por isso, a ingratidão e propriamente assim chamada por faltar à gratidão. Ora, todo defeito ou privação se especifica pelo hábito oposto; assim, a cegueira e a surdez diferem pela diferença que há entre a visão e a audição. Por onde, assim como a gratidão ou o agradecimento é uma virtude especial, assim, a ingratidão, um pecado especial.

Mas, comporta graus diversos, conforme a ordem dos atos exigida pela gratidão. Deles o primeiro consiste em reconhecermos o benefício recebido; o segundo, em o considerarmos louvável e agradecermos; o terceiro, em o retribuirmos em lugar e tempo oportunos, conforme as nossas posses. Ora, o que vem em último lugar, na ordem genética, vem em primeiro na da realização. Donde resulta que o primeiro grau da ingratidão consiste em não retribuirmos o benefício; o segundo, em o dissimularmos, como não dando demonstrações de o havermos recebido; o terceiro, que é gravíssima falta, em não o reconhecermos, quer por esquecimento, quer de algum outro modo. E como a afirmação oposta inclui a negação, daí resulta que no primeiro grau de ingratidão se inclui o retribuirmos o mal pelo bem; no segundo, censurarmos o benefício; no terceiro, considerarmos o benefício como sendo malefício.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ingratidão material para com Deus todo pecado encerra, enquanto o nosso ato pode implicar a ingratidão. Mas, a ingratidão formal está em desprezarmos atualmente um benefício. O que constitui um pecado especial.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede a essência formal de um pecado incluir–se materialmente em varres gêneros de pecado. E, a esta luz, a ingratidão se inclui por essência, em muitos gêneros de pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As três formas de ingratidão enumeradas por Séneca não são espécies diversas, mas, graus diversos de um pecado especial.

Art. 1 – Se a ingratidão sempre é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a ingratidão nem sempre é pecado.

1. – Pois, diz Séneca: Ingrato é quem não paga o benefício. Ora, às vezes não poderíamos retribuir o benefício senão pecando; por exemplo, auxiliando outrem a pecar. Ora, como abstermo–nos do pecado não é pecado, parece que a ingratidão nem sempre é pecado.

2. Demais. – Todo pecado depende do pecador; pois, segundo Agostinho, ninguém peca cometendo uma ação que não podia evitar. Ora, às vezes não depende do pecador evitar a ingratidão; por. exemplo, quando não tem com que retribuir. E também o esquecimento não depende de nós, embora para Séneca, quem esquece é de todo o mais ingrato. Logo, a ingratidão nem sempre é pecado.

3. Demais. – Parece que não peca quem não quer dever nada, conforme às palavras do Apóstolo: A ninguém devais causa alguma. Oro, quem deve contrariado é ingrato, diz Séneca. Logo, nem sempre a ingratidão é pecado.

Mas, em contrário, o Apóstolo enumera a ingratidão entre os pecados quando diz: Desobedientes a seus pais, ingratos, malvados.

SOLUÇÃO. – Como dissemos o débito da gratidão é um dever da honorabilidade, exigido pela virtude. Ora, um ato é pecaminoso quando repugna à virtude. Por onde é manifesto que a ingratidão é pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A gratidão supõe um benefício. Ora, quem ajuda outrem a pecar não lhe confere nenhum benefício, mas, antes, causa–lhe dano. Logo, não lhe é devida qualquer recompensa, salvo se se enganou, por ter ajudado a prática do mal, quando tinha a intenção de auxiliar a prática de um ato bom. Mas, nesse caso, não lhe é devida nenhuma retribuição a quem ajudou a pecar, porque seria retribuir não o bem, mas, o mal; o que é contrário à gratidão.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ninguém pode escusar–se de ingratidão sob pretexto de não ter com que retribuir o benefício, pois, para fazê–lo basta a boa vontade, como dissemos. Quanto ao esquecimento do benefício, ele implica ingratidão; não a que provém de deficiência natural, independente da vontade, mas, a que procede da negligência. Pois, como diz Séneca, parece que não pensou muito em pagar o benefício aquele que se deixou invadir do esquecimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O dever da gratidão resulta do dever de amar, do qual ninguém deve querer isentar–se. Por onde, quem deve a gratidão, contrariado, manifesta falta de amor para com quem lhe beneficiou.

Art. 6 – Se é necessário retribuirmos mais do que o benefício recebido.

O sexto discute–se assim. – Parece que não é necessário retribuirmos mais do que o benefício recebido.

1. – Pois, aos nossos pais não podemos fazer retribuição condigna, como diz o Filósofo. Ora, a virtude não busca o impossível. Logo, não devemos retribuir mais do que o benefício recebido.

2. Demais. – Quem retribui mais do que o recebido como benefício, por isso mesmo faz um como novo benefício. Ora, esse novo benefício há a obrigação de retribui–la. Logo o primeiro benfeitor está obrigado a uma retribuição maior que o benefício que por sua vez recebeu; e assim ao infinito. Ora, a virtude não pode proceder ao infinito, porque o infinito faz desaparecer a natureza do bem, como diz Aristóteles. Logo, a retribuição não deve exceder o benefício recebido.

3. Demais. – A justiça supõe a igualdade. Ora, o mais é um excesso sobre a igualdade. Logo, sendo o excesso um vício, em relação a qualquer virtude, parece que dar maior retribuição que o benefício recebido é vicioso e oposto à justiça.

Mas, em contrário, o Filósofo diz: Devemos pagar o débito do benefício e ainda tornar a pagar, e isso fazemos quando damos uma retribuição maior. Logo, pela retribuição devemos pagar mais do que o benefício recebido.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a retribuição do benefício deve levar em conta a vontade do benfeitor, o qual, sobretudo é digno de reconhecimento por ter feito gratuitamente um benefício a que não estava obrigado. Por onde, quem recebeu o benefício tem o dever imposto pela sua honorabilidade de, do mesmo modo, lhe fazer alguma coisa de graça. Ora, só podemos fazer ao benfeitor, de graça, o que exceda quantitativamente o benefício dele recebido; pois, retribuindo–lhe menos ou com igualdade, nada faremos de graça mas apenas lhe pagaremos o recebido. Logo, a retribuição do benefício leva–nos sempre a dar mais do que o recebido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como se disse, ao retribuir o benefício devemos levar em conta antes o afeto do benfeitor j do que a sua obra. Se, pois, considerarmos o feito do benefício, que o filho recebeu do pai – a existência e a vida, o filho não pode lhe retribuir com igualdade, como diz o Filósofo. Mas, se considerarmos a vontade mesma do que dá e do que retribui, então pode o filho dar ao pai maior retribuição do que o benefício recebido, como diz Séneca. Mas, se o não puder, a gratidão se contenta com a vontade de retribuir.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O débito da gratidão deriva da caridade, que, quanto mais paga, tanto mais deve, conforme ao dito do Apóstolo: A ninguém devais coisa alguma, se não é o amor com que vos ameis uns aos outros. Logo, não há inconveniente em ser interminável a obrigação da gratidão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a justiça, que é uma virtude cardeal, implica a igualdade das causas; assim, a gratidão, a igualdade das vontades. De modo que, assim como, pela presteza com que age, o benfeitora faz o a que não estava obrigado, assim também, o beneficiado deve retribuir mais do que é de seu dever.

Art. 5 – Se a retribuição dos benefícios deve levar em conta o afeto ou o feito do benfeitor.

O quinto discute–se assim. – Parece que a retribuição do benefício deve levar em conta, não o afeto, mas, o feito do benfeitor.

1. – Pois, aos benefícios devemos retribuição. Ora, o benefício consiste no afeto, como a própria palavra o indica. Logo, a retribuição deve levar em conta o feito.

2. Demais. – A gratidão que retribui os benefícios faz parte da justiça. Ora, a justiça implica uma igualdade entre o dado e o recebido. Logo, na retribuição das graças, devemos atender mais ao feito que ao afeto do benfeitor.

3. Demais. – Ninguém pode atender ao que ignora. Ora, só Deus conhece o afeto interior. Logo, a retribuição da graça não pode fundar–se no afeto interior.

Mas, em contrário, Séneca: Muitas vezes quem nos fez um pequeno dom com magnanimidade, ou nos deu algo de exíguo, mas, de boa vontade, nos obriga mais.

SOLUÇÃO. – Retribuir um benefício pode ser obra de três virtudes: de justiça, de graça e de amizade. – De justiça, quando a retribuição é por natureza um débito legal; tal o caso do mútuo e outros semelhantes. E em tal caso a retribuição depende da quantidade do que é dado. – Da amizade e, semelhantemente, da gratidão, quando tem natureza de um débito moral, mas, de vários modos. Pois, quando a amizade é a que retribui, devemos levar–lhe em conta a causa. Por isso, a amizade útil deve retribuir de conformidade com a utilidade haurida do benefício; ao passo que a amizade honesta deve, ao retribuir, levar em conta a eleição ou ato do benfeitor, pois, isto é o que principalmente a virtude exige. E semelhantemente, o agradecimento, considerando o benefício como feito de graça, o que é próprio do afeto, também a retribuição do benefício considera antes o afeto do que a obra do benfeitor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todo ato moral depende da vontade. Por isso o benefício, enquanto louvável e digno da retribuição do agradecimento, consiste por certo, materialmente, na obra feita, mas, formal e principalmente, na vontade. Donde o dito de Séneca: O benefício não consiste no que é feito ou dado, mas, na intenção mesma de quem o dá ou faz.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A gratidão faz parte da justiça, não por certo como a espécie, do gênero, mas, por uma coma redução ao gênero da justiça, conforme se disse. Por onde, não é necessário que uma e outra virtude incluam a mesma noção de débito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O afeto de um homem, em si mesmo, só Deus o vê; mas, quando manifestado por sinais, outro homem pode conhecê–lo. E assim, conhecemos o afeto de quem beneficia pelo mesmo modo por que o faz; por exemplo, se o faz de bom grado e prontamente.

Art. 4 – Se devemos retribuir logo o benefício.

O quarto discute–se assim. – Parece que devemos retribuir logo o benefício.

1. – Pois o que devemos sem um termo certo devemos restituir logo. Ora, não há nenhum termo prescrito à retribuição dos benefícios, que contudo constitui um débito, corno Se disse. Portanto, estamos obrigados a retribuir logo o benefício.

2. Demais. – Quanto maior se torna um bem, pelo devotamento com que é feito, tanto mais digno de louvor é. Ora, parece que por devotamente de alma é que não demoramos em fazer o devido. Logo, parece mais louvável retribuirmos com presteza o benefício.

3. Demais. – Séneca diz, que é própria do benfeitor fazer o benefício livre e prontamente. Ora, a retribuição deve ser adequada ao benefício. Logo, devemos fazê–la com presteza.

Mas, em contrário, Séneca: Quem restitui prontamente não procede como um homem grato, mas como devedor.

SOLUÇÃO. – Como, no beneficio que se vai fazer, dois elementos se consideram – o afeto e o dom, assim também esses mesmos elementos se levam em conta ao pagá–lo. Ora, quanto ao afeto, a retribuição deve ser feita imediatamente. Por isso diz Séneca: Queres pagar o benefício? Recebe–o de bom grado. Quanto ao dom, devemos esperar o tempo oportuno de retribuir ao benfeitor. E não será virtuosa a retribuição se quisermos pagar um beneficio com outro, imediatamente, e não, no tempo oportuno. Pois, como diz Séneca, quem quer pagar demasiado prontamente, deve contrariado; e quem deve contrariado é ingrato.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O débito legal devemos paga–lo prontamente; do contrário não observaríamos a igualdade da justiça, retendo o bem de outrem contra a vontade deste. Mas, o débito moral depende da honestidade do devedor. Por isso devemos pagá–lo no tempo devido, conforme o exige a retidão da virtude.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O devotamento da vontade não é virtuoso senão ordenado pela razão. Por onde, quem por devotamento de coração, protráia o tempo devido não será digno de louvor.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Também os benefícios devem ser dados em tempo oportuno. Portanto, não devemos tardar mais, quando se oferece esse tempo. E o mesmo devemos fazer ao retribui–lo.

Art. 3 – Se estamos obrigados a render ação de graças a todos os que nos fazem benefícios.

O terceiro discute–se assim. – Parece que não estamos obrigados a render ação de graças a todos os que nos fazem beneficies.

1. – Pois, podemos fazer bem a nós mesmos, como podemos fazer mal, segundo aquilo da Escritura: para que outra pessoa será bom aquele que é mau para si? Ora, não, podemos dar ações de graças a nós mesmos, porque a ação de graças deve passar de uma pessoa para outra. Logo, nem a todo benfeitor devemos ação de graças.

2. Demais. – A ação de graças é uma retribuição da graça recebida. Ora, certos benefícios são feitos, não como graça, mas injuriosa, tardiamente e com tristeza. Logo, nem sempre devemos render graças ao benfeitor.

3. Demais. – Não devemos ação de graça, a quem busca a sua utilidade própria. Ora, às vezes certos beneficiam a outrem por utilidade própria. Logo, não se lhes devem ação de graças.

4. Demais. – Ao escravo não deve o dono ação de graças, por ser do dono tudo quanto ele é. Ora, às vezes acontece que o escravo beneficia o senhor. Logo, nem a todo benfeitor é devida ação de graças.

5. Demais. – Ninguém está obrigado ao que não pode fazer honesta e utilmente. Ora, às vezes acontece que quem faz um beneficio vive em estado de tão grande felicidade, que é inútil retribuir–lhe o benefício recebido. E outras vezes também se dá; que o benfeitor passa de virtuoso a vicioso, e então, não é possível retribuir–lhe honestamente.

6. Demais. – Não devemos fazer a outrem o que, em vez de lhe aproveitar, é lhe nocivo. Ora, às vezes acontece que a paga do benefício é inútil ou nociva ao que a recebe. Logo, nem sempre devemos, como ação de graças, recompensar os benefícios.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Em tudo daí graças.

SOLUÇÃO. – Todo afeto naturalmente se converte na sua causa. Por isso, Dionísio diz: Deus atrai todas as coisas a si como causa de todas. Pois, o efeito há de sempre ordenar–se ao fim do agente. Ora, é manifesto que o benfeitor, como tal, é causa do beneficiado. Por onde, a ordem natural exige que quem recebeu um benefício dirija–se ao benfeitor pura lhe retribuir a graça recebida, conforme às conveniências apropriadas a um e a outro. E, como dissemos a respeito dos pais ao benfeitor, como tal, é devida honra e reverência, porque desempenha o papel de princípio; e por acidente deve–se–lhe subvenção ou sustento, se o precisar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. – Diz Séneca: Assim como não é liberal quem se dá a si mesmo, nem clemente quem a si mesmo se perdoa, nem misericordioso é aquele que se comove com os próprios males, senão com os alheios, assim também, ninguém se dá benefícios a si mesmo, mas seque os instintos naturais que nos levam a evitar o que nos causa dano e a buscar o que nos é útil. Por onde, em relação a nós mesmos, não há lugar para a gratidão nem para a ingratidão; pois, não podemos negar nada a nós mesmos senão retendo–o para nós. Mas, o que propriamente é relativo a outrem, nós o aplicamos em sentido metafórico à nossa própria pessoa, como diz o Filósofo a respeito da justiça. No sentido em que as diversas partes do homem são consideradas como pessoas diversas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É próprio da alma boa deixar–se tocar antes pelo bem do que pelo mal. E portanto, se quem deu um benefício não o deu como devia, nem por isso deve deixar de ser agradecido quem o recebeu; embora menos, do que se o benefício tivesse sido feito de modo devido; pois, como diz Séneca, grandes vantagens nos advêem da presteza, e de tão grandes nos priva a tardança.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz Séneca: Importa muito saber se quem nos fez um benefício tinha em vista o seu interesse próprio ou o nosso; ou se simultaneamente o seu e o nosso. Quem visa unicamente às suas vantagens pessoais e nos serve por não ter outro meio de se servir a si mesmo, eu o equiparo aquele que distribui forragem ao seu próprio rebanho. E logo depois: Mas, se nos associou a si, se a ambos visou no seu pensamento, seremos ingratos e não só injusto em não nos alegrar que tenha achado a sua vantagem onde também achamos a nossa. É o cúmulo do mau espírito só considerar como benefício o que causou ao seu autor um dano qualquer.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Séneca, enquanto o escravo presta os serviços, que se costumam exigir dele, cumpre o seu dever; mas, presta um benefício quando faz mais do que devia; pois, quando manifesta afeto de amigo, já não é propriamente um serviçal. Logo, também aos escravos, quando fazem mais do que devem, temos que render graças.

RESPOSTA À QUINTA. – Também o pobre não é ingrato, fazendo o que pode.  Pois, como o benefício consiste mais no afeto do que no feito, assim também sobretudo no afeto consiste o agradecimento. Donde o dizer Séneca: Quem recebe um benefício com prazer paga o primeiro termo da sua dívida. Manifestemos todo o prazer que nos causa o benefício recebido, pela efusão dos nossos sentimentos; façamo–lo não só em presença do amigo, mas testemunhemo–lo em toda parte. Por onde é claro, que podemos retribuir o benefício recebido, testemunhando reverência e honra ao benfeitor, por maior que seja a felicidade que desfruta. Por isso, o Filósofo diz: Às pessoas eminentes, a retribuição da honra; ao pobre, a do lucro. E Séneca: Há muitos meios de pagarmos as nossas dívidas mesmo aos que são felizes: um conselho leal, a assiduidade, a frequência amena e agradável, sem lisonja. – Por onde, não devemos desejar que seja pobre ou miserável quem nos fez um benefício, para podermos pagar–lh'o, Pois, como diz Séneca, se lh'o desejasses aquele de quem nenhum benefício recebeste, esse desejo seria inumano. E quanto mais inumano seria se o desejasses aquele a quem deves um benefício? – Mas, se quem nos fez o benefício veio a cair em situação pior, devemos ainda retribuir–lh'o de modo conveniente ao seu estado; de maneira que, por exemplo., volte à virtude, se for possível. Se porém for incurável na sua malícia, então transformou–se, do que antes era; e por isso não lhe devemos a retribuição do benefício corno lhe devíamos antes. E contudo na medida do possível, salva a honestidade, devemos guardar boa memória do benefício prestado, como está claro no Filósofo.

RESPOSTA À SEXTA. – Como dissemos, a retribuição do benefício consiste principalmente em nosso afeto. Por onde, devemos faze–la do modo mais útil. Mas se, por incúria daquele que a recebeu, vem a lhe causar dano, não deve isso ser imputado a quem a deu. Donde o dizer Séneca: Devo retribuir; não conservar é guardar, depois de ter retribuído.

Art. 2 – Se o inocente está obrigado mais que o penitente, a render graças a Deus.

O segundo discute–se assim. – Parece que o inocente está obrigado, mais que o penitente, a render graças a Deus.

1. – Pois, quanto maior for o dom que recebemos de Deus, tanto maiores ações de graça estamos obrigados a render–lhe. Ora, o dom da inocência é maior que o da justiça reparada. Logo, parece que o inocente está obrigado, mais que o penitente, a render ação de graças.

2. Demais. – Assim como devemos ação de graças ao, nosso benfeitor, também lhe devemos amor. Ora, diz Agostinho: Que homem, meditando na sua fraqueza, ousaria atribuir a suas próprias forças, sua castidade e sua inocência, para te amar menos; como se não tivesse necessidade da tua misericórdia; que perdoa ao pecador convertido? E logo depois: E assim, que te ame tanto, que te ame mais, reconhecendo que quem nos livra das tão grandes fraquezas do nosso pecado é o mesmo que nos preservou dele. Logo, também está o inocente obrigado, – mais que o pecador, a dar ação de graças.

3. Demais. – Quanto mais continuado for o beneficio gratuito, tanto maior ação de graças exige. Ora, no inocente o benefício da graça divina é mais continuado do que no penitente. Pois, diz Agostinho no mesmo lugar: À tua graça devo todo o mal que não fiz. De que não era eu capaz, amante do pecado em si mesmo? Sei, porém que tudo me foi perdoado, tanto o mal que espontaneamente fiz como o que, graças a ti, não pratiquei. Logo, o inocente está obrigado, mas que o pecador, a render ação de graças.

Mas, em contrário, o Evangelho: A quem mais se perdoa mais ama. Logo, pela mesma razão, está obrigado a maiores ações de graça·

SOLUÇÃO. – A ação de graças de quem as recebe é correlata às graças recebidas. Portanto, maiores graças exigem maiores agradecimentos da parte de quem as recebe. E como a graça é assim chamada por ser dada gratuitamente, de dois modos pode ser maior a graça por parte de quem a dá. – De um modo, pela sua quantidade, E então, o inocente está obrigado a maiores ações de graça; porque, todas as circunstâncias iguais e absolutamente falando, Deus lhe fez um dom maior e mais continuado. – De outro modo, pode uma graça ser chamada maior por ser mais o que é dado gratuitamente. E assim sendo, está o penitente obrigado, mais que o inocente, a render maiores ações de graças, porque mais gratuitamente lhe dá Deus as suas graças. Pois, dá–lhe graças, quando era digno de pena. Por onde, embora o dom feito ao inocente seja, absolutamente falando, maior, contudo, o que é dado ao penitente é maior em comparação com ele; assim como também um pequeno dom feito a um pobre é maior do que um grande feito a um rico. E como os nosso atos tem por objeto o particular, quando se trata de estabelecer uma regra de conduta é preciso considerar as coisas antes relativa do que absolutamente, como o Filósofo diz a respeito do voluntário e do involuntário,

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Art. 1 – Se a gratidão é uma virtude especial distinta das outras.

O primeiro discute–se assim. – Parece que não é a gratidão uma virtude especial distinta das outras.

1. – Pois, os maiores benefícios nós os recebemos de Deus e dos pais. Ora, honramos a Deus pela virtude ele religião; e aos pais, pela da piedade filial. Logo, não é o reconhecimento ou a gratidão uma virtude distinta das outras.

2. Demais, – A retribuição proporcional é ordenada pela virtude comutativa, corno está claro no Filósofo. Ora, fazem–se graças para se receber retribuição, como, diz no mesmo lugar. Logo, retribuir as graças, pela virtude de gratidão, é um ato de justiça. Portanto, não é a gratidão uma virtude especial distinta das outras.

3. Demais. – Dar compensações é necessário, para conservar a amizade, como está claro no Filósofo. Ora, a amizade está implicada em todas as virtudes, que nos fazem amar os homens. Logo, o reconhecimento ou gratidão, que nos manda pagar os benefícios, não é uma virtude, especial.

Mas, em contrário, Túlio considera a gratidão como parte especial da justiça.

SOLUÇÃO. – A obrigação de pagar um débito se diversifica conforme as causas diversas pelas quais devemos; mas de modo que sempre o menos esteja contido no mais. Ora, Deus, sendo o princípio primeiro de todos os nossos bens, é a causa primária e principal de devermos. Causa secundária são os pais, princípio próprio da geração e da educação. Em terceiro lugar, vem a pessoa constituída em dignidade, de quem procedem benefícios gerais. E por fim, em quarto lugar, o benfeitor de quem recebemos privadamente algum benefício particular, pelo qual lhe ficamos particularmente obrigados, Ora, nem tudo o que devemos a Deus, aos pais ou a uma pessoa constituída em dignidade, o devemos também a um benfeitor, de quem recebemos algum benefício particular. Por onde, depois da religião, pela qual prestamos a Deus o culto devido; da piedade filial, pela qual honramos os nossos pais; e do respeito, pelo qual honramos as pessoas constituídas em dignidade, vem o reconhecimento ou a gratidão, pela qual retribuímos as graças recebida dos benfeitores. E ela se distingue das outras virtudes referidas, assim como tudo o que, vem depois se distingue do que vem antes, por inferioridade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a religião é Uma piedade sobre excelente, assim também é um reconhecimento ou gratidão excelente. Por isso, render graças a Deus é um ato considerado como pertinente à religião.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A justiça comutativa exige a retribuição proporcional quando se trata de um débito legal; por exemplo, se, se faz o contrato de pagar tanto por tanto. Mas, a retribuição ordenada pela virtude do reconhecimento ou gratidão é fundada num dever de honestidade e a fazemos espontaneamente. Por isso, a gratidão é menos grata quando coagida, como diz Séneca.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Estando a verdadeira amizade fundada na virtude, tudo o que no amigo contrariar à virtude é obstáculo à amizade; e a desperta tudo o que tiver de virtuoso. E sendo assim, a amizade se conserva pela retribuição dos benefícios, embora essa retribuição pertença especialmente à virtude da gratidão.

Art. 2 – Se a desobediência é o mais grave dos pecados.

O segundo discute–se assim. – Parece que a desobediência é o mais grave dos pecados.

1. – Pois, diz a Escritura: O resistir é como o pecado de adivinhação, e não querer submeter–se é como o crime de idolatria. Ora, a idolatria é o mais grave dos recados, como se estabeleceu– Logo, a desobediência te o mais grave dos pecados.

2. Demais. – Chama–se pecado contra o Espírito Santo o que destrói as peias estabelecidas contra o pecado, como se disse. Ora, pela desobediência, desprezamos o preceito que, sobretudo nos afasta do pecado. Logo, a desobediência é um pecado contra o Espírito Santo. E portanto é o mais grave dos pecados.

3. Demais. – O Apóstolo diz: Pela desobediência de um só homem foram muitos feitos pecadores. Ora, a causa prepondera sobre o efeito. Logo, parece que a desobediência é mais grave pecado que todos os efeitos que ela causa.

Mas, em contrário, é mais grave desprezar quem manda do que a ordem que dá. Ora, certos pecados são contra a pessoa mesmo que manda como é o caso da blasfêmia e do homicídio. Logo, a desobediência não é o mais grave dos pecados.

SOLUÇÃO. – Nem toda desobediência constitui igualmente pecado. Pois, uma pode ser mais grave que outra, de dois modos. – Primeiro, relativamente a quem manda, Pois, embora todos devemos cuidar de obedecer aos nossos superiores, contudo, devemos obedecer antes a uma autoridade superior que a uma inferior; e a prova está em que devemos desobedecer à ordem do inferior quando contrária à do superior. Por onde e consequentemente, quanto maior for a autoridade do superior que nos manda, tanto mais grave será desobedecer–lhe. E assim, é mais grave desobedecer a Deus que ao homem. – Segundo, relativamente ao que é mandado. Pois, quem manda não quer que se lhe cumpram todas as ordens igualmente; pois, quer mais o fim e o que lhe está mais próximo. Por onde, a desobediência será tanto mais grave quanto mais estiver na intenção de quem manda a ordem preterida. E quanto aos preceitos de Deus, é claro que quanto mais importante for a matéria sobre que eles versam, tanto mais grave será a desobediência. Porque, a vontade de Deus, tendo essencialmente por objeto o bem, quanto melhor for um ato tanto mais Deus quer que ele seja praticado. Por onde, quem desobedecer ao mandamento de amor a Deus peca mais gravemente que quem desobedecer ao de amar ao próximo. Mas, a vontade do homem nem sempre busca de preferência o melhor. Por isso, quando estamos obrigados apenas por uma ordem humana, a maior gravidade do pecado não está em preterirmos um maior bem, mas, aquilo que está mais na intenção de quem manda. Por onde, os diversos graus de desobediência são necessariamente relativos aos diversos graus de pecados. Assim, a desobediência pela qual desprezamos os preceitos divinos é, por essência, mais grave pecado do que o pecado cometido contra um homem, mesmo abstraindo da desobediência a Deus, que este último pecado implica. E isto digo porque quem peca contra o próximo também age contra o preceito divino. E se ainda desprezasse um preceito de Deus mais importante, ainda mais grave seria o pecado. A desobediência, porém, pela qual desprezamos um preceito humano, é mais leve pecado que aquela pela qual desprezamos a pessoa mesma que nos manda; pois, é do respeito a quem manda que procede o respeito pela sua ordem. Semelhantemente, o pecado que importa diretamente desprezo de Deus, como a blasfémia eu outro semelhante, é mais grave, mesmo separando do pecado, pelo intelecto, a desobediência, do que o pecado pelo qual desprezemos o só preceito de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A comparação de Samuel não se funda na igualdade, mas na semelhança; porque a desobediência redunda em desprezo de Deus, assim como a idolatria, embora esta, mais.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem toda desobediência é pecado contra o Espírito Santo, mas só a que é acompanhada da obstinação. Pois, nem todo desprezo do que é obstáculo ao pecado constitui pecado contra o Espírito Santo; do contrário, o desprezo de qualquer bem seria pecado contra o Espírito Santo, porque qualquer bem pode nos livrar do pecado. Mas é pecado contra o Espírito Santo o desprezo daqueles bens, que levam diretamente à penitência e à remissão dos pecados.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O primeiro pecado dos nossos primeiros pais, que contaminou todos os seus descendentes, não foi de desobediência enquanto pecado especial; mas, de soberba, que os levou à desobediência. Por isso o Apóstolo, nas palavras citadas, considera a desobediência na sua relação geral com os demais pecados.

Art. 1 – Se a desobediência é pecado mortal.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a desobediência não é pecado mortal.

1. – Pois, todo pecado é desobediência, como claramente o diz a definição citada de Ambrósio. Se, pois, a desobediência fosse pecado mortal, todo pecado seria mortal.

2. Demais. – Gregório diz que a desobediência nasce da vanglória. Ora, a vanglória não é pecado mortal. Logo, nem a desobediência.

3. Demais. – É desobediente quem não obedece às ordens do superior. Ora, às vezes os superiores dão tantas ordens que é quase Impossível ou impossível cumpri–las todas. Se, pois, a desobediência fosse pecado mortal, resultaria a impossibilidade de o homem evitá–lo, o que é inadmissível. Logo, a desobediência não é pecado mortal.

Mas, em contrário, o Apóstolo a coloca entre os pecados mortais, quando diz: Os desobedientes a seus pais.

SOLUÇÃO. – Pecado mortal é o que contraria à caridade, fundamento da vida espiritual. Ora, a caridade é a que nos faz amar a Deus e ao próximo. Mas, a caridade para com Deus exige que lhe observemos os mandamentos, como dissemos. Logo, ser desobediente aos mandamentos divinos é pecado mortal, por ser contra o amor divino. Ora, nos preceitos divinos está Incluído também o de obediência aos superiores. Por onde, também a desobediência pela qual desobedecemos aos preceitos dos superiores é pecado mortal, por ser contrária ao amor divino, segundo aquilo do Apóstolo: Aquele que resiste à potestade resiste à ordenação de Deus. E além disso contraria o amor devido ao próximo, enquanto lhe denega a obediência a que tem direito, na qualidade de superior.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –– A definição citada de Ambrósio é a do pecado mortal que e pecado em toda a sua plenitude. Porque desobediência não é o pecado venial, o qual não vai contra nenhum mandamento, mas está fora de todo. E, além disso, nem todo pecado mortal é desobediência, própria e essencialmente falando; mas, só quando despreza algum mandamento. Pois, os atos morais se especificam pelo fim. Ora, quem age contra um mandamento, não pelo desprezar, mas por algum outro motivo, pratica uma desobediência apenas material, o que constitui formalmente outra espécie de pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A vanglória deseja a manifestação de alguma excelência. E como parece constituir uma excelência o não nos sujeitarmos à ordens de outrem, daí vem que a desobediência nasce da vanglória. Pois, nada impede um pecado mortal nascer de um venial, porque, este predispõe para aquele.

RESPOSTA À TERCEIRA. Ninguém está obrigado ao impossível. Portanto, se forem tantas as ordens de um prelado, que os súbditos não as possam cumprir, ficam isentos de pecado. Por isso, os prelados devem abster–se de estabelecerem muitos preceitos.

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