Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 6 – Se é pena adequada privar o simoníaco do que adquiriu por simonia.

O sexto discute–se assim. – Parece não ser pena adequada privar o simoníaco do que adquiriu por simonia.

1. – Pois, comete–se a simonia quando se adquirem as coisas espirituais por meio de alguma dádiva. Ora, há certos bens espirituais que, uma vez alcançados, não se podem perder, como todos os caracteres impressos pela consagração. Logo, não é pena adequada privar o simoníaco do que adquiriu por simonia.

2. Demais. – Dá–se às vezes que quem obteve o episcopado por simonia manda um súbdito receber as ordens que lhe vai conferir; e parece que o súbdito lhe deve obedecer, enquanto a Igreja o permite. Ora, não devemos receber nada de quem não tem o poder de nô–lo conferir. Logo, o bispo não perde a dignidade episcopal, que a adquiriu por simonia,

3. Demais. – Ninguém deve ser punido pelo que não fez, ciente e voluntariamente; pois, a pena é devida ao pecado voluntário, como do sobredito se colhe. Ora, pode às vezes dar–se que alguém simoniacamente obtenha um bem espiritual, por influência de outras pessoas, sem o saber nem querer. Logo, não deve ser punido pela privação do que lhe foi conferido.

4. Demais. – Ninguém pode tirar proveito do seu pecado. Ora, se quem conseguiu um benefício eclesiástico, por simonia, o devolvesse isso poderia redundar em utilidade dos participantes dela; por exemplo, se o prelado e toda a colegial consentiram na simonia. Logo, nem sempre se deve restituir o que se obteve por simonia.

5. Demais. – As vezes alguém é recebido num mosteiro, por simonia, e aí professa fazendo voto solene. Ora, ninguém deve ser absolvido da obrigação imposta pelo voto, por causa de culpa que com isso cometeu. Logo, não deve um monge perder o que adquiriu por simonia.

6. Demais. – A pena exterior, nesta vida, não pode ser infligida a um movimento interno do coração, do qual só Deus é juiz. Ora, a simonia comete–se só intencional ou voluntariamente, sendo por isso definido em dependência da vontade, como se disse. Logo, o simoníaco não deve sempre ser privado do que adquiriu por simonia.

7. Demais. – Ser promovido a um posto superior é mais do que permanecer no em que se estava. Ora, às vezes os simoníacos, sendo absolvidos, são promovidos por dispensa, a postos mais elevados. Logo, nem sempre devem ser privados do que adquiriram.

Mas, em contrário, um cânone: Quem foi ordenado por simonia, nada aproveite dessa ordenação ou promoção feita por negócio; mas seja privado da dignidade ou do cargo que comprou com dinheiro.

SOLUÇÃO. – Ninguém pode licitamente conservar o que adquiriu contra a vontade do dono. Por exemplo, quem recebeu alguma coisa, dada por um dispenseiro contra a vontade e a ordem do seu amo, não poderia licitamente conservá–la. Ora, o Senhor, de quem os prelados das Igrejas são dispenseiros e ministros, ordenou que os bens espirituais fossem dados gratuitamente. conforme aquilo da Escritura: Dai de graça o que de graça recebesies. Logo, quem obtém qualquer dom espiritual, por troca com o que tem valor pecuniário, não pode licitamente conservá–lo. Além disso, os simoníacos tanto os vendedores como os compradores das coisas espirituais, e ainda os mediadores, são punidos por outras penas, a saber, a de infâmia e de deposição, se forem sacerdotes; pela excomunhão, se forem leigos, conforme aos cânones,

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem recebe uma ordem sagrada por simonia, por certo recebe o caráter ela ordem, por causa da eficácia do sacramento. Mas, não recebe a graça, nem o direito de exercer as funções conferidas pela ordem, por ter recebido o caráter, como furtivamente, contra a vontade do Senhor principal. Portanto, está suspenso de pleno direito, quanto a si mesmo, ficando proibido de exercer as funções da sua ordem; e quanto aos outros, que não podem comunicar com ele se exercer as suas funções, quer o seu pecado seja público, quer oculto. Nem pode repetir o dinheiro, que deu pecaminosamente; embora quem recebeu o retenha injustamente. Mas, se for o simoníaco quem conferiu a ordem, dando ou recebendo um benefício simoniacamente, ou sendo mediador na simonia – se o fez em público, fica suspenso de pleno direito, tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros; mas se o fez ocultamente, fica suspenso de pleno direito, quanto a si mesmo mas, não, quanto aos outros.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ninguém deve receber a ordem, de um bispo, de quem sabe ter sido promovido simoniacamente, nem para lhe obedecer ao mandado, nem para fugir à pena de excomunhão. E quem for por ele ordenado não recebe o poder de exercer as funções da ordem, mesmo ignorando que o bispo fosse simoníaco; mas, precisa de dispensa para exercê–las. Embora certos digam que, não podendo provar que o bispo é simoníaco, deve obedecer–lhe, recebendo a ordem, mas não deve exercê–la sem dispensa. O que não é racionalmente admissível, porque ninguém deve obedecer a outrem tornando–se–lhe cúmplice, na prática de um ato ilícito. Ora, quem está suspenso de pleno direito, tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros, confere a ordem ilicitamente. Por onde, ninguém deve comunicar com ele, recebendo seja o que for, por qualquer causa. Mas, quem ignora a simonia do bispo, não devendo presumir o pecado em ninguém, pode, em sã consciência, receber–lhe a ordem. Se porém o bispo for simoníaco de outro modo que não por promoção obtida simoniacamente, pode receber dele a ordem, se a simonia é oculta, porque então não está suspenso quanto aos outros, mas só, em quanto a si mesmo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O ser privado alguém do que recebeu não só é pena do pecado, mas também, às vezes, efeito da aquisição injusta. Por exemplo, se alguém compra uma coisa de quem não pode vendê–la. Portanto, quem ciente, voluntária e simoniacamente recebe a ordem ou um benefício eclesiástico, não só deve ser privado do que recebeu, ficando proibido de exercer as suas funções, e perdendo o benefício, com as rendas já percebidas, mas além disso, ainda é punido com a nota de infâmia. E está obrigado a restituir os frutos, não só os já percebidos, mas também os que puderam tê–lo sido por um possuidor cuidadoso. O que porém se deve entender, dos frutos restantes, deduzidas as despesas feitas com eles; exceto os que já foram gastos em utilidade da igreja. Se porém a promoção foi obtida simoniacamente por meio de outros, sem o promovido saber nem querer, este fica por certo privado do direito de exercer as funções inerentes à ordem e está obrigado a desistir do benefício alcançado, com as rendas existentes; mas, não está obrigado a restituir as rendas já consumidas, por ser possuidor de boa fé. Salvo se algum inimigo seu, tivesse dado fraudulentamente dinheiro para a sua promoção, sem expressa oposição sua. Pois, nesse caso, não está obrigado a renunciar, salvo se depois consentir no pacto, pagando o que fora prometido.

RESPOSTA À QUARTA. – O dinheiro, a posse ou as rendas adquiridas simoniacamente devem ser restituídas à igreja em cujo detrimento foram dados, embora por culpa do prelado ou de algum membro da colegial dessa igreja; porque o pecado deles não deve prejudicar aos outros. Contanto que, na medida elo possível, os que pecaram não tirem dessa restituição nenhum proveito. Se porém a culpa é do prelado e de toda a colegial, então devem, com ordem do superior, distribuir o que adquiriram mal, aos pobres, ou dar a outra igreja.

RESPOSTA À QUINTA. – Os que foram recebidos num mosteiro simoniacamente devem sair dele. E se cometeram a simonia conscientemente, depois do Concílio Geral, devem ser expulsos do mosteiro, renunciando à esperança de qualquer restituição. E, para fazer penitência perpétua, devem passar a viver sob uma regra mais severa, ou num lugar da mesma ordem, se não existir outra ordem de maior severidade. Mas, se a cometeram antes do Concílio, devem ser mandados para outros lugares da mesma ordem. Se isso não puder ser, devem, mediante dispensa ser recebidos nos mosteiros da mesma ordem, para não andarem a vagar pelo mundo, contanto que mudem de lugar e não exerçam funções inferiores às que exerciam. Se, porém, foram recebidos simoniacamente sem o saberem, quer antes, quer depois do Concílio, podem, depois de terem renunciado, ser recebidos de novo, desde que mudem de lugar, como se disse.

RESPOSTA À SEXTA. – A só vontade de praticar a simonia já torna o homem simoníaco, diante de Deus; mas não o submete, como simoníaco, às penas exteriores, cominadas pelos cânones, de modo a ser obrigado a renunciar ao que adquiriu. Mas deve penitenciar–se da sua manutenção.

RESPOSTA À SÉTIMA. – Só o Papa pode dispensar quem cientemente recebeu um benefício, por simonia. Mas, em outros casos também o bispo pode dispensar, contanto que, primeiro, o simoníaco renuncie ao que adquiriu mal. E então consegue a dispensa pequena, de modo a poder receber a comunhão dos leigos; ou a grande, pela qual pode, depois de ter feito penitência, permanecer em outra igreja da sua ordem; ou a maior, de modo a ficar na mesma igreja, mas com ordens menores; ou a máxima, de modo que, ficando na mesma igreja, possa receber ordens ainda maiores, mas, não, a prelatura.

Art. 5 – Se é lícito dar bens espirituais como pagamento de um serviço material ou oral.

O quinto discute–se assim. – Parece lícito dar bens espirituais como pagamento, de um serviço material ou oral.

I. – Pois, diz Gregório: Os sacerdotes que buscam a utilidade da Igreja merecem receber uma remuneração eclesiástica. Ora, buscar a utilidade da Igreja é prestar–lhe um serviço material. Logo, parece lícito darem–se benefícios eclesiásticos pelo serviço recebido.

2. Demais. – Assim como parece ter intenção de pagar materialmente quem dá um benefício eclesiástico, por um serviço recebido, assim também a tem se o deu em vista de um parentesco . Ora, isto não parece simoníaco por não haver no caso nem compra nem venda. Logo, também não há no primeiro caso.

3. Demais. – O que só fazemos a pedido de outrem parece que o fazemos gratuitamente; e assim não há aí lugar para a simonia, que supõe a compra e venda. Ora, serviço oral seria conceder um benefício eclesiástico a pedido de outrem. Logo, isso não é simoníaco.

4. Demais. – Os hipócritas fazem obras espirituais para receber elogios dos outros, o que parece constituir um serviço oral; e contudo, os hipócritas não são considerados simoníacos, Logo, o serviço oral não dá lugar a simonia.

Mas, em contrário, o papa Urbano diz: É simoníaco todo aquele que usa dos bens eclesiásticos, não conforme ao fim para que foram instituídos, mas, para lucro próprio dando–os ou recebendo–os em troca do serviço oral ou material.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, considera–se dinheiro todo valor susceptível de avaliação pecuniária. Ora, é claro que qualquer serviço humano visa uma utilidade, susceptível de ser avaliada em dinheiro, sendo por isso que se paga em dinheiro aos empregados. Portanto, dar um bem espiritual por um serviço temporal prestado ou a prestar é o mesmo que concedê–lo em troca de um dinheiro dado ou prometido pelo qual esse serviço pode ser avaliado. Do mesmo modo, satisfazer aos pedidos de outrem, para alcançar uma graça temporal, ordena–se a alguma utilidade susceptível de ser avaliada em dinheiro. Portanto, assim como praticamos a simonia, recebendo dinheiro ou qualquer bem exterior, por um dom manual, assim também a praticamos por um dom oral ou um serviço material.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O sacerdote que presta ao seu prelado um serviço honesto e ordenado a um fim espiritual, por exemplo, à utilidade da igreja ou em auxílio dos ministros da mesma, torna–se digno, pelo devotamento que esse serviço implica, de um benefício eclesiástico, como por quaisquer outras boas obras. Por isso, não se entende haver no caso um serviço material, sendo a este que se refere Gregório. Se porém o serviço for desonesto e ordenado a fins temporais, como por exemplo, o ter servido ao prelado para utilidade de parentes, ou do patrimônio próprio ou para fins semelhantes, então haverá serviço corporal, e simonia portanto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Conferir um dom espiritual gratuitamente por causa de parentesco ou de qualquer afeto carnal é conferi–lo ilícita e desordenadamente, mas não é simoníaco, porque nada se recebe, no caso, e portanto não supõe contrato de compra e venda, em que se funda a simonia. Quem porém der um benefício eclesiástico com o pacto de tirar proveito para parentes pratica manifestamente a simonia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Considera–se serviço oral, ou o louvor, que em si mesmo constitui um favor humano susceptível de preço, ou ainda um pedido, com que se obtém o favor humano ou se evita o que lhe é contrário. Portanto, quem visa tais fins, principalmente, comete simonia. Ora, isso visa, principalmente, quem ouve pedidos feitos em favor de pessoas indignas. Por onde, já o fato mesmo é simoníaco, Mas, não o é, se o pedido é feito por quem dele é digno; porque há uma causa justa de conferir um bem espiritual aquele em favor de quem se fez o pedido. Pode haver, porém simonia intencionada se não se atender à dignidade da pessoa, senão, ao favor humano. Mas quem pede para obter a cura de almas, a sua mesma presunção o toma indigno e então pede por um indigno. Mas, quem está necessitado, pode pedir para si um benefício eclesiástico; sem cura de almas.

RESPOSTA À QUARTA. – O hipócrita não dá nenhum bem espiritual para ser louvado, mas só finge que o dá; e assim, simulando, antes obtém furtivamente o louvor humano, do que o compra. Por onde, isso não constitui vício de simonia.

Art. 4 – Se é lícito receber dinheiro em paga de bens conexos com os bens

O quarto discute–se assim. Parece lícito receber dinheiro em paga de bens conexos com os bens espirituais.

1. – Pois, todos os bens temporais são conexos com os espirituais, porque devemos buscar aquêles por causa destes. Se, pois, não é lícito vender os bens anexos aos espirituais, não será lícito vender nada de temporal. O que é evidentemente falso.

2. Demais. – Nada parece mais preso aos bens espirituais do que os vasos consagrados. Ora, é lícito vender um cálice para redimir captivos, como diz Ambrósio, Logo, é lícito vender bens conexos com os espirituais.

3. Demais. – São conexos com os bens espirituais: os direitos de sepultura, de padroado, de primogenitura, segundo os antigos; porque os primogênitos, antes da lei escrita, desempenhavam o papel de sacerdotes; e também o direito de receber dízimos. Ora, segundo a Escritura, Abraão comprou a Efron duas covas, para sepultura; e Jacó comprou de Esaú o direito de primogenitura. Quanto ao direito de padroado, ele é transmitido com a coisa vendida e concedido como feudo. Também os dízimos são concedidos a certos militares e podem ser resgatados. E enfim os prelados às vezes retém temporariamente para si as rendas das prebendas que conferem, embora estas estejam conexas com os bens espirituais. Logo, é lícito comprar e vender os bens conexos com os bens espirituais.

Mas, em contrário, determina o Papa Pascoal, num cânone: Quem vende uma coisa conexa com outra, vende a uma e outra. Portanto, ninguém compre uma igreja, uma prebenda, nem nada de eclesiástico.

SOLUÇÃO. – Um bem pode estar conexo com os bens espirituais, de dois modos. – Ou como deles dependente; assim, diz–se que o fato de ter benefícios eclesiásticos anda conexo com os bens espirituais, porque só pode tê–las quem exerce funções clericais. Por onde, esses benefícios de nenhum modo podem existir sem os bens espirituais. Por isso, de maneira nenhuma é lícito vende–los, porque isso significaria pôr à venda ao mesmo tempo os bens espirituais. – Mas, outros bens estão conexos com os espirituais por se lhes ordenarem a estes; assim o direito de padroado, cujo objeto é apresentar clérigos para os benefícios eclesiásticos; e os vasos sagrados, destinados a administração dos sacramentos. Por onde, tais bens não pressupõem os espirituais, mas, ao contrário, os precedem temporalmente. Portanto podem, de certo modo, ser vendidos; mas, não, enquanto conexos com os bens espirituais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todos os bens temporais estão conexos com os espirituais como com o fim. Por onde, em si mesmos, os temporais podem se vender; mas, não pode ser objeto de venda a ordenação deles aos espirituais.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também os vasos sagrados estão conexos com os bens espirituais como com o fim. Portanto, a consagração deles não pode ser vendida. Contudo, para obviar à necessidade da Igreja e dos pobres, a matéria deles pode sê–lo; contanto que, depois de oração feita, sejam primeiro quebrados, pois, após terem sido, já não se consideram vasos sagrados, mas, simples metal; e portanto se, reunidos os fragmentos, viessem de novo a constituir vasos semelhantes, deveriam de novo ser consagrados.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As duas covas que Abraão comprou para sepultura, a Escritura não diz que fossem terra consagrada a sepultamento. Por isso, era lícito a Abraão comprar essa terra para sepultamento, nela abrindo um sepulcro; assim como também poderíamos comprar um campo comum para nele estabelecer um cemitério ou ainda uma igreja. Contudo, como mesmo entre os gentios, os lugares destinados à sepultura consideravam–se sagrados, se Efron teve a intenção de receber pagamento pelo lugar da sepultura, pecou, vendendo–o; embora Abraão não pecasse comprando–o, porque não tinha a intenção de comprar senão uma terra comum. Pois, também nos é lícito, em caso de necessidade, vender ou comprar um terreno onde existiu uma igreja, como se dá com a matéria dos vasos sagrados, segundo dissemos. Ou Abraão fica escusado porque, assim procedendo, resgatou o que lhe não convinha. Pois, embora Efron lhe oferecesse gratuitamente a sepultura, ponderou, contudo, Abraão que sem detrimento dele não podia recebê–la de graça. – Quanto ao direito de primogenitura, era ele devido a Jacó por eleição divina segundo aquilo da Escritura: Eu amei a Jacó e aborreci a Esaú. Por isso, Esaú pecou vendendo os direitos de primogenitura; mas Jacó não pecou, comprando–o, pois se entende que, assim procedendo, resgatou o que não lhe convinha. – Quanto ao direito de padroado, em si mesmo, não pode ser vendido nem dado como feudo; mas, acompanha a cidade vendida ou cedida. – O direito espiritual de receber dízimos não pode ser conferido a leigos; mas, somente os bens temporais dados sob o nome de dízimos, como dissemos. – Enfim quanto aos benefícios conferidos, importa saber que não é ilícito um bispo, antes de conferir um benefício a alguém, mandar, por alguma causa, que se tire uma parte das rendas do benefício a ser conferido para serem aplicados a usos pios. Se porém exigir daquele a quem concede o benefício, que lhe ceda parte das rendas deste, seria o mesmo que exigir uma paga do beneficiário e não deixaria de cometer o pecado de simonia.

Art. 3 – Se é lícito dar e receber dinheiro em pagamento das obras espirituais.

O terceiro discute–se assim. – Parece lícito dar e receber dinheiro em pagamento das obras espirituais.

1. – Pois, o exercício da profecia é uma obra espiritual. Ora, por esse exercício se dava, outrora, um pagamento, como se lê na Escritura. Logo, parece lícito dar e receber dinheiro por uma obra espiritual.

2. Demais. – A oração, a predicação, o louvor a Deus são atos espirituais por excelência. Ora, para impetrar o sufrágio das suas orações, dava–se dinheiro aos varões santos, como se lê no Evangelho: Grangeai amigos com as riquezas da iniquidade. E também o Apóstolo diz que se devem dar bens temporais aos pregadores, que semeiam os bens espirituais. Também se dá aos que celebram os louvores divinos no ofício eclesiástico e fazem procissões; e às vezes há rendas anuais destinadas a esse fim. Logo, é lícito receber alguma coisa em paga das obras espirituais.

3. Demais. – A ciência não é menos espiritual que o poder. Ora, é lícito receber dinheiro pelo exercício da ciência. Assim, o advogado pode vender o justo patrocínio; o médico, o conselho para ter saúde; o mestre, o ensinamento da doutrina. Logo, pela mesma razão, parece lícito ao prelado receber alguma causa pelo exercício do seu poder espiritual, por exemplo, por uma correção, por uma dispensa ou por coisa semelhante.

4. Demais. – A religião é o estado da perfeição espiritual. Ora, certos mosteiros exigem um dote dos que neles são recebidos. Logo, é lícito receber dinheiro em paga dos bens espirituais.

Mas, em contrário, uma decretal: Tudo o que é dado pela munificência da graça invisível não deve absolutamente ser vendido por dinheiro ou por quaisquer outras recompensas. Ora, todos os bens espirituais referidos são dadas pela graça invisível. Logo, não é lícito vendê–los por dinheiro ou por quaisquer outras recompensas.

SOLUÇÃO. – Assim como os sacramentos se chamam espirituais por conferirem graças espirituais, assim também outras causas se chamam espirituais por procederem da graça espiritual e disporem para ela. Às quais contudo são feitas pelo ministério de homens que devem ser sustentados pelo povo, a quem eles as ministram, segundo as palavras do Apóstolo: Quem jamais vai à guerra à sua custa? Quem apascenta um rebanho e não come do leite do rebanho? Portanto, vender ou comprar a que esses atos tem de espiritual é simoníaco. Mas, receber ou dar dinheiro. para sustenta das que ministram as bens espirituais, segunda a ordenação da Igreja e as costumes aprovados, é lícita. Contanto que não haja a intenção de comprar nem de vender; e que não se exija nenhuma retribuição sob pena de se reterem os bens espirituais que se devem distribuir, porque do contrário haveria a aparência de venda. – Mas quando foram dispensados gratuitamente, pode–se licitamente, com a intervenção da autoridade superior, exigir dos que os recusam e podem pagá–los, as oblações prescritas e habituais, ou quaisquer outros proventos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Jerônimo, davam–se espontaneamente certas espórtulas aos bons profetas, para sustento deles, e não para lhes comprar o exercício das profecias, do qual os pseudo profetas se serviam para ganhar dinheiro.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os que dão esmolas aos pobres, para lhes pedir o sufrágio das orações não lh'as dão com a título de lhes comprar essas orações; mas, pela beneficência gratuita, despertam na alma deles o desejo de orar gratuita e caridosamente pelos que lhes fizeram benefício. – Aos pregadores também são devidos os bens temporais para se sustentarem com eles, e não para, por meio desses bens, comprarmos a palavra da pregação. Por isso, aquilo do Apóstolo: ­ Os presbíteros que governam bem, etc. – diz a Glosa: A necessidade nos obriga a ganhar para viver, e a caridade, a dar, mas o Evangelho não pode ser vendido por tal preço; pois, do contrário, vender–se–ia um grande bem por preço vil. ­ Do mesmo modo, também se dão bens temporais aos que louvam a' Deus, recitando o ofício eclesiástico, quer pelos vivos, quer pelos mortos; não como paga, mas como estipêndio para o sustento. E ao mesmo título recebem–se esmolas para acompanhar um enterro. – Mas, se tais coisas se fizessem como cumprimento de contrato, ou ainda com a intenção de compra e venda, seria simoníaco. Portanto, seria uma ordenação ilícita o da Igreja que estipulasse que não se acompanharia o enterro em que não se fizesse o pagamento de uma certa quantia de dinheiro; porque tal ordenação impediria de se cumprir gratuitamente o dever de piedade para com outrem. Mas, seria, antes lícita, a ordenação, estabelecendo que a todos os doadores de uma certa esmola se prestariam tais ou tais honras, porque então não haveria impedimento de fazer aos outros a mesma pompa fúnebre. Demais, a primeira ordenação toma carácter de uma exacção; e a segunda, o de uma compensação gratuita.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Aquele a quem foi cometida uma autoridade espiritual esta obrigado, por dever, a exercê–la para dispensar os bens espirituais; e também, para o seu sustento, recebe os estipêndios estatuídos, das rendas da igreja. Portanto, se recebesse alguma coisa pelo exercício dessa autoridade, não significaria com isso que alugava os seus trabalhos, que por dever de ofício, deve prestar, mas que vendia o uso mesmo da graça espiritual. Por isso, não é lícito receber nada por qualquer dispensação de bens espirituais, nem por deixar que outros os substituam nas suas funções, nem por corrigir ou não os que lhes estão sujeitos. Mas, é–lhe lícito receber aprovisionamentos quando visitam os súditos, não como paga dos trabalhos mas, como estipêndio devido. – Quanto a quem tem ciência e não assumiu a obrigação de distribui–la aos outros, para que dela usem, pode licitamente receber pagamento pelo que ensinou ou pelo conselho dado; o que não é vender a ciência mas, alugar os seus trabalhos. Se, porém, tinha o dever de fazê–lo, seria considerado como vendedor da verdade e, assim, pecaria gravemente. Tal o que se dá com os encarregados, por certas igrejas, de lhes ensinar os clérigos e outros pobres, para o que recebem dela um benefício e portanto nada podem receber deles, nem para ensinarem nem para fazer ou omitir alguma solenidade.

RESPOSTA À QUARTA. – Pela entrada num mosteiro, não pode este exigir nem receber nada como pagamento. Mas, se o mosteiro não tiver meios suficientes para sustentar todos os que nele vivem, é lícito, depois de ter admitido gratuitamente a quem nele quiser entrar, receber dessa pessoa alguma coisa com que possa sustentá–la, se para tal não chegaram os recursos do mesmo. – Semelhantemente, também é lícito um mosteiro receber mais facilmente a quem, por devotamento que mostrou para com ele, fez–lhe largas esmolas. Assim como também é lícito, inversamente, provocar o devotamento de alguém para com o mosteiro, manifestado pela doação de bens temporais, para assim inclinar essa pessoa a entrar nele. Embora não seja lícito a ninguém dar nem receber nada pela entrada num mosteiro, por força de algum contrato, como determinam os cânones.

Art. 2 – Se é sempre ilícito dar dinheiro em troca dos sacramentos.

O segundo discute–se assim. – Parece que nem sempre é ilícito dar dinheiro em troca dos sacramentos.

1. – Pois o batismo é a porta. dos sacramentos, como se dirá na Terceira Parte. Ora, é lícito, segundo parece, em certos casos, dar dinheiro em paga do baptismo, por exemplo, se o sacerdote não quisesse batizar uma criança moribunda, sem receber dinheiro. Logo, nem sempre é – ilícito comprar ou vender os sacramentos.

2. Demais. – O máximo dos sacramentos é a Eucaristia, consagrada na Missa. Ora, para cantar missas, certos sacerdotes recebem uma prebenda, ou dinheiro. Logo, com maior razão, é lícito comprar ou vender os outros sacramentos.

3. Demais. – O sacramento da penitência, que principalmente consiste na absolvição, é de necessidade para nos salvarmos. Ora, certos, para absolverem da excomunhâo, exigem dinheiro. Logo, nem sempre é ilícito comprar ou vender os sacramentos.

4. Demais. – O costume faz não ser pecado o que, sem ele, o seria; assim, como diz Agostinho, quando o costume o permitia, não era pecado ter várias mulheres. Ora, em certos lugares é costume dar–se alguma coisa por ocasião da consagração dos bispos, da bênção dos abades, da ordenação dos clérigos, da administração do crisma, dos santos óleos e de atos semelhantes. Logo, parece não ser isso ilícito,

5. Demais. – Dá–se às vezes que uma pessoa impede maliciosamente outra de obter o episcopado ou qualquer outra dignidade. Ora, a cada um é lícito livrar–se, com dinheiro, do vexame que sofre. Logo, parece lícito, em tal caso, dar dinheiro pelo episcopado ou por qualquer outra dignidade eclesiástica.

6. Demais. – O matrimônio é um sacramento. Ora, às vezes dá–se dinheiro pela sua celebração. Logo, é lícito vender por dinheiro os sacramentos.

Mas, em contrário, estabelece um cânone: Quem consagrou alguém por dinheiro, alheia–se do sacerdócio.

SOLUÇÃO. – Os sacramentos da lei nova são soberanamente espirituais, como causas que são de graças espirituais, que não podem ser pagas com dinheiro; e repugna–lhes, por essência, o não serem dadas gratuitamente. Ora, os sacramentos da Igreja são dispensados pelos ministros, que devem ser sustentados pelo povo, conforme às palavras do Apóstolo: Não sabeis que os que trabalham no santuário comem do que é do santuário; e que os que servem ao altar participam justamente do altar? Portanto, devemos concluir que receber dinheiro como paga da administração dos sacramentos é crime de simonia, que nenhum costume pode escusar, pois, o costume não pode contrariar o direito natural ou o divino. Ora, por dinheiro se entende tudo aquilo cujo preço pode ser avaliado pecuniáriamente, como diz o Filósofo. Mas, receber alguma coisa para sustento dos que administram os sacramentos de Cristo, conforme à ordenação da Igreja e aos costumes aprovados, não é simonia nem pecado. Pois, não recebem em tal caso o pagamento do que dispensaram, mas um estipêndio para prover às suas necessidades. Por isso, aquilo do Apóstolo – Os presbíteros que governam bem, etc. – diz a Glosa de Agostinho: Recebam o sustento das suas necessidades, do povo, e o pagamento pelo que dispensaram, de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Em caso de necessidade qualquer pode batizar. E como de nenhum modo se deve pecar, quando um sacerdote não quer batizar senão recebendo dinheiro, o caso é o mesmo que se não houvesse quem batizasse. Portanto, o responsável pela criança, em tal caso, pode licitamente comprar água do sacerdote, a qual é um elemento puramente material. Mas, se fosse um adulto quem desejasse o batismo e houvesse perigo iminente de morte, e o sacerdote não quisesse batizá–lo senão pago, então, sendo possível, o adulto deveria ser batizado por outro. Mas, não sendo possível recorrer a outrem, de nenhum modo deveria dar dinheiro em paga do batismo, mas, antes, morrer sem batismo; porque o batismo de desejo supriria a falta do sacramento.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O sacerdote não recebe dinheiro como pagamento pela consagração da Eucaristia ou pela missa cantada, o que seria simoníaco: mas, como estipêndio para o seu sustento, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O dinheiro não é exigido daquele que é absolvido, como preço da absolvição, o que seria simoníaco; mas, como pena da culpa precedente, por causa da qual foi ex­comungado.

RESPOSTA À QUARTA. – Como dissemos, o costume não pode contrariar o direito natural ou o divino, que proíbe a simonia. Portanto, se o costume permitir que se exija dinheiro, como preço do bem espiritual, com intenção de comprar ou de vender, haverá manifestamente simonia e sobretudo se o dinheiro for exigido de outrem contra a vontade dele. Mas, não haverá simonia se for exigido como estipêndio aprovado pelo costume. Se, contudo, não houver intenção de comprar nem de vender, a qual só há de referir–se à observância do costume, e sobretudo quando o pagamento for voluntariamente feito. Mas, em todos esses casos, é necessário abster–se de qualquer aparência de simonia ou de cobiça, conforme aquilo do Apóstolo: Guardai–vos de toda aparência do mal.

RESPOSTA À QUINTA. – Antes de alguém adquirir o direito ao episcopado ou a qualquer dignidade ou prebenda, por eleição, provisão ou colação, seria simoníaco afastar com dinheiro os obstáculos criados por adversários. Porque então prepararia, com dinheiro, para si, o caminho para obter o bem espiritual. Mas, depois que já adquiriu o direito, é lícito remover, com dinheiro, injustos impedimentos.

RESPOSTA À SEXTA. – Alguns dizem ser lícito dar dinheiro pela celebração do matrimônio, porque este não confere graça. Mas isto é absolutamente falso, como se provará na Terceira Parte desta obra. Portanto devemos dizer, de outro modo, que o matrimônio, não só é um sacramento da Igreja, mas também um dever da natureza. Por onde, dar dinheiro pela celebração do matrimônio, enquanto dever da natureza é lícito; mas, ilícito, enquanto sacramento da Igreja. Por isso os cânones proíbem exigir dinheiro pela bênção das núpcias.

Art. 1 – Se a simonia é a vontade deliberada de comprar e vender um bem espiritual ou um bem anexo a ele.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a simonia não é a vontade deliberada de comprar e vender um bem espiritual ou um bem anexo a ele.

1. – Pois, a simonia é uma heresia, conforme determina um cânone: A ímpia heresia dos macedónios, e a dos que com eles atacam o Espírito Santo, é mais tolerável do que a dos simoníacos. Porque aqueles, delirando, ensinam ser o Espirito Santo criatura e servo de Deus Padre e do Filho; ao passo que estes fazem do Espirito Santo escravo de si mesmo. Ora, todo senhor vende o que é seu quando quiser – o escravo, ou outra coisa qualquer que possua. Mas, a infidelidade não está na vontade senão, antes, no intelecto, assim como a fé, segundo dissemos. Logo, a simonia não deve ser definida em dependência da vontade.

2. Demais. – Pecar deliberadamente é pecar com malícia, o que é pecar contra o Espírito Santo. Se, pois, a simonia é a vontade deliberada de pecar, resulta que é sempre pecado contra o Espírito Santo.

3. Demais. – Nada é mais espiritual que o reino dos céus. Ora, é lícito comprá–la, como diz Gregório, numa homília: O reino dos céus vale tanto quanto tu tens. Logo, não é simonia querer comprar um bem espiritual.

4. Demais. – O nome de simonia deriva de Simão, o Mago, do qual se lê na Escritura, que ofereceu dinheiro aos Apóstolos para comprar o poder espiritual, isto é, para que a qualquer a quem impusesse as mãos recebesse o Espírito Santo. Mas dele não se lê que quisesse vender algum bem espiritual. Logo, a simonia não é a vontade de vender qualquer bem espiritual.

5. Demais. – Há muitas outras comutações voluntárias, além da compra e venda, como a permuta e a transação. Logo, parece insuficientemente definida a simonia.

6. Demais. – Tudo o que está anexo a um bem espiritual é espiritual. Logo, é supérfluo acrescentar: ou anexo a um bem espiritual.

7. Demais. – O Papa, segundo certos, não pode cometer simonia. Ora, pode comprar ou vender os bens espirituais. Logo, a simonia não é a vontade de comprar ou vender nenhum bem espiritual ou qualquer bem a ele anexo.

Mas, em contrário, diz Gregório: Nenhum fiel ignora ser heresia simoniaca comprar ou vender um altar, os dízimos e o Espirito Santo.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, um ato é genericamente mau quando recai sobre o que lhe pode constituir a matéria. Ora, as coisas espirituais não podem constituir matéria da compra e venda por três razões, – Primeiro, porque não podem ser pagas por nenhum dinheiro do mundo, como da sabedoria diz a Escritura: Mais preciosa é que todas as riquezas e tudo o mais que se deseja não se pode comparar com ela. E por isso também Pedro, condenando na raiz mesmo o pecado de Simão, disse: O teu dinheiro pereça contigo, uma vez que tu te persuadiste que o dom de Deus se podia adquirir com dinheiro. – Segundo, porque não pode ser matéria própria de venda aquilo de que o vencedor não é dono, como se vê pela autoridade supracitada. Ora, um prelado da Igreja não é dono, mas, dispenseiro dos bens espirituais, conforme àquilo do Apóstolo: Os homens devem nos considerar como uns ministros de Cristo e como uns dispenseiros dos mistérios de Deus. – Terceiro, porque a venda repugna à origem dos bens espirituais, procedentes da vontade gratuita de Deus. Por isso, o Senhor diz: Dai de graça o que de graça recebestes. – Portanto, quem compra ou vende um bem espiritual comete uma irreverência para com Deus e para com as causas espirituais. Por onde, comete o pecado de irreligião.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a religião consiste em manifestarmos uma fé que talvez não nutramos no coração, assim também, os pecados opostos à religião implicam de certo modo a manifestação de infidelidade, embora possa acontecer que esta não exista no coração. Assim sendo, pois, a simonia se considera heresia, – quanto à sua manifestação externa; porque quem vende um dom do Espírito Santo de algum modo se considera senhor de um dom espiritual, o que é herético. Devemos porém saber que Simão, o Mago, além de ter querido comprar com dinheiro, dos Apóstolos, a graça do Espirito Santo, dizia que o mundo não foi criado por Deus, mas por alguma virtude suprema, como refere Isidoro. E por isso, os simoníacos são contados no número dos heréticos, como diz Agostinho.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Segundo dissemos, a justiça e todas as suas partes e, por consequência, todos os vícios opostos, tem uma vontade o seu sujeito. Por isso, a simonia é convenientemente definida em dependência da vontade. Acrescenta porém a definição a palavra – deliberada – para designar a eleição, elemento principal sem o qual não há virtude nem vício. Mas, nem todos os que pecam por eleição cometem o pecado contra o Espírito Santo; mas, só os que elegem o pecado, com desprezo dos meios pelos quais podemos evitá–lo, como já dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz–se que compramos o reino dos céus quando damos o que temos por amor de Deus, usando da palavra – compra em sentido lato, para significar o mérito. O que, pois, não constitui a essência perfeita da venda. Quer porque as penalidades da presente vida, ou quaisquer dons ou obras nossas, não tem proporção alguma com a glória vindoura que se manifestará em nós, no dizer do Apóstolo; quer porque o mérito não consiste principalmente num dom exterior, num ato ou numa paixão, mas, no afeto interior.

RESPOSTA À QUARTA. – Simão, o Mago quis comprar o poder espiritual para depois vendê–lo. Assim, diz um cânone: Simão, o Mago quis comprar o Espírito Santo para multiplicar o seu dinheiro vendendo os milagres que por meio do mesmo Espirito fizesse. E assim, os que vendem os bens espirituais imitam intencionadamente a Simão, o Mago; e atualmente o imitam os que querem comprá–los. Mas, os que os vendem imitam em ato a Giezi, discípulo de Eliseu, do qual refere a Escritura que recebeu dinheiro de um leproso que curou. Por isso, os vendedores dos bens espirituais podem chamar–se não só Simoníacos mas também Giesitas.

RESPOSTA À QUINTA. – Pela denominação de compra e venda se entendem todos os contratos não gratuitos. Portanto a permuta das prebendas e dos benefícios eclesiásticos não pode fazer–se, por consentimento das partes, sem perigo de simonia, assim como não o pode a transação, como os cânones o determinam. Porém, um Prelado pode, por ofício, fazer tais permutas por motivo útil ou necessário.

RESPOSTA À SEXTA. – Assim como a alma tem em si mesma o seu princípio de vida, e o corpo vive pela sua união com a alma, assim também certos bens são espirituais por natureza, como os sacramentos e outros semelhantes; ao passo que outros se chamam espirituais por estarem anexos aos primeiros. Por isso, um cânone diz: Os bens espirituais sem os corporais não tem valor, assim como a alma, sem o corpo, não vive corporalmente.

RESPOSTA À SÉTIMA. – O Papa, como qualquer outro homem, pode cometer o pecado de simonia. Mas, o pecado é tanto mais grave quanto mais elevado o lugar ocupado pelo pecador. Por onde, embora os bens da Igreja sejam do Papa, como principal dispenseiro, não lhe pertencem, contudo como senhor e possuidor. Por tanto, recebendo dinheiro, dos réditos de alguma Igreja, em paga de algum bem espiritual, incorre no pecado de simonia. E do mesmo modo poderia cometê–la recebendo dinheiro não pertencente aos bens da Igreja, de um leigo.

Art. 4 – Se a pena do sacrilégio deve ser pecuniária.

O quarto discute–se assim. – Parece que a pena do sacrilégio não deve ser pecuniária.

1. – Pois, a pena pecuniária não costuma ser imposta a uma culpa criminal. Ora, o sacrilégio é uma culpa criminal, sendo por isso punido de pena capital pelas leis civis. Logo, o sacrilégio não deve ser punido com pena pecuniária.

2. Demais. – Um mesmo pecado não deve ser punido com pena dupla, conforme à Escritura: Não se levantará por duas vezes a tribulação. Ora, a pena do sacrilégio é a excomunhâo maior, se a violência foi feita a uma pessoa sagrada, on se alguém incendiou ou destruiu urna igreja; menor, nos outros sacrilégios. Logo, o sacrilégio não deve ser punido com pena pecuniária.

3. Demais. – O Apóstolo diz: Nunca tivemos um pretexto de avareza. Ora, parece que dá ocasião à avareza aplicar uma pena pecuniária à violação de uma causa sagrada. Logo, não parece que essa seja a pena conveniente ao sacrilégio.

Mas, em contrário, um cânone determina: Quem por contumácia ou soberba arrancar do átrio de uma igreja um escravo fugitivo, pague novecentos sólidos. E no mesmo lugar acrescenta: Quem for apanhado como réu de sacrilégio pague trinta libras de prata pura.

SOLUÇÃO. – Duas coisas devemos considerar ao infligir uma pena. – A primeira é a igualdade, para a pena ser justa; pois, pelas coisas em que alguém peca, por essas é também atormentado, como diz a Escritura. E deste modo, a pena conveniente ao sacrilégio, que causou uma injúria as coisas sagradas, é a excomunhão, que priva o sacrílego do uso delas. – A segunda causa a considerar é a utilidade. Pois, as penas são infligidas corno uns remédios. a fim de, aterrorizando o homem, fazê–la deixar de pecar. Ora. o sacrílego, que não respeita as causas sagradas, não o obriga suficientemente a deixar o pecado o facto de lhe ser interdito o uso das coisas sagradas, com as quais não se importa. Por isso, as leis humanas lhe infligem, além dessa, a pena capital. Mas. a sentença da Igreja, que não inflige a morte corporal, aplica–lhe uma pena pecuniária, para que ao menos, por temor das penas corporais, os homens deixem de cometer sacrilégios.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A Igreja não inflige a morte corporal; mas sim, em lugar dela, a excomunhão.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É necessário infligir duas penas, quando uma só não basta para fazer suficientemente o pecador abandonar o pecado. Por isso, é necessário acrescentar à pena da excomunhão alguma pena temporal, para coibir os homens que desprezam as coisas espirituais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se o dinheiro fosse exigido sem causa racional, isso poderia dar ocasião à avareza. Mas, quando exigido para correção do homem, tem manifesta utilidade. E assim não dá ocasião à avareza.

Art. 3 – Se as espécies de sacrilégio se distinguem segundo as coisas sagradas.

O terceiro discute–se assim. – Parece que as espécies de sacrilégio se distinguem segundo as coisas sagradas.

1. – Pois, a diversidade material não diversifica a espécie, onde há a mesma razão formal. Ora, na violação de quaisquer causas sagradas parece que existe a mesma razão formal de pecado, sendo diversa só a matéria. Logo, por aí não se diversificam as espécie de sacrilégio.

2. Demais. – Não é possível seres da mesma espécie diferirem especificamente. Ora, o homicídio, O furto, o concúbito ilícito são espécies diversas de pecado. Logo, não podem pertencer à mesma espécie do sacrilégio. Portanto, parece que as espécies de sacrilégio distinguem–se conforme às diversas espécies dos outros pecados, e não conforme à diversidade das cousas sagradas.

3. Demais. – Entre as coisas sagradas também se contam as pessoas sagradas. Se portanto violar uma pessoa sagrada fosse uma espécie de sacrilégio, resultaria que todo pecado cometido por tal pessoa seria sacrilégio porque qualquer pecado viola a pessoa do pecador. Logo, as espécies de sacrilégios não se distinguem segundo as coisas sagradas.

Mas, em contrário, os atos e os hábitos se distinguem pelos seus objetos. Ora, as coisas sagradas são o objeto do sacrilégio, como se disse. Logo, as espécies de sacrilégio se distinguem segundo a diferença das coisas sagradas.

SOLUÇÃO. – Como se disse, o pecado de sacrilégio consiste em faltar à reverência para com uma coisa sagrada. Ora, é–lhe devida reverência em razão da sua santidade. Por onde, a natureza diversa da santidade das coisas sagradas, para com as quais se faltou pela irreverência, há de necessariamente diversificar as espécies de sacrilégios. Pois, o sacrilégio é tanto mais grave quanto maior é a santidade da coisa sagrada contra a qual se peca.

Ora, a santidade é atribuída tanto às pessoas sagradas, isto é, dedicadas ao culto divino, como aos lugares sagrados e a certas outras coisas sagradas. Mas, a santidade do lugar se ordena à santidade do homem, que nele presta culto a Deus. Pois, diz a Escritura: Deus não escolheu o povo por amor do templo, mas escolheu o templo por amor do povo. Portanto, mais grave pecado é o cometido contra uma pessoa sagrada do que o cometido contra um lugar sagrado. Mas, em ambas essas espécies de sacrilégio, há graus diversos, segundo as diferenças de pessoas e dos lugares sagrados.

Semelhantemente a terceira espécie de sacrilégio, cometido contra outras coisas sagradas, tem diversos graus, segundo as diferenças dessas coisas, – Entre eles o primeiro lugar é o dos sacramentos, pelos quais o homem se santifica; deles o principal é a Eucaristia, que encerra o próprio Cristo. Por onde, o sacrilégio cometido contra esse sacramento é de todos o gravíssimo. ­ Depois dos sacramentos, ocupam o segundo lugar os vasos consagrados para recebê–los; e as imagens, e as relíquias dos santos, nas quais de certo modo as pessoas mesmas, dos santos são veneradas ou desrespeitadas. Depois, vêm as que servem para o ornato da igreja e dos ministros. Em seguida, às destinadas ao sustento dos ministros, quer sejam móveis, quer imóveis. Portanto, quem peca contra qualquer dessas cousas incorre em crime de sacrilégio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todas essas coisas refendas não são igualmente santas. Logo, a diferença das coisas sagradas é, não só material, mas também formal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede que dois seres da mesma espécie, à uma luz, sejam, a outra, de espécies diversas. Assim, Sócrates e Platão têm a mesma espécie animal; mas; diferem pela espécie de cor, se um for branco e outro preto. Do mesmo modo, também é possível dois pecados diferirem especificamente pelos atos materiais, mas terem de comum a mesma espécie fundada na mesma noção formal de sacrilégio. Talo caso, por exemplo, de quem violasse uma religiosa, batendo–a ou com ela coabitando.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Todo pecado cometido por uma pessoa sagrada, materialmente falando é como por acidente, é sacrilégio. Por isso Jerônimo diz: As futilidades, na boca do sacerdote, são sacrilégio ou blasfémia. Mas, formal e propriamente falando, só é sacrilégio o pecado de uma pessoa sagrada cometido diretamente contra a sua santidade; como, por exemplo, no caso de fornicar uma virgem consagrada a Deus. E o mesmo se diga dos casos semelhantes.

Art. 2 – Se o sacrilégio é um pecado especial.

O segundo discute–se assim. – Parece que o sacrilégio não é um pecado especial.

1. – Pois, diz um cânone: Cometem sacrilégio os que aqem contra a santidade da lei divina, por ignorância, ou a violam e ofendem, por negligência. Ora, todos os pecados levam a tal; pois, pecado é toda obra, toda palavra ou todo desejo contrário à lei de Deus, como diz Agostinho. Logo, o sacrilégio é um pecado geral.

2. Demais. – Nenhum pecado especial está contido nos diversos gêneros de pecado. Ora, o sacrilégio entra em gêneros diversos de pecado. Por exemplo no de homicídio, como quando alguém mata um sacerdote, no de luxúria, quando viola uma virgem consagrada, ou qualquer mulher, em lugar sagrado; no furto, quando furta uma coisa sagrada. Logo, o sacrilégio não é um pecado especial.

3. Demais. – Todo pecado especial é distinto dos outros pecados, como diz o Filósofo, da justiça, em especial. Ora, parece que o sacrilégio não vai sem os outros pecados; mas, umas vezes anda unido ao furto, outras, ao homicídio, como se disse. Logo, não é um pecado especial,

Mas, em contrário, opõe–se à virtude especial da religião, cujo fim é reverência a Deus e às coisas divinas. Logo, o sacrilégio é um pecado especial.

SOLUÇÃO. – Onde há uma deformidade de natureza especial aí há de necessariamente haver um pecado especial. Pois, a espécie de uma causa se funda principalmente na sua razão formal e não, na matéria ou no sujeito. Ora, o sacrilégio implica uma deformidade de natureza especial, pela qual é violada uma coisa sagrada por alguma irreverência. Logo, é um pecado especial. E se opõe à religião. Pois, como diz Damasceno, a púrpura, feita vestimenta real, é honrada e glorificada; e quem a rasgar é condenado à morte, como se tivesse agido contra o rei. Assim também, aquele que violar uma coisa sagrada, por isso mesmo falta com a reverência devida a Deus e, assim, peca por irreligião.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que agem contra a santidade da lei divina os que atacam a lei de Deus, como o, heréticos e os blasfemos. Os quais, por não crerem em Deus, incorrem no pecado de infidelidade, e no de sacrilégio, por perverterem as palavras da lei divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede o pecado de uma mesma natureza encontrar–se em vários géneros de pecado, quando pecados diversos se ordenam ao fim de um mesmo pecado. O que também se dá com as virtudes imperadas por uma mesma virtude. E, desse modo, comete formalmente um sacrilégio quem falta com a reverência devida às coisas sagradas, seja qual for o gênero de pecados a que esse pecado pertença; embora, materialmente, haja no caso diversos gêneros de pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O sacrilégio umas vezes aparece separado dos outros pecados, porque esse ato não tem outra deformidade senão a da que tem a violação das coisas sagradas. Por exemplo, se um juiz prendesse alguém num lugar sagrado, que poderia licitamente prender em qualquer outro lugar.

Art. 1 – Se o sacrilégio é violação de uma coisa sagrada.

O· primeiro discute–se assim. – Parece que o sacrilégio não e a violação de uma coisa sagrada.

1. – Pois, diz uma decretal: Cometem sacrilégio os que disputam sobre a eleição feita pelo príncipe, duvidando se é digno da honra aquele que o príncipe escolheu. Ora, isto parece que não contém nada de sagrado. Logo, o sacrilégio não importa na violação de nada sagrado.

2. Demais. – No mesmo lugar se acrescenta: quem permitir aos judeus exercerem ofícios públicos seja excomungado como sacrílego. Ora, esses ofícios nada contêm de sagrado. Logo, parece que o sacrilégio não importa na violação de nada de sagrado.

3. Demais. – Maior é a virtude de Deus que a do homem. Orâ, as coisas sagradas tiram de Deus a sua santidade. Logo, não podem ser violadas pelo homem, e portanto o sacrilégio não parece urna violação de qualquer coisa sagrada.

Mas, em contrário, Isidoro: O sacrílego é assim chamado por tirar, isto é, furtar, as causas sagradas.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, chama–se sagrado o que é ordenado ao culto divino. Pois, assim como o que se ordena a um fim bom é bom por natureza; também o que é destinado ao culto divino torna–se por assim dizer uma coisa divina, e, portanto, é–lhe devida, de certo modo, a reverência devida a Deus. Logo, tudo o que constitui irreverência às causas sagradas constitue injúria a Deus e tem natureza de sacrilégio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO – Segundo o Filósofo, o bem comum do povo tem algo de divino. Por isso, os antigos chefes do Estado eram chamados divinos, como de certo modo ministros da divina providência, conforme aquilo da Escritura: Porque, sendo ministro do seu reino, não julgastes com equidade. E assim, por uma extensão de sentido, o que constitui irreverência ao príncipe, como, disputar sobre a retidão do seu juízo ou se é dever obedecer–lhe, constitui sacrilégio, por uma como semelhança.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O povo Cristão foi santificado pela fé e pelos sacramentos de Cristo, conforme àquilo do Apóstolo: Mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados. E por isso diz Pedro: Vós sois a geração escolhida, o sacerdócio real, a gente santa, o povo de aquisição. Portanto, o que constitui injúria do povo Cristão, por exemplo, ser governado por infiéis, constitui irreverência ao que é sagrado. Por isso se chama com razão sacrilégio.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Violação, aqui, em sentido lato, significa qualquer irreverência, qualquer falta de respeito. Ora, assim como a honra está em quem honra e não em quem é honrado, como diz Aristóteles, assim também, a irreverência, em quem a comete, embora em nada prejudique aquele a quem é dirigida. Logo, pelo que lhe toca, a autor da violação viola a causa sagrada, embora esta não seja violada.

AdaptiveThemes