O oitavo discute–se assim. – Parece que a religião não é o mesmo que a santidade.
1. – Pois, a religião é uma virtude especial, como se estabeleceu. Ora, a santidade é considerada uma virtude geral, pois como diz Andronico, é ela que nos torna fiéis e observantes do que é justo para com. Deus. Logo, a santidade não é o mesmo que a religião.
2. Demais. – Parece que a santidade implica a pureza; pois, como diz Dionísio, a santidade é a pureza isenta de toda mancha, perfeita e absolutamente imaculada. Ora, parece que a pureza é própria, sobretudo da temperança, que evita principalmente as torpezas corporais. Logo, pertencendo à religião à justiça, parece que a santidade não é o mesmo que a religião.
3. Demais. – Causas que se dividem por oposição não são idênticas. Ora, como já se determinou, a santidade entra na mesma divisão que a religião, numa certa enumeração das partes da justiça. Logo, a santidade não é o mesmo que a religião.
Mas, em contrário, diz o Evangelho: Sirvamo–lo em santidade e justiça. Ora, servir a Deus é próprio da religião, como já se estabeleceu. Logo, a religião não é o mesmo que a santidade.
SOLUÇÃO. – A santidade, por denominação, implica dois elementos. Um, a pureza, para significar a qual emprega–se o vocábulo grego ăΥιoĉéí. – como quem diz – sem terra; O outro é a firmeza; por isso, entre os antigos, eram santas as cousas protegidas pelas leis, devendo assim não ser violadas. Donde o dizer–se ordenado (sancitum) o que é determinado por lei. Mas, entre os Latinos, o nome santo (sanctus) pode ser empregado para exprimir a pureza; significando então santo o que é, por assim dizer tinto de sangue, porque antigamente os que queriam purificar–se eram tintos com o sangue da vitima, como diz Isidoro.
E uma e outra significação convém em atribuir a santidade às cousas aplicadas ao culto divino; de modo que consideramos santos não só os homens, mas também o templo, os vasos e cousas semelhantes quando aplicadas a esse culto. – Pois, a pureza é necessária para que o espírito se aplique a Deus. Porque o espírito humano torna–se impuro quando imerge nas causas inferiores, assim como qualquer cousa se mancha misturando–se com o que é pior – por exemplo, o ouro, com o chumbo. Ora, é necessário a inteligência separar–se das causas inferiores para poder unir–se ao ser supremo. Por onde, o espírito não pode, sem a pureza, aplicar–se a Deus. Por isso diz a Escritura: Segui a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá a Deus. – Também a firmeza é necessária para a mente se aplicar a Deus; pois, esta se lhe aplica como ao último fim e ao princípio, que forçosamente são o que há de mais imóvel. Por isso dizia o Apóstolo: Eu estou certo que nem a morte, nem a vida me apartará do amor de Deus.
Assim, pois, chama–se santidade a aplicação que faz a mente do homem, de si mesmo e de seus atos, a Deus. Por onde, não difere da religião essencialmente, mas só racionalmente. Pois, a religião consiste em prestarmos a Deus a submissão devida, no que respeita em especial o seu culto, como, fazendo sacrifícios, oblações e cousas semelhantes. A santidade, por seu lado, consiste em referirmos a Deus não só tais cousas, mas também as obras das outras virtudes, ou dispondo–nos pelas boas obras ao culto divino.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A santidade é por essência uma virtude especial e, esta luz, é de certo modo o mesmo que a religião. Pois, implica uma certa generalidade, ordenando, pelo império, ao bem divino todos os atos de virtude. Assim como a "justiça legal considera–se uma virtude geral, enquanto ordena todos os atos de virtude para o bem comum”.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A temperança produz por certo a pureza, sem contudo implicar a santidade, por natureza, salvo se referir–se a Deus. Por isso da própria virgindade diz Agostinho: É honrada, não por ser virgindade, mas, por ser dedicada a Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A santidade é distinta da religião por causa da diferença referida; não por diferir dela realmente, mas só racionalmente, como se disse.